Fabio Victor
Folha de S.Paulo
As novas revelações trazidas pela Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal revigoram uma questão palpitante do último ano: qual foi o papel da cúpula das Forças Armadas no golpe planejado pelo bolsonarismo após a eleição de Lula?
A ruptura não se consumou por causa do legalismo dos generais de quatro estrelas? Ou não se consumou apesar do seu golpismo? Em suma, o que fizeram os comandantes militares para conter o ímpeto golpista do último governo e de muitos dos fardados das Forças Armadas –agora mais evidente que nunca?
Primeiro, é inevitável discernir a composição dessa cúpula.
Não se trata dos oficiais da reserva de dentro ou fora do governo Bolsonaro –nestes, o golpismo e a orfandade da ditadura são históricos, muito anteriores à gestão passada–, mas dos generais de quatro estrelas que compõem/compunham os Altos Comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica.
Convém ainda lembrar de um fato anterior aos ataques de 8 de janeiro.
Em 11 de novembro de 2022, quando Lula já fora eleito, e militantes bolsonaristas acampavam em frente a quartéis de todo país contestando o resultado das urnas e clamando por um golpe militar, os comandantes das Forças Armadas –Almir Garnier (Marinha), Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Baptista Junior (Aeronáutica)– emitiram uma nota intitulada "Às Instituições e ao Povo Brasileiro".
Em resumo, defendiam os protestos como "livre manifestação do pensamento" e "liberdade de reunião" garantidas pela Constituição. Em conversas reservadas, mesmo integrantes do Alto Comando do Exército contrários a uma ruptura concordavam com a pauta dos acampamentos: opinavam que o Judiciário e a imprensa agiram contra Bolsonaro e que a revolta dos seus eleitores era justificável.
Pois um desses espaços de "livre manifestação do pensamento" e "liberdade de reunião" foi a incubadora do 8 de janeiro.
Policiais federais saem da casa do general Heleno após operação de busca e apreensão - Pedro Ladeira/Folhapress |
Segundo a delação do tenente-coronel Mauro Cid, Garnier se manifestou favoravelmente à minuta de golpe formulada após a derrota de Bolsonaro para Lula –um decreto para convocar novas eleições que incluía a prisão de adversários.
Durante os ataques de 8 de janeiro, está por ser esclarecido por que o Palácio do Planalto, cuja proteção cabe ao Exército, estava desguarnecido.
Agora, sabe-se que o general Estevam Teophilo, que até dezembro chefiava o Coter (Comando de Operações Terrestres do Exército), cuja missão é "orientar e coordenar o preparo e o emprego" dos mais de 200 mil homens da força terrestre, teria prometido a Bolsonaro colocar tropas na rua para garantir o golpe.
A PF também revelou mensagens enviadas por Braga Netto para Ailton Barros, militar expulso do Exército, em que o candidato a vice de Bolsonaro dizia que a culpa pela posse de Lula seria do comandante do Exército, Freire Gomes, chamado por ele de "cagão".
São cada vez mais fartos os elementos a comprovar que a não consumação do golpe não significa que a cúpula das Forças Armadas era/é necessariamente legalista. Parte dela se omitiu e incentivou a aventura golpista; parte dela parece ter participado mais ativamente.
E nunca é demais relembrar: não havia apoio externo (os EUA sinalizaram que não apoiariam) nem apoio interno maciço (nem dos bancos nem da Igreja nem da imprensa, para citar alguns atores) a uma aventura golpista que encorajassem eventuais generais simpáticos à ideia, projetando um "day after" desastroso.
Um dos núcleos de investigação do Ministério Público Federal em relação ao 8/1 é dedicado a apurar a responsabilidade de autoridades por "omissão imprópria". Tanto nos episódios já conhecidos quanto nos que agora vêm à tona, as autoridades da polícia, do Ministério Público e do Judiciário responderão se e como a cúpula das Forças Armadas será enquadrada.
Em caso positivo, estão sujeitos a responder por crimes previstos na Lei do Estado Democrático de Direito ou mesmo no Código Penal, como prevaricação (deixar de agir diante de transgressão às leis).
Para o advogado criminalista Rodrigo Sánchez Rios, há elementos para que comandantes militares sejam punidos tanto por ação/instigação quanto por omissão.
No primeiro caso, ele cita a nota conjunta de 11/11/2022 e o elogio de Braga Netto a Garnier por ter, segundo a decisão de Alexandre de Moraes, anuído com o golpe, colocando suas tropas à disposição de Bolsonaro.
Quanto às omissões, Sánchez Rios menciona a manutenção das manifestações em frente aos quartéis. "Aquelas pessoas só puderam se manter em área militar com a anuência de alguém que tivesse poder para tanto ou que nada fez para retirá-los. Assim, poderia estar configurado o crime de prevaricação", afirma.
O advogado –que foi defensor de empresas envolvidas na Lava Jato mas também do ex-juiz Sergio Moro quando ele deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de querer interferir na PF– diz que "obviamente muitos oficiais foram expressamente contrários ou não se mantiveram nos objetivos pleiteados pela cúpula do antigo governo. É possível concluir das mensagens de Braga Netto ter sido o caso dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, este último adjetivado de traidor da pátria".
Durante os ataques de 8 de janeiro, está por ser esclarecido por que o Palácio do Planalto, cuja proteção cabe ao Exército, estava desguarnecido.
Agora, sabe-se que o general Estevam Teophilo, que até dezembro chefiava o Coter (Comando de Operações Terrestres do Exército), cuja missão é "orientar e coordenar o preparo e o emprego" dos mais de 200 mil homens da força terrestre, teria prometido a Bolsonaro colocar tropas na rua para garantir o golpe.
A PF também revelou mensagens enviadas por Braga Netto para Ailton Barros, militar expulso do Exército, em que o candidato a vice de Bolsonaro dizia que a culpa pela posse de Lula seria do comandante do Exército, Freire Gomes, chamado por ele de "cagão".
São cada vez mais fartos os elementos a comprovar que a não consumação do golpe não significa que a cúpula das Forças Armadas era/é necessariamente legalista. Parte dela se omitiu e incentivou a aventura golpista; parte dela parece ter participado mais ativamente.
E nunca é demais relembrar: não havia apoio externo (os EUA sinalizaram que não apoiariam) nem apoio interno maciço (nem dos bancos nem da Igreja nem da imprensa, para citar alguns atores) a uma aventura golpista que encorajassem eventuais generais simpáticos à ideia, projetando um "day after" desastroso.
Um dos núcleos de investigação do Ministério Público Federal em relação ao 8/1 é dedicado a apurar a responsabilidade de autoridades por "omissão imprópria". Tanto nos episódios já conhecidos quanto nos que agora vêm à tona, as autoridades da polícia, do Ministério Público e do Judiciário responderão se e como a cúpula das Forças Armadas será enquadrada.
Em caso positivo, estão sujeitos a responder por crimes previstos na Lei do Estado Democrático de Direito ou mesmo no Código Penal, como prevaricação (deixar de agir diante de transgressão às leis).
Para o advogado criminalista Rodrigo Sánchez Rios, há elementos para que comandantes militares sejam punidos tanto por ação/instigação quanto por omissão.
No primeiro caso, ele cita a nota conjunta de 11/11/2022 e o elogio de Braga Netto a Garnier por ter, segundo a decisão de Alexandre de Moraes, anuído com o golpe, colocando suas tropas à disposição de Bolsonaro.
Quanto às omissões, Sánchez Rios menciona a manutenção das manifestações em frente aos quartéis. "Aquelas pessoas só puderam se manter em área militar com a anuência de alguém que tivesse poder para tanto ou que nada fez para retirá-los. Assim, poderia estar configurado o crime de prevaricação", afirma.
O advogado –que foi defensor de empresas envolvidas na Lava Jato mas também do ex-juiz Sergio Moro quando ele deixou o Ministério da Justiça acusando Bolsonaro de querer interferir na PF– diz que "obviamente muitos oficiais foram expressamente contrários ou não se mantiveram nos objetivos pleiteados pela cúpula do antigo governo. É possível concluir das mensagens de Braga Netto ter sido o caso dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, este último adjetivado de traidor da pátria".
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