A condenação de Marine Le Pen lançou luz sobre o mau uso de fundos públicos por seu partido. Onde o partido já comanda o governo, na cidade de Fréjus, no sudeste do país, seu prefeito, David Rachline, é acusado de uma enorme rede de corrupção.
Por Phineas Rueckert
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Marine Le Pen e David Rachline em uma reunião de campanha, em 18 de março de 2014, em Fréjus, França. (Valery Hache / AFP via Getty Images) |
Tradução / É uma história bem conhecida: o cruzado anticorrupção que, uma vez no poder, se torna ainda mais corrupto que seu antecessor. Mas essa simples narrativa descreve com bastante propriedade o argumento de um livro recentemente atualizado sobre David Rachline — o vice-presidente do partido Rassemblement National da França e o homem que já foi considerado o “melhor amigo” de Marine Le Pen.
Les Rapaces (As Aves de Rapina) é uma investigação de dois anos da jornalista francesa Camille Vigogne Le Coat sobre a gestão de Rachline em Fréjus, a cidade do sudeste da França onde o vice-presidente do partido é prefeito desde 2014. Aqui, perto da chamativa Côte d’Azur, Rachline, que é próximo tanto de Le Pen quanto de seu protegido Jordan Bardella, supostamente aperfeiçoou a arte de coçar as costas certas e encher os próprios bolsos: um sistema de clientelismo apelidado de “Máfia Varêsa”, em homenagem ao departamento do sudeste (Le Var) onde Fréjus está localizada.
Enquanto Le Pen recorre de sua condenação por desvio de verbas do Parlamento Europeu, proferida na última segunda-feira por um tribunal francês, o livro de Le Coat oferece um panorama sobre como o partido de extrema direita supostamente organiza a corrupção em nível local. Enquanto o Rassemblement National — desde sua liderança até seus filiados locais — se apresenta como um partido antissistema, livre da corrupção que assola o establishment político, Le Coat argumenta o oposto: uma vez no poder, o Rassemblement National não apenas perpetua esquemas de corrupção já estabelecidos, mas os desenvolve.
“E se David Rachline não fosse um homem isolado, uma ovelha negra, mas o sintoma de uma doença maior dentro do partido?”, questiona Le Coat na introdução, publicada antes da condenação de Le Pen na última segunda-feira.
Longe de Bruxelas, onde o partido de Le Pen foi considerado culpado de desviar cerca de € 4 milhões de verbas do Parlamento Europeu para financiar ativismo partidário, Le Coat sugere que a cidade romana de Fréjus serviu de laboratório para a apropriação indébita de fundos públicos pela extrema direita. Em sua análise, Rachline — que assumiu o cargo em 2014, substituindo o desacreditado ex-prefeito Élie Brun, ele próprio condenado por “conflito ilegal de interesses” — foi fundamental para o esquema.
Na época, Rachline era um ativista do Rassemblement National, de 26 anos, que ascendeu rapidamente no partido como “marinista” (apoiador de Marine Le Pen). Ele dividiu os votos entre Brun e outro candidato da direita tradicional para se tornar prefeito de Fréjus. Meses depois, concorreu a senador pelo Var, tornando-se o senador mais jovem da França e um dos dois primeiros a representar o partido de extrema direita de Le Pen.
Fréjus nem sempre foi um bastião da extrema direita. Esta cidade de 57.000 habitantes, em uma antiga região comunista, antes conhecida como “Var Vermelho”, está aninhada no interior da reluzente costa, aproximadamente a meio caminho entre as praias de Saint-Tropez e Cannes. O interior agrícola e industrial do Var contrasta com o litoral repleto de resorts. Mas, a partir da década de 1980, este cinturão de ferrugem tradicionalmente de esquerda tem ido cada vez mais em direção à extrema direita.
Como Le Coat revela meticulosamente, Rachline conseguiu explorar o descontentamento popular nessa região devastada e ascender rapidamente ao poder. Mas sua ascensão teve um custo.
Uma vez no cargo, segundo Le Coat, Rachline quase imediatamente começou a se aproximar dos mesmos poderosos com quem seu antecessor se aliava, incluindo o próprio ex-prefeito desacreditado. Ela conta que, assim como Brun, Rachline se aproximou do magnata da construção Alexandre Barbero, dono de uma dúzia de empresas na região, que começou a acumular contratos com a cidade — detonando as contas públicas e pavimentando a cidade com um horroroso concreto.
Le Coat começou a investigar Rachline após saber da compra à vista de um relógio Hublot de € 15.000 de um famoso joalheiro da Côte d’Azur em 2015. O relógio, pago por seu assistente, “denuncia um esquema”, escreve Le Coat. “Foi a primeira prova cabal de um vasto mecanismo de corrupção que opera em Fréjus.”
As redes clientelistas de Rachline não se limitavam apenas à Barbero, escreve Le Coat. Seus gostos luxuosos também não se limitavam a relógios chamativos. Vários entrevistados que conversaram com Le Coat lembram-se de suas festas que duravam vários dias, de suas roupas exclusivas ou do pagamento suspeito de pequenas despesas com notas de € 500 — sendo todo, ou a maior parte, do fluxo de caixa presumivelmente financiado com dinheiro do contribuinte.
À medida que Rachline consolidava seu poder e influência, ele os usava contra grupos minoritários e moradores de baixa renda da cidade costeira. O prefeito de Fréjus, segundo Le Coat, frequentava grupos de gangues de direita como o infame Groupe Union Défense (GUD); fazia saudações nazistas de brincadeira com conselheiros; e usava policiais municipais de Fréjus como executores pessoais, enquanto desviava dinheiro que seria utilizado para a aquisição de uma frota de viaturas policiais equipadas com câmeras de segurança.
O resultado do seu mandato: não a austeridade econômica garantida pela extrema direita, mas uma dívida crescente de mais de € 150 milhões.
Esse coquetel perigoso, sugere Le Coat, poderia ser rapidamente implementado em toda a França se um candidato do Rassemblement National vencesse a presidência em 2027. A “forma de Rachline de administrar o Fréjus, recuperando as velhas redes e o clientelismo da direita tradicional [e exercendo-os] em um clima alimentado pelo antissemitismo e pelo racismo, é aquela que o partido de Marine Le Pen poderia estender por toda a França se assumisse o poder”, alerta Le Coat.
É improvável, porém, que Rachline seja o candidato do Rassemblement National em 2027. No início deste ano, o prefeito foi intimado a comparecer ao tribunal no final de setembro sob suspeita de “conflitos de interesse ilegais”, relacionados ao seu papel à frente de duas empresas responsáveis pela gestão da cidade.
Colaborador
Phineas Rueckert é um jornalista baseado em Paris. Já escreveu para Vice e Next City.
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