Aloizio Mercadante
Presidente do BNDES. Foi ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República e ministro da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação
[RESUMO] Autor sustenta que medidas agressivas e improvisadas de Donald Trump, como as idas e vindas de sua guerra comercial, expõem uma resposta errática do governo dos EUA à corrosão da hegemonia econômica, financeira e política do país e representam uma tentativa de recriação de um império assentado no uso ilimitado da força.
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Logo após o "Dia da Libertação", o dia do grande tarifaço dos EUA, Drew Matus, estrategista-chefe de mercado da MetLife Investment Management, afirmou: "Não sei que tipo de orientação pode ser fornecida aos meus clientes". "Estamos dirigindo por uma estrada escura, sem faróis", arrematou. Esse quadro de perplexidade é geral.
Pudera. O que Trump está fazendo não tem precedente histórico equivalente. O exemplo que mais se aproxima é a Lei Tarifária de 1930 (Smoot-Hawley), adotada pelos EUA durante a Grande Depressão com o intuito de proteger seu mercado interno e "preservar empregos". Teve o efeito oposto: agravou a recessão nos EUA, aumentou o desemprego e reduziu o comércio mundial em até 70% pelo efeito cascata das retaliações que provocou.
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Donald Trump em reunião na Casa Branca - Kevin Lamarque - 14.abr.25/Reuters |
À perplexidade, se soma a imprevisibilidade, algo mortal para os investimentos e os negócios de um modo geral. Com efeito, as intermináveis idas e vindas do governo Trump em torno das tarifas tornam difíceis quaisquer prognósticos mais acurados sobre o que está por vir.
Uma coisa, no entanto, é certa: boa coisa não é.
Mesmo se, em um cenário mais otimista, talvez ingênuo, a guerra tarifária acabar mais restrita a um embate bilateral entre a China e os EUA, o prognóstico é muito ruim. Afinal, se trataria de um conflito entre as duas maiores economias do mundo.
Os EUA respondem por cerca de 26% do PIB mundial, enquanto a economia da China, medida em dólares, representa aproximadamente 19% do PIB planetário. Juntos, portanto, EUA e China são responsáveis por quase metade da economia do planeta. A China é o maior produtor de mercadorias do mundo, e os EUA, os maiores consumidores.
É impossível que a economia internacional passe incólume por um conflito desse calibre. A interrupção das exportações de minerais e ímãs críticos pela China após o tarifaço de Trump já ameaça o fornecimento de componentes essenciais para montadoras e as indústrias aeroespacial, bélica e de semicondutores de alguns países.
Porém, parece pouco provável que o fenômeno desencadeado por Trump fique limitado a um conflito bilateral com a China, embora a rivalidade crescente com o gigante asiático esteja no centro das suas preocupações geopolíticas e geoeconômicas.
É necessário entender o que está por trás da euforia e dos métodos irracionais de Trump. As reações iniciais às tarifas expuseram problemas mais profundos que meros déficits comerciais bilaterais. Por trás do cálculo linear, bisonho e, sobretudo, falso do tarifaço está a preocupação patente de Trump com o lugar dos EUA na nova ordem mundial.
Se os EUA enfrentam dificuldades crescentes para manter sua hegemonia, romper com a ordem política e o bom funcionamento da economia internacional, já em desgaste, pode ter uma certa, porém questionável, utilidade estratégica —especialmente diante do crescente endividamento do país e da ascensão chinesa, que avança em domínio tecnológico e autonomia financeira.
Peter Navarro, conselheiro sênior para o Comércio da Casa Branca, defende que as tarifas resolveriam a "emergência nacional" decorrente do alto nível de déficit das contas públicas dos EUA.
Atualmente, a dívida pública dos EUA está em 120% do PIB, ou aproximadamente US$ 35 trilhões (R$ 205 trilhões). O último superávit orçamentário ocorreu em 2001, e o último superávit comercial, em 1975. Os gastos militares e os juros da dívida —que devem atingir, respectivamente, cerca de US$ 950 bilhões (R$ 5,6 trilhões) em 2025 e US$ 1 trilhão (R$ 5,9 trilhão) em 2026— consomem grande parte do orçamento, assim como as despesas obrigatórias com programas sociais como Medicare, Medicaid e Seguridade Social.
Nesse contexto, as pretensões do Doge (Departamento de Eficiência Governamental) de Elon Musk soam particularmente utópicas. A meta de cortar US$ 1 trilhão em gastos federais sem afetar esses programas —que Trump declarou categoricamente não pretender reduzir— parece economicamente inviável.
Uma coisa, no entanto, é certa: boa coisa não é.
Mesmo se, em um cenário mais otimista, talvez ingênuo, a guerra tarifária acabar mais restrita a um embate bilateral entre a China e os EUA, o prognóstico é muito ruim. Afinal, se trataria de um conflito entre as duas maiores economias do mundo.
Os EUA respondem por cerca de 26% do PIB mundial, enquanto a economia da China, medida em dólares, representa aproximadamente 19% do PIB planetário. Juntos, portanto, EUA e China são responsáveis por quase metade da economia do planeta. A China é o maior produtor de mercadorias do mundo, e os EUA, os maiores consumidores.
É impossível que a economia internacional passe incólume por um conflito desse calibre. A interrupção das exportações de minerais e ímãs críticos pela China após o tarifaço de Trump já ameaça o fornecimento de componentes essenciais para montadoras e as indústrias aeroespacial, bélica e de semicondutores de alguns países.
Porém, parece pouco provável que o fenômeno desencadeado por Trump fique limitado a um conflito bilateral com a China, embora a rivalidade crescente com o gigante asiático esteja no centro das suas preocupações geopolíticas e geoeconômicas.
É necessário entender o que está por trás da euforia e dos métodos irracionais de Trump. As reações iniciais às tarifas expuseram problemas mais profundos que meros déficits comerciais bilaterais. Por trás do cálculo linear, bisonho e, sobretudo, falso do tarifaço está a preocupação patente de Trump com o lugar dos EUA na nova ordem mundial.
Se os EUA enfrentam dificuldades crescentes para manter sua hegemonia, romper com a ordem política e o bom funcionamento da economia internacional, já em desgaste, pode ter uma certa, porém questionável, utilidade estratégica —especialmente diante do crescente endividamento do país e da ascensão chinesa, que avança em domínio tecnológico e autonomia financeira.
Peter Navarro, conselheiro sênior para o Comércio da Casa Branca, defende que as tarifas resolveriam a "emergência nacional" decorrente do alto nível de déficit das contas públicas dos EUA.
Atualmente, a dívida pública dos EUA está em 120% do PIB, ou aproximadamente US$ 35 trilhões (R$ 205 trilhões). O último superávit orçamentário ocorreu em 2001, e o último superávit comercial, em 1975. Os gastos militares e os juros da dívida —que devem atingir, respectivamente, cerca de US$ 950 bilhões (R$ 5,6 trilhões) em 2025 e US$ 1 trilhão (R$ 5,9 trilhão) em 2026— consomem grande parte do orçamento, assim como as despesas obrigatórias com programas sociais como Medicare, Medicaid e Seguridade Social.
Nesse contexto, as pretensões do Doge (Departamento de Eficiência Governamental) de Elon Musk soam particularmente utópicas. A meta de cortar US$ 1 trilhão em gastos federais sem afetar esses programas —que Trump declarou categoricamente não pretender reduzir— parece economicamente inviável.
Até agora, as medidas implementadas (demissões no serviço público, venda de ativos e cancelamento de contratos) geraram economias cujo impacto real permanece não comprovado. Analistas independentes identificaram graves falhas metodológicas nos cálculos de Musk, questionando a viabilidade de seu plano.
O tarifaço de Trump tem, também, um objetivo pouco visível: transferir parte do custo de um ajuste fiscal em grande escala para consumidores e empresas de outros países.
Por seu turno, a China vem acelerando sistematicamente o desacoplamento financeiro com os Estados Unidos. Em dezembro de 2024, reduziu sua exposição à dívida norte-americana pelo nono mês consecutivo —queda que trouxe suas reservas para US$ 759 bilhões (R$ 4,5 trilhões), valor significativamente inferior ao pico de US$ 1,3 trilhão (R$ 7,7 trilhões) detido entre 2011 e 2013. Essa estratégia de diversificação é complementada por uma agressiva acumulação de ouro, com o país alcançando a marca de 2.284 toneladas em janeiro de 2025.
O movimento ganhou novo ímpeto com a recente venda de mais de US$ 50 bilhões (R$ 295 bilhões) em títulos do Tesouro americano, operação que reverberou nos mercados globais, pressionando taxas de juros, depreciando ativos de risco e elevando o custo de financiamento tanto para o governo quanto para a economia norte-americana.
A China está liderando um processo global de desdolarização, que ameaça diretamente a hegemonia do dólar, que, em última análise, sustenta, ainda que de forma crescentemente precária, os déficits e as dívidas dos EUA.
O cabo de segurança da economia estadunidense vem sendo corroído e ameaça se romper, o que provocaria uma queda acentuada e irreversível da hegemonia política, econômica e financeira dos EUA, até pouco tempo inquestionável.
O governo Trump 2, com sua resposta improvisada e errática a esse imenso desafio estratégico, gera incertezas sobre a estabilidade e a previsibilidade da política econômica norte-americana e, assim, aumenta significativamente o risco de corroer ainda mais o pilar fundamental do poder geopolítico dos EUA: o status do dólar como a principal moeda de reserva internacional e o meio preferencial para transações comerciais globais.
Muito embora o yuan, como alternativa ao dólar nas transações financeiras globais (3,75% do total em dezembro de 2024), ainda esteja muito aquém da dominância da moeda estadunidense, que respondeu por 49% das transações no mesmo período, há uma tendência crescente de substituição do dólar tanto pela moeda chinesa quanto por outras em transações regionais e bilaterais.
Essa tendência vem sendo acentuada pelo uso político do dólar em sanções comerciais e financeiras contra vários países do mundo (Rússia, Venezuela, Irã etc.), o que aumenta a insegurança e a desconfiança internacional em relação à moeda dos EUA.
Evidentemente, abordar o déficit em conta corrente com uma análise simplista, que considera apenas o comércio de bens e ignora fluxos de serviço e renda, está fadado ao fracasso. As "tarifas recíprocas", que, na realidade, são sanções comerciais aleatórias impostas a todo o mundo, mesmo a países aliados e que apresentam déficit com os EUA (como o Brasil), produzem um efeito imediato: elevam significativamente a incerteza sobre a economia norte-americana, criando condições que podem precipitar uma recessão.
Embora Trump alegue que as medidas estimularão novos investimentos nos EUA, essa perspectiva parece pouco realista diante do clima de instabilidade já gerado nos mercados, tanto domésticos quanto globais. A combinação de políticas imprevisíveis e cálculos econômicos rudimentares tende a produzir resultados opostos aos prometidos.
O tarifaço de Trump tem, também, um objetivo pouco visível: transferir parte do custo de um ajuste fiscal em grande escala para consumidores e empresas de outros países.
Por seu turno, a China vem acelerando sistematicamente o desacoplamento financeiro com os Estados Unidos. Em dezembro de 2024, reduziu sua exposição à dívida norte-americana pelo nono mês consecutivo —queda que trouxe suas reservas para US$ 759 bilhões (R$ 4,5 trilhões), valor significativamente inferior ao pico de US$ 1,3 trilhão (R$ 7,7 trilhões) detido entre 2011 e 2013. Essa estratégia de diversificação é complementada por uma agressiva acumulação de ouro, com o país alcançando a marca de 2.284 toneladas em janeiro de 2025.
O movimento ganhou novo ímpeto com a recente venda de mais de US$ 50 bilhões (R$ 295 bilhões) em títulos do Tesouro americano, operação que reverberou nos mercados globais, pressionando taxas de juros, depreciando ativos de risco e elevando o custo de financiamento tanto para o governo quanto para a economia norte-americana.
A China está liderando um processo global de desdolarização, que ameaça diretamente a hegemonia do dólar, que, em última análise, sustenta, ainda que de forma crescentemente precária, os déficits e as dívidas dos EUA.
O cabo de segurança da economia estadunidense vem sendo corroído e ameaça se romper, o que provocaria uma queda acentuada e irreversível da hegemonia política, econômica e financeira dos EUA, até pouco tempo inquestionável.
O governo Trump 2, com sua resposta improvisada e errática a esse imenso desafio estratégico, gera incertezas sobre a estabilidade e a previsibilidade da política econômica norte-americana e, assim, aumenta significativamente o risco de corroer ainda mais o pilar fundamental do poder geopolítico dos EUA: o status do dólar como a principal moeda de reserva internacional e o meio preferencial para transações comerciais globais.
Muito embora o yuan, como alternativa ao dólar nas transações financeiras globais (3,75% do total em dezembro de 2024), ainda esteja muito aquém da dominância da moeda estadunidense, que respondeu por 49% das transações no mesmo período, há uma tendência crescente de substituição do dólar tanto pela moeda chinesa quanto por outras em transações regionais e bilaterais.
Essa tendência vem sendo acentuada pelo uso político do dólar em sanções comerciais e financeiras contra vários países do mundo (Rússia, Venezuela, Irã etc.), o que aumenta a insegurança e a desconfiança internacional em relação à moeda dos EUA.
Evidentemente, abordar o déficit em conta corrente com uma análise simplista, que considera apenas o comércio de bens e ignora fluxos de serviço e renda, está fadado ao fracasso. As "tarifas recíprocas", que, na realidade, são sanções comerciais aleatórias impostas a todo o mundo, mesmo a países aliados e que apresentam déficit com os EUA (como o Brasil), produzem um efeito imediato: elevam significativamente a incerteza sobre a economia norte-americana, criando condições que podem precipitar uma recessão.
Embora Trump alegue que as medidas estimularão novos investimentos nos EUA, essa perspectiva parece pouco realista diante do clima de instabilidade já gerado nos mercados, tanto domésticos quanto globais. A combinação de políticas imprevisíveis e cálculos econômicos rudimentares tende a produzir resultados opostos aos prometidos.
Frise-se que procurar reduzir o déficit e buscar redinamizar a indústria estadunidense não seriam, em si mesmos, objetivos irracionais. O problema, obviamente, está na ausência total de uma estratégia racional e mesmo lícita, dentro das regras multilaterais de comércio, criadas em grande parte pelos EUA, para se atingir tais objetivos em prazo mais longo, com verdadeiras negociações e sem destruir cadeias regionais e globais de valor.
Ninguém cria uma nova indústria da noite para o dia mediante um protecionismo improvisado e exacerbado. O que vamos assistir é a interrupção de cadeias de suprimentos, desabastecimento e pressão inflacionária, porque não houve preparação ou tempo de maturação, por exemplo, em logística e infraestrutura. Todo esse processo é marcado pela improvisação e pela inconsistência.
Para tanto, seria necessária uma política industrial muito bem-concebida, desenhada para construir cadeias nacionais e regionais de valor a longo prazo e dentro de regras multilaterais acordadas, como o Brasil vem procurando fazer no terceiro governo Lula (PT).
Do mesmo modo, a China tampouco se tornou a primeira economia do mundo em paridade do poder de compra e a nova fábrica do planeta simplesmente praticando um protecionismo tosco e se aproveitando dos EUA, como afirma Trump.
A China se tornou o que é hoje porque não seguiu o paradigma neoliberal que os EUA contribuíram para impor ao mundo e, de certa forma, a si mesmos. Pequim seguiu um caminho diferente, centrado no papel do Estado.
A ascensão da China se deu mediante uma complexa e bem-elaborada estratégia econômica, política e tecnológica. Não ocorreu via bravatas e ameaças.
O governo chinês, já em 2005, elevou a inovação autóctone ao status de prioridade estratégica nacional, equiparando sua importância à política histórica de reforma e abertura. Ao posicionar o desenvolvimento científico e tecnológico como eixo central da reestruturação industrial e do novo modelo de desenvolvimento, a China estabeleceu a ambiciosa meta de alcançar a liderança tecnológica global até 2050.
Nas duas décadas seguintes, o país não apenas consolidou sua posição nas cadeias de valor em que já atuava quanto promoveu um salto qualitativo em sua base industrial, ampliando significativamente sua complexidade produtiva e conquistando vantagens competitivas em setores estratégicos, desde energia renovável até a indústria aeroespacial e a microeletrônica.
Ninguém cria uma nova indústria da noite para o dia mediante um protecionismo improvisado e exacerbado. O que vamos assistir é a interrupção de cadeias de suprimentos, desabastecimento e pressão inflacionária, porque não houve preparação ou tempo de maturação, por exemplo, em logística e infraestrutura. Todo esse processo é marcado pela improvisação e pela inconsistência.
Para tanto, seria necessária uma política industrial muito bem-concebida, desenhada para construir cadeias nacionais e regionais de valor a longo prazo e dentro de regras multilaterais acordadas, como o Brasil vem procurando fazer no terceiro governo Lula (PT).
Do mesmo modo, a China tampouco se tornou a primeira economia do mundo em paridade do poder de compra e a nova fábrica do planeta simplesmente praticando um protecionismo tosco e se aproveitando dos EUA, como afirma Trump.
A China se tornou o que é hoje porque não seguiu o paradigma neoliberal que os EUA contribuíram para impor ao mundo e, de certa forma, a si mesmos. Pequim seguiu um caminho diferente, centrado no papel do Estado.
A ascensão da China se deu mediante uma complexa e bem-elaborada estratégia econômica, política e tecnológica. Não ocorreu via bravatas e ameaças.
O governo chinês, já em 2005, elevou a inovação autóctone ao status de prioridade estratégica nacional, equiparando sua importância à política histórica de reforma e abertura. Ao posicionar o desenvolvimento científico e tecnológico como eixo central da reestruturação industrial e do novo modelo de desenvolvimento, a China estabeleceu a ambiciosa meta de alcançar a liderança tecnológica global até 2050.
Nas duas décadas seguintes, o país não apenas consolidou sua posição nas cadeias de valor em que já atuava quanto promoveu um salto qualitativo em sua base industrial, ampliando significativamente sua complexidade produtiva e conquistando vantagens competitivas em setores estratégicos, desde energia renovável até a indústria aeroespacial e a microeletrônica.
Atualmente, a China consolida sua liderança global em inteligência artificial e se destaca como a maior detentora de patentes e publicações científicas na área, além de dividir com os EUA a vanguarda no desenvolvimento de IA generativa.
Os investimentos chineses em escala industrial e sua notável habilidade em transformar pesquisa aplicada em soluções comerciais sugerem que o emparelhamento tecnológico com os líderes pioneiros não apenas é possível, mas pode ocorrer em curto espaço de tempo. Essa trajetória desafia a noção convencional de que vantagens tecnológicas são estruturalmente irreversíveis, apontando para um cenário global de competição mais dinâmico e imprevisível.
Isso assusta muito os EUA e suas big techs. A combinação da desdolarização crescente com a perda da vanguarda tecnológica nos setores portadores de futuro poderia fragilizar a economia estadunidense. Poderia, inclusive, ter efeitos diretos desastrosos em sua indústria de defesa e em sua hegemonia militar.
A questão essencial a ser destacada, no entanto, não é o equívoco fundamental de Trump de reagir às grandes mudanças geoeconômicas e geopolíticas ocorridas recentemente na ordem mundial mediante o vácuo estratégico de medidas improvisadas e contraproducentes. A questão central é geopolítica. Trump quebrou um vaso precioso, cujos cacos dificilmente serão colados de volta.
A partir de uma ação unilateral desabrida, Trump destruiu de vez a antiga ordem mundial baseada em regras e está tentando implantar, pela força e pelas ameaças, uma nova ordem mundial hobbesiana, a qual recriaria a antiga hegemonia inconteste e unilateralista dos EUA, que predominou desde o colapso da URSS até os primeiros dez anos deste século.
Em outras palavras, Trump, com suas ações improvisadas, equivocadas e agressivas, não apenas destruiu a previsibilidade econômica, mas também a confiança política em uma ordem mundial minimamente funcional. Agora, é cada um por si.
Os investimentos chineses em escala industrial e sua notável habilidade em transformar pesquisa aplicada em soluções comerciais sugerem que o emparelhamento tecnológico com os líderes pioneiros não apenas é possível, mas pode ocorrer em curto espaço de tempo. Essa trajetória desafia a noção convencional de que vantagens tecnológicas são estruturalmente irreversíveis, apontando para um cenário global de competição mais dinâmico e imprevisível.
Isso assusta muito os EUA e suas big techs. A combinação da desdolarização crescente com a perda da vanguarda tecnológica nos setores portadores de futuro poderia fragilizar a economia estadunidense. Poderia, inclusive, ter efeitos diretos desastrosos em sua indústria de defesa e em sua hegemonia militar.
A questão essencial a ser destacada, no entanto, não é o equívoco fundamental de Trump de reagir às grandes mudanças geoeconômicas e geopolíticas ocorridas recentemente na ordem mundial mediante o vácuo estratégico de medidas improvisadas e contraproducentes. A questão central é geopolítica. Trump quebrou um vaso precioso, cujos cacos dificilmente serão colados de volta.
A partir de uma ação unilateral desabrida, Trump destruiu de vez a antiga ordem mundial baseada em regras e está tentando implantar, pela força e pelas ameaças, uma nova ordem mundial hobbesiana, a qual recriaria a antiga hegemonia inconteste e unilateralista dos EUA, que predominou desde o colapso da URSS até os primeiros dez anos deste século.
Em outras palavras, Trump, com suas ações improvisadas, equivocadas e agressivas, não apenas destruiu a previsibilidade econômica, mas também a confiança política em uma ordem mundial minimamente funcional. Agora, é cada um por si.
Como escreveu o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, ao analisar a brusca mudança de cenário: "O mundo como conhecíamos não existe mais". Em artigo publicado no jornal The Telegraph, Starmer afirmou que o Reino Unido está preparado para usar políticas industriais ativas a fim de proteger os interesses nacionais diante do novo contexto internacional. "Estamos prontos para usar a política industrial para proteger os negócios britânicos da tempestade."
Essa tempestade deverá afetar principalmente o Sul Global e os países mais frágeis.
A reciprocidade tarifária exigida por Trump iguala os desiguais e, na prática, fere de morte o direito ao desenvolvimento, o qual tem fundamento nas regras multilaterais de comércio, que asseguram tratamento especial e diferenciado aos países em desenvolvimento.
A reciprocidade com a maior potência do planeta resultou, por exemplo, na imposição de tarifas de 50% a um país paupérrimo como o Lesoto, que já tinha sido profundamente lesado pelo corte na ajuda internacional, também imposta pelo novo governo imperial dos EUA.
Por sua vez, a bilateralização dos contenciosos por ele imposta é uma negação das negociações. A bem da verdade, pela correlação de forças envolvidas, na imensa maioria dos casos a negociação será simples e descarada imposição, como se viu no caso do Panamá.
"Fale manso e carregue um grande bastão; você irá longe", afirmava Theodore Roosevelt. Trump abandonou a fala mansa e o soft power. Aos berros, brande um "big stick" de ameaças econômicas, políticas e militares.
É a volta de um império nu e cru, assentado somente no uso desavergonhado e ilimitado da força. É a volta a um colonialismo que ameaça até mesmo com a invasão de territórios de outros. Parece que voltamos ao século 19. Não deverá ir longe.
Resta, finalmente, uma última indagação. Como as democracias do mundo passarão por esse teste de estresse provocado pela maior potência mundial, que pode celeremente se tornar uma autocracia? Não se sabe.
Estamos em uma estrada escura, dirigindo sem faróis. O destino dessa estrada parece ser uma distopia econômica, política e civilizacional.
A salvação talvez possa vir de uma grande concertação internacional, que ilumine uma outra estrada, a qual tenha como destino o combate às assimetrias mundiais, o equilíbrio climático, a cooperação internacional, a paz e a aposta em uma ordem mundial com regras justas e renovadas, centrada no entendimento de que a relação entre os países não pode ser um jogo de soma zero, como pensa Trump.
A reciprocidade com a maior potência do planeta resultou, por exemplo, na imposição de tarifas de 50% a um país paupérrimo como o Lesoto, que já tinha sido profundamente lesado pelo corte na ajuda internacional, também imposta pelo novo governo imperial dos EUA.
Por sua vez, a bilateralização dos contenciosos por ele imposta é uma negação das negociações. A bem da verdade, pela correlação de forças envolvidas, na imensa maioria dos casos a negociação será simples e descarada imposição, como se viu no caso do Panamá.
"Fale manso e carregue um grande bastão; você irá longe", afirmava Theodore Roosevelt. Trump abandonou a fala mansa e o soft power. Aos berros, brande um "big stick" de ameaças econômicas, políticas e militares.
É a volta de um império nu e cru, assentado somente no uso desavergonhado e ilimitado da força. É a volta a um colonialismo que ameaça até mesmo com a invasão de territórios de outros. Parece que voltamos ao século 19. Não deverá ir longe.
Resta, finalmente, uma última indagação. Como as democracias do mundo passarão por esse teste de estresse provocado pela maior potência mundial, que pode celeremente se tornar uma autocracia? Não se sabe.
Estamos em uma estrada escura, dirigindo sem faróis. O destino dessa estrada parece ser uma distopia econômica, política e civilizacional.
A salvação talvez possa vir de uma grande concertação internacional, que ilumine uma outra estrada, a qual tenha como destino o combate às assimetrias mundiais, o equilíbrio climático, a cooperação internacional, a paz e a aposta em uma ordem mundial com regras justas e renovadas, centrada no entendimento de que a relação entre os países não pode ser um jogo de soma zero, como pensa Trump.
Como diz sabiamente um conhecido provérbio chinês: "Se houver luz na alma, haverá beleza na pessoa. Se houver beleza na pessoa, haverá harmonia na casa. Se houver harmonia na casa, haverá ordem na nação. Se houver ordem na nação, haverá paz no mundo".
Trump, aterrorizando imigrantes e ameaçando países parece não ter luz na alma. Felizmente, há líderes mundiais, como Lula, que a tem.
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