5 de setembro de 2022

STF tem plano de resgate para ministros no 7 de Setembro: tudo vai bem?

Que democracia é essa que precisamos de uma contingência? Acordemos, pois

Lenio Luiz Streck
Jurista, professor e advogado

Folha de S.Paulo

O grande Norberto Bobbio dizia que a lição número um de um cientista é não comparar ovos com caixa de ovos. Sempre dá errado.

Mesmo com todas as ameaças já feitas à democracia pelo presidente da República, que geraram a Carta às Brasileiras e aos Brasileiros, parte da grande mídia continua apostando em uma certa igualação-comparação entre as duas candidaturas que lideram as pesquisas.

Trata-se da "tese dos dois demônios". E, com isso, a violência de uma candidatura justifica a outra.

Das duas, uma. Ou a tese dos dois demônios é um raso truque retórico pelo qual se temos que, inexoravelmente, criticar um amigo (ou ex-amigo; e a imprensa flertou sobremodo com Bolsonaro), temos de, ao mesmo tempo, esculhambar um inimigo, arrastando-o para o mesmo terreno da infâmia, ou os formadores de opinião não compreendem o momento histórico: já não se trata de uma eleição, mas de um referendo.

Manifestantes em atos de 7 de Setembro de 2021 - Pedro Ladeira - 7.set.21/Folhapress

O ápice: jornais noticiam que o Supremo Tribunal Federal possui um plano de resgate para o caso de ataque aos ministros. Então isso é normal? Possível ataque físico ao STF e a seus membros é produto da "polarização"? Ou há algo mais no ar que os aviões de carreira?

Isto é: o Brasil está em uma encruzilhada —e só por isso foi lançada a carta no largo da USP. Se ainda não compreendemos e nos preocupamos em fazer comparações pseudamente neutrais das virtudes e defeitos de Lula (PT) e de Jair Bolsonaro (PL), é porque o cavalo está passando encilhado e pode derrubar o dono e quebrar o celeiro todo.

O que levaria o STF a temer pela integridade de seu prédio e seus ministros? Mistério? Se não conseguirmos responder a essa pergunta é porque talvez tenhamos perdido o trem da história e a própria capacidade de separar o joio do trigo. O que é isso —a democracia?

Que democracia é essa que precisamos de plano de contingência para o Supremo? Acordemos, pois.

Pior: não nos perguntamos por qual razão a carta foi necessária. E porque o guardião da Constituição —o STF— está em perigo.

O receio dos formadores de opinião em fazer críticas diretas ao establishment parece mostrar que a história lhes passa pelos olhos e ouvidos sem que se deem conta. Para eles parece que "tudo vai bem".

Tudo vai bem no Brasil? Pois é. "Brasil - a Festa Continua": faço aqui uma paródia ao livro de Alan Riding, "Paris - a Festa Continuou", que trata da vida cultural da cidade durante a ocupação nazista. Há uma bela passagem, que fala de uma canção popular de 1936, composta por Ray Ventura, chamada "Tout Va Très Bien, Madame La Marquise" ("Tudo Vai Bem, Madame La Marquise").

A canção denunciava o que a França fingia não ver: o cataclismo que se aproximava. Na canção, os empregados de uma aristocrata continuavam a lhe assegurar que tudo estava bem, embora um incêndio tomara conta de seu castelo, destruindo os estábulos e matando a sua égua premiada. Além disso, o marido da madame cometera suicídio, mas, ainda assim, não havia com o que se preocupar, porque "tout va très bien, madame La Marquise".

Também há o filme italiano "Stanno Tutti Bene" (1990), com Marcello Mastroianni (os filhos estavam todos "bem": mas o que era maestro, na verdade, apenas tocava tambor!).

Daí a pergunta: tudo vai bem nos 200 anos da Independência? Mais uma pergunta, agora final: se o plano de contingência do STF falhar, qual será o nosso plano de resgate?

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