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Um navio de carga transportando contêineres de comércio exterior zarpa do porto da cidade de Qingdao, província de Shandong, China, em 20 de abril de 2025. (Costfoto / NurPhoto via Getty Images) |
Entrevistado por
John-Baptiste Oduor
John-Baptiste Oduor
John-Baptiste Oduor
A tentativa de Donald Trump de subverter o sistema global de livre comércio desorientou seus críticos e apoiadores. A forte queda do mercado de ações, que se seguiu à imposição de tarifas sobre grande parte do mundo no mês passado, chocou os republicanos, bem como muitos dos bilionários apoiadores de Trump. Os liberais se uniram em apoio ao livre comércio e à globalização, que agora veem como um baluarte contra a direita MAGA. Enquanto isso, muitas das críticas que os liberais fizeram às tarifas, ao comércio e às causas da ascensão da China foram baseadas em mal-entendidos sobre a história do desenvolvimento global. No entanto, a esquerda tem uma profunda tradição de criticar o livre comércio sem adotar a linha dura de Trump.
A Jacobin conversou com o economista Ha-Joon Chang, autor de mais de uma dúzia de livros sobre desenvolvimento global e política industrial, sobre a guerra comercial em curso de Trump. Para Chang, o declínio relativo dos Estados Unidos é autoinfligido. Enquanto a China e outras nações anteriormente pobres aprenderam com a ascensão dos Estados Unidos, tornando-se potências industriais, os EUA minaram sistematicamente as fontes de sua própria força. Fizeram isso fortalecendo uma classe capitalista que prefere terceirizar e deslocalizar a investir produtivamente.
John-Baptiste Oduor
Sob Joe Biden, os Estados Unidos se propuseram explicitamente a aumentar sua participação na indústria manufatureira global. Nesse sentido, a presidência de Donald Trump está em grande parte em continuidade com a de seu antecessor. Mas o senso comum é que a tendência na maioria dos Estados capitalistas é de afastamento da indústria manufatureira e de aproximação aos serviços. Há algum precedente para o que Trump está tentando fazer?
Ha-Joon Chang
O declínio da indústria manufatureira americana desde a Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos tinham uma posição absolutamente dominante no mundo, é bastante impressionante. Em 1950, os Estados Unidos respondiam por 60% da produção manufatureira mundial. Agora, são apenas 16%. Naturalmente, os Estados Unidos estão preocupados. Mas acho que é tarde demais para reverter essa situação de forma significativa.
Em resposta direta à sua pergunta, há países que conseguiram se reindustrializar. Existem dois tipos de desindustrialização. Um é a desindustrialização, que ocorre porque a produtividade da indústria manufatureira cresceu e os produtos manufaturados se tornaram baratos em termos relativos.
Vinte anos atrás, com o dinheiro que você pode usar hoje para comprar um pequeno smartphone eficiente, que tipo de computador você poderia ter comprado? Um que fosse bem básico. Vinte anos atrás, você teria que pagar, sei lá, US$ 2.000 para comprar um laptop decente. Hoje em dia, você consegue comprar uns muito bons por US$ 300. Então, estamos produzindo e consumindo cada vez mais produtos manufaturados, mesmo nos países avançados. Mas os produtos manufaturados ficaram muito mais baratos porque esse setor teve um crescimento muito significativo na produtividade.
Isso é o que se poderia chamar de desindustrialização positiva. Países como Suécia e Finlândia, nas décadas de 1990 e 2000, experimentaram uma redução na participação da indústria manufatureira no PIB. Mas se você recalcular usando os preços antigos, verá que a produção industrial aumentou bastante.
Há também tipos negativos de industrialização, que é o que países como a Grã-Bretanha, primeiro, e depois os Estados Unidos, experimentaram. É aqui que o declínio do setor manufatureiro se deve à falta de investimento, à incapacidade de lidar com a concorrência estrangeira, e assim por diante.
Essa distinção é importante porque há países que viram sua participação na produção industrial diminuir a preços correntes. Se você calcular com base em preços constantes, parece que nas décadas de 1990 e 2000 o setor manufatureiro expandiu e encolheu cerca de 5 a 10% na Suécia e na Finlândia. Mas, na verdade, cresceu 50%, se você recalcular com os preços antigos.
Você pergunta se há um precedente de países recuperando seu setor manufatureiro. E, na verdade, a Suécia e a Finlândia acabaram de fazer isso. Por uma série de razões, no início da década de 1990, esses dois países experimentaram um declínio bastante significativo na participação da indústria manufatureira em suas economias. Na Finlândia, a indústria manufatureira representava 24% do PIB. Em 1991, havia caído para 17%. Na Suécia, a participação da indústria manufatureira no PIB caiu de 21% para 16% no mesmo período. Mas, no início dos anos 2000, a Finlândia elevou sua participação da indústria manufatureira no PIB para 24%, e a Suécia aumentou sua participação da indústria manufatureira no PIB para 20%.
A mesma tendência pode ser observada em Cingapura. Cingapura experimentou um declínio bastante significativo na indústria manufatureira em meados da década de 1980, de 27% para 20%. Mas, em meados da década de 2000, havia se recuperado para 27%. A propósito, Cingapura, apesar do que as pessoas pensam, é um dos países mais industrializados do mundo: em termos de produção industrial per capita, está entre os cinco primeiros do mundo. Há um mito interessante sobre ser uma economia de serviços.
O país mais industrializado do mundo é a Suíça. Você acha que os suíços estão lidando com o dinheiro sujo de ditadores do Terceiro Mundo e vendendo sinos de vaca e relógios cuco para turistas americanos e japoneses? Na verdade, é literalmente o país mais industrializado do mundo, se considerarmos a produção industrial por pessoa.
Esses países conseguiram reavivar sua indústria manufatureira e, desde então, declinaram um pouco. Mas a lição aqui é que esses países só conseguiram fazer isso porque tinham uma política deliberada para reavivar a indústria. O que Donald Trump está tentando fazer é uma ilusão. Países que aumentaram com sucesso sua produção industrial têm políticas deliberadas para apoiar a indústria. No caso sueco e finlandês, isso também se estendeu à requalificação dos trabalhadores demitidos devido ao declínio dos setores manufatureiros tradicionais e, em seguida, à sua transformação em trabalhadores para novas indústrias.
A Finlândia é o melhor exemplo. O país costumava se especializar na produção de celulose, papel e metais como aço e ferro. Mas, nas décadas de 1980 e 1990, o governo adotou uma política deliberada para promover a indústria eletrônica. Durante esse período, o governo fez um esforço concentrado para reestruturar a economia, o que envolveu muita política industrial, muita reciclagem de trabalhadores e assim por diante.
John-Baptiste Oduor
Uma das coisas estranhas sobre a maneira como Trump fala sobre as causas da força industrial dos Estados Unidos nos séculos XIX e XX é que ele faz pouca menção à política do mercado de trabalho ou mesmo à política industrial coordenada. Para ele, as tarifas eram a única causa da força industrial dos Estados Unidos.
Essas visões têm alguma base na realidade? As tarifas são capazes de contribuir para uma recuperação da indústria por si só, especialmente para um país desenvolvido como os Estados Unidos?
Ha-Joon Chang
Como esse projeto foi implementado em outros países?
Eles certamente podem ajudar. O uso mais apropriado de tarifas é o que se conhece como proteção à indústria nascente. Essa é uma ideia que foi inventada, na verdade, por Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos. Seu argumento era que deveríamos proteger e nutrir as pequenas indústrias da mesma forma que protegemos e nutrimos nossos filhos até que cresçam e possam sair para o mundo.
Hamilton escreveu "The Treasury Secretary’s Report on the Subject of Manufacturers" em 1791, dois anos depois de se tornar secretário do Tesouro. Nesse relatório, ele defendeu o protecionismo. Mas o que as pessoas — mesmo as que são fãs de Hamilton — esquecem é que ele apoiava a implementação de outros tipos de políticas para permitir que as indústrias americanas crescessem dentro do tipo de limite protegido proporcionado pelas tarifas. Ele apoiava a infraestrutura, o desenvolvimento de um sistema bancário, um mercado de títulos governamentais, patentes e, claro, subsídios como componentes-chave da política industrial. Ele tinha um plano real. Não seria injustificado chamar o relatório de o primeiro plano sistemático de desenvolvimento econômico da história da humanidade.
John-Baptiste Oduor
Como esse projeto foi implementado em outros países?
Ha-Joon Chang
Isso era geralmente compreendido no século XIX?
Ha-Joon Chang
Ha-Joon Chang
Como os trabalhadores americanos conseguiram sobreviver a esse período de estagnação e repressão salarial?
Ha-Joon Chang
John-Baptiste Oduor
Há quase uma década, o economista David Autor e seus coautores cunharam a expressão "choque da China" para descrever o efeito que as exportações chinesas tiveram sobre o emprego na indústria americana. Mas essa história sempre me pareceu limitada a considerar uma variável — as exportações chinesas —, ignorando o mercado de trabalho e a política industrial americanos.
Ha-Joon Chang
John-Baptiste Oduor
John-Baptiste Oduor
John-Baptiste Oduor
Colaboradores
Minha Coreia do Sul natal era um dos países mais pobres do mundo no início da década de 1960. Nossa renda per capita era de cerca de US$ 90. A de Gana era de cerca de US$ 190, a do Senegal de US$ 315, a da África do Sul de US$ 600 e a da Argentina de US$ 1.100. Mas a Coreia do Sul utilizou uma política industrial muito determinada e sistemática, que incluía proteção comercial, para se tornar um dos países mais ricos do mundo.
Para usar novamente a analogia da criação de filhos, em um dos meus livros anteriores, "Bad Samaritans", escrevi este capítulo chamado "Meu filho de seis anos deveria conseguir um emprego". Pedi ao leitor que imaginasse que eu tinha um filho de seis anos — o que era verdade na época, agora ele tem 25 — e que eu tinha a percepção de que ele era um pouco parasita. Não usei uma palavra tão forte, mas o argumento era que eu pagava por sua alimentação, hospedagem, educação, assistência médica e jogos dz Nintendo. Mas e se eu o mandasse trabalhar? Eu economizaria uma quantia enorme de dinheiro. Ele poderia sair pelo mundo fazendo tudo o que uma criança de seis anos faz: engraxando sapatos, vendendo chicletes na rua e assim por diante, e pagaria sua própria manutenção. Mas, obviamente, se eu o mandar para a escola e o ajudar por mais doze a quinze anos, ele poderia se tornar arquiteto ou físico nuclear.
Nesse sentido, dar proteção tarifária é como mandar uma criança para a escola. Mas a criança precisa estudar se quiser se tornar uma pessoa produtiva. E, como pai, você deve ajudar essa criança a estudar e dar o incentivo adequado, bem como as restrições. É por isso que você precisa de uma política industrial — a proteção tarifária por si só raramente funciona.
John-Baptiste Oduor
Isso era geralmente compreendido no século XIX?
Ha-Joon Chang
Não. A partir da década de 1830, a economia dos Estados Unidos era, na verdade, uma das mais protegidas do mundo. O plano de Hamilton não entrou em vigor imediatamente, porque quando ele fez sua proposta, pessoas como Thomas Jefferson disseram: "Esse cara é louco". Poderíamos exportar nosso algodão e tabaco — claro que não houve menção à escravidão — para a Europa e comprar produtos manufaturados que não só seriam melhores, mas também mais baratos, mesmo considerando o custo nada insignificante do transporte. Os EUA eram uma economia tão subdesenvolvida na época que esses argumentos eram muito atraentes.
A ideia era: por que deveríamos subsidiar fabricantes ianques ineficientes? Inicialmente, o plano de Hamilton foi rejeitado. O Congresso dos EUA apenas aumentou a tarifa média de cerca de 5% para 12%. Isso não foi suficiente para proteger as indústrias americanas. Mas depois da Guerra Anglo-Americana de 1812-16 — a primeira e última vez que o território continental dos EUA foi invadido por um exército estrangeiro — os americanos perceberam que precisavam desenvolver sua manufatura se quisessem se tornar uma nação totalmente independente. E então, a partir da década de 1820, começaram a aumentar as tarifas. Na década de 1830, tornaram-se a nação mais protegida.
John-Baptiste Oduor
Essas políticas foram apoiadas por todos os setores do capital americano?
Não, houve um enorme conflito em torno disso porque os senhores de escravos do Sul queriam livre comércio. Eles não queriam comprar produtos americanos de qualidade inferior. Isso levou a uma disputa constante, que finalmente foi resolvida na Guerra Civil Americana. As pessoas pensam que a Guerra Civil foi inteiramente sobre escravidão, mas não foi. Abraham Lincoln estava disposto a deixar os estados confederados manterem a escravidão, desde que não tentassem estendê-la aos estados ocidentais recém-criados. Ele pessoalmente achava que a escravidão era bárbara, mas também achava que os negros eram racialmente inferiores. E ele argumentava que todos deveriam voltar para casa — como se houvesse um lar para onde pudessem voltar.
Portanto, ele não era motivado principalmente por sentimentos antiescravistas. Ele era, no entanto, um forte defensor do protecionismo. Depois que o Norte venceu a Guerra Civil, a tarifa média foi aumentada de cerca de 35% para 50%. Esse período de protecionismo durou até a Segunda Guerra Mundial. Durante esse período, a indústria americana conseguiu alcançar os concorrentes britânicos e europeus.
Mas uma diferença crucial entre aquela época e hoje é a natureza da classe capitalista americana. Durante o século XIX e o início do século XX, eles eram inegavelmente pessoas realmente horríveis. Contrataram a Pinkerton, uma empresa de segurança privada, para atirar em trabalhadores em greve e ativamente recrutaram fura-greves. As condições em que os trabalhadores trabalhavam também eram muito mais perigosas do que são agora.
Mas uma vantagem que eles têm sobre os capitalistas de hoje é que pelo menos investiram. Por trás do muro tarifário, estavam dispostos a investir e crescer. Ao contrário de muitos outros países, os Estados Unidos tinham um enorme mercado interno, o que lhes permitia manter algum nível de competição no mercado doméstico sem estarem abertos ao comércio internacional.
Desta vez, é diferente porque, basicamente, a economia política do neoliberalismo nos EUA desde a década de 1980 produziu esse sistema financeiro parasitário. Ele funciona, antes de tudo, suprimindo os salários dos trabalhadores. O Instituto de Política Econômica, o Pew Research Center e até mesmo o Fed publicaram dados mostrando que, em termos reais, os salários americanos permaneceram estagnados entre a década de 1970 e o final da década de 2010. Inicialmente, os salários caíram em termos reais até o final da década de 1990. Desde então, os salários aumentaram um pouco, mas estão apenas cerca de 10% acima do que eram na década de 1970.
John-Baptiste Oduor
Como os trabalhadores americanos conseguiram sobreviver a esse período de estagnação e repressão salarial?
Ha-Joon Chang
De duas maneiras. Uma foi a importação de bens de consumo baratos e de alta qualidade da China e de outros países em desenvolvimento. Isso foi possível graças à adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. O segundo fator foi uma enorme explosão na dívida do consumidor, na forma de dívidas de cartão de crédito, financiamentos de veículos, hipotecas residenciais e assim por diante. Isso se tornou uma bolha que estourou em 2008.
Mas, mesmo com os salários não aumentando, os trabalhadores conseguiram manter seus empregos porque, com o mesmo dinheiro, podiam comprar mais coisas. As coisas ficaram muito mais baratas graças à importação de produtos da China e de outros países. Além disso, os trabalhadores podiam contrair enormes dívidas pessoais.
John-Baptiste Oduor
E as empresas americanas? O que faziam com os lucros se não os investiam?
Ha-Joon Chang
Tendo gerado muito mais lucro com a terceirização e a deslocalização, substituindo salários nacionais por estrangeiros, as empresas americanas começaram a dar dinheiro aos acionistas. Praticamente não houve recompras de ações nos Estados Unidos até o início da década de 1980. Embora fosse legal em outros países, era ilegal fazê-lo nos EUA até 1982.
Os acionistas tornaram-se muito mais poderosos a partir da década de 1980, em comparação com as décadas de 1960 e 1970, quando as corporações americanas eram mais frequentemente administradas por gestores profissionais. Mas, a partir da década de 1980, os acionistas começaram a exercer maior poder e influência. No início da década de 1980, 54,4% do lucro total era distribuído aos acionistas. Isso representava 50% em termos de dividendos e 4,4% na forma de recompras. Na década de 2010, as coisas mudaram drasticamente.
Essas empresas basicamente ainda distribuíam cerca de metade de seus lucros em dividendos. Mas realizavam recompras equivalentes a mais de 60% de seu lucro total. Na verdade, eles estavam tomando dinheiro emprestado para recomprar ações.
Ao longo dos últimos 25 a 30 anos, as principais corporações americanas doaram de 90% a 95% de seus lucros aos acionistas. Elas não têm dinheiro para investir. Por que a Boeing, uma das empresas aeronáuticas mais bem-sucedidas do mundo, não consegue sequer fabricar uma aeronave segura? Porque estão fazendo essas enormes recompras de ações e simplesmente não têm dinheiro para investir em P&D.
Nos livros didáticos de economia, aprendemos que o mercado de ações é uma forma de canalizar as economias das famílias para as empresas, para que elas possam investir. Essa função não existe mais nos Estados Unidos. O mercado de ações basicamente se tornou um caixa eletrônico para acionistas que estão forçando as empresas a desembolsar todos os lucros. Se você oferecesse proteção a esse tipo de empresa, elas simplesmente não investiriam.
Na verdade, elas teriam lucros ainda maiores, porque não teriam concorrência estrangeira e poderiam aumentar os preços. Mas, com esse lucro extra, a esperança talvez seja que elas o investissem e isso aumentaria a produtividade. Mas eles simplesmente não fazem isso. A proteção da indústria incipiente no século XIX só funcionou porque os capitalistas não foram afetados pelas pressões de acionistas com visão de curto prazo. Eles estavam investindo para crescer e aumentar a produtividade. Esse tipo de coisa funcionou na Coreia do Sul nas décadas de 1960, 1970 e 1980 porque o governo forçava essas empresas a investir por meio de diversas medidas de política industrial.
Há quase uma década, o economista David Autor e seus coautores cunharam a expressão "choque da China" para descrever o efeito que as exportações chinesas tiveram sobre o emprego na indústria americana. Mas essa história sempre me pareceu limitada a considerar uma variável — as exportações chinesas —, ignorando o mercado de trabalho e a política industrial americanos.
Ha-Joon Chang
Exatamente. A razão pela qual o chamado choque da China foi muito mais prejudicial nos Estados Unidos foi a natureza da economia política americana. Suécia e Finlândia, é claro, enfrentaram a concorrência de importações chinesas baratas, mas suas empresas continuaram investindo no aumento da produtividade e na diversificação. Isso lhes permitiu, em parte, se defender da concorrência, em parte se mudando para novas áreas. Os trabalhadores nesses países também desfrutaram da segurança de um amplo estado de bem-estar social e do que os economistas chamam de política ativa do mercado de trabalho.
Esses trabalhadores foram requalificados, realocados e receberam ajuda para encontrar novos empregos. Nos Estados Unidos, não há isso. Em vez disso, há esse mercado financeiro parasitário. Acredito que, dada a economia política atual dos EUA, as tarifas trarão prejuízos em vez de benefícios.
John-Baptiste Oduor
Tanto democratas quanto republicanos passaram a descrever os desequilíbrios comerciais americanos com o resto do mundo, incluindo países muito pobres que certamente não teriam condições de importar produtos americanos, como "injustos". Esta é uma escolha de palavra estranha, para dizer o mínimo.
Ha-Joon Chang
Os países em desenvolvimento têm enormes déficits comerciais, mas não se pode dizer que déficits e superávits refletem concorrência desleal. Ninguém forçou os americanos a comprar carros coreanos ou painéis solares chineses. Eles os compraram porque queriam.
Essa lógica é bizarra. Por que os Estados Unidos não estão considerando os desequilíbrios nos serviços, que geralmente favorecem os americanos? Nas últimas décadas, a economia americana foi reestruturada para se tornar uma exportadora de petróleo, gás, agricultura e serviços. Por que os americanos não estão considerando os desequilíbrios na agricultura? Os Estados Unidos têm um enorme superávit comercial com a Coreia do Sul em termos de agricultura. É aceitável que o governo coreano acuse os americanos de práticas desleais no setor agrícola porque os Estados Unidos concedem enormes subsídios aos seus agricultores? Os Estados Unidos podem ter um déficit em termos de comércio de manufaturados com o México, mas têm um superávit em termos de exportação de serviços com o México. Só de olhar para a nossa manufatura e dizer que tudo isso se deve à concorrência desleal de outros países é bizarro.
Se você argumenta que qualquer déficit que um país tenha se deve às práticas desleais de outros países, então o que deve ser feito com a regulamentação governamental? Quer dizer, a regulamentação contra, sei lá, a exportação de frango lavado com cloro para a União Europeia está custando dinheiro aos americanos. Mesmo que eu não queira comer esses frangos americanos, pelo menos consigo ver alguma lógica nisso.
John-Baptiste Oduor
Mas o discurso generalizado sobre práticas desleais poderia muito bem se aplicar a uma série de indústrias americanas.
Ha-Joon Chang
Veja o computador, a internet, as telas sensíveis ao toque, os sistemas de GPS ou os semicondutores. Todas essas tecnologias foram inicialmente desenvolvidas por meio da pesquisa militar americana. Portanto, pode-se dizer que, ao conceder esses enormes subsídios para pesquisas de defesa, os americanos, na verdade, se envolveram em práticas desleais.
John-Baptiste Oduor
Mas outros países agora parecem ter conseguido competir com os Estados Unidos, o que é a causa da histeria Biden-Trump.
Ha-Joon Chang
Não sei como terminar isso ou por onde começar, mas basicamente, os americanos precisam aceitar que não são tão bons quanto costumavam ser. Se estamos falando de 1950, você poderia reclamar que nossos produtos são muito melhores do que os de todos os outros. Se você não consegue vender em algum lugar, deve ser devido a alguma regulamentação, alguma proteção oculta e assim por diante. Mesmo assim, esse é um argumento problemático. Mas hoje, os americanos precisam aceitar que não podem construir navios porque basicamente degradaram sua própria indústria naval.
Eles não conseguem fabricar bons semicondutores porque se recusaram a investir nessas indústrias e deixaram que os coreanos, os chineses e os japoneses fabricassem esses chips. Para mim, a resposta dos Estados Unidos parece o ataque de fúria de um país que antes era o hegemônico indiscutível da economia global, agora reduzido a uma posição muito mais fraca, em grande parte graças às ações de sua própria classe capitalista. Terceirização, offshoring e falta de investimento são as causas do declínio relativo americano.
O mundo comercial mais fragmentado que Trump está criando é benéfico para os países pobres?
Ha-Joon Chang
Os países em desenvolvimento precisam de uma estrutura multilateral. Se não houver uma estrutura multilateral, os países ricos virão e os eliminarão um por um. E foi isso que fizeram antigamente, quando a maioria desses países pobres era colonizada. Esses países foram forçados a assinar tratados desiguais nos quais abriram mão do direito de definir suas próprias tarifas, tiveram que vender direitos de mineração, exploração madeireira e coisas do tipo a um preço de banana. O problema com o debate atual é: ou é loucura de Trump ou um retorno ao antigo mundo da OMC/NAFTA de 1995. Precisamos de um multilateralismo pró-desenvolvimento.
John-Baptiste Oduor
É possível que o afastamento da globalização possa fortalecer a mão de obra?
Ha-Joon Chang
Precisamos ter um pouco de cuidado ao usar as palavras "globalização" e "desglobalização". Existem diferentes formas de globalização, por exemplo, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970. Era um regime muito regulado. Os fluxos de capital eram controlados de forma muito rigorosa por todos os países, exceto os Estados Unidos. Mas mesmo os EUA tinham regulamentações muito rígidas sobre muitas coisas. A maioria dos americanos provavelmente não sabe, mas sob Harry Truman e Dwight Eisenhower, a alíquota máxima do imposto de renda nos Estados Unidos era de 92%, a mais alta do mundo.
Ao longo desse período, em muitos países, a participação dos salários na renda nacional aumentou. Na maioria dos países, o crescimento salarial acompanhou o crescimento da produtividade. Esse elo foi rompido. Esta é a principal razão pela qual tantos políticos anti-imigrantes ou mesmo pró-fascistas estão surgindo nos países ricos.
Colaboradores
Ha-Joon Chang leciona economia na SOAS University of London e é autor de mais de uma dúzia de livros sobre desenvolvimento global e política industrial.
John-Baptiste Oduor é editor da Jacobin.
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