15 de dezembro de 2022

"Azor" mostra horror da ditadura na Argentina sem sangue e a partir dos ricos

Diretor argentino-suíço Andreas Fontana aborda o período por meio do olhar da elite e seus conchavos

Sylvia Colombo


Existem centenas de filmes argentinos sobre os períodos ditatoriais que o país viveu no século 20. E com diferentes abordagens. Há produções politizadas, românticas. As que focam os desaparecidos e quem os busca e as que tratam dos militares e da crueldade da tortura. Há ainda as que contam como foram suas consequências a longo prazo, os traumas da sociedade argentina de hoje.

"Azor", que estreia nesta semana no Brasil, é um filme quase único ao propor uma abordagem original. Escolhe contar uma história que se passa na mais recente ditadura militar, que ocorreu de 1976 a 1983, sem mostrar quase nada da violência política.


O filme segue um banqueiro suíço, Yvan de Wiel, vivido por Fabrizio Rongione, que vem à Argentina em 1980 com a mulher, Ines, papel de Stéphanie Cléau, com dois objetivos. Um deles é descobrir o que ocorreu com seu sócio, que desapareceu de repente deixando o apartamento desarrumado e sem se despedir de ninguém. A possibilidade de que tenha se envolvido com algo ilícito e ao mesmo tempo sedutor e terrível permeia o filme.

O segundo objetivo, não menos importante, é garantir que os clientes do tal banco não se sintam desamparados e continuem confiando suas imensas fortunas a essa entidade. "A história transcorre nesse mundo do dinheiro, da elite, em que há que se adivinhar coisas por meio do silêncio das conversas mornas e fúteis. O que de fato importa na trama é o não dito, é o insinuado, é o fascínio que exercem as pessoas de poder e dinheiro, ao mesmo tempo em as mesmas vivem uma tremenda solidão", diz Fontana.

De Wiel e a mulher sabem que as respostas de suas duas angústias, o que aconteceu com o sócio René Keys e se os investidores seguirão apostando no banco, só podem ser respondidas pelas mesmas pessoas. São as que estão por trás dos abusos de direitos humanos, mas que não mancharam suas mãos com o trabalho sujo, mantiveram um cruel silêncio diante dos embates políticos e lucraram muito no período. Na bolha em que vivem, parece existir apenas jardins bonitos com piscina, propriedades equestres e salões de clubes sociais.

"Essa Buenos Aires do dinheiro e dos personagens poderosos ainda é muito atual. Nessa esfera se contam histórias como a de Keys, falam do que está acontecendo no país, mas com mais insinuações e silêncios do que abertamente. E é preciso estar lá, dar as caras, se aproximar das pessoas certas e as seduzir para não ser traído, para não ter um fim como o do banqueiro desaparecido", diz Fontana.

Falado em francês e em espanhol, "Azor" é um thriller político, um suspense narrado em um clima de tensão furiosa, embora quase nada vocalizada. O que se acompanha é o processo de tomada lenta de consciência de De Wiel. No começo, ele parece se horrorizar com o que escuta, tem medo de dar um passo em falso e se assusta com o que imagina poder estar acontecendo. Aos poucos, vai entrando no jogo de sedução e traição de seus interlocutores —empresários, líderes da Igreja, militares, socialites.


"É curioso como se trata de um filme em que as reações podem variar muito. Quem não conhece tanto a história da Argentina fica entretido no processo pelo qual passa o protagonista. Quem conhece fica tentando completar as lacunas, porque o filme não é didático nesse sentido. E há países em que é recebido como um filme do gênero thriller, como a Espanha, e outros, como o México, que veem nele uma perspectiva anti-imperialista", diz Fontana.

"Azor" é uma gíria entre os banqueiros, que revela a precaução que se deve tomar no labirinto em que o filme vai se metendo. Outra referência clara é "Coração das Trevas", de Joseph Conrad, com De Wiel em busca de seu próprio senhor Kurtz, e "o horror" desenhado na história dos anos de chumbo argentinos.

O filme conta com excelentes atuações, como a do protagonista e a de Pablo Torre Nilsson, que encarna o monsenhor Tatoski, apoiador da ditadura que aposta em cavalos e na Bolsa. O clima sufocante da trama leva a pensar também nos universos criados por outra argentina, Lucrecia Martel. Diferentemente dela, porém, "Azor" tem a ação numa cidade grande, agitada e sofisticada.​

AZOR
Quando Estreia nesta quinta (16) Onde Nos cinemas Classificação 12 anos Elenco Fabrizio Rongione, Stéphanie Cléau, Carmen Iriondo Produção Suíça, França, Argentina, 2021 Direção Andreas Fontana

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