Rubens Glezer
Professor da FGV Direito SP e autor de "Catimba constitucional"
Folha de S.Paulo
Há algo de novo na atual guerra entre o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal).
O atual pacote de represálias ao STF, atualizado diariamente com novidades, tem sido levado adiante com seriedade e veemência singulares. Aparentemente, o Congresso farejou sangue e, com isso, sente que possui condição, em contexto adequado, para tolher o Judiciário e aumentar sua centralidade institucional na batalha entre os Poderes.
Esse pacote de represálias ao STF possui duas frentes.
Na primeira frente, estão sendo discutidas (ou até aprovadas) normas que visam reverter as decisões mais progressistas do tribunal.
Na segunda frente do pacote, estão em discussão propostas de alteração no desenho institucional e poderes do STF para, de um lado, mitigar as condições do tribunal controlar excessos e abusos do Legislativo e Judiciário bem como, de outro lado, aumentar as ingerências desses poderes políticos sobre o tribunal.
O atual pacote de represálias ao STF, atualizado diariamente com novidades, tem sido levado adiante com seriedade e veemência singulares. Aparentemente, o Congresso farejou sangue e, com isso, sente que possui condição, em contexto adequado, para tolher o Judiciário e aumentar sua centralidade institucional na batalha entre os Poderes.
Esse pacote de represálias ao STF possui duas frentes.
Na primeira frente, estão sendo discutidas (ou até aprovadas) normas que visam reverter as decisões mais progressistas do tribunal.
Na segunda frente do pacote, estão em discussão propostas de alteração no desenho institucional e poderes do STF para, de um lado, mitigar as condições do tribunal controlar excessos e abusos do Legislativo e Judiciário bem como, de outro lado, aumentar as ingerências desses poderes políticos sobre o tribunal.
O presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, com o presidente da Câmara, Arthur Lira, nesta quinta (5) - Pedro Ladeira/Folhapress |
Esses temas não são propriamente novos, como já indicou Eloísa Machado em artigo na Folha. Porém o contexto possui peculiaridades.
Tanto o presidente da Câmara dos Deputados quanto o do Senado Federal (Arthur Lira e Rodrigo Pacheco) têm realizado consecutivas manifestações públicas sobre a necessidade de colocar limites no Supremo.
Na quarta (4), a Comissão de Constituição de Justiça (possivelmente a mais relevante do Senado) aprovou a votação da PEC nº 08/21 em menos de um minuto, de forma unânime.
Mas por que essas medidas têm sido tomadas agora?
É parte da verdade que se trata de Lira e Pacheco se posicionando perante a ala mais radical de cada Casa legislativa para se manterem seu grupo na presidência, como indicou Bruno Boghossian.
É também parcialmente correto atribuir essa reação ao fato de o STF ter manejado mal seu poder de agenda e pautado para julgamento aborto, descriminalização da maconha e demarcação de terras indígenas, enquanto julga o movimento golpista de 8 de janeiro, como sinalizou Hélio Schwartsman.
Porém a insatisfação do Congresso com a proeminência política do Supremo vem crescendo ao longo da última década. Ao longo desse período, o STF esteve no centro da vida política por motivos diferentes.
Em um primeiro momento, o tribunal assume para si a agenda popular de moralização da política que acaba atingindo em cheio o Partido dos Trabalhadores, seu governo e sua coalizão partidária.
Nessa fase atuou com o julgamento do mensalão (2012-2014), a regulação ambígua do impeachment (2015-2016) e o endosso da Lava Jato (2015-2018). Muitos membros do Congresso foram presos ou afastados.
Nesse mesmo período, o STF tomou diversas decisões progressistas —ainda que em sua maioria, apenas chancelando políticas do Executivo e Legislativo. Nessa fase, a candidatura de Lula foi inviabilizada pelo Supremo.
Em um segundo momento, com as eleições de 2018, o Legislativo e o Executivo recuperam boa parte da sua força e legitimidade. O então presidente Dias Toffoli chegou a sinalizar que o Supremo iria mitigar seu papel na ordem política, mas essa intenção durou pouco.
Após constantes ataques do Executivo e seus aliados contra o próprio Supremo, a denúncia de corrupção por Sergio Moro (e sua saída do governo) e a instalação da crise do coronavírus, a ausência de controle pelo PGR, e a formação de um movimento golpista albergado no Palácio do Planalto, o STF se tornou a principal instituição de fiscalização e controle do Executivo (ao lado, talvez, do Senado Federal).
Nesse período, a Operação Lava Jato é enterrada (para felicidade do Congresso), mas diversas medidas conservadoras (inconstitucionais) do governo Bolsonaro foram derrubadas. Nessa fase, a candidatura de Lula foi viabilizada.
Não há clareza sobre qual é o atual momento do Supremo, mas temos algumas pistas.
Há uma frente de estabilização democrática, liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz seus inquéritos e o julgamento do movimento golpista. Porém ninguém sabe dizer ao certo qual é o limite –de até quando e até quanto– ele utilizará seus poderes excepcionais.
Há uma outra frente que visa implementar uma agenda progressista de direitos e que encontrou expressão máxima no último mês de presidência da ministra Rosa Weber.
Essa parece ser uma fase de um Supremo ambicioso e poderoso, como aquele de dez anos atrás. Porém o ambiente político é completamente diferente.
O Congresso tem conseguido ganhar cada vez mais poderes em relação ao Executivo, com um controle cada vez mais expressivo do Orçamento e das políticas públicas. Por isso, não deseja um Supremo capaz de interferir nessa disputa. Além disso, o mundo político –que permanece com os mesmos vícios– aprendeu o risco de ter um STF poderoso contra si. O Congresso quer ser o poder supremo
Tanto o presidente da Câmara dos Deputados quanto o do Senado Federal (Arthur Lira e Rodrigo Pacheco) têm realizado consecutivas manifestações públicas sobre a necessidade de colocar limites no Supremo.
Na quarta (4), a Comissão de Constituição de Justiça (possivelmente a mais relevante do Senado) aprovou a votação da PEC nº 08/21 em menos de um minuto, de forma unânime.
Mas por que essas medidas têm sido tomadas agora?
É parte da verdade que se trata de Lira e Pacheco se posicionando perante a ala mais radical de cada Casa legislativa para se manterem seu grupo na presidência, como indicou Bruno Boghossian.
É também parcialmente correto atribuir essa reação ao fato de o STF ter manejado mal seu poder de agenda e pautado para julgamento aborto, descriminalização da maconha e demarcação de terras indígenas, enquanto julga o movimento golpista de 8 de janeiro, como sinalizou Hélio Schwartsman.
Porém a insatisfação do Congresso com a proeminência política do Supremo vem crescendo ao longo da última década. Ao longo desse período, o STF esteve no centro da vida política por motivos diferentes.
Em um primeiro momento, o tribunal assume para si a agenda popular de moralização da política que acaba atingindo em cheio o Partido dos Trabalhadores, seu governo e sua coalizão partidária.
Nessa fase atuou com o julgamento do mensalão (2012-2014), a regulação ambígua do impeachment (2015-2016) e o endosso da Lava Jato (2015-2018). Muitos membros do Congresso foram presos ou afastados.
Nesse mesmo período, o STF tomou diversas decisões progressistas —ainda que em sua maioria, apenas chancelando políticas do Executivo e Legislativo. Nessa fase, a candidatura de Lula foi inviabilizada pelo Supremo.
Em um segundo momento, com as eleições de 2018, o Legislativo e o Executivo recuperam boa parte da sua força e legitimidade. O então presidente Dias Toffoli chegou a sinalizar que o Supremo iria mitigar seu papel na ordem política, mas essa intenção durou pouco.
Após constantes ataques do Executivo e seus aliados contra o próprio Supremo, a denúncia de corrupção por Sergio Moro (e sua saída do governo) e a instalação da crise do coronavírus, a ausência de controle pelo PGR, e a formação de um movimento golpista albergado no Palácio do Planalto, o STF se tornou a principal instituição de fiscalização e controle do Executivo (ao lado, talvez, do Senado Federal).
Nesse período, a Operação Lava Jato é enterrada (para felicidade do Congresso), mas diversas medidas conservadoras (inconstitucionais) do governo Bolsonaro foram derrubadas. Nessa fase, a candidatura de Lula foi viabilizada.
Não há clareza sobre qual é o atual momento do Supremo, mas temos algumas pistas.
Há uma frente de estabilização democrática, liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, que conduz seus inquéritos e o julgamento do movimento golpista. Porém ninguém sabe dizer ao certo qual é o limite –de até quando e até quanto– ele utilizará seus poderes excepcionais.
Há uma outra frente que visa implementar uma agenda progressista de direitos e que encontrou expressão máxima no último mês de presidência da ministra Rosa Weber.
Essa parece ser uma fase de um Supremo ambicioso e poderoso, como aquele de dez anos atrás. Porém o ambiente político é completamente diferente.
O Congresso tem conseguido ganhar cada vez mais poderes em relação ao Executivo, com um controle cada vez mais expressivo do Orçamento e das políticas públicas. Por isso, não deseja um Supremo capaz de interferir nessa disputa. Além disso, o mundo político –que permanece com os mesmos vícios– aprendeu o risco de ter um STF poderoso contra si. O Congresso quer ser o poder supremo
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