23 de setembro de 2024

Fredric Jameson, crítico que ligou a literatura ao capitalismo, morre aos 90 anos

Entre os principais críticos acadêmicos do mundo, ele trouxe seu rigor analítico a tópicos tão diversos quanto ópera alemã e filmes de ficção científica.

Clay Risen


Fredric Jameson em 2013 em seu escritório na Duke University, onde passou a maior parte de sua carreira como professor. Seus livros eram leitura obrigatória para muitos estudantes de pós-graduação em vários campos. Duke University

Fredric Jameson, um dos mais influentes críticos literários do mundo por mais de 40 anos, trazendo sua crítica marxista rigorosa e incisiva para tópicos tão amplos quanto ópera alemã, filmes de ficção científica e design de hotéis de luxo, morreu no domingo (22) em sua casa em Connecticut, nos Estados Unidos.

Ele tinha 90 anos. Sua filha Charlotte Jameson confirmou a morte sem informar a causa.

O crítico americano Fredric Jameson, durante debate na sede da Folha em São Paulo, em 1996 - Bel Pedrosa/Folhapress

Por décadas, a obra volumosa de Jameson —mais de 30 livros e coleções, bem como inúmeros artigos em revistas— tem sido leitura obrigatória para estudantes de pós-graduação (e alguns alunos precoces), não apenas em literatura, mas também em estudos de cinema, arquitetura e história.

Embora tenha sido um escritor muito acadêmico e nunca tenha alcançado o nível de alcance público de alguns de seus colegas da teoria literária, como Slavoj Zizek e Harold Bloom, seu trabalho foi tão influente quanto o deles, se não mais.

Jameson, que passou grande parte de sua carreira como professor na Universidade Duke, era mais conhecido por dois feitos singulares, qualquer um dos quais marcaria um pesquisador para a imortalidade intelectual.

Primeiro, a partir do início dos anos 1970, ele liderou o esforço para importar para círculos americanos as perspectivas críticas do marxismo ocidental —um conjunto diversificado de ideias, popular na França e na Alemanha, organizado em torno da noção de que a cultura estava intimamente relacionada à base econômica de uma sociedade, embora não limitada por ela.

Jameson trouxe essa análise, formulada na primeira metade do século 20, de raiz industrial, para a segunda metade, já globalizada e impulsionada pela tecnologia, um período em que a penetração cada vez maior do capitalismo na cultura cotidiana era tanto vertiginosa quanto anestesiante.

"Estamos, daqui em diante, tão distantes das realidades da produção e do trabalho no mundo que habitamos um mundo de sonhos de estímulos artificiais e experiências televisivas", escreveu em "Marxismo e Forma" (1971).

Ele resumiu grande parte desse trabalho em seu livro de 1981, "O Inconsciente Político", no qual mostrou como a história das formas narrativas, desde a épica homérica até o romance moderno, foi moldada pela evolução do capitalismo, e como essas formas iluminavam e ofuscavam as estruturas capitalistas.

Então, em meados dos anos 1980, usou esse mesmo arsenal de ideias para enfrentar seu segundo desafio: uma crítica ao pós-modernismo, que, a partir dos anos 1970, havia se estabelecido em departamentos acadêmicos para descrever o que muitos viam como a quebra de grandes narrativas sobre história, cultura e sociedade.

Em resposta, Jameson argumentou que o pós-modernismo era ele próprio apenas mais uma grande narrativa, embora tentasse disfarçar seu próprio status.

Por esse motivo, ele não descartou o pós-modernismo de imediato: em "Pós-Modernismo - A Lógica Cultural Do Capitalismo Tardio" (1991), concluiu que "o pós-modernismo é tão incomum quanto pensa ser, e que constitui uma ruptura cultural e experiencial que vale a pena explorar em maior detalhe".

Seu objetivo nesse livro, e em muitos que se seguiram, era historicizar o pós-modernismo, mostrar como ele funcionava dentro do contexto mais amplo do capitalismo em estágio avançado, assim como estudiosos marxistas anteriores argumentaram que o modernismo vinha em função da era industrial.

A prosa densa e intrincada de Jameson não era para os fracos, e até leitores comprometidos às vezes achavam difícil: ele ganhou duas vezes o "Concurso Anual de Má Escrita" da revista Philosophy and Literature.

Mas seus agradáveis insights sobre a cultura pop tornaram o esforço válido para alguns leitores. Em "A Virada Cultural", por exemplo, ele argumentou de forma convincente que "Star Wars" era um filme de nostalgia, destinado a satisfazer os anseios dos baby boomers pelos seriados de ficção científica de sua juventude.

Sempre produtivo, ele continuou a produzir —seu livro mais recente, "Invenções de um Presente: O Romance em Sua Crise de Globalização", foi lançado em maio, e outro, "Os Anos da Teoria: Pensamento Francês Pós-Guerra até o Presente", está previsto para outubro.

Embora nunca tenha simplificado sua prosa para atrair um público mais amplo, Jameson fezmais incursões na escrita para leitores mais gerais, embora ainda eruditos. Isso incluiu 17 artigos para o London Review of Books entre 1994 e 2022, nos quais ele abordou escritores contemporâneos como Margaret Atwood e Karl Ove Knausgard.

Fredric Ruff Jameson nasceu em 14 de abril de 1934, em Cleveland, Estados Unidos. Seu pai, Frank, era médico, e sua mãe, Bernice, cuidava da casa. Ele se formou em inglês em 1954 e depois viajou pela Europa, onde encontrou a teoria marxista ocidental. Retornou após um ano para fazer doutorado em literatura na Universidade Yale e se formou em 1959 com uma dissertação sobre o francês Jean-Paul Sartre.

Jameson lecionou em Harvard, em Yale e na Universidade da Califórnia, antes de chegar à Duke, na Carolina do Norte, em 1985. Ele permaneceu naquele corpo docente até sua morte.

Ele se casou com Janet Corcoran em 1963; eles se divorciaram em 1974. Casou-se em seguida com Susan Willis em 1976, sua viúva. Deixa seis filhos, um enteado e 12 netos. Sua filha Ann Jameson morreu em 2022.

Devido à sua produtividade e originalidade, o corpo de trabalho de Jameson mapeia a evolução não só de seu próprio pensamento, mas também da sociedade capitalista nas últimas décadas —desde o surgimento da globalização neoliberal nos anos 1970 ao colapso da União Soviética, até a dominância da internet. Todas essas mudanças, ele argumentou, poderiam ser mais bem compreendidas pela forma como moldaram a literatura e a cultura.

E continuou a insistir que, mesmo quando o capitalismo global reduzia os seres humanos a likes, tuítes e compras online, as pessoas também possuíam as ferramentas de sua própria libertação.

"Parece ser mais fácil para nós hoje imaginar a deterioração completa da terra e da natureza do que o colapso do capitalismo tardio", escreveu em "As Sementes do Tempo" (1994). "Talvez isso se deva a alguma fraqueza em nossas imaginações."

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