Breno Altman
Folha de S.Paulo
A diretora Petra Costa durante as filmagens do documentário "Democracia em Vertigem". É dela também as obras de ficção "Elena" e "O Olmo e a Gaivota" Diego Bresani/Divulgação |
O documentário “Democracia em Vertigem” não é para corações e mentes desavisados. Cada pedaço da narrativa é um golpe no estômago, flertando com a tessitura de uma tragédia shakespeariana.
Emociona e estremece o espectador como uma ficção do melhor cinema, mas sua matéria-prima e linguagem são forjados pela realidade mais bruta. O tempo voa, o ritmo é contagiante, levando a um estado de exaustão, dor e perplexidade frente à decomposição nacional.
Várias obras já foram produzidas sobre o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a Operação Lava Jato. Nenhuma delas, no entanto, tentou ir tão fundo na perfuração das camadas sobre as quais se construiu a trajetória recente do país.
“Democracia em Vertigem” é um libelo contra o desmoronamento de um sonho de liberdade e justiça, mas nenhum dos personagens, incluindo as vítimas centrais desse terremoto político, foi poupado pela documentarista.
Suas cenas revelam o composto de mesquinhez, mediocridade e cobiça dos sujeitos que tramaram a derrubada de uma presidente legítima, sequestraram o sistema judicial e viraram a mesa para voltarem a imperar. Expõem igualmente possíveis erros e fragilidades das lideranças petistas que simbolizavam um novo mundo possível.
Petra conduz seu trabalho a partir de uma opção corajosa como narradora. Deixa claro que tem lado na história, ao melhor estilo do documentarista holandês Joris Ivens e do chileno Patricio Guzmán. Os fatos são costurados a partir de olhares pessoais e experiências familiares, expectativas e frustrações, com honestidade à flor da pele.
Pais de esquerda, avô empreiteiro, a diretora escancara antecedentes. Seu depoimento, intenso e direto, vai fundindo imagens, entrevistas e resgates factuais. Voz mineira, despida de arrogância, conquista naturalmente a empatia dos espectadores.
Bem editado, com inéditas cenas de bastidores assinadas por Ricardo Stuckert, o documentário tem momentos estonteantes. Alguns desses se referem à vulnerabilidade do petismo frente à revolta previsível das famílias que mandam no dinheiro grosso.
Destaca-se a entrevista de Gilberto Carvalho, um dos mais próximos assessores de Lula, reconhecendo que o PT deixou-se sequestrar pelo velho sistema político, sem força e vontade para rompê-lo, abandonando o veio original da organização e mobilização do povo.
Também interessante é ouvir o ex-presidente se arrependendo de ter postergado a regulação dos meios de comunicação. Coube à cineasta, enfim, levar ao grande público algumas das clamadas autocríticas petistas.
Lula e Dilma não são idealizados. Ao contrário, recebem criticas ácidas por várias de suas decisões. Certos diálogos e recortes indicam incríveis ilusões, quase ingênuas, anti-históricas, com o comprometimento democrático das oligarquias.
Pode-se questionar o tratamento superficial a determinadas passagens. Faz parte. Sua pegada é a de um registro autoral e sintético sobre uma nação que subitamente se perdeu, quando o partido da casa grande decidiu expulsar do poder os inquilinos migrados da senzala.
Tudo fica mais triste e chocante quando tamanha regressão é condensada em pouco menos de duas horas. Esse retrato de uma ferida em carne viva provoca sofrimento, raiva e vergonha. Oxalá ajude a alimentar algum sentimento de revolta, sem o qual jamais os povos dão a volta por cima.
Pais de esquerda, avô empreiteiro, a diretora escancara antecedentes. Seu depoimento, intenso e direto, vai fundindo imagens, entrevistas e resgates factuais. Voz mineira, despida de arrogância, conquista naturalmente a empatia dos espectadores.
Bem editado, com inéditas cenas de bastidores assinadas por Ricardo Stuckert, o documentário tem momentos estonteantes. Alguns desses se referem à vulnerabilidade do petismo frente à revolta previsível das famílias que mandam no dinheiro grosso.
Destaca-se a entrevista de Gilberto Carvalho, um dos mais próximos assessores de Lula, reconhecendo que o PT deixou-se sequestrar pelo velho sistema político, sem força e vontade para rompê-lo, abandonando o veio original da organização e mobilização do povo.
Também interessante é ouvir o ex-presidente se arrependendo de ter postergado a regulação dos meios de comunicação. Coube à cineasta, enfim, levar ao grande público algumas das clamadas autocríticas petistas.
Lula e Dilma não são idealizados. Ao contrário, recebem criticas ácidas por várias de suas decisões. Certos diálogos e recortes indicam incríveis ilusões, quase ingênuas, anti-históricas, com o comprometimento democrático das oligarquias.
Pode-se questionar o tratamento superficial a determinadas passagens. Faz parte. Sua pegada é a de um registro autoral e sintético sobre uma nação que subitamente se perdeu, quando o partido da casa grande decidiu expulsar do poder os inquilinos migrados da senzala.
Tudo fica mais triste e chocante quando tamanha regressão é condensada em pouco menos de duas horas. Esse retrato de uma ferida em carne viva provoca sofrimento, raiva e vergonha. Oxalá ajude a alimentar algum sentimento de revolta, sem o qual jamais os povos dão a volta por cima.
Sobre o autor
Breno Altman é jornalista e fundador do site Opera Mundi
Breno Altman é jornalista e fundador do site Opera Mundi
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