Alain Supiot
Idealismo de mercado
Assim como o darwinismo social de que parte, o darwinismo normativo somente é realista na aparência, pois nega o próprio meio para avaliar se ele oferece uma verdadeira representação do mundo ou não. A fim de chegar a um juízo sobre a realidade, é preciso contrastá-la com um sistema de valores que seja exterior a ela; ao contrário, para impugnar um sitema de valores, é necessário admitir que este não é inerente a natureza e que, assim, é possível discuti-lo e questioná-lo. Tratar estes sistemas como produtos resulta na distorção dos instrumentos de medida e a atribuição de uma objetividade “científica” a um sistema de predileção, que este não pode possuir.
Os índices escolhidos pelo Banco Mundial ou pela União Européia para medir o desempenho das legislações nacionais de emprego oferecem uma caricatura deste tipo de normatização inconsciente de si mesma. Não apenas evitam o escrutínio do debate democrático, algo que ainda é necessário para a elaboração da legislação parlamentar, como oferecem uma imagem da situação de emprego que reflete apenas as crenças que governam seu projeto21. Ao contrário das categorias estatísticas clássicas formuladas por Quételet e outros – que, apesar de uma dimensão normativa inevitável, pelo menos pretendia medir a realidade observável -, os novos indicadores, concebidos para aferição de propósitos, colocam-se a medir a distância entre a realidade e um ideal implícito: no caso da legislação trabalhista, o da adaptação da força de trabalho aos requisitos dos mercados financeiros, consagrados como os árbitros máximos de qualquer avaliação. Ironicamente, os indicadores do Banco Mundial tem algo em comum com o enfoque dogmático da planificação soviética e produzem os mesmos efeitos: dispender esforços para o cumprimento de objetivos quantitativos, no lugar de resultados concretos, enquanto se esconde a verdadeira situação da economia e da sociedade a uma elite governante desconectada das vidas daqueles sobre os que governa22.
Inicialmente, a criação da Comunidade Européia objetivava a ampliação, não a eliminação, do que ainda se denominava “mercado interno”. Estava inspirada na experiência da industrialização, quando cada Estado ocidental se proveu das condições jurídicas para seu desenvolvimento, abrindo suas fronteiras apenas na medida em que isto melhorava sua economia nacional. O mercado “comum” implicava na concorrência entre empresas, mas na cooperação entre os Estados. Esta pedra angular da construção européia foi eliminada quando os Estados membros e a Comissão fizeram seu projeto de um mercado desregulamentado, com a supressão em larga escala das restrições a livre circulação de capital e mercadorias em todos os países e setores. Este tipo de abordagem acaba por minar a solidariedade entre Estados membros, criando concorrência entre sistemas jurídicos nacionais – em particular, no âmbito da legislação trabalhista – dentro da própria União Européia. Já existia uma explícita contradição entre as regras que tem sua origem no velho projeto de mercado comum (dirigidas a harmonizar as legislações dos Estados membros, em especial nos campos social e de meio-ambiente) e as que partem do novo projeto de mercado global (visando um cenário de sistemas jurídicos nacionais em concorrência entre si).
Realocações
Os efeitos da concorrência entre as normas – e o atual desvio do princípio de livre concorrência a que levam – ficam bem ilustrados na prática da realocação industrial. Quando uma empresa decide estabelecer-se num país estrangeiro para conquistar uma fatia de seu mercado, encontra-se em concorrência com outras empresas que estão igualmente sujeitas as condições sociais, fiscais e de meio-ambiente que governam esse mercado. Se seu negócio comprova-se competitivo, o investimento da empresa beneficiará tanto a seus acionistas como, idealmente, a população local. Mas quando – como no exemplo dos frangos – uma sociedade desloca suas atividades para o exterior para reimportar alimentos processados, violando leis fiscais, sociais e ambientais do país de origem, já não são mais os produtos que estão em concorrência, senão os sistemas normativos. A consequência, conhecida por todos, é uma corrida até o abismo da desregulamentação fiscal, social e ambiental, já que os primeiros “beneficiários” da realocação o fizeram, assim também os outros países candidatos reduzem suas normas cada vez mais. A prática da realocação direcionada a reimportação, já difundida entre os produtos domésticos (têxteis, móveis, etc), é passível de provocar o colapso em outros setores, nos próximos anos. Está claro que países como a Índia e a China têm capacidade para fabricar produtos de alto valor agregado em grande escala; os Estados ocidentais, cujas populações envelhecidas representam menos de 15% dos trabalhadores do mundo, são confrontados com a adaptação de suas condições de emprego e trabalho para os 85% restantes. Nestas circunstâncias, é difícil ver como o debate sobre o desemprego pode permanecer confinado as questões de legislação trabalhista, ao invés de questionar o regime jurídico do comércio internacional.
Por sua vez, questões de legislação societária deveriam ser centrais na discussão sobre a redução do desemprego. A distribuição do poder dentro de uma empresa tem uma incidência direta sobre o desfecho de qualquer conflito de interesses de curto e de longo prazo, ou entre as partes envolvidas (acionistas, direção, empregados, subcontratados, etc). A legislação societária pode conceder – como era nos Países Baixos até 2004 – maior poder de decisão aos investidores que podem demonstrar sua vinculação com os interesses de longo prazo de uma empresa, limitando os votos aos que somente buscam ganhos a curto prazo23. A distribuição entre “acionistas empresariais”, comprometidos com o contínuo bem-estar de uma empresa (e, portanto, com seu potencial humano), e “acionistas especuladores”, que perseguem o máximo retorno imediato do capital, tem uma óbvia relevância aqui; isto foi pertinentimente levantado no chamado debate “gafanhoto”24, durante a campanha eleitoral alemã de 200525.
A utilidade da lei
“O dinheiro é como o esterco”, observava Francis Bacon, “não é bom a menos que seja espalhado”26. A implacável pressão descendente sobre os custos – principalmente os do trabalho – favorece tanto a concentração vertiginosa dos lucros financeiros como a dissociação entre produtividade e ganhos27, a pauperização dos Estados (em uma corrida fiscal para baixo), uma redução geral da solidariedade social e a hiperexploração dos recursos naturais. Um primeiro passo que nos afastaria desta tendência passaria por voltar a assentar o mercado sobre sólidas bases legais, ao invés de seguir minando-as. Um mercado se define a partir de limites estabelecidos pela lei; estes precisam levar em conta as reais condições de vida e trabalho, com vistas a melhorias. A livre circulação de mercadorias e capital não é um fim em si mesmo; o único valor que tem depende de sua contribuição a uma autêntica melhoria na vida dos homens e das mulheres. É tarefa do direito ampliar ou restringir o alcance do livre mercado, na medida em que aumente o desenvolvimento humano ou roube as pessoas de seus meios de sustento, lançando-os na pobreza.
Isto suscita uma pergunta eminentemente política: quem fazem as leis? A tarefa que temos adiante lembra a famosa parábola de Saint-Simon sobre as abelhas e os zangões, na qual o cientista social se maravilhava com a submissão do “partido dos produtores” – os “trabalhadores”28: operários, artistas, empresários – a improdutiva casta governante do “partido dos nobres”: aristocracia, exército, juristas. O que está em jogo é a subordinação dos protagonistas da economia real aqueles de uma economia simbólica. Isto dá uma certa atualidade a conclusão da fábula: “Se me fosse perguntado que saber político falta aos trabalhadores e o que necessitam para atingir seus objetivos, eu deveria responder: em primeiro lugar, uma idéia clara do sistema político que lhe convêm; e, em seguida, encontrar uma maneira de unir seus esforços contra o partido dos nobres”29
Tradução / As lutas em torno da legislação trabalhista que atingiram a França e a Alemanha no último ano [2005] foram fundamentalmente defensivas. Sem dúvida, a reforma daquela legislação, num sentido positivo, constitui um tema importante que merece ser abordado em seus próprios termos: como a lei poderia melhor se adaptar as mudanças objetivas nas práticas de trabalho decorrentes das novas tecnologias? O modelo de trabalho assalariado que dominou a era industrial – no qual um trabalhador renuncia a um grau de liberdade em troca de determinada proporção de segurança – já não pode ser aplicada na atualidade de maneira genérica. Muitos pesquisadores contemporâneos concordam que a questão não envolve apenas a condição dos direitos individuais do trabalhador, mas também a criação de condições profissionais que assegurem as pessoas, em longo prazo, suas capacidades e necessidades econômicas de maneira suficiente a lhes permitir tomar iniciativas e arcar com responsabilidades[1] Os termos chaves nesta perspectiva não são postos de trabalho, subordinação e seguridade social, senão trabalho (entendido em todas as suas formas e não só como trabalho assalariado), habilidades profissionais e segurança econômica.
As reformas do mercado de trabalho impostas na maioria dos países europeus têm se mantido circunscritas ao velho modelo e limitadas a piorar as condições para aqueles que se encontram nas classes mais pobres. Estas políticas decorrem da (falsa) suposição de que a legislação trabalhista constitui o principal obstáculo ao pleno emprego e deveria ser desmantelada para aumentar a competitividade das empresas.
Uma característica comum as reformas levadas a cabo durante os últimos trinta anos tem sido seu ataque contra frágeis garantias, as quais, porém, os mais fracos se apegam. Seja em nome do workfare5, da fragmentação do trabalho ou da flexibilização, o denominador comum tem sido a ideia de que determinadas garantias estabelecidas (jornada integral de trabalho, salários compatíveis, proteção contra demissão) são os responsáveis pelas dificuldades que experimentam certos setores da força de trabalho para encontrar emprego. Dado o maior ou menor animo do “mercado social” da época, isto tem significado de fato uma redução destas garantias, ou então a transferência de parte de seus custos ao Estado ou a Seguridade Social.
Na Europa continental, o lugar em que se fez mais evidente a inversão de papéis entre o Estado, a empresa privada e as finanças foi o da legislação trabalhista. Enquanto que em outros tempos o Estado estabelecia as grandes linhas de uma política econômica nacional, a qual as grandes empresas desenvolviam e da qual se esperava que os financistas se servissem, hoje em dia, os objetivos financeiros ditam as atuações das companhias, enquanto que os custos dos sacrifícios humanos envolvidos ficam a cargo do Estado, financiando incentivos para o emprego, ou de maneira indireta, tendo que ocupar-se das consequências da pobreza, da violência e da insegurança. Como resultado, se reduzem as garantias onde elas são mais necessárias, enquanto segue a acumulação por aqueles que se encontram no alto da escala social. Denunciado com regularidade, este duplo padrão não tem feito mais senão se acentuar, em especial no que se refere aos direitos coletivos – como a sindicalização, a greve -, cuja realidade tende a ser proporcional a segurança do posto de trabalho: aqueles que mais necessitam destes direitos são os que mais se vêem privados deles[2]. A legislação do emprego proporciona um perfeito exemplo do “efeito Mateus”: “Porque ao que tem muito, se dará ainda mais; mas ao que tem pouco, até mesmo o que tem lhe será tirado.”[3]
O Contrato do Primeiro Emprego que o governo francês lutou por impor, de fevereiro a abril de 2006, era quase uma caricatura desta concepção. Em nome da luta contra o desemprego juvenil, permitia aos empregadores despedir aos jovens trabalhadores sem explicação durante seus dois primeiros anos no posto de trabalho.
Idealizado por um grupo de assessores econômicos do Primeiro Ministro, sem nem sequer consultar aos juristas do Ministério do Emprego, aprovado como uma “questão de urgência”, sem nenhuma negociação com os sindicatos e sem um debate parlamentar de fato, a medida exibia praticamente todos os defeitos que têm arruinado a reforma do direito trabalhista francês durante o último quarto de século. A proposta estava baseada em comparações internacionais altamente relativas, nas quais os índices de jovens desempregados se calculam unicamente a partir do número destes no mercado de trabalho em relação ao seu número total, incluindo estudantes (da mesma forma, este método estabelece automaticamente nos países uma média mais elevada dos índices de tempo de escolaridade). Utilizava um conceito confuso de faixa etária como categoria sociológica – colocando num mesmo grupo a todos os menores de 26 anos, quer fossem ricos ou pobres, iletrados ou graduados de uma universidade de elite -; oferecia uma oportunidade inesperada aos empregadores que já pretendiam realizar demissões; tinha o efeito perverso de dificultar a obtenção de trabalho aos maiores de 26 anos. Enfim, nada acrescentava a resolução do real problema enfrentado pela maioria da população jovem, que não é encontrar um trabalho – as estatísticas mostram que se mantêm desempregados muito menos tempo que a população com mais idade -, senão que encontrar trabalho estável: a rotação é muito maior nesta faixa etária e, sem um emprego estável, fica difícil conseguir crédito ou moradia.
Não obstante, como não havia senão acrescentado um elemento a mais de inseguridade laboral ao que já era uma extensa lista – emprego temporário, contratos curtos, etc. – a aprovação da CPE podia ter passado praticamente despercebida se não tivesse o efeito de estigmatizar juridicamente, por assim dizer, a juventude em seu conjunto. Por conseguinte, seria possível sintetizá-la como algo muito simples de entender, ainda que isto fosse difícil de ser admitido por parte de seus defensores: a medida consagrava o direito dos empregadores em demitir aos trabalhadores jovens sem terem que dar um motivo para isto. Para uma geração particularmente sensível as questões de respeito, uma mensagem assim simbolizava a face mais inaceitável da reforma do mercado de trabalho: aquela que, para além dos efeitos econômicos, conduzia a degradação moral dos trabalhadores, tratando-os como coisa8.
O desmantelamento da legislação trabalhista se apresentava como o resultado inevitável da globalização econômica. Mas a livre circulação de capital e bens não é um fato decretado pela natureza. É resultado de decisões políticas, codificadas em leis mercantis. Durante os últimos vinte anos, os acordos internacionais de comércio vêm apagando paulatinamente os limites territoriais anteriormente atribuídos aos mercados. Na sequência, vou argumentar que esta configuração legal dos mercados tem um impacto infinitamente maior sobre o emprego do que a legislação trabalhista. Descartando os princípios jurídicos do período do pós-guerra, os modelos legislativos nacionais são tratados hoje em dia como tantos outros produtos em competição entre si no mercado global das normas. Desprovido de qualquer referencia qualitativa, este darwinismo normativo encerra tanto a política pública como a vida econômica numa aspiral descendente autorreferencial.
Os custos da desregulamentação
Em contraposição ao que diz o dogma dos desregulamentadores do mercado de trabalho, os índices de desemprego em qualquer país dependem muito mais da organização do comércio internacional e do direito societário do que da legislação trabalhista local. A idéia de que uma reforma do direito trabalhista criará postos de trabalhos é uma ilusão: a completa revogação de toda norma reguladora do trabalho assalariado apenas teria impacto sobre o desemprego. Observe-se a situação dos trabalhadores autônomos, excluídos das regulações do trabalho assalariado, mas sujeitos as regras do comércio internacional. Uma situação típica de trabalhadores autônomos é a do setor alimentício e agrícola, os quais mudaram quase que da noite para o dia do padrão “arcaico” de pequenas propriedades camponesas para um modelo ultra-moderno, integrado as redes internacionais de produção e distribuição. Uma parte deste setor se mantém graças a Política de Agricultura Familiar9 (outro aspecto negligenciado pela política de emprego), mas outras empresas agrícolas não recebem absolutamente nenhuma ajuda. Este é o caso, por exemplo, da avicultura intensiva10, a qual tem se desenvolvido intensamente desde o início da década de 1980. O método é industrial (25 aves por metro quadrado, ampla dependência de antibióticos, etc.), o produto é insípido e a poluição é enorme (água subterrânea envenenada com nitratos), mas os custos – aparentes – são baixos. O sistema se organiza em redes com base em contratos bilaterais firmados entre as gigantes alimentícias que dominam o mercado mundial e os criadores, a quem aquelas controlam, de uma ponta da cadeia de produção a outra. Este é o modelo de “paraíso social” com o qual sonham os defensores da desregulamentação trabalhista: nenhum salário mínimo, sem limites a jornada de trabalho e nada de acordos coletivos.
A evolução deste setor oferece um exemplo concreto do efeito que teria sobre o emprego a completa abolição das regulamentações trabalhistas. A indústria do frango sofreu inicialmente um período de crescimento vertiginoso, com exportações em toda a Europa e outras regiões; o número de avicultores aumentou igualmente. Logo, as grandes empresas alimentícias se mudaram para países em desenvolvimento, onde os custos eram menores (Brasil, Tailândia, China), e começaram a reimportar produtos de fora da Europa, exercendo assim pressão sobre os criadores europeus para que aumentassem a produção e reduzissem as margens de ganhos. No que se refere aos empregos, porém, os efeitos mais destrutivos da livre circulação de frangos congelados se fez sentir na África. Lá, os mercados avícolas haviam sido protegidos da concorrência excessiva graças ao Acordo de Lomé, firmado em 1975 entre a União Européia e os países ACP (África, Caribe e Pacífico). Assim protegidos, uma pequena indústria de aves criadas em galinheiros, de qualidade, vendidas vivas, tinha começado a florescer.
Estas proteções foram removidas pelo Acordo de Cotonou, em 2000, que, conforme as regras da OMC, abria as comportas a importação massiva de peças de frango congelado que eram desprezadas pelos consumidores do norte (pescoços, asas, sambiquiras)11. Vendidas por quase nada e em más condições sanitárias devido ao descongelamento, estas importações não eram senão mero lucro excedente para as multinacionais, cujo comércio daqueles “cortes selecionados” rendeu um grande retorno para o norte; mas o seu efeito foi o de acabar com a indústria local. Os avicultores arruinados aumentaram o fluxo de trabalhadores africanos obrigados a emigrar pelo colapso das economias locais. Na Europa, a avalanche de “cortes selecionados” de frango congelado da Tailândia ou do Brasil colocou em crise a avicultura britânica, com as marges de lucro reduzindo-se e muitos postos de trabalho sendo perdidos. Com base num custo de transporte excessivamente baixo – que por sua vez decorria da desregulamentação da mão-de-obra marítima – a globalização do circuito avícola aumentou as probabilidades de um grande desastre na saúde, ao “globalizar” o perigo da gripe aviária12.
Esta aplicação exemplar de uma divisão internacional do trabalho, baseada na exploração das vantagens locais, pode ter lugar graças as reformas das regras globais do comércio internacional, aprovadas após a implosão do comunismo. Revertendo os princípios jurídicos estabelecidos no período do pós-guerra, estas reformas têm facilitado o desenvolvimento do dogmatismo do livre mercado, cujos efeitos são destrutivos tanto para os trabalhadores autônomos ou “informais” como para os assalariados, do Norte e do Sul.
Produtos legislativos
O desemprego não depende da legislação trabalhista, mas, pelo contrário, estas leis dependem da divisão internacional do trabalho, a qual, por sua vez, é determinada pelo direito internacional do comércio, o que está reconhecido nas declarações de fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que cobraram, em 1919, a proteção aos direitos dos trabalhadores contra as pressões da concorrência internacional. Em 1944, a Declaração da Filadélfia pregava, ao menos da “boca pra fora”, o ideal de conciliar as regulamentações comerciais e financeiras com a seguridade econômica, afirmando que “todos os seres humanos têm direito a buscar tanto seu bem estar econômico quanto seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de seguridade econômica e igualdade de oportunidades;” e que “todas as políticas e medidas nacionais e internacionais, em particular aquelas de caráter econômico e financeiro, deveriam ser julgadas a luz e aceitas neste critério e somente na medida em que elas possam ser realizadas para promover e não dificultar a consecução deste objetivo fundamental”.
Nos últimos anos, se tem convertido num clichê assinalar que qualquer consideração deste tipo de medidas deve se fazer, antes de mais nada, a partir do ponto de vista financeiro. Dentro das regras atuais, as políticas são aceitas na medida em que favorecem a competição global entre os trabalhadores. Longe de avaliar o impacto da liberação do comércio sobre a seguridade econômica, a preocupação sempre se centra na aferição do efeito desta seguridade sobre a competitividade econômica, que em si mesma já não se concebe como um meio, senão como um fim em si mesmo, ao que se espera que as populações se “adaptem”13. Tal sistema, as avessas, assume que o quadro jurídico do comércio é sacrossanto, enquanto que o dos direitos dos trabalhadores se considera uma variável, capaz de ajustes conforme os requisitos do mercado. A OIT adotou a mesma cantilhena, intentando legitimar as normas internacionais do trabalho a partir do ponto de vista da concorrência econômica. “Nos países em vias de desenvolvimento, os empregadores devem entender que uma dieta saudável ajuda a construir uma força de trabalho mais forte e isto, a longo prazo, fará sua empresa ou país mais competitivo, portanto, mais atrativo para os investidores.”14 Tal lógica, obviamente, eliminaria qualquer necessidade de cuidar dos velhos ou dos doentes, que representam evidentemente uma desvantagem competitiva.
Na teoria liberal clássica, o mercado é um mecanismo institucional que possibilita a concorrência, permitindo a distribuição mais eficaz de recursos e bens materiais. Não é nem um fim em si mesmo, nem um princípio básico de organização social; se inscreve no marco jurídico da legalidade que simultaneamente o promove e o contém. Esta concepção tem sucumbido nos últimos trinta anos, dando lugar a um anarcocapitalismo que considera o mercado com a Grundnorm15 de toda ordem regulatória nacional; um princípio metajurídico que deve ser imposto sobre todos os aspectos da vida social em todos os países, num caminho que nos levaria, afinal, ao desmantelamento do Estado16. Nesta perspectiva, o direito (da mesma forma que a religião, as idéias e a arte) não é senão um produto a mais que compete no mercado mundial, no qual a seleção natural elegerá os sistemas melhor adaptados as necessidades comerciais17. Em vez da livre concorrência estar baseada no direito, o direito é que tem que se basear na livre concorrência.
Esta é a doutrina atualmente empunhada pelo Banco Mundial. Seus relatórios anuais - Doing Business - proporcionam uma evolução sistemática de toda a funcionalidade dos sistemas legais nacionais que têm influência sobre a eficiência econômica. A base de dados, assim produzida e revisada constantemente, está direcionada para facilitar o fornecimento das “medidas objetivas” da regulamentação empresarial vigente nos 155 países cobertos, com especial ênfase para a existência de qualquer “rigidez” nas suas práticas trabalhistas. O relatório Doing Business 2005 incluía um capítulo sobre “Contratação e Demissão de Trabalhadores”, que focava os obstáculos aos investimentos representados pela legislação trabalhista. Quadros comparativos indicavam as restrições ao aumento ou a redução no número de horas de trabalho e as “dificuldades” ou “custos” de se contratar e demitir18. “Dificuldades” representavam as formas de regulamentação e os “custos” implicavam nas leis de proteção aos trabalhadores. Um índice de “rigidez de emprego" penalizava países que reconhecem muitos direitos dos trabalhadores: seguro social para os empregados em tempo parcial; salários mínimos excessivos (se estima que US$ 20 ao mês é muito para um trabalhador africano); semana de trabalho restrita a menos de 66 horas; exigência de notificação dos demitidos a uma terceira parte (por exemplo, um sindicato); programas para combater a discriminação racial ou sexual.[19] Estes indicadores são projetados para permitir o estabelecimento de parâmetros para as políticas nacionais de regulamentação que avaliam o quanto a legislação de um país estimula ou dissuade o investimento estrangeiro. Eles são dirigidos tanto aos investidores internacionais, a quem eles fornecem pesquisas sobre o “ambiente jurídico” mais rentáveis, como aos próprios Estados, que são, assim, atraídos para uma competição pelo aumento destes benefícios pelo mundo todo.
Uma característica comum as reformas levadas a cabo durante os últimos trinta anos tem sido seu ataque contra frágeis garantias, as quais, porém, os mais fracos se apegam. Seja em nome do workfare5, da fragmentação do trabalho ou da flexibilização, o denominador comum tem sido a ideia de que determinadas garantias estabelecidas (jornada integral de trabalho, salários compatíveis, proteção contra demissão) são os responsáveis pelas dificuldades que experimentam certos setores da força de trabalho para encontrar emprego. Dado o maior ou menor animo do “mercado social” da época, isto tem significado de fato uma redução destas garantias, ou então a transferência de parte de seus custos ao Estado ou a Seguridade Social.
Na Europa continental, o lugar em que se fez mais evidente a inversão de papéis entre o Estado, a empresa privada e as finanças foi o da legislação trabalhista. Enquanto que em outros tempos o Estado estabelecia as grandes linhas de uma política econômica nacional, a qual as grandes empresas desenvolviam e da qual se esperava que os financistas se servissem, hoje em dia, os objetivos financeiros ditam as atuações das companhias, enquanto que os custos dos sacrifícios humanos envolvidos ficam a cargo do Estado, financiando incentivos para o emprego, ou de maneira indireta, tendo que ocupar-se das consequências da pobreza, da violência e da insegurança. Como resultado, se reduzem as garantias onde elas são mais necessárias, enquanto segue a acumulação por aqueles que se encontram no alto da escala social. Denunciado com regularidade, este duplo padrão não tem feito mais senão se acentuar, em especial no que se refere aos direitos coletivos – como a sindicalização, a greve -, cuja realidade tende a ser proporcional a segurança do posto de trabalho: aqueles que mais necessitam destes direitos são os que mais se vêem privados deles[2]. A legislação do emprego proporciona um perfeito exemplo do “efeito Mateus”: “Porque ao que tem muito, se dará ainda mais; mas ao que tem pouco, até mesmo o que tem lhe será tirado.”[3]
O Contrato do Primeiro Emprego que o governo francês lutou por impor, de fevereiro a abril de 2006, era quase uma caricatura desta concepção. Em nome da luta contra o desemprego juvenil, permitia aos empregadores despedir aos jovens trabalhadores sem explicação durante seus dois primeiros anos no posto de trabalho.
Idealizado por um grupo de assessores econômicos do Primeiro Ministro, sem nem sequer consultar aos juristas do Ministério do Emprego, aprovado como uma “questão de urgência”, sem nenhuma negociação com os sindicatos e sem um debate parlamentar de fato, a medida exibia praticamente todos os defeitos que têm arruinado a reforma do direito trabalhista francês durante o último quarto de século. A proposta estava baseada em comparações internacionais altamente relativas, nas quais os índices de jovens desempregados se calculam unicamente a partir do número destes no mercado de trabalho em relação ao seu número total, incluindo estudantes (da mesma forma, este método estabelece automaticamente nos países uma média mais elevada dos índices de tempo de escolaridade). Utilizava um conceito confuso de faixa etária como categoria sociológica – colocando num mesmo grupo a todos os menores de 26 anos, quer fossem ricos ou pobres, iletrados ou graduados de uma universidade de elite -; oferecia uma oportunidade inesperada aos empregadores que já pretendiam realizar demissões; tinha o efeito perverso de dificultar a obtenção de trabalho aos maiores de 26 anos. Enfim, nada acrescentava a resolução do real problema enfrentado pela maioria da população jovem, que não é encontrar um trabalho – as estatísticas mostram que se mantêm desempregados muito menos tempo que a população com mais idade -, senão que encontrar trabalho estável: a rotação é muito maior nesta faixa etária e, sem um emprego estável, fica difícil conseguir crédito ou moradia.
Não obstante, como não havia senão acrescentado um elemento a mais de inseguridade laboral ao que já era uma extensa lista – emprego temporário, contratos curtos, etc. – a aprovação da CPE podia ter passado praticamente despercebida se não tivesse o efeito de estigmatizar juridicamente, por assim dizer, a juventude em seu conjunto. Por conseguinte, seria possível sintetizá-la como algo muito simples de entender, ainda que isto fosse difícil de ser admitido por parte de seus defensores: a medida consagrava o direito dos empregadores em demitir aos trabalhadores jovens sem terem que dar um motivo para isto. Para uma geração particularmente sensível as questões de respeito, uma mensagem assim simbolizava a face mais inaceitável da reforma do mercado de trabalho: aquela que, para além dos efeitos econômicos, conduzia a degradação moral dos trabalhadores, tratando-os como coisa8.
O desmantelamento da legislação trabalhista se apresentava como o resultado inevitável da globalização econômica. Mas a livre circulação de capital e bens não é um fato decretado pela natureza. É resultado de decisões políticas, codificadas em leis mercantis. Durante os últimos vinte anos, os acordos internacionais de comércio vêm apagando paulatinamente os limites territoriais anteriormente atribuídos aos mercados. Na sequência, vou argumentar que esta configuração legal dos mercados tem um impacto infinitamente maior sobre o emprego do que a legislação trabalhista. Descartando os princípios jurídicos do período do pós-guerra, os modelos legislativos nacionais são tratados hoje em dia como tantos outros produtos em competição entre si no mercado global das normas. Desprovido de qualquer referencia qualitativa, este darwinismo normativo encerra tanto a política pública como a vida econômica numa aspiral descendente autorreferencial.
Os custos da desregulamentação
Em contraposição ao que diz o dogma dos desregulamentadores do mercado de trabalho, os índices de desemprego em qualquer país dependem muito mais da organização do comércio internacional e do direito societário do que da legislação trabalhista local. A idéia de que uma reforma do direito trabalhista criará postos de trabalhos é uma ilusão: a completa revogação de toda norma reguladora do trabalho assalariado apenas teria impacto sobre o desemprego. Observe-se a situação dos trabalhadores autônomos, excluídos das regulações do trabalho assalariado, mas sujeitos as regras do comércio internacional. Uma situação típica de trabalhadores autônomos é a do setor alimentício e agrícola, os quais mudaram quase que da noite para o dia do padrão “arcaico” de pequenas propriedades camponesas para um modelo ultra-moderno, integrado as redes internacionais de produção e distribuição. Uma parte deste setor se mantém graças a Política de Agricultura Familiar9 (outro aspecto negligenciado pela política de emprego), mas outras empresas agrícolas não recebem absolutamente nenhuma ajuda. Este é o caso, por exemplo, da avicultura intensiva10, a qual tem se desenvolvido intensamente desde o início da década de 1980. O método é industrial (25 aves por metro quadrado, ampla dependência de antibióticos, etc.), o produto é insípido e a poluição é enorme (água subterrânea envenenada com nitratos), mas os custos – aparentes – são baixos. O sistema se organiza em redes com base em contratos bilaterais firmados entre as gigantes alimentícias que dominam o mercado mundial e os criadores, a quem aquelas controlam, de uma ponta da cadeia de produção a outra. Este é o modelo de “paraíso social” com o qual sonham os defensores da desregulamentação trabalhista: nenhum salário mínimo, sem limites a jornada de trabalho e nada de acordos coletivos.
A evolução deste setor oferece um exemplo concreto do efeito que teria sobre o emprego a completa abolição das regulamentações trabalhistas. A indústria do frango sofreu inicialmente um período de crescimento vertiginoso, com exportações em toda a Europa e outras regiões; o número de avicultores aumentou igualmente. Logo, as grandes empresas alimentícias se mudaram para países em desenvolvimento, onde os custos eram menores (Brasil, Tailândia, China), e começaram a reimportar produtos de fora da Europa, exercendo assim pressão sobre os criadores europeus para que aumentassem a produção e reduzissem as margens de ganhos. No que se refere aos empregos, porém, os efeitos mais destrutivos da livre circulação de frangos congelados se fez sentir na África. Lá, os mercados avícolas haviam sido protegidos da concorrência excessiva graças ao Acordo de Lomé, firmado em 1975 entre a União Européia e os países ACP (África, Caribe e Pacífico). Assim protegidos, uma pequena indústria de aves criadas em galinheiros, de qualidade, vendidas vivas, tinha começado a florescer.
Estas proteções foram removidas pelo Acordo de Cotonou, em 2000, que, conforme as regras da OMC, abria as comportas a importação massiva de peças de frango congelado que eram desprezadas pelos consumidores do norte (pescoços, asas, sambiquiras)11. Vendidas por quase nada e em más condições sanitárias devido ao descongelamento, estas importações não eram senão mero lucro excedente para as multinacionais, cujo comércio daqueles “cortes selecionados” rendeu um grande retorno para o norte; mas o seu efeito foi o de acabar com a indústria local. Os avicultores arruinados aumentaram o fluxo de trabalhadores africanos obrigados a emigrar pelo colapso das economias locais. Na Europa, a avalanche de “cortes selecionados” de frango congelado da Tailândia ou do Brasil colocou em crise a avicultura britânica, com as marges de lucro reduzindo-se e muitos postos de trabalho sendo perdidos. Com base num custo de transporte excessivamente baixo – que por sua vez decorria da desregulamentação da mão-de-obra marítima – a globalização do circuito avícola aumentou as probabilidades de um grande desastre na saúde, ao “globalizar” o perigo da gripe aviária12.
Esta aplicação exemplar de uma divisão internacional do trabalho, baseada na exploração das vantagens locais, pode ter lugar graças as reformas das regras globais do comércio internacional, aprovadas após a implosão do comunismo. Revertendo os princípios jurídicos estabelecidos no período do pós-guerra, estas reformas têm facilitado o desenvolvimento do dogmatismo do livre mercado, cujos efeitos são destrutivos tanto para os trabalhadores autônomos ou “informais” como para os assalariados, do Norte e do Sul.
Produtos legislativos
O desemprego não depende da legislação trabalhista, mas, pelo contrário, estas leis dependem da divisão internacional do trabalho, a qual, por sua vez, é determinada pelo direito internacional do comércio, o que está reconhecido nas declarações de fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que cobraram, em 1919, a proteção aos direitos dos trabalhadores contra as pressões da concorrência internacional. Em 1944, a Declaração da Filadélfia pregava, ao menos da “boca pra fora”, o ideal de conciliar as regulamentações comerciais e financeiras com a seguridade econômica, afirmando que “todos os seres humanos têm direito a buscar tanto seu bem estar econômico quanto seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de seguridade econômica e igualdade de oportunidades;” e que “todas as políticas e medidas nacionais e internacionais, em particular aquelas de caráter econômico e financeiro, deveriam ser julgadas a luz e aceitas neste critério e somente na medida em que elas possam ser realizadas para promover e não dificultar a consecução deste objetivo fundamental”.
Nos últimos anos, se tem convertido num clichê assinalar que qualquer consideração deste tipo de medidas deve se fazer, antes de mais nada, a partir do ponto de vista financeiro. Dentro das regras atuais, as políticas são aceitas na medida em que favorecem a competição global entre os trabalhadores. Longe de avaliar o impacto da liberação do comércio sobre a seguridade econômica, a preocupação sempre se centra na aferição do efeito desta seguridade sobre a competitividade econômica, que em si mesma já não se concebe como um meio, senão como um fim em si mesmo, ao que se espera que as populações se “adaptem”13. Tal sistema, as avessas, assume que o quadro jurídico do comércio é sacrossanto, enquanto que o dos direitos dos trabalhadores se considera uma variável, capaz de ajustes conforme os requisitos do mercado. A OIT adotou a mesma cantilhena, intentando legitimar as normas internacionais do trabalho a partir do ponto de vista da concorrência econômica. “Nos países em vias de desenvolvimento, os empregadores devem entender que uma dieta saudável ajuda a construir uma força de trabalho mais forte e isto, a longo prazo, fará sua empresa ou país mais competitivo, portanto, mais atrativo para os investidores.”14 Tal lógica, obviamente, eliminaria qualquer necessidade de cuidar dos velhos ou dos doentes, que representam evidentemente uma desvantagem competitiva.
Na teoria liberal clássica, o mercado é um mecanismo institucional que possibilita a concorrência, permitindo a distribuição mais eficaz de recursos e bens materiais. Não é nem um fim em si mesmo, nem um princípio básico de organização social; se inscreve no marco jurídico da legalidade que simultaneamente o promove e o contém. Esta concepção tem sucumbido nos últimos trinta anos, dando lugar a um anarcocapitalismo que considera o mercado com a Grundnorm15 de toda ordem regulatória nacional; um princípio metajurídico que deve ser imposto sobre todos os aspectos da vida social em todos os países, num caminho que nos levaria, afinal, ao desmantelamento do Estado16. Nesta perspectiva, o direito (da mesma forma que a religião, as idéias e a arte) não é senão um produto a mais que compete no mercado mundial, no qual a seleção natural elegerá os sistemas melhor adaptados as necessidades comerciais17. Em vez da livre concorrência estar baseada no direito, o direito é que tem que se basear na livre concorrência.
Esta é a doutrina atualmente empunhada pelo Banco Mundial. Seus relatórios anuais - Doing Business - proporcionam uma evolução sistemática de toda a funcionalidade dos sistemas legais nacionais que têm influência sobre a eficiência econômica. A base de dados, assim produzida e revisada constantemente, está direcionada para facilitar o fornecimento das “medidas objetivas” da regulamentação empresarial vigente nos 155 países cobertos, com especial ênfase para a existência de qualquer “rigidez” nas suas práticas trabalhistas. O relatório Doing Business 2005 incluía um capítulo sobre “Contratação e Demissão de Trabalhadores”, que focava os obstáculos aos investimentos representados pela legislação trabalhista. Quadros comparativos indicavam as restrições ao aumento ou a redução no número de horas de trabalho e as “dificuldades” ou “custos” de se contratar e demitir18. “Dificuldades” representavam as formas de regulamentação e os “custos” implicavam nas leis de proteção aos trabalhadores. Um índice de “rigidez de emprego" penalizava países que reconhecem muitos direitos dos trabalhadores: seguro social para os empregados em tempo parcial; salários mínimos excessivos (se estima que US$ 20 ao mês é muito para um trabalhador africano); semana de trabalho restrita a menos de 66 horas; exigência de notificação dos demitidos a uma terceira parte (por exemplo, um sindicato); programas para combater a discriminação racial ou sexual.[19] Estes indicadores são projetados para permitir o estabelecimento de parâmetros para as políticas nacionais de regulamentação que avaliam o quanto a legislação de um país estimula ou dissuade o investimento estrangeiro. Eles são dirigidos tanto aos investidores internacionais, a quem eles fornecem pesquisas sobre o “ambiente jurídico” mais rentáveis, como aos próprios Estados, que são, assim, atraídos para uma competição pelo aumento destes benefícios pelo mundo todo.
Atualmente, está sendo organizado um mercado com sistemas legislativos baseados nestas “medidas objetivas” para assegurar que os mais adequados as exigências dos investidores internacionais sobrevivam, enquanto o resto ou se adapte ou desapareça20. A competição entre empresas sobre a égide dos mercados financeiros não está mais limitada ao reino da economia; constitue agora um preceito organizativo da esfera jurídica. No entanto, elevar a concorrência como único princípio universal de regulamentação dos assuntos internacionais nos devolve ao impasse dos totalitarismos do século XX, cuja característica comum era precisamente a subordinação da ordem jurídica a supostas leis de competição entre raças ou classes. Que uma tal doutrina não gerará outra coisa que a insensatez e a violência pode ser deduzido de uma das poucas certezas com a qual nos brinda a “ciência jurídica”: uma vez que o egoísmo, a avareza e a luta pela existência são inevitavelmente tão presentes no mundo tal como ele é, é preciso contê-los e canalizá-los através de uma referência compartilhada para o mundo como ele deveria ser. A distinção entre sein e sollen [ser e dever ser] tem sido, durante muito tempo, o avatar do cientificismo para quem gosta de confundir a diferença entre a regra jurídica e a as normas técnicas. Evidentemente, as lutas entre classes, raças ou indivíduos existem como fato histórico; mas fazer disto um princípio fundador da ordem jurídica significa negar a possibilidade de uma tal ordem e, ao mesmo tempo, programar um futuro de conflitos sociais.
Idealismo de mercado
Assim como o darwinismo social de que parte, o darwinismo normativo somente é realista na aparência, pois nega o próprio meio para avaliar se ele oferece uma verdadeira representação do mundo ou não. A fim de chegar a um juízo sobre a realidade, é preciso contrastá-la com um sistema de valores que seja exterior a ela; ao contrário, para impugnar um sitema de valores, é necessário admitir que este não é inerente a natureza e que, assim, é possível discuti-lo e questioná-lo. Tratar estes sistemas como produtos resulta na distorção dos instrumentos de medida e a atribuição de uma objetividade “científica” a um sistema de predileção, que este não pode possuir.
Os índices escolhidos pelo Banco Mundial ou pela União Européia para medir o desempenho das legislações nacionais de emprego oferecem uma caricatura deste tipo de normatização inconsciente de si mesma. Não apenas evitam o escrutínio do debate democrático, algo que ainda é necessário para a elaboração da legislação parlamentar, como oferecem uma imagem da situação de emprego que reflete apenas as crenças que governam seu projeto21. Ao contrário das categorias estatísticas clássicas formuladas por Quételet e outros – que, apesar de uma dimensão normativa inevitável, pelo menos pretendia medir a realidade observável -, os novos indicadores, concebidos para aferição de propósitos, colocam-se a medir a distância entre a realidade e um ideal implícito: no caso da legislação trabalhista, o da adaptação da força de trabalho aos requisitos dos mercados financeiros, consagrados como os árbitros máximos de qualquer avaliação. Ironicamente, os indicadores do Banco Mundial tem algo em comum com o enfoque dogmático da planificação soviética e produzem os mesmos efeitos: dispender esforços para o cumprimento de objetivos quantitativos, no lugar de resultados concretos, enquanto se esconde a verdadeira situação da economia e da sociedade a uma elite governante desconectada das vidas daqueles sobre os que governa22.
Inicialmente, a criação da Comunidade Européia objetivava a ampliação, não a eliminação, do que ainda se denominava “mercado interno”. Estava inspirada na experiência da industrialização, quando cada Estado ocidental se proveu das condições jurídicas para seu desenvolvimento, abrindo suas fronteiras apenas na medida em que isto melhorava sua economia nacional. O mercado “comum” implicava na concorrência entre empresas, mas na cooperação entre os Estados. Esta pedra angular da construção européia foi eliminada quando os Estados membros e a Comissão fizeram seu projeto de um mercado desregulamentado, com a supressão em larga escala das restrições a livre circulação de capital e mercadorias em todos os países e setores. Este tipo de abordagem acaba por minar a solidariedade entre Estados membros, criando concorrência entre sistemas jurídicos nacionais – em particular, no âmbito da legislação trabalhista – dentro da própria União Européia. Já existia uma explícita contradição entre as regras que tem sua origem no velho projeto de mercado comum (dirigidas a harmonizar as legislações dos Estados membros, em especial nos campos social e de meio-ambiente) e as que partem do novo projeto de mercado global (visando um cenário de sistemas jurídicos nacionais em concorrência entre si).
Realocações
Os efeitos da concorrência entre as normas – e o atual desvio do princípio de livre concorrência a que levam – ficam bem ilustrados na prática da realocação industrial. Quando uma empresa decide estabelecer-se num país estrangeiro para conquistar uma fatia de seu mercado, encontra-se em concorrência com outras empresas que estão igualmente sujeitas as condições sociais, fiscais e de meio-ambiente que governam esse mercado. Se seu negócio comprova-se competitivo, o investimento da empresa beneficiará tanto a seus acionistas como, idealmente, a população local. Mas quando – como no exemplo dos frangos – uma sociedade desloca suas atividades para o exterior para reimportar alimentos processados, violando leis fiscais, sociais e ambientais do país de origem, já não são mais os produtos que estão em concorrência, senão os sistemas normativos. A consequência, conhecida por todos, é uma corrida até o abismo da desregulamentação fiscal, social e ambiental, já que os primeiros “beneficiários” da realocação o fizeram, assim também os outros países candidatos reduzem suas normas cada vez mais. A prática da realocação direcionada a reimportação, já difundida entre os produtos domésticos (têxteis, móveis, etc), é passível de provocar o colapso em outros setores, nos próximos anos. Está claro que países como a Índia e a China têm capacidade para fabricar produtos de alto valor agregado em grande escala; os Estados ocidentais, cujas populações envelhecidas representam menos de 15% dos trabalhadores do mundo, são confrontados com a adaptação de suas condições de emprego e trabalho para os 85% restantes. Nestas circunstâncias, é difícil ver como o debate sobre o desemprego pode permanecer confinado as questões de legislação trabalhista, ao invés de questionar o regime jurídico do comércio internacional.
Por sua vez, questões de legislação societária deveriam ser centrais na discussão sobre a redução do desemprego. A distribuição do poder dentro de uma empresa tem uma incidência direta sobre o desfecho de qualquer conflito de interesses de curto e de longo prazo, ou entre as partes envolvidas (acionistas, direção, empregados, subcontratados, etc). A legislação societária pode conceder – como era nos Países Baixos até 2004 – maior poder de decisão aos investidores que podem demonstrar sua vinculação com os interesses de longo prazo de uma empresa, limitando os votos aos que somente buscam ganhos a curto prazo23. A distribuição entre “acionistas empresariais”, comprometidos com o contínuo bem-estar de uma empresa (e, portanto, com seu potencial humano), e “acionistas especuladores”, que perseguem o máximo retorno imediato do capital, tem uma óbvia relevância aqui; isto foi pertinentimente levantado no chamado debate “gafanhoto”24, durante a campanha eleitoral alemã de 200525.
A utilidade da lei
“O dinheiro é como o esterco”, observava Francis Bacon, “não é bom a menos que seja espalhado”26. A implacável pressão descendente sobre os custos – principalmente os do trabalho – favorece tanto a concentração vertiginosa dos lucros financeiros como a dissociação entre produtividade e ganhos27, a pauperização dos Estados (em uma corrida fiscal para baixo), uma redução geral da solidariedade social e a hiperexploração dos recursos naturais. Um primeiro passo que nos afastaria desta tendência passaria por voltar a assentar o mercado sobre sólidas bases legais, ao invés de seguir minando-as. Um mercado se define a partir de limites estabelecidos pela lei; estes precisam levar em conta as reais condições de vida e trabalho, com vistas a melhorias. A livre circulação de mercadorias e capital não é um fim em si mesmo; o único valor que tem depende de sua contribuição a uma autêntica melhoria na vida dos homens e das mulheres. É tarefa do direito ampliar ou restringir o alcance do livre mercado, na medida em que aumente o desenvolvimento humano ou roube as pessoas de seus meios de sustento, lançando-os na pobreza.
Isto suscita uma pergunta eminentemente política: quem fazem as leis? A tarefa que temos adiante lembra a famosa parábola de Saint-Simon sobre as abelhas e os zangões, na qual o cientista social se maravilhava com a submissão do “partido dos produtores” – os “trabalhadores”28: operários, artistas, empresários – a improdutiva casta governante do “partido dos nobres”: aristocracia, exército, juristas. O que está em jogo é a subordinação dos protagonistas da economia real aqueles de uma economia simbólica. Isto dá uma certa atualidade a conclusão da fábula: “Se me fosse perguntado que saber político falta aos trabalhadores e o que necessitam para atingir seus objetivos, eu deveria responder: em primeiro lugar, uma idéia clara do sistema político que lhe convêm; e, em seguida, encontrar uma maneira de unir seus esforços contra o partido dos nobres”29
1 Artigo originariamente publicado na New Left Review, n. 39, maio-junho de 2006, sob o título “Law and labor. A world market of norms?”. Agradecemos ao Conselho Editorial desta revista a autorização para a tradução e publicação.
2 Professor de direito na Universidade de Nantes (Casa das Ciências do Homem Ange Guépin) e membro do Instituto Universitário da França.
3 Professor associado da Graduação e do Mestrado em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É membro do Laboratório de Pesquisa “Trabalho e Movimentos Sociais”.
4 Veja Alain Supiot, ed., Au-delà de l’emploi. Transformations du travail et devenir du droit du travail en Europe, Paris 1999; Bruno Trentin, La libertà viene prima. La libertà come posta in gioco nel conflitto sociale, Rome 2004; Simon Deakin & Frank Wilkinson, The Law of the Labour Market:
Industrialization, Employment and Legal Evolution, Oxford, 2005; Mark Freedland, The Personal
Employment Contract, Oxford, 2003; Hartmut Kaelble and Günter Schmid, eds, Das europäische Sozial Modell. Auf dem Weg zum transnationalen Sozialstaat, Berlim, 2004; Philip Alston, ed., Labour Rights as Human Rights, Oxford, 2005.
6 Ver Supiot, „Revisiter les droits d‟action collective‟, Droit Social, nos 7–8, 2001, pp. 687-689. Quem pode afirmar seriamente que o portador de um primeiro contrato, que pode ser revogado a qualquer tempo, tem verdadeiro direito a greve?
7 Evangelho de Mateus 13,12. Durante muito tempo, ponto de referência na política social, o “efeito Mateus” tem sido discutido também dentro da sociologia da ciência. Veja-se, por exemplo, Roberto MERTON, “The Matthew effect in science”, Science CLIX (1968), p. 56.
8 Considerem-se as diversas versões para a sigla CPE que os jovens manifestantes contra a medida escreviam em suas faixas e camisetas: „Contrat Pour Esclaves‟ [Contrato Para Escravos], „Contrat Première Embûche‟ [Contrato da Primeira Emboscada], „Contrat Précarité Exclusion‟ [Contrato Precariedade e Exclusão], „Contrat Prédestiné Echec‟ [Contrato do Predestinado Fracasso], „Contrat
Première Exploitation‟ [Contrato de Primeira Exploração], „Contat Poubelle Embauche‟ [Contrato de Trabalho Lixo].
11 As obrigações dos acordos com os ACP desapareceram de muitos destes países durantes as crises. Ilhas Maurício, por exemplo, havia desenvolvido alguns setores relativamente consistentes como o têxtil e o de jogos eletrônicos, os quais foram realocados na China.
12 Ao contrário do que afirmam as teorias veiculadas pela mídia ocidental, mitos cientistas relacionaram o surto da gripe aviária a este sistema globalizado de avicultura e não a migração de aves selvagens. A tese oficial não só isenta de culpa as multinacionais do agrobusiness como também trabalha para assegurar a continuidade de sua supremacia global ao justificar a destruição sem indenização de inúmeros pequenos produtores dos países pobres.
13 Veja-se o Artigo 125 do Tratado da Comunidade Européia (repetido no Artigo III-203 do anteprojeto do Tratado Constitucional): “Os Estados Membros e a Comunidade... trabalharão para a promoção de uma força de trabalho qualificada, formada e flexível e mercados de trabalho adaptáveis as mudanças econômicas.”
14 Christopher Wanjek, Food at work. Workplace solutions for malnutrition, obesity and chronic diseases, Geneva, 2005. Da mesma forma, a „Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work’, de 1998, foi a primeira declaração com estas características que todos os países signatários tiveram que acitar obrigatoriamente, firmando que “as normas trabalhistas não deveriam ser utilizadas com propósitos de proteção comercial”.
16 O mais conhecido teórico do anarco-capitalismo é David Friedman (irmão de Milton), autor de The Machinery of Freedom: Guide to a Radical Capitalism, New York, 1973. Emigrado da física para o direito via economia, Friedman pretence a escola de Direito e Economia (ver especialmente seu Law’s Order: What Economics has to do with Law and Why it Matters, Princeton, 2000, e „Law as a private Good‟, Economics and Philosophy 10, 1994, pp. 319–27). Ver também, mas advindo da escola do direito natural, Murray Rothbard, The Ethics of Liberty, Atlantic Highlands, nj, 1982. Para além de suas diferenças doutrinais, todas estas tendências se unem em seu ódio pelo Estado.
17 Não deveria causar surpresa, o número de ex-maoistas, libertários dos anos 1960, etc., agora encontrados nos círculos governamentais e empresariais, nas mídias, em conselhos de consultores e na Comissão Européia, como proponentes desta teoria (erroneamente denominada de “neoliberalismo). Estes ideólogos, ao menos, se mantêm fiéis a crença de que a “superestruturas” do direito e da cultura deveriam ser totalmente determinadas pelas relações econômicas. A República Popular da China é o melhor exemplo do mútuo abraço do materialismo histórico e o mercado.
18 Ver www.doingbusiness.org. Aqui o Banco emprestou uma metodologia desenvolvida pelos economistas de Harvard e Yale Juan Botero, Simeon Djankov, Rafael La Porta, Florencio Lopez-de-Silanes and Andrei Shleifer, „The Regulation of Labour‟, Quarterly Journal of Economics, November 2004.
19 Ver “International Confederation of Free Trade Unions‟ in Doing Business, 2005, e a Declaration of the Global Unions Federation to the annual meeting of the imf and World Bank, 24–25 September, 2005. Encontrado em www.global-unions.org.
2 Professor de direito na Universidade de Nantes (Casa das Ciências do Homem Ange Guépin) e membro do Instituto Universitário da França.
3 Professor associado da Graduação e do Mestrado em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). É membro do Laboratório de Pesquisa “Trabalho e Movimentos Sociais”.
4 Veja Alain Supiot, ed., Au-delà de l’emploi. Transformations du travail et devenir du droit du travail en Europe, Paris 1999; Bruno Trentin, La libertà viene prima. La libertà come posta in gioco nel conflitto sociale, Rome 2004; Simon Deakin & Frank Wilkinson, The Law of the Labour Market:
Industrialization, Employment and Legal Evolution, Oxford, 2005; Mark Freedland, The Personal
Employment Contract, Oxford, 2003; Hartmut Kaelble and Günter Schmid, eds, Das europäische Sozial Modell. Auf dem Weg zum transnationalen Sozialstaat, Berlim, 2004; Philip Alston, ed., Labour Rights as Human Rights, Oxford, 2005.
6 Ver Supiot, „Revisiter les droits d‟action collective‟, Droit Social, nos 7–8, 2001, pp. 687-689. Quem pode afirmar seriamente que o portador de um primeiro contrato, que pode ser revogado a qualquer tempo, tem verdadeiro direito a greve?
7 Evangelho de Mateus 13,12. Durante muito tempo, ponto de referência na política social, o “efeito Mateus” tem sido discutido também dentro da sociologia da ciência. Veja-se, por exemplo, Roberto MERTON, “The Matthew effect in science”, Science CLIX (1968), p. 56.
8 Considerem-se as diversas versões para a sigla CPE que os jovens manifestantes contra a medida escreviam em suas faixas e camisetas: „Contrat Pour Esclaves‟ [Contrato Para Escravos], „Contrat Première Embûche‟ [Contrato da Primeira Emboscada], „Contrat Précarité Exclusion‟ [Contrato Precariedade e Exclusão], „Contrat Prédestiné Echec‟ [Contrato do Predestinado Fracasso], „Contrat
Première Exploitation‟ [Contrato de Primeira Exploração], „Contat Poubelle Embauche‟ [Contrato de Trabalho Lixo].
11 As obrigações dos acordos com os ACP desapareceram de muitos destes países durantes as crises. Ilhas Maurício, por exemplo, havia desenvolvido alguns setores relativamente consistentes como o têxtil e o de jogos eletrônicos, os quais foram realocados na China.
12 Ao contrário do que afirmam as teorias veiculadas pela mídia ocidental, mitos cientistas relacionaram o surto da gripe aviária a este sistema globalizado de avicultura e não a migração de aves selvagens. A tese oficial não só isenta de culpa as multinacionais do agrobusiness como também trabalha para assegurar a continuidade de sua supremacia global ao justificar a destruição sem indenização de inúmeros pequenos produtores dos países pobres.
13 Veja-se o Artigo 125 do Tratado da Comunidade Européia (repetido no Artigo III-203 do anteprojeto do Tratado Constitucional): “Os Estados Membros e a Comunidade... trabalharão para a promoção de uma força de trabalho qualificada, formada e flexível e mercados de trabalho adaptáveis as mudanças econômicas.”
14 Christopher Wanjek, Food at work. Workplace solutions for malnutrition, obesity and chronic diseases, Geneva, 2005. Da mesma forma, a „Declaration on Fundamental Principles and Rights at Work’, de 1998, foi a primeira declaração com estas características que todos os países signatários tiveram que acitar obrigatoriamente, firmando que “as normas trabalhistas não deveriam ser utilizadas com propósitos de proteção comercial”.
16 O mais conhecido teórico do anarco-capitalismo é David Friedman (irmão de Milton), autor de The Machinery of Freedom: Guide to a Radical Capitalism, New York, 1973. Emigrado da física para o direito via economia, Friedman pretence a escola de Direito e Economia (ver especialmente seu Law’s Order: What Economics has to do with Law and Why it Matters, Princeton, 2000, e „Law as a private Good‟, Economics and Philosophy 10, 1994, pp. 319–27). Ver também, mas advindo da escola do direito natural, Murray Rothbard, The Ethics of Liberty, Atlantic Highlands, nj, 1982. Para além de suas diferenças doutrinais, todas estas tendências se unem em seu ódio pelo Estado.
17 Não deveria causar surpresa, o número de ex-maoistas, libertários dos anos 1960, etc., agora encontrados nos círculos governamentais e empresariais, nas mídias, em conselhos de consultores e na Comissão Européia, como proponentes desta teoria (erroneamente denominada de “neoliberalismo). Estes ideólogos, ao menos, se mantêm fiéis a crença de que a “superestruturas” do direito e da cultura deveriam ser totalmente determinadas pelas relações econômicas. A República Popular da China é o melhor exemplo do mútuo abraço do materialismo histórico e o mercado.
18 Ver www.doingbusiness.org. Aqui o Banco emprestou uma metodologia desenvolvida pelos economistas de Harvard e Yale Juan Botero, Simeon Djankov, Rafael La Porta, Florencio Lopez-de-Silanes and Andrei Shleifer, „The Regulation of Labour‟, Quarterly Journal of Economics, November 2004.
19 Ver “International Confederation of Free Trade Unions‟ in Doing Business, 2005, e a Declaration of the Global Unions Federation to the annual meeting of the imf and World Bank, 24–25 September, 2005. Encontrado em www.global-unions.org.
20 O Banco Mundial tem preferência pelos sistemas consuetudinários.
21 Num artigo recente sobre seu Plano de Ação, „Better Lawmaking‟[Melhoria do Processo Legislativo], a Comissão Européia expôs que a meta do “ambiente regulador” da União Européia é favorecer a sua competitividade. “As novas iniciativas legislativas estão agora sujeitas a uma avaliação de impacto” delineado para certificar que efetivamente “contribuirão para a competitividade”. [Com (2005) 462]. Tal como explicou o vice-presidente Günter Verheugen, a Comissão havia começado a elaborar suas próprias “regulamentações para a nova legislação e para a avaliação dos custos correspondentes”. Estas “metaregularizações” (ou, mais propriamente, “cataregularizações”), se estabeleceram de acordo com uma “metodologia” baseada em “análises e no conhecimento científico aportados aos estudos de impacto por um grupo de especialistas externos”. Estabelece-se, assim, um filtro regulador “científico” que atua antes dos debates parlamentares, poupando os europarlamentares do estudo de qualquer projeto regulador que se considere enfraquecedor da competitividade empresarial. O artigo enumera 68 diretivas propostas para serem retiradas por este motivo, dentre as quais se encontra, por exemplo, a proibição de que veículos pesados de mercadoria circulem no final de semana.
22 Na era do Exercício de Avaliação da Pesquisa [Research Assessment Exercise, RAE], do índice de citações [citation índex], etc., é salutar recordar a animada sátira que Alexander Zinoviev fez da vida institucional soviética: “Ao final, eles se voltam para a pesquisa científica. Houve uma reunião especial, que formulou uma diretriz para aumentar, melhorar e corrigir. Adotaram-se as seguintes medidas práticas: 1) um aumento no número de Doutores em Ciência e Trabalhadores Seniores de Pesquisa; 2) uma melhora da qualidade da formação de trabalhadores pesquisadores e do nível científico e teórico das teses; 3) um aumento do número de artigos publicados sobre problemas científicos imediatos, e assim por diante. Dito e feito (...) ao cabo de seis meses, havia um aumento de 100% no número de estudantes de investigação e de 99% no número de doutores. O volume total de publicações subiu a 100 milhões de toneladas. Nenhum ponto pela metade. E logo Ibansk estava 'cheio até a tampa' de ciência”. The Yawning Heights, Londres, 1979, p.558.
23 Ver A. Jacobs, „The Netherlands‟, International Encyclopaedia of Labour Law, Haia e Londres, 1998.
24 N.T.: Durante os debates eleitorais de 2005, na Alemanha, Franz Müntefering, então secretário geral do SPD (na sigla alemã para o Partido Social-Democrata Alemão) comparou o comportamento de alguns investidores a gafanhotos, os quais devoram rapidamente as plantas e após isto se retiram, deixando a ruína dos campos para trás.
25 Ver Jean-Philippe Robé, L’entreprise et le droit, Paris, 1999, p. 80ff; e Jean-Luc Gréau, L‟avenir du capitalisme, Paris, 2005, p. 204-206.
26 “Sobre todas as coisas, deve ser usada a boa política, para que os tesouros e o dinheiro num Estado não se acumulem em poucas mãos. Pois, de outro modo, um Estado pode ter uma grande reserva e, no entanto, passar fome.” Bacon, „Of Seditions and Troubles‟, in The Essays or Counsels, Civil and Moral, Oxford, 1999.
27 Do início da década de 1970, o PIB per capita cresceu nos EUA por volta de 75%, enquanto que o salário médio dos trabalhadores homens passou (em dólares equivalentes) de US$ 15,24, em 1973, para US$ 15,26, em 2004. Robert Reich, „An Economy Raised on Pork‟, New York Times, 3 de setembro de 2005.
29 C.-H. de Saint-Simon, „Sur la querelle des abeilles et des frelons‟, in La physiologie sociale. OEuvres choisies, Paris 1965, p. 103.
22 Na era do Exercício de Avaliação da Pesquisa [Research Assessment Exercise, RAE], do índice de citações [citation índex], etc., é salutar recordar a animada sátira que Alexander Zinoviev fez da vida institucional soviética: “Ao final, eles se voltam para a pesquisa científica. Houve uma reunião especial, que formulou uma diretriz para aumentar, melhorar e corrigir. Adotaram-se as seguintes medidas práticas: 1) um aumento no número de Doutores em Ciência e Trabalhadores Seniores de Pesquisa; 2) uma melhora da qualidade da formação de trabalhadores pesquisadores e do nível científico e teórico das teses; 3) um aumento do número de artigos publicados sobre problemas científicos imediatos, e assim por diante. Dito e feito (...) ao cabo de seis meses, havia um aumento de 100% no número de estudantes de investigação e de 99% no número de doutores. O volume total de publicações subiu a 100 milhões de toneladas. Nenhum ponto pela metade. E logo Ibansk estava 'cheio até a tampa' de ciência”. The Yawning Heights, Londres, 1979, p.558.
23 Ver A. Jacobs, „The Netherlands‟, International Encyclopaedia of Labour Law, Haia e Londres, 1998.
24 N.T.: Durante os debates eleitorais de 2005, na Alemanha, Franz Müntefering, então secretário geral do SPD (na sigla alemã para o Partido Social-Democrata Alemão) comparou o comportamento de alguns investidores a gafanhotos, os quais devoram rapidamente as plantas e após isto se retiram, deixando a ruína dos campos para trás.
25 Ver Jean-Philippe Robé, L’entreprise et le droit, Paris, 1999, p. 80ff; e Jean-Luc Gréau, L‟avenir du capitalisme, Paris, 2005, p. 204-206.
26 “Sobre todas as coisas, deve ser usada a boa política, para que os tesouros e o dinheiro num Estado não se acumulem em poucas mãos. Pois, de outro modo, um Estado pode ter uma grande reserva e, no entanto, passar fome.” Bacon, „Of Seditions and Troubles‟, in The Essays or Counsels, Civil and Moral, Oxford, 1999.
27 Do início da década de 1970, o PIB per capita cresceu nos EUA por volta de 75%, enquanto que o salário médio dos trabalhadores homens passou (em dólares equivalentes) de US$ 15,24, em 1973, para US$ 15,26, em 2004. Robert Reich, „An Economy Raised on Pork‟, New York Times, 3 de setembro de 2005.
29 C.-H. de Saint-Simon, „Sur la querelle des abeilles et des frelons‟, in La physiologie sociale. OEuvres choisies, Paris 1965, p. 103.