Escolha de Tomás, consolidada no discurso pró-democracia do general, também embute riscos
Igor Gielow
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por um tratamento de choque, uma proverbial bomba atômica, para tentar colocar fim à incipiente crise que vive com as Forças Armadas. É uma aposta que embute riscos.
O general Tomás Miguel Ribeiro Paiva chega à chefia do Exército com uma missão complexa, a de enquadrar seus pares mais radicalizados no Alto-Comando. Nada disso deverá transformar o petista em um homem admirado pelos fardados, mas nos últimos dias havia observadores da cena militar preocupados com o grau do azedume no colegiado.
O general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que será o novo comandante do Exército - Exército Brasileiro |
Ele é composto por 16 militares de quatro estrelas, a mais alta patente militar, e a Força terrestre é dominante sobre a Marinha e a Aeronáutica por concentrar cerca de 60% dos 360 mil fardados brasileiros e ter forte capilaridade.
Desde que o golpismo de Jair Bolsonaro (PL) levou seus aderentes às portas dos quartéis pelo país, um debate surgiu no grupo. Não foram menos que quatro de seus integrantes que falaram abertamente em apoiar os radicais, com insinuações claras de insatisfação com o resultado da eleição.
A reação de Lula ao Capitólio brasileiro de 8 de janeiro consolidou o estranhamento. Houve uma leitura, mesmo entre os generais mais moderados, de que o petista foi incisivo em apontar parte da culpa pela baderna na praça dos Três Poderes nas Forças como instituição.
O ministro José Múcio (Defesa), criticado pelo próprio chefe por ter agido com suavidade com os golpistas antes do fatídico domingo, ao fim conseguiu apaziguar a relação com almirantes e brigadeiros. Faltava o acerto de contas com os generais, até pela visão de Lula de no mínimo leniência do Exército ante o golpismo bolsonarista dos últimos anos.
Essa certeza, compartilhada com interlocutores, mostra que a fase aguda da crise pode ser superada, mas que o mal-estar na caserna deverá prosseguir, a analisar o emprego do expediente da demissão em outros casos.
É algo raro, tendo ocorrido quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) demitiu um comandante da FAB por criticar o ministro da Defesa em 1999, e no mais grave episódio desde a convulsão de 1977, quando Bolsonaro derrubou toda a cúpula da Defesa em 2021, no movimento que cristalizou o seu sequestro do estamento militar.
O trabalho de Tomás será facilitado por dois motivos. Primeiro, ele já era um dos favoritos para o cargo em dezembro por antiguidade (segundo na fila), ficando de fora porque o general Julio César de Arruda era mais longevo e devido a um temor, entre petistas, de suas instâncias políticas.
É respeitado como líder de tropa e, de quebra, tem interlocução diversa —foi ajudante de ordens de FHC, conversa bem com políticos, tinha sua indicação apoiada por ex-ministros da Defesa.
O segundo ponto em favor dele é justamente o caminho tomado com essa desenvoltura.
Tomás era chefe de gabinete de Eduardo Villas Bôas, o comandante do Exército que pilotou a volta dos militares à arena política sob Bolsonaro, e nessa condição ajudou a redigir o famoso tuíte em que o general admoestava o Supremo a não conceder o habeas corpus que evitaria 580 dias de cadeia para Lula, em 2018.
Tomás, já rumo à reserva, proferiu um caudaloso discurso de defesa da democracia e do apartidarismo do Exército na quarta (18), quando Lula já procurava uma alternativa para enquadrar a Força. A eloquência na defesa do resultado das urnas e do papel apolítico dos militares foi o equivalente a uma homilia rezada por cardeal candidato a papa em uma das nove missas que antecedem um conclave: uma carta-compromisso.
Arruda, uma escolha conservadora de Múcio, se mostrava pouco reativo ao desejo do presidente de punir os envolvidos no vandalismo em Brasília.
Restará a Tomás navegar a turbulência natural de um evento traumático, na visão dos quartéis, como a demissão em nome de asseverar autoridade. Aí mora o maior risco de Lula, de que seu ato acabe plantando mais insatisfação a emergir.
Se a situação se acomodar, contudo, Lula poderá ter dado o primeiro passo para empurrar a política e o bolsonarismo ativista para fora da caserna, ao mesmo tempo em que manteve o apaziguador Múcio na cadeira —se dependesse do PT, o ministro já estava na rua. Não terá sido pouca coisa, dado a animosidade reinante.
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