Angela Pinho
Folha de S.Paulo
O presidente Luiz Inacio Lula da Silva participa de aniversário do PT - Gabriela Biló - 13.fev.2023/Folhapress |
Na economia, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) promete déficit zero no ano que vem, sob reprovação até da presidente do seu partido, que pedia mais gastos; a base do governo tenta alternativas para o piso da Saúde, contrariando bandeira histórica por mais recursos; e a proposta que mais acende a militância, a chamada taxação dos "super-ricos", é tida como mais simbólica do que com capacidade real de tornar mais progressiva a tributação no país.
No campo da diversidade, bandeira não necessariamente de esquerda, mas defendida na política brasileira com mais ênfase por esse campo, também há hesitação na gestão Lula.
O clamor de movimentos para a nomeação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF) foi ignorado até o momento, e uma ministra —Ana Moser, do Esporte— foi rifada para acomodar um aliado do centrão, tirando do terceiro mandato do petista o recorde de mulheres na Esplanada.
Pleiteado pela esquerda, o "revogaço" de reformas feitas sob pelas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro não foi adiante, embora haja indicativos de flexibilização.
No caso da reforma trabalhista, o governo e sindicatos planejam a volta da contribuição sindical obrigatória, na forma de taxa negocial, desde que aprovada em assembleia. Não há sinalização de mudanças em outros pontos.
No campo da Previdência, o ministro Carlos Lupi chegou a falar em rever a reforma aprovada sob o governo Bolsonaro, mas foi desautorizado pelo ministro Rui Costa (Casa Civil) ainda no começo do ano.
Em entrevista ao UOL, Lupi chegou a dizer que sua pasta prepara uma proposta para o setor, mas reconheceu que ela não foi discutida com o restante do governo e que não haveria tempo hábil para isso neste ano.
A viabilidade de uma discussão como essa acontecer no Congresso em 2024, ano de eleições municipais, é mínima.
A reforma do ensino médio, por sua vez, deve ser revista após constatações como falta de professores e a impossibilidade de alunos escolherem suas áreas de aprofundamento.
Uma das mudanças propostas pelo MEC será a ampliação da carga horária para matérias obrigatórias. O cerne da reforma —possibilidade de escolha de parte das matérias— deve ser mantido.
A proposta de revisão foi elaborada após consulta pública.
"O governo Lula fez o que costumam fazer: a institucionalização do conflito social", diz Fernando Cássio, pesquisador da área de educação e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC).
"Só que o clamor pela revogação é maior", diz ele, que também defende essa bandeira. "O governo equilibra mais pratos do que deveria considerando que sua base principal não está nessa classe alta que só ficou ao seu lado por conveniência", critica.
Cássio cita ainda o fácil trânsito de fundações empresariais no Ministério da Educação e a dificuldade de sindicalistas de serem recebidos pelo ministro Camilo Santana como mais um exemplo do desequilíbrio que julga haver.
Para o professor de ciência política Bruno Bolognesi, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), falta traduzir na prática a cena da posse de Lula que simbolizou a diversidade.
Ele cita, por exemplo, o aval para o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente no Congresso e o baixo orçamento de pastas ocupadas pelos ministros da agenda da diversidade, como o de Povos Indígenas e da Igualdade Racial.
"Até o momento, o caráter programático do governo ficou muito na superfície", afirma.
Entre eles, estão a nomeação da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para chefiar o banco dos Brics, bloco de países emergentes, e de Marcio Pochmann para comandar o IBGE, além de críticas à taxa de juros. Mas não são movimentos que chegam a mudar o cerne da política econômica.
Declarações de Lula sobre política externa, como a relativização da responsabilidade da Rússia pela guerra da Ucrânia, também agradam setores de sua base.
A necessidade de garantir apoio com um Congresso conservador e quando quase um terço da população diz ainda se identificar com o bolsonarismo é apontada como explicação para a inclinação do terceiro mandato de Lula à moderação da sua frente ampla.
A dificuldade de impor uma agenda da esquerda foi colocada pelo próprio petista em julho, em entrevista ao SBT.
"A gente vai conversar com todo mundo que tem voto no Congresso Nacional, porque para aprovar as coisas que queremos precisamos de voto. E o PT, sozinho, não tem. O PT e a esquerda não têm os votos", disse.
Exemplo disso ocorreu dias atrás, quando Lula incluiu em seu primeiro escalão ministros de PP e Republicanos, partidos da base de Bolsonaro e que o apoiaram à reeleição no ano passado.
O pragmatismo do presidente é apontado também pela economista Monica de Bolle, professora da Universidade John Hopkins, como marca de seu governo.
Para ela, mesmo movimentos na política externa que por vezes são lidos como uma tentativa de agradar a base atendem a esse imperativo, como a ampliação do Brics, bloco de países emergentes.
"O Lula está igual, mas o mundo mudou", diz. "O Brasil não pode alienar a China nem a Rússia, assim como não pode alienar a União Europeia e os Estados Unidos."
Já a situação interna do Brasil, para a economista, torna difícil impor mudanças de rota profundas na economia. Ela se refere à crise social concomitante com as dificuldades fiscais.
"Não dá nem para diminuir muito o Estado e abandonar os pobres, como quer a direita, nem só gastar, gastar e gastar, como parte da esquerda defende."
A política de aumento real do salário mínimo atende uma bandeira da base petista.
Já o arcabouço fiscal de Haddad, na avaliação da professora, é um conjunto de medidas que poderia também ter sido proposto por um governo de centro-direita.
A tributação dos "super-ricos" é outra proposta de Haddad que acena à esquerda, mas deve ter muito pouco peso na arrecadação, diz ela.
Em termos políticos, porém, a medida é uma jogada considerada sagaz. "Ela dá uma sinalização importante, ao mesmo tempo em que prejudica muito pouca gente", diz Bolognesi.
No campo da diversidade, bandeira não necessariamente de esquerda, mas defendida na política brasileira com mais ênfase por esse campo, também há hesitação na gestão Lula.
O clamor de movimentos para a nomeação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF) foi ignorado até o momento, e uma ministra —Ana Moser, do Esporte— foi rifada para acomodar um aliado do centrão, tirando do terceiro mandato do petista o recorde de mulheres na Esplanada.
Pleiteado pela esquerda, o "revogaço" de reformas feitas sob pelas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro não foi adiante, embora haja indicativos de flexibilização.
No caso da reforma trabalhista, o governo e sindicatos planejam a volta da contribuição sindical obrigatória, na forma de taxa negocial, desde que aprovada em assembleia. Não há sinalização de mudanças em outros pontos.
No campo da Previdência, o ministro Carlos Lupi chegou a falar em rever a reforma aprovada sob o governo Bolsonaro, mas foi desautorizado pelo ministro Rui Costa (Casa Civil) ainda no começo do ano.
Em entrevista ao UOL, Lupi chegou a dizer que sua pasta prepara uma proposta para o setor, mas reconheceu que ela não foi discutida com o restante do governo e que não haveria tempo hábil para isso neste ano.
A viabilidade de uma discussão como essa acontecer no Congresso em 2024, ano de eleições municipais, é mínima.
A reforma do ensino médio, por sua vez, deve ser revista após constatações como falta de professores e a impossibilidade de alunos escolherem suas áreas de aprofundamento.
Uma das mudanças propostas pelo MEC será a ampliação da carga horária para matérias obrigatórias. O cerne da reforma —possibilidade de escolha de parte das matérias— deve ser mantido.
A proposta de revisão foi elaborada após consulta pública.
"O governo Lula fez o que costumam fazer: a institucionalização do conflito social", diz Fernando Cássio, pesquisador da área de educação e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC).
"Só que o clamor pela revogação é maior", diz ele, que também defende essa bandeira. "O governo equilibra mais pratos do que deveria considerando que sua base principal não está nessa classe alta que só ficou ao seu lado por conveniência", critica.
Cássio cita ainda o fácil trânsito de fundações empresariais no Ministério da Educação e a dificuldade de sindicalistas de serem recebidos pelo ministro Camilo Santana como mais um exemplo do desequilíbrio que julga haver.
Para o professor de ciência política Bruno Bolognesi, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), falta traduzir na prática a cena da posse de Lula que simbolizou a diversidade.
Ele cita, por exemplo, o aval para o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente no Congresso e o baixo orçamento de pastas ocupadas pelos ministros da agenda da diversidade, como o de Povos Indígenas e da Igualdade Racial.
"Até o momento, o caráter programático do governo ficou muito na superfície", afirma.
Entre eles, estão a nomeação da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para chefiar o banco dos Brics, bloco de países emergentes, e de Marcio Pochmann para comandar o IBGE, além de críticas à taxa de juros. Mas não são movimentos que chegam a mudar o cerne da política econômica.
Declarações de Lula sobre política externa, como a relativização da responsabilidade da Rússia pela guerra da Ucrânia, também agradam setores de sua base.
A necessidade de garantir apoio com um Congresso conservador e quando quase um terço da população diz ainda se identificar com o bolsonarismo é apontada como explicação para a inclinação do terceiro mandato de Lula à moderação da sua frente ampla.
A dificuldade de impor uma agenda da esquerda foi colocada pelo próprio petista em julho, em entrevista ao SBT.
"A gente vai conversar com todo mundo que tem voto no Congresso Nacional, porque para aprovar as coisas que queremos precisamos de voto. E o PT, sozinho, não tem. O PT e a esquerda não têm os votos", disse.
Exemplo disso ocorreu dias atrás, quando Lula incluiu em seu primeiro escalão ministros de PP e Republicanos, partidos da base de Bolsonaro e que o apoiaram à reeleição no ano passado.
O pragmatismo do presidente é apontado também pela economista Monica de Bolle, professora da Universidade John Hopkins, como marca de seu governo.
Para ela, mesmo movimentos na política externa que por vezes são lidos como uma tentativa de agradar a base atendem a esse imperativo, como a ampliação do Brics, bloco de países emergentes.
"O Lula está igual, mas o mundo mudou", diz. "O Brasil não pode alienar a China nem a Rússia, assim como não pode alienar a União Europeia e os Estados Unidos."
Já a situação interna do Brasil, para a economista, torna difícil impor mudanças de rota profundas na economia. Ela se refere à crise social concomitante com as dificuldades fiscais.
"Não dá nem para diminuir muito o Estado e abandonar os pobres, como quer a direita, nem só gastar, gastar e gastar, como parte da esquerda defende."
A política de aumento real do salário mínimo atende uma bandeira da base petista.
Já o arcabouço fiscal de Haddad, na avaliação da professora, é um conjunto de medidas que poderia também ter sido proposto por um governo de centro-direita.
A tributação dos "super-ricos" é outra proposta de Haddad que acena à esquerda, mas deve ter muito pouco peso na arrecadação, diz ela.
Em termos políticos, porém, a medida é uma jogada considerada sagaz. "Ela dá uma sinalização importante, ao mesmo tempo em que prejudica muito pouca gente", diz Bolognesi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário