Victoria Azevedo
Folha de S.Paulo
O ex-presidente Lula concedeu entrevista ao UOL nesta quarta-feira (27) - Reprodução/UOL |
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que as falas golpistas do presidente Jair Bolsonaro (PL) não têm apoio das Forças Armadas do Brasil e que não acredita na possibilidade de uma ruptura democrática no país.
"Acho que ele [Bolsonaro] vai tentar fazer tudo que quer fazer e temos que ter em conta que os militares são mais responsáveis que o Bolsonaro. Convivi com eles e posso dizer que não tenho queixas do comportamento das Forças Armadas. Mantive oito anos de convivência da forma mais digna possível, não criaram problemas, ajudaram no que era possível ajudar", afirmou Lula.
O petista concedeu entrevista ao portal UOL nesta quarta-feira (27).
"As Forças Armadas não criam caso. Tenho certeza que as bobagens que o Bolsonaro fala não têm apoio do alto comando e dos militares da ativa. Não acredito em golpe, não acredito que as Forças Armadas aceitem isso e que a sociedade brasileira permita. Se ele começar a brincar com a democracia ele vai pagar um preço muito caro", continuou.
Lula também disse que ficou "feliz" com a iniciativa de ex-alunos da Faculdade de Direito da USP lançarem a "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito" e que ele é favorável a qualquer iniciativa que defenda a democracia.
"Estou convencido que todos os brasileiros precisam brigar muito para que a gente mantenha a consolidação do processo democrático desse país", afirmou.
A carta, que será lançada no próximo dia 11, reuniu 60 mil adesões menos de 20 horas após ser aberta ao público.
O ex-presidente disse ainda que Bolsonaro, se tivesse inteligência ou bom senso, faria uma grande festa cívica pelos 200 anos de Independência do Brasil.
"Ele quer transformar os 200 anos em um ato dele, quer fazer motociata, que brincar com a data mais nobre que temos nesse país e é lamentável que seja assim", afirmou.
Na convenção do PL que oficializou o nome de Bolsonaro como candidato à reeleição, no domingo (24), o atual mandatário, em seu discurso, convocou seus apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no 7 de Setembro e, em seguida, dirigiu seus ataques a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Como a Folha mostrou, Lula sugeriu não medir forças com bolsonaristas no 7 de Setembro. Na avaliação de aliados do petista, Bolsonaro irá para "o tudo ou nada" no dia da Independência, seja em busca de uma virada na disputa presidencial ou em mais uma tentativa de deslegitimar o processo eleitoral.
Na entrevista desta quarta, Lula disse ser favorável a um civil no comando Ministério da Defesa, como fez em suas gestões. "Não será um militar, será alguém da sociedade civil", disse, para caso seja eleito em outubro. Sob Bolsonaro, militares do Exército têm sido escalados para o cargo.
O ex-presidente disse ainda que urna eletrônica não é uma questão para os militares. "Urnas são questão do Congresso, dos partidos, da Justiça Eleitoral e da sociedade civil."
Questionado sobre o atual papel do STF (Supremo Tribunal Federal), Lula disse que os políticos "ajudaram a politizar o Judiciário", com uma série de ações no tribunal. E cobrou a volta da "normalidade", como já havia dito em outras entrevistas.
O petista voltou a criticar o domínio pelo Congresso de boa parte do Orçamento, em especial por meio das chamadas emendas de relator. "O presidente não tem força com o Congresso, é uma marionete", disse sobre Bolsonaro.
Ele disse que, se ganhar as eleições, promete conversar com todos os partidos em busca de uma espécie de pacto para governar o país, com parceria, para atacar a fome e o desemprego do país. "Não quero ser o dono da verdade, quero ser o maestro de uma orquestra."
Sobre Arthur Lira, atual presidente da Câmara, Lula brincou sobre já dizerem que ele será reeleito para o comando da Casa em fevereiro de 2023. O petista disse que ainda é cedo para tratar disso e que buscará eleger uma ampla bancada do PT e de esquerda.
O ex-presidente afirmou ainda que "nunca viu a ignorância e a violência" que enxerga no processo eleitoral deste ano e que há uma "frente bolsonarista que é a do ódio e da violência".
Ele também disse que Bolsonaro tem responsabilidade na morte do guarda municipal petista Marcelo Arruda, assassinado por um bolsonarista em Foz do Iguaçu (PR).
"O Bolsonaro tem responsabilidade na morte do Marcelo. Se ele não tivesse, não mandava chamar o irmão do Marcelo e não estava preocupado em atender a família e tentar falar. Ele está instigando nos discursos e nas lives dele. Ele está instigando a sociedade a isso."
Ao ser questionado se tinha medo de sofrer um atentado, Lula disse que tem "fé em Deus" e que não acredita que isso irá acontecer.
Ainda na entrevista, o ex-presidente se recusou a adiantar nomes de possíveis ministros em um eventual governo, mas afirmou que "não quer fazer um governo burocrata" e que "quem tem que dirigir é a política".
"Quero sempre a pessoa com a cabeça política. Pode ser advogado, médico, empresário, catador de material reciclável. Mas quero que tenha a cabeça política. Se pensar politicamente correto e ter versatilidade política esse cara pode ser o ministro da Economia", disse.
Lula também disse que irá "criar os ministérios que for necessário criar".
O ex-presidente voltou a atacar o teto de gastos, afirmou que ele "não precisa" desse mecanismo e que tem "a sorte" de ter a seu favor os seus mandatos.
"Esse país não precisa de teto de gastos, precisa de um governo que tenha credibilidade, que garanta estabilidade e que tenha previsibilidade. E eu e o [ex-governador Geraldo] Alckmin vamos fazer isso com muita competência", continuou.
O petista também disse que irá retomar o programa Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família, fixando o valor de R$ 600. "Nós vamos retomar o Bolsa Família a R$ 600. Obviamente, você tem que levar em conta o número de pessoas por família, não tem que ser igual para todo mundo."
Lula afirma que deverá mudar a política de preço da Petrobras e que Bolsonaro "não teve coragem" de mexer nos preços dos combustíveis.
Ele disse que, caso volte à Presidência, irá convidar empresários, trabalhadores e políticos para elaborar uma nova proposta de política tributária para o país. "Onde o rico paga um pouco mais e o pobre pague um pouco menos."
Lula também disse que não pensa em disputar a reeleição. "É uma decisão minha, estou dizendo aqui, agora, da minha livre e espontânea vontade, que quero cumprir o melhor mandato que já fiz na minha vida e trabalhar em quatro anos por 40."
Sobre sua participação em debates, Lula disse que aguarda resposta de pedido de sua campanha para que ocorram três debates no primeiro turno, em formato de pool, e que, assim que o tiver, estará "disposto a fazer debates".
Ele afirmou que essa sugestão é para que ele não fique "refém" de todos os debates já marcados porque precisa viajar pelo país.
A CNN Brasil e a TV Bandeirantes adiaram os seus debates, que estavam programados para as próximas semanas, pela falta de confirmação das presenças de Lula e de Bolsonaro.
"Gosto do debate seja no primeiro ou no segundo turno. Mas quero dar uma certa moralizada na quantidade, porque não sou político de gabinete que espera apenas um debate para aparecer. Quero viajar os 27 estados, quero abraçar, cumprimentar e sentir as pessoas."
O ex-presidente ainda aproveitou para cutucar Bolsonaro, seu principal adversário na corrida eleitoral. "O que o Bolsonaro está pensando. Ele já não foi na outra campanha, agora ela tá pensando que só irá no segundo turno. Se puderem lembrar ao Bolsonaro que ele pode não ter um segundo turno", disse.
Ele afirmou ainda que acredita que as eleições podem ser resolvidas logo no primeiro turno. "Vou trabalhar para ganhar o mais rápido possível, mas só vamos saber no dia 2 de outubro."
Lula listou como vantagens caso isso ocorra a diminuição dos gastos de campanha, além de um maior tempo para se preparar para governar o país e para montar o governo —e disse que, ao se tratar de Bolsonaro, "você nunca sabe o comportamento dos milicianos que o apoiam".
Ao ser questionado sobre como ele lida com críticas de que o PT não combate a corrupção, Lula afirmou que foram governos petistas os que mais trataram de combater a corrupção e citou mecanismos criados como o Portal da Transparência e a Lei de Acesso à Informação.
"A corrupção só aparece quando ela tem liberdade e possibilidade de investigação (...) O PT nunca fechou a porta para investigação, nós fizemos a lei, nós que criamos a delação. Para nós é o seguinte: só tem um jeito do cidadão não ser investigado que é ele não cometer erro", disse.
O ex-presidente disse também que não espera apoio do ex-presidente Michel Temer nas eleições de outubro e afirmou que ele "sempre teve dificuldade de votar no PT".
O petista disse ainda que conta com apoio de ala do MDB e que gostaria do apoio da sigla "como um todo", mas que nunca irá pedir para que uma pessoa não seja candidata ou retire seu nome da disputa eleitoral.
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