8 de abril de 2025

EUA perderam o jogo e querem mudar regras, mas o Brasil tem espaço para negociar, diz Haddad

Ministro da Fazenda afirma que jogo está sendo jogado pelas maiores potências do mundo e que nada mais ficará constante

Mônica Bergamo


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que o presidente dos EUA, Donald Trump, deflagrou um processo disruptivo no mundo com o tarifaço anunciado na semana passada sobre produtos importados de mais de 180 países. E que, por isso, imaginar o que ocorrerá num futuro próximo é "um exercício intelectual que não condiz com o processo que estamos vivendo".

"Nada mais vai ficar constante", afirma.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Marlene Bergamo/Folhapress

Ele diz que os EUA tentam hoje reagir à China, para quem "perderam o jogo" da globalização mesmo com regras criadas por eles mesmos e que estavam em vigor até a posse de Trump.

Haddad diz ainda que o Congresso Nacional aprovou a lei da reciprocidade para mostrar que tem "um princípio" para negociar. E diz que o presidente Lula (PT) agirá com "a prudência devida" no diálogo com os EUA.

Afirma ainda que o país está em uma posição "relativamente vantajosa" por não ter sido penalizado com taxas draconianas e por não depender da economia norte-americana.

NOVA ORDEM GLOBAL

O Brasil vai reagir com reciprocidade ao tarifaço de Donald Trump? Ou está apenas ganhando tempo porque uma resposta poderia trazer mais prejuízos do que benefícios?
Em primeiro lugar, nós temos que entender o que está se passando.

Quem armou as regras do jogo da globalização, nos anos 1980, foram basicamente os EUA. Quarenta anos depois, eles descobriram que perderam o jogo. E querem mudar as regras do jogo.

O país que defendia o livre comércio, a OMC [Organização Mundial do Comércio], é o mesmo que hoje está adotando as políticas mercantilistas mais radicais desde há muito tempo.

Os EUA hoje se deparam com uma novidade no cenário geopolítico internacional: um país [a China] que não é só uma potência militar, como [foi] a União Soviética, ou só uma potência econômica, como era o Japão. A China é a conjugação do poder militar e do poder econômico.

É um país com 1,3 bilhão de habitantes e um PIB que cresce ainda fortemente. Que tem uma capacidade tecnológica invejável, inclusive em áreas em que os EUA se sentiam seguros, como a da inteligência artificial. Que faz investimentos vultosos onde são vulneráveis, como a indústria de chips.

Eles [chineses] são realmente um elemento muito desafiador, como os EUA ainda não tinham conhecido.

E para quem perderam.
Os EUA imaginavam que seriam o centro produtor de manufaturas, pela tecnologia, e que o mundo todo seria fornecedor de matéria-prima. E isso não aconteceu. Nas regras da globalização, portanto, eles perderam.

Mas a História não acabou. Os países reagem, como está acontecendo agora. A dúvida dos economistas mais sérios é se esse receituário do Trump será capaz de fazer os EUA recuperarem o terreno perdido.

Há dúvida também sobre o impacto na economia global de medidas de um país que representa, sozinho, mais de um quarto do PIB mundial. Estamos falando de uma coisa realmente disruptiva.

Trump, do ponto de vista do interesse dos EUA, estaria então talvez correto, ainda que não na forma?
Não me parece.

RESPOSTA

E o Brasil?
O Brasil, por meio do Itamaraty e do Ministério do Desenvolvimento [MDIC], do vice-presidente Geraldo Alckmin, verbalizou para os EUA que não fazia sentido uma retaliação contra o país, simplesmente porque eles são superavitários [no comércio] em relação a nós.

[O tarifaço] Não foi bom para ninguém, mas eles colocaram a América do Sul na melhor situação dentro do quadro geopolítico mundial. Foi a menor das sobretaxas [de importação] impostas [de 10% para o continente, com exceção da Venezuela e da Guiana].

Eles perceberam que a América do Sul é um continente muito vulnerável para a entrada da China, algo que já vem acontecendo.

O Uruguai, por exemplo, chegou a ameaçar sair do Mercosul para fazer um acordo de comércio com a China.

O Brasil, nesse contexto, tem uma situação muito particular. Nossas exportações crescem para os três blocos: EUA, Europa e Ásia —em particular para a China.

O governo esperava algo bem pior das medidas de Trump, não?
Eu estava na França na véspera [do anúncio do tarifaço], e o ministro das Finanças de lá não sabia o que ia acontecer no dia seguinte. Ninguém sabia.

Mas a sobretaxa sobre os produtos brasileiros, de 10%, foi recebida com um certo alívio.
As pessoas esperavam um cenário pior para o Brasil. E eu acredito que houve uma ponderação [dos EUA].

O Brasil aprovou no Congresso uma lei de reciprocidade —à revelia, inclusive, do [Jair] Bolsonaro, que tentou obstruir a votação. [Foi uma lei para expressar que] "Nós temos que ser tratados da forma como tratamos vocês." E há espaço para negociação. Sempre haverá.

O presidente Lula sempre deixou claro que não vai reagir apenas retoricamente, mas que vai agir com a prudência devida. Vai defender o trabalhador brasileiro, as indústrias brasileiras, vai exigir reciprocidade, mas tudo dentro da boa tradição diplomática brasileira, que tem sido muito bem-sucedida.

A aprovação da lei da reciprocidade serviu para mostrar que nós também temos armas e podemos revidar, mas que vamos sentar ainda para conversar?
Eu não chamaria de armas, pois não se trata de uma guerra. Nós temos um princípio.

Mas não haverá uma reciprocidade imediata.
Isso ainda está sendo estudado pelo MDIC e pelo Itamaraty, com suporte da Casa Civil e da Fazenda.

Acredito que temos espaço para aprofundar a discussão porque temos muita coisa para fazer juntos [o Brasil e os EUA].

INCERTEZAS

Que reflexos o tarifaço terá na economia brasileira? Vamos ter uma invasão de produtos chineses que fará a inflação baixar? A inflação nos EUA aumentará e os juros de lá vão baixar a ponto de mais dólares serem direcionados ao Brasil, o que também ajuda na queda dos preços aqui? A economia mundial vai esfriar e vamos exportar menos? Enfim, qual é a sua visão?
O problema de analisar a fotografia num momento dinâmico, em que transformações acontecem em bases semanais, é a cláusula do "tudo mais constante".

Tudo mais constante, o que vai acontecer? A hipótese está errada. Foi deflagrado um processo em que nada mais vai ficar constante.

Como a China vai reagir? E a Europa? O jogo que está sendo jogado envolve as maiores potências do mundo. Imaginar que tudo ficará constante e fazer um exercício intelectual dessa natureza não condiz com o processo que estamos vivendo.

OPORTUNIDADES

O senhor não arrisca nenhuma previsão? Eu imagino que o governo estuda os vários cenários
Desencadeou-se um processo muito complexo.

Mas o Brasil está em uma posição relativamente vantajosa. Não temos dívida externa. Temos reservas cambiais. Temos um bom fluxo de comércio com os três maiores blocos econômicos do mundo. Não temos dependência da economia norte-americana.

Temos um acordo com a União Europeia que pode ser aprofundado neste momento. Podemos repensar relações regionais [na América do Sul]. Enfim, nós temos condições de navegar nesse quadro de incertezas e buscar um traçado, uma trajetória que nos proteja.

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