Yannis Varoufakis
"Trump analisa os fluxos de comércio com o resto do G7 e chega a uma conclusão inescapável: ele não pode perder uma guerra comercial". Fotografia: Evan Vucci / AP |
Tradução / A saída antecipada de Donald Trump e sua subsequente recusa em endossar o comunicado do G7 lançaram a imprensa em uma apoplexia, refletindo uma incompreensão mais profunda de nossa realidade global em desenvolvimento.
Em uma tentativa de misturar dureza com humor, Emmanuel Macron havia dito que o G7 poderia se tornar o... G6. Isso é absurdo, até porque, sem os Estados Unidos, o capitalismo, como o conhecemos (sem falar nos lamentáveis encontros do G7), desapareceria da face do planeta.
Há, é claro, pouca dúvida de que com Trump na Casa Branca há muita coisa sobre a qual devemos nos angustiar. No entanto, a reação do establishment às peripécias do presidente, nos Estados Unidos e na Europa, é talvez uma preocupação ainda maior para os progressistas, repleta como está de perigosas intenções e profusos erros de cálculo.
Alguns depositaram sua fé na investigação de Mueller, assumindo que Mike Pence seria mais gentil com eles como presidente. Outros estão prendendo a respiração até 2020, recusando-se a considerar a possibilidade de um segundo mandato. O que todos eles não entendem é o real movimento tectônico que sustenta as artimanhas rudes de Trump.
A administração Trump está construindo um impulso econômico substancial no plano doméstico. Primeiro, ele aprovou cortes nos impostos de renda e corporativos que o establishment republicano não poderia ter imaginado em seus sonhos mais loucos há alguns anos. Mas isto não foi tudo. Nos bastidores, Trump surpreendeu Nancy Pelosi, a líder dos democratas na Câmara dos Deputados, aprovando cada programa social que ela pediu a ele. Como resultado, o governo federal está efetivando o maior déficit orçamentário da história dos Estados Unidos, enquanto a taxa de desemprego é inferior a 4%.
O que quer que se pense desse presidente, ele está distribuindo dinheiro não apenas para os mais ricos, que, claro, recebem o máximo, mas também para muitas pessoas pobres. Com um nível de emprego comprovadamente forte, especialmente entre os trabalhadores afro-americanos, a inflação sob controle e o mercado de ações ainda dinâmico, Donald Trump tem sua frente interna defendida enquanto viaja para terras estrangeiras para confrontar amigos e inimigos.
O establishment anti-Trump dos EUA reza para que os mercados punam sua prodigalidade. Isto é precisamente o que teria acontecido se a América fosse um outro país qualquer. Com um déficit fiscal que deve chegar a US $ 804 bilhões em 2018 e US $ 981 bilhões em 2019 e com o governo que se espera tomar emprestado US $ 2,34 trilhões nos próximos 18 meses, a taxa de câmbio estaria disparando e as taxas de juros atingindo o teto. Exceto que os EUA não são um outro país qualquer.
À medida que seu banco central, o Fed, reduz seu programa de flexibilização quantitativa (“quantitative easing”) vendendo seu estoque de ativos acumulados para o setor privado, os investidores precisam de dólares para comprá-los. Isso faz com que a quantidade de dólares disponíveis para os investidores diminua em até US $ 50 bilhões por mês. Adicione a isso os dólares que os capitalistas alemães e chineses precisam para comprar títulos do governo dos EUA (em uma tentativa de colocar seus lucros em algum lugar seguro) e você começa a ver por que Trump acredita que ele não será punido por uma corrida ao dólar ou a títulos do governo.
Armado com o privilégio exorbitante de possuir as máquinas de emitir dólar, Trump dá, então, uma olhada nos fluxos de comércio com o resto do G7 e chega a uma conclusão inevitável: ele não pode perder uma guerra comercial contra países que têm superávits tão altos com os EUA (por exemplo, Alemanha, Itália, China), ou que (como o Canadá) pegarão pneumonia no momento em que a economia americana pegar o resfriado comum.
Nada disso é novo. Richard Nixon também confrontou o establishment europeu em 1971 e Ronald Reagan esmagou brutalmente os japoneses em 1985. Mesmo a linguagem não era menos incivilizada - relembremos a síntese da atitude do governo Nixon nas palavras inimitáveis de John Connally: “Minha filosofia é que todos os estrangeiros estão aí para nos ferrar, e é nosso trabalho ferrá-los primeiro.” Entretanto, a agressão dos EUA de hoje em relação a seus aliados distingue-se desses episódios de duas formas.
Primeiro, desde o colapso de Wall Street em 2008 e apesar da reestruturação subsequente do setor financeiro, Wall Street e a economia doméstica dos EUA não podem mais fazer o que estavam fazendo antes de 2008: ou seja, absorver as exportações líquidas de fábricas europeias e asiáticas através de um superávit comercial financiado por um influxo equivalente de lucros no exterior. Essa insuficiência é a causa subjacente da atual instabilidade econômica e política global.
Em segundo lugar, ao contrário dos anos 1970, a década europeia, de administração inadequada da crise do euro, fez com que o establishment franco-alemão ficasse agora desunido e em fuga - com nacionalistas xenofóbicos e antieuropeus assumindo governos.
Trump dá uma olhada em tudo isso e conclui que, se os EUA não puderem mais estabilizar o capitalismo global, ele poderia explodir as convenções multilaterais existentes e construir do zero uma nova ordem global parecida com um eixo central (“hub”), com a América como centro e todos os outros poderes seus tributários - um arranjo de acordos bilaterais que garante que os EUA sempre serão o maior parceiro em cada um deles, e assim conseguirão extorquir o seu quilo de carne através de táticas de divisão e regramentos.
Pode a UE criar uma aliança antiTrump “Europe First”, talvez envolvendo a China? A resposta já foi dada após a anulação de Trump do acordo nuclear com o Irã. Minutos depois da declaração da chanceler Angela Merkel de que as empresas europeias permaneceriam no Irã, todas as corporações alemãs anunciaram que estavam se retirando, priorizando os cortes de impostos que Trump lhes oferecia dentro dos Estados Unidos.
Em conclusão, temos boas razões para ficarmos chocados com Trump: ele está ganhando contra um “establishment” europeu que chafurda na perfeita ignorância das forças que o minam e que abrem caminho para seus desalentadores desdobramentos. O ônus recai sobre os progressistas na Europa continental, no Reino Unido e nos Estados Unidos, para colocar na agenda um New Deal Internacionalista - e para vencer eleições fazendo campanha apoiado nessa agenda.
Em meus raros momentos otimistas, imagino uma aliança de Bernie Sanders, Jeremy Corbyn e nosso Movimento Democracia na Europa, o DiEM25, dando uma carreira na Internacional Nacionalista liderada por Trump. Há alguns anos atrás, um triunfo dos Trump nos EUA, Europa e além, parecia ainda mais improvável do que isso. Vale a pena tentar.
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