19 de dezembro de 2008

Mudança de cores na China

A natureza do atual sistema socioeconômico da China tem sido debatida há algum tempo. Refletindo sobre o Adam Smith em Pequim de Giovanni Arrighi, Joel Andreas traça o caminho das relações de propriedade, serviços sociais e distribuição de renda na RPC desde o final dos anos setenta, chegando a conclusões inequívocas.

Joel Andreas





Ao longo da última década, a China passou a desempenhar, em poucos anos, um papel muito relevante na cena económica internacional e é cada vez mais comum ler que está a caminhar para se transformar na potência dominante do mundo. Na literatura dedicada a tais previsões, o trabalho de Giovanni Arrighi Adam Smith em Pequim (2007) distingue-se por duas razões. A primeira delas é que Arrighi enquadra a sua análise num grande e sofisticado modelo histórico de ascensão e da queda de uma sequência de potências hegemónicas. A segunda razão é que enquanto muitos estudiosos ocidentais vêem a ascensão da China com uma certa inquietação, Arrighi dá-lhe as boas-vindas com entusiasmo.

No modelo de Arrighi, que este desenvolveu de forma mais completa em The Long Twentieth Century (1994), o sistema do mundo capitalista evoluiu através de uma uma sucessão de ciclos hegemónicos. Cada um destes ciclos foi dominado por uma potência única e embora tenham tido características distintas, até agora todas as suas trajectórias têm evoluído de modo similar. Quando The Long Twentieth Century foi publicado, Arrighi estava já convencido de que o centro global da acumulação do capital se estava a deslocar do Atlântico Norte para a Ásia Oriental, embora naquela altura a China tivesse apenas iniciado a transformação da sua economia de um forma que lhe viria a permitir integrar-se inteiramente na economia global e transformar-se na “fábrica do mundo”. Hoje, a emergência de China como um poder económico global, e os contratempos militares e económicos dos Estados Unidos, deram a Arrighi a confiança para prever que a época da hegemonia americana será provavelmente seguida de uma era do domínio da Ásia Oriental, com a China no seu centro.

Para Arrighi, a hegemonia chinesa sobre o mundo pode ter três resultados positivos. Primeiro, reestruturando a hierarquia actual dos poderes, dominada pelo Ocidente, um período de superioridade da Ásia Oriental pode trazer maior igualdade entre as nações do mundo. Em segundo lugar, a hegemonia chinesa pode provar ser menos militarista e mais pacífica do que a hegemonia precedente dos Europeus e Americanos. Em terceiro lugar a ascensão da China pode abrir caminho a um desenvolvimento mais igualitário e mais humano da Ásia Oriental - um desenvolvimento baseado nas trocas de mercado, mas que não será capitalista.

O cenário optimista de Arrighi deu origem a reacções negativas por parte de analistas convencidos da superioridade da civilização Ocidental, e a análises mais cuidadas e positivas, por parte de outros, menos confiantes na ordem mundial produzida pela dominação ocidental. Cada uma das suas três previsões merece uma séria análise individual. Neste ensaio, limitar-meei apenas à última – que a China pode ser pioneira no desenvolvimento de um sistema de mercado não capitalista.

Naturalmente, o que se vê depende fortemente do enquadramento conceptual que se utiliza. Arrighi começa com um modelo do capitalismo derivado da narrativa histórica de Braudel sobre o desenvolvimento do capitalismo na Europa. Braudel dividiu a economia em três camadas.

Na parte inferior, a actividade económica consistiu na produção de bens de subsistência, com poucas trocas no mercado. Uma camada média era composta por actividades orientadas para o mercado organizado por empresários concorrentes entre si. O escalão superior era reservado aos que em rigor se poderiam considerar os capitalistas, tirando proveito das posições de monopólio e associados fortemente ao poder do Estado. Este é um enquadramento que tem servido de suporte de muitas análises dos sistemas-mundo, e Arrighi emprega-o para sugerir modelos distintos para o desenvolvimento do Ocidente e da Ásia Oriental. A Ocidente, os capitalistas dominaram o Estado, gerando uma combinação poderosa de expansão económica e militar que permitiu que às potências ocidentais conquistarem o mundo. Na Ásia Oriental, pelo contrário, um Estado forte promoveu as trocas mercantis, mas manteve o capital em grande escala sob o seu controle. Este modelo floresceu sob a supervisão hegemónica do império chinês, presidindo a um sistema relativamente pacífico de relações entre estados na região, o que fez deste império o mais rico no mundo até ao século XIX. Com o declínio do Estado chinês e a integração da Ásia Oriental numa economia mundial dominada pelas potências europeias durante o século XIX e princípio do século XX, o Japão enxertou elementos da economia capitalista ocidental na sua própria economia, criando assim um sistema híbrido.

Em The Long Twentieth Century, Arrighi tinha esperança de que o poder económico crescente do Japão, desprovido da sua dimensão militar após a segunda guerra mundial, pudesse promover um novo modelo em que o poder económico e o militar estariam dissociados, e poderia eventualmente gerar uma sociedade de mercado mundial póscapitalista. Em Adam Smith em Pequim, Arrighi desloca a sua atenção para a China, onde, escreve, um forte Estado-Providência criado pela revolução comunista tinha redescoberto o dinamismo económico do mercado, promovendo a iniciativa de massas de pequenos empresários, rurais e urbanos. À medida que a China conduz a Ásia Oriental no processo de recuperação da sua antiga posição de região economicamente mais desenvolvida do globo, sugere o autor, esta pode escolher conformar-se ao paradigma do capitalismo ocidental ou pode, em alternativa, traçar um trajecto diferente, mais de acordo com seu próprio passado.

Arrighi desenvolve os seus modelos numa grande escala, abrangendo as redes globais do poder e comércio, a concorrência entre os Estados e a evolução dos sistemas económicos políticos ao longo de centenas de anos. Como outros que trabalham no paradigma dos sistemas-mundo, ele está mais preocupado com as estruturas que reproduzem a desigualdade internacional do que com aquelas que reproduzem a desigualdade no interior das nações. Consequentemente, dá pouca atenção à análise dos detalhes das relações da produção. O que poderemos nós ver se revisitarmos a história económica chinesa recente, centrando a nossa atenção nas relações da produção? Esta será a minha linha de análise e com esta finalidade utilizarei o enquadramento conceptual de Marx. Considerarei de seguida a sugestão de Arrighi que a China pode estar a ser pioneira ao seguir uma trajectória de desenvolvimento diferente do Ocidente, usando a definição de Braudel do capitalismo, que se centra na relação entre o capital e o Estado.

Marx e Mao

O enquadramento de Marx é largamente familiar, pelo que o referirei de modo rápido afim de construir uma tipologia em três partes das organizações económicas com as quais analisaremos as mudanças no sistema económico da China. O primeiro tipo é baseado no trabalho familiar, o segundo é baseado na unidade de trabalho socialista e a terceira no trabalho assalariado capitalista.

Antes do advento do capitalismo, escreveu Marx, tanto nas zonas rurais como nos agrupamentos urbanos, o trabalho esteve sempre firmemente ligado aos meios de produção, e nenhum poderia ser livremente comprado e vendido. O capitalismo separou os dois e colocou ambos no mercado, criando um sistema baseado na troca livre do trabalho assalariado e meios de produção. Nos sistemas anteriores, as responsabilidades relativas quer à produção quer ao consumo tinham sido combinadas dentro das mesmas organizações económicas, que eram tipicamente baseadas na família e o consumo era a finalidade final da produção. Uma vez que as empresas capitalistas eram livres de empregar e despedir os trabalhadores e não tinham nenhuma responsabilidade quanto ao consumo dos seus empregados, poderiam, em contraste, fazer do lucro o seu objectivo principal. Isto fez do capitalismo um sistema dinâmico que era muito eficiente em afectar trabalho a fim de maximizar os lucros e de acumular capital. Embora as empresas capitalistas tenham existido desde há muito tempo, a primeira vez que o trabalho assalariado se transformou na forma dominante das relações da produção foi na Inglaterra durante a Revolução Industrial. A propagação das relações de produção capitalistas conduziu a concentrações extremas de actividade económica e a uma polarização severa entre classes sociais, alcançando níveis que tinham sido impossíveis sob sistemas baseados no trabalho familiar. Devido ao seu dinamismo e eficiência, Marx previu que este sistema seria dominante à escala mundial, mas antecipou igualmente que o socialismo poderia então inverter o que capitalismo tinha feito, voltando a reunir o trabalho e os meios de produção.

Antes de 1949, muita da economia chinesa estava organizada em torno das trocas mercantis, mas as relações capitalistas de produção desempenhavam apenas um papel relativamente limitado. A China tinha sido durante muito tempo uma sociedade altamente comercial, em que a terra era comprada e vendida e os produtos consumidos em massa, incluindo os cereais e os têxteis comuns eram comercializados em grande escala como matérias-primas. Muitos, se não a maioria, dos agregados familiares camponeses estavam envolvidos no mercado, vendendo não somente bens agrícolas, mas também produtos fabricados pelo agregado familiar, incluindo tecidos. Durante o século que antecedeu a revolução de 1949, o sector capitalista (isto é, o sector assente no trabalho assalariado) estava em crescimento mas era ainda microscópico e a produção dos agregados familiares camponeses, baseada no trabalho da família, constituía a maioria da produção da economia.

Durante a era de Mao Tsé Tung, 1949 a 1976, ambos os sectores do trabalho familiar e capitalista, foram virtualmente eliminados; as trocas no mercado foram restringidas fortemente e a economia foi reorganizada ao longo das linhas socialistas. A totalidade da população rural converteu-se em membros das brigadas colectivas da produção, e virtualmente toda a população urbana em membros das unidades de trabalho (que incluíam os funcionários do governo, as instituições tais como hospitais e escolas, as empresas de propriedade estatal e as colectivas). Os membros da unidade colectiva de trabalhadores eram pagos como assalariados, mas eram empregados permanentes, de modo que o trabalho não era assumido como uma mercadoria, livremente trocada. Tal como as famílias, as brigadas rurais da produção e as unidades de trabalho urbanas não podiam despedir os seus membros, e eram responsáveis não somente pela organização da produção mas também tinham a obrigação de garantir o consumo aos seus membros, o que reduzia estruturalmente a possibilidade de se tomar como objectivo máximo o lucro. Marx, pretendia que o trabalho e os meios de produção se reunissem, e isto foi precisamente o que o Partido Comunista Chinês fez.

Uma economia de mercado não-capitalista

Durante o período que se seguiu imediatamente a Mao, 1976 a 1992, as reformas iniciais do mercado constituíram o que poderia ser chamado uma economia de mercado não-capitalista. A China urbana continuou a ser dominada pelo sector público; apesar de empresas privadas em pequena escala terem sido autorizadas depois de 1978, estas desempenharam um papel marginal nas cidades. Nas empresas de propriedade estatal e colectiva, as características fundamentais do sistema das unidades de trabalho sobreviveram. Ambas continuaram a ser baseadas na propriedade pública e no emprego permanente. Embora as reformas estruturais realizadas a partir de meados dos anos 80 começassem a exigir que os trabalhadores assinassem contratos por vários anos (que substituíram formalmente o emprego para a vida) e algumas pequenas empresas começassem a dar sinais de falência, houve muito poucos despedimentos. As unidades de trabalho continuaram a ser responsáveis pelos meios de subsistência dos seus membros, quer no activo quer reformados.

Após 1984, as trocas mercantis substituíram gradualmente a economia planificada, e os incentivos económicos foram usados para estimular os gerentes/gestores das empresas a aumentar as taxas de lucro (que incluíam mecanismos que lhes permitiam manter os lucros acima de um montante previamente estipulado), mas a sua capacidade em dar prioridade aos lucros continuou a ser limitada pelas responsabilidades que as unidades de trabalho tinham para com os seus membros. De facto, nos anos 80, como era permitido que as empresas mantivessem parte dos seus rendimentos, muitos usaram uma grande parcela destes fundos para construir habitações para os seus empregados e para criar as unidades subsidiárias que foram frequentemente projectadas mais para fornecer trabalho aos filhos dos empregados do que para maximizar os lucros. No começo dos anos 90, mesmo depois de mais de uma década de reformas de mercado, as empresas do sector público eram dificilmente o tipo de máquinas de gerar lucros que se defendia e recomendava nas escolas de gestão no Ocidente. Mais ainda, estas permaneceram empresas sociais que abrigavam um número crescente de empregados e aposentados e uma colecção de unidades da produção e de serviços pouco flexíveis, incluindo complexos de apartamentos, clínicas de saúde, escolas vocacionais para os empregados, centros de guarda e escolas primárias e secundárias para os filhos dos seus membros, lojas, bares e cafés, instalações culturais e de recreio.

Nas margens do sector público urbano, desenvolvia-se um sector privado urbano modesto composto, na sua maior parte, por vendedores ambulantes, barbeiros, promotores de lojas pequenas, restaurantes, oficinas de reparações e assim por diante. No início, a empresa privada era restringida ao getihu (agregados familiares individuais), que legalmente não poderia empregar mais de sete empregados, mas mesmo depois desta limitação ter sido levantada em 1987, o getihu continuou a dominar o sector privado nas cidades da China. A sociedade urbana estava separada em dois mundos muito distintos, um `dentro do sistema’ e o outro ` fora do sistema’. Os dois mundos encontraram-se no portão da unidade colectiva de trabalho, onde os pequenos comerciantes e vendedores se encontravam para venderam os seus produtos aos que viviam dentro do sistema.

Na China rural, pelo contrário, a maioria da população dedicava-se a actividades económicas de organização familiar. Depois de a des-colectivização da agricultura ter sido concluída, em 1984, a terra continuou a ser propriedade da respectiva localidade, mas os direitos de exploração foram divididos entre as famílias dos camponeses e a produção agrícola foi organizada em torno do trabalho da família, tendo acontecido o mesmo com o florescimento da economia privada que foi baseado na indústria familiar, do comércio e dos transportes. Ao mesmo tempo, as maiores empresas industriais cresceram rapidamente nas vilas e cidades com acessos fáceis aos mercados urbanos e aos mercados externos. Pela lei, as township, as empresas de propriedade do distrito e das vilas, eram empresas de propriedade colectiva e muitas delas eram-no de facto, embora tenha havido uma enorme variedade de formas em que estas estavam realmente organizadas. No modelo de cariz mais colectivista, que predominou durante o rápido crescimento da região do delta de Yangtzé e podia também ser encontrado em muitas regiões, as fábricas de propriedade colectiva rural foram construídas pelas respectivas administrações da aldeia ou do distrito, com as autoridades locais em exercício e os habitantes dessas localidades a reivindicarem todos os postos de trabalho; mesmo quando as exigências de produção em mão-de-obra eram superiores à população activa local e se empregavam pessoas vindas de fora, os membros da comunidade local continuavam a exercer as melhores posições.

No outro extremo, num modelo que se estende para além das zonas económicas especiais no sudeste das províncias de Guangdong e de Fujian, rurais, as fábricas rurais foram geralmente financiadas por accionistas de Hong Kong e da Formosa e preferiam empregar trabalho imigrante do interior, mais barato. Embora fora das zonas económicas especiais tais empresas tivessem que se registar oficialmente como empresas colectivas, as suas relações da produção estavam muito mais perto do ideal do mercado livre. Devido ao facto de toda a indústria rural não estar sujeita à economia planificada, quer as fábricas de distrito ou das vilas fossem controladas pelas autoridades distritais e das vilas ou por empresários privados, o seu sucesso exigiu a gestão e formação empresarial, o emprego era mais instável e mais flexível, e os meios de produção e respectivas instalações produtivas mudavam mais rapidamente de mãos.

Se nós olharmos de longe, no tempo, para o país como um todo, durante o período que vai de 1978 a 1992, diríamos que havia dois grandes sectores: um sector público que estava ainda fortemente baseado, na sua maior parte, nas relações socialistas da produção e um sector privado em que prevaleciam as relações da produção familiares. Olhando um pouco para mais perto de nós, nas áreas urbanas, o sector público era dominante, com uma economia familiar próspera nas suas margens, enquanto nas áreas rurais, a economia familiar era dominante, com um sector empresarial em claro crescimento no que se refere às empresas distritais, as townships, e às fábricas das vilas, que constituíam no seu conjunto a produção socialista e a produção capitalista das pequenas empresas. Esta era, certamente, uma economia de mercado não-capitalista, embora já em acelerada mudança.

Privatizações e lucros

Desde 1992, as reformas muito mais radicais do mercado que foram aplicadas mudaram tudo. A visita de Deng Xiaoping, altamente publicitada, às empresas de capital estrangeiro criadas nas zonas económicas especiais do sudeste da China no início de 1992 é habitualmente citada como o momento chave que marcou a mudança mais radical na reestruturação da economia chinesa. Depois desse ano, o Partido Comunista Chinês incentivou fortemente o crescimento do sector capitalista privado e no final dessa década tinha presidido à privatização da grande maioria das empresas de propriedade pública. Entre 1991 e 2005, a proporção da mão-de-obra urbana empregada no sector público caiu de aproximadamente 82 por cento para aproximadamente 27 por cento (veja-se gráfico 1).

Gráfico 1. Parte do sector público no emprego urbano, 1978-2005 (%)

Fonte: National Bureau of Statistics of China, China Statistical Yearbook, Pequim, 2006, pp. 128–9.

Durante o início dos anos 90, as políticas que limitavam a dimensão das empresas privadas e que restringiam o investimento estrangeiro foram revogadas e as autoridades do Estado a todos os níveis eram também, por todos os meios, os seus promotores. Ao contrário do Japão, Coreia do Sul e Formosa, a China dava as boas vindas ao investimento directo estrangeiro, de braços bem abertos, e o capital começou a fluir ao país numa grande escala. Pequenos empresários vindos de Hong Kong, Formosa, Singapura e outros locais encontraram colaboradores nas townships e vilas chinesas, enquanto as grandes empresas multinacionais com as sedes nestes centros da diáspora chinesa assim como no Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos e Europa, encontraram parceiros a níveis mais elevados. No ano 2000, quase um terço da indústria transformadora chinesa foi gerada por empresas filiadas ou associadas às grandes multinacionais estrangeiras.

O recente legitimado sector capitalista interno cresceu igualmente de forma rápida, devido por um lado aos empresários de sucesso oriundos das fileiras de habitantes rurais e das empresas em regime de agregado familiar (os getihu) e, por outro, devido aos quadros e aos profissionais do interior do sistema que tinham decidido ter chegado o seu tempo, que tinha chegado à altura de “saltar para o mar” (xiahai) das empresas privadas. Um segmento particular de grande sucesso de empresários (xiahai) era constituído por associações de familiares ou por associados de quadros de empresas públicas e de quadros da Administração Pública que foram capazes de usar as suas ligações criadas no interior do sistema para vencerem no acesso aos contratos, às licenças, ao crédito, aos recursos e aos mercados.

No sector público empresarial, o Partido Comunista Chinês decidiu-se pela política de manter as grandes e deixar as pequenas empresas (“hold onto the large and let go of the small”). Quase todas as empresas distritais (townships) e das vila, as empresas da grande maioria dos estados urbanos e a maioria das empresas colectivas foram parcial ou totalmente privatizadas. Algumas fábricas foram vendidas a investidores estrangeiros mas a maioria delas foi vendida a chineses. Nalguns casos iniciais as acções foram vendidas aos seus empregados, mas este modelo foi rapidamente rejeitado a favor de uma aquisição pela Administração. Uma vez que os administradores têm geralmente pouco capital, esta situação exigia geralmente arranjos financeiros com bastante criatividade. As investigações sobre a privatização nas áreas rurais e urbanas indicam que muitas das empresas de propriedade colectiva se transformaram em última instância em propriedade dos seus próprios administradores. Muitas empresas colectivas e estatais foram liquidadas e outras reduziram drasticamente o seu volume de mão-de-obra; como consequência da reestruturação do sector público e mais de cinquenta milhões de trabalhadores, ou seja cerca de 40 por cento da força de trabalho empregue no sector público, perdeu o seu emprego.

Esta transformação maciça do sector público em sector privado, em propriedade privada, transformou os seus administradores em proprietários e os outros, os membros da unidade colectiva de trabalho, em proletários sem direitos. As unidades colectivas de trabalho, em que antes os administradores e os trabalhadores tinham direitos garantidos, de repente transformaram-se em propriedade exclusiva dos seus administradores. Na linguagem de Marx, a força de trabalho ficou separada dos meios de produção e ambos foram convertidos em mercadorias e, nesta mudança, as anteriores responsabilidades pela produção e pelo consumo também se modificaram.

O controle de interesses

As grandes empresas nas quais o Estado decidiu manter o controle foram reestruturadas para se adaptarem a um modelo de grande empresa em que os seus activos foram convertidos em acções cotadas na Bolsa. O Estado manteve o seu controle sobre as maiores e mais estratégicas empresas, em particular, na banca, no petróleo, no aço, na energia eléctrica nas telecomunicações e na indústria de armamento. Numa segunda série de empresas um pouco mais pequenas, incluindo muitas que eram propriedade dos governos provinciais e locais, o Estado tornou-se um accionista minoritário. Os dirigentes das empresas agora reestruturadas eram agora formalmente responsáveis face a um conselho de administração, e holdings foram estabelecidas para gerir os activos do Estado e representar o interesse do Estado nestas administrações. Aos membros da administração foram atribuídos a tarefa de assegurar que os gestores maximizavam os interesses dos accionistas, e mesmo as holdings de empresas do próprio governo tinham como principal objectivo rentabilizarem ao máximo os activos do Estado.

De modo a manter alguma capacidade de dirigir as empresas públicas na linha dos interesses políticos, o Partido Comunista Chinês manteve o poder de nomear administradores para posições-chave e as autoridades governamentais continuaram a usar as holdings públicas para levar a cabo os objectivos do Estado que são de âmbito mais vasto que os simples dividendos trimestrais.

Contudo, a estrutura destas empresas foi fundamentalmente mudada de modo a que se lhes possa ser exigido - e que sejam capazes – de assumirem a rentabilidade como o seu objectivo fundamental. Para realizar este objectivo, abandonaram as suas anteriores obrigações para os seus empregados. As garantias do emprego para a vida foram eliminadas e as empresas reduziram não somente o volume de mão-de-obra utilizada mas igualmente despediram trabalhadores mais velhos que foram depois substituídos por trabalhadores mais novos, que eram menos caros e mais dóceis. As minas de carvão públicas, por exemplo, utilizam os serviços de empreiteiros para a exploração das minas e estes utilizam o trabalho de imigrantes, reduzindo assim o custo por tonelada, um sistema que faz com que a exploração das minas de carvão na China as tenha tornado as mais perigosas em todo o mundo. As empresas também encerraram subsidiárias não rentáveis e retiraram-se elas próprias da obrigação de fornecimento de habitação, cuidados médicos, as pensões, a puericultura, actividades recreativas, instrução e outros serviços para os empregados e para as suas famílias. Embora estas empresas permaneçam em parte como propriedade estatal, as características que faziam delas empresas socialistas foram eliminadas.

A entrada de China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, que foi imediatamente acompanhada pela eliminação das restrições legais ao comércio internacional e ao investimento externo, veio dar uma maior força às reformas do mercado ao levar a que as empresas chinesas fiquem submetidas à concorrência internacional. Com muito poucas excepções, todas as empresas foram levadas a reduzir o custo do trabalho e os custos sociais que não contribuíam directamente para aumentar a rentabilidade.

Em consequência das reformas radicais realizadas nos últimos anos, a economia de mercado não capitalista que existiu nos anos 80 foi transformada numa economia capitalista. Já não há um sector socialista e virtualmente todas as empresas que empregam mais do que um punhado de pessoas, sejam públicas ou de propriedade privada, trabalham agora todas elas de acordo com os princípios capitalistas. O sector de trabalho familiar está em declínio, como o estão também as pequenas empresas capitalistas. O capital está a ser rapidamente centralizado: as pequenas fábricas estão a ser substituídas por fábricas maiores; as lojas e os pequenos restaurantes estão a ser substituídos por grandes cadeias; os mercados públicos por supermercados e por grandes centros comerciais.

Até aqui, a grande excepção a esta tendência foi a agricultura, onde o sistema do trabalho familiar foi protegido pelas leis que impedem as vendas individuais da terra e impedem também a produção em grande escala. Mesmo isto, entretanto, está a mudar. Nas áreas da agricultura comercial altamente desenvolvida, os grandes interesses da agro-indústria em grande escala estão a trabalhar sobre o sistema colectivo de posse da terra, desenvolvendo a aplicação de contractos não estandardizados ou mesmo alugando a terra e empregando a mão-de-obra como trabalhadores assalariados. Além disso, em Outubro deste ano o Comité Central do Partido Comunista Chinês decidiu permitir a venda de direitos de utilização da terra por agregados familiares individuais, com a finalidade explícita de concentrar a propriedade rural. Embora não seja ainda claro como é que a decisão será executada, é provável que venha a abrir a via para a expropriação em massa das terras que estão na posse das famílias de habitantes rurais..

Mesmo agora, a maioria de famílias rurais está directamente amarrada à produção capitalista através do trabalho migrante. Em muitas aldeias e vilas, só ficam as pessoas mais velhas e as crianças porque as gerações de idade para o trabalho vão-se embora, para fora, à procura de emprego, fornecendo assim muito do trabalho barato que faz da China o concorrente mais formidável no mundo da indústria transformadora virada para a exportação. Esta relação entre a agricultura de subsistência e o capital permite que os imigrantes enviem as suas remessas de dinheiro de volta à vila, mas igualmente subvencionam os seus próprios empregadores, os empregadores do trabalho migrante, que podem assim pagar como custo salarial um valor que não cobre sequer o custo de reprodução das novas gerações e do sustento dos que estão reformados.

O capitalismo é novo para a China. Embora as empresas capitalistas existissem já antes de 1949, estas eram somente uma pequena parte da economia; a economia como um todo é orientada hoje por imperativos capitalistas. Embora o sistema económico que emergiu em consequência das reformas recentes tenha certamente características chinesas, é baseado nas relações de produção cujo caminho foi aberto na Inglaterra, há duzentos anos e, de acordo com a predição de Marx, se tem espalhado por todo o mundo.

Polarização de classes

A reestruturação da economia de China ao longo das linhas de orientação e funcionamento capitalista produziu a polarização económica, reflectida num dramático e repentino aumento das disparidades de rendimento. Durante os anos que se seguiram à aplicação do primeiro conjunto de reformas do mercado que foi concretizado em 1978 e antes de as reformas radicais terem começado a serem aplicadas, o que aconteceu em 1992, a desigualdade de rendimentos aumentou, mas de forma relativamente modesta. A dimensão das empresas privadas era restrita e dentro do sector público os quadros viviam melhor que os restantes trabalhadores, mas não muito melhor; os seus salários eram mais elevados, mas ainda eram relativamente modestos; foram-lhes concedidos apartamentos maiores, mas estes continuavam, geralmente, a localizar-se nos mesmos complexos habitacionais da unidade colectiva de trabalho onde os seus subordinados viviam. A corrupção tornou-se patente, mas mesmo assim era ainda pequena quando comparada com o que estava para vir.

Foi a privatização que abriu o caminho para a emergência de uma classe que se tornou verdadeiramente rica. Esta classe inclui os empresários privados em grande escala, assim como os empresários do sector público que detêm interesses nas empresas sob o seu domínio. A riqueza acumulada por aqueles à frente de empresas privadas ou públicas criou também novas oportunidades para os quadros do Governo e Administração Pública e Instituições Públicas com fins não lucrativos. A corrupção em larga escala tornou-se mais tentadora e praticável, uma vez que muitas famílias tinham membros dentro e fora do sistema e os sinais de grande riqueza já não eram mal vistos. Ao mesmo tempo, os profissionais do sector público e os gestores poderiam agora exigir salários mais elevados, bónus e outras vantagens, justificando as suas reivindicações com os padrões de nível cada vez mais elevado do sector privado. Depressa começaram a abandonar os seus apartamentos relativamente modestos em complexos habitacionais da unidade colectiva de trabalho para se juntarem aos empresários bem sucedidos nos condomínios fechados suburbanos ou nos luxuosos arranhacéus que proliferaram nas principais cidades da China.

Hoje, os indivíduos mais influentes da China são extremamente ricos qualquer que seja o padrão de referência. As listas de ricos são avidamente lidas na China, e a mais antiga e mais conhecida delas é compilada por um contabilista britânico chamado Rupert Hoogewerf. No final de 2007, a lista de Hoogewerf incluiu 800 indivíduos na Republica Popular da China que valiam, em conjunto, qualquer coisa como 457 mil milhões de dólares. Nesta lista identificou 106 multimilionários, medidos em dólares americanos, um número mais elevado do que em qualquer um de todos os outros países com a excepção dos Estados Unidos, enquanto no extremo oposto do espectro social urbano, várias dezenas de milhões de trabalhadores que tinham estado empregados em fábricas de propriedade estatal desde que se formaram na escola secundária, têm agora sido despedidos, com poucas hipóteses de encontrarem um emprego na economia formal. Afortunados são aqueles que obtiveram pensões, outros, uma pequena pensão de subsistência, outros ainda uma pequena indemnização mas muitos foram deixados sem nada e o seguro de saúde desapareceu com o desaparecimento do seu emprego. Foram assim atirados para o fundo da escala social e juntaram-se pois às dezenas de milhões de migrantes rurais. Enquanto os operários despedidos atingem a sua condição actual devida à perda repentina dos rendimentos do trabalho, os trabalhadores migrantes vieram à procura de oportunidades nos mercados de trabalho urbanos recentemente abertos.

Em 1978, o coeficiente de Gini da China (a medida usada para comparar a desigualdade internacional de rendimento em que o valor 0 indica a igualdade absoluta e o valor 1 indica a desigualdade absoluta) foi calculado em 0,22 para a China. Este valor é das mais baixas taxas no mundo. Os observadores ficaram particularmente impressionados por este valor dada a dimensão da China e a sua diversidade geográfica. O PRC tinha realizado este estudo, apesar das grandes diferenças de rendimento entre as áreas urbanas e as rurais e entre as regiões mais e menos desenvolvidas, porque dentro de cada localidade as diferenças eram mínimas. Menos de três décadas mais tarde, em 2006, os dados deram o valor de 0,496, ultrapassando os Estados Unidos e aproximando-se das taxas dos países do mundo onde a desigualdade é maior, tais como o Brasil e a Africa do Sul. A desigualdade entre as regiões e entre as áreas rurais e as urbanas aumentaram ambas substancialmente, mas a mudança mais dramática tem sido a polarização do rendimento dentro das localidades.

Nas pequenas localidades a distância entre rendimentos cresceu significativamente, mas a parte superior da escala permanece bastante baixa quando comparada com as cidades, que viram um espectacular aumento na disparidade dos rendimentos. Em 1985, o rendimento per capita médio do quintil superior dos agregados familiares urbanos era aproximadamente três vezes maior do que o do quintil inferior; em 2006, o grupo da parte superior teve quase dez vezes mais rendimento do que o grupo inferior (veja-se o gráfico 2). Além disso, estes gráficos não capturam a extensão da polarização do rendimento porque o grupo superior é bastante vasto, abrangendo 20 por cento de agregados familiares urbanos e colocando assim os ricos nas classes médias.

Gráfico 2. Rendimento anual per capita dos 20 % mais ricos e mais pobres de agregados familiares urbanos, 1985-2006.

Rendimento em milhares de yuans. Fonte: Department of Urban Society and Economic Statistics, National Bureau of Statistics of China, China Urban Life and Price Yearbook 2007, Pequim, 2007, pp. 14-29.

Os dados do gráfico 2 indicam que todos os residentes urbanos, incluindo aqueles que estão na parte inferior, usufruem agora de rendimentos substancialmente mais elevados. Estes gráficos, entretanto, somente registam os rendimentos em dinheiro e, escondem, consequentemente, a perda de produtos e serviços que antes tinham sido distribuídos pelas unidades do Estado e pelas unidades colectivas de trabalhadores e não pelo mercado, incluindo os subsídios para a habitação ou habitação subvencionada, os serviços culturais e recreativos, os géneros alimentícios, as necessidades do agregado familiar, os cuidados médicos e a educação. A insuficiência na utilização do rendimento como instrumento para calcular o bem-estar através da transformação estrutural de um regime socialista numa economia capitalista torna-se clara se se compara o rendimento dos agregados familiares urbanos nos meados dos anos 80 com melhores rendimentos com o dos agregados familiares mais pobres hoje. O primeiro grupo, composto por quadros administrativos e profissionais, vivia em bons apartamentos e usufruía de conforto e segurança económicos substancialmente consideráveis, mesmo tendo apenas um rendimento anual médio de apenas 1400 yuan; o último grupo, composto principalmente de desempregados ou de trabalhadores informalmente empregados, apesar de terem um rendimento médio, em dinheiro, de 380 yuan, viviam em apartamentos deteriorados, tinham dificuldade em suportar as suas despesas e evitavam ir ao médico.

A expansão repentina de relações capitalistas de produção desde 1992 é o que fez disparar meteoricamente as desigualdades de rendimento na China. Até aí, porque o grande volume da actividade económica era organizado em torno da unidade de trabalho familiar e dos sistemas de unidades colectivas de trabalho que tinham adicionalmente a responsabilidade do consumo para os seus membros, o crescimento da desigualdade de rendimentos estava então estruturalmente condicionado. As reformas recentes retiraram estes condicionantes.

A polarização das classes sociais incitou à uma tremenda indignação popular e durante a última década os trabalhadores e os camponeses realizaram muitas e grandes manifestações de protestos em todo o país. Desde que assumiu o controlo do poder do Estado em 2003, Hu Jintao e Wen Jiabao distinguiram-se do regime anterior de Jiang Zemin e de Zhu Rongji por expressarem a sua preocupação com a polarização crescente do rendimento na China. Além disso, o governo implementou um número de medidas práticas para tentar ultrapassar as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos mais pobres na China e para abrandar os efeitos mais prejudiciais resultantes das reformas do mercado. Embora estas medidas estejam associadas com Hu e Wen, muitas são anteriores à transição da liderança de 2003 e reflectem provavelmente um interesse partilhado entre os líderes chineses quanto às severas desestruturações das classes sociais e aos fortes descontentamentos causados pelas reestruturações económicas. O PCC, entretanto, governa agora um sistema económico dominado pelas empresas que são orientadas pelo objectivo de maximização dos lucros, a força motriz que está por detrás desta polarização. Além disso, o partido é levado ainda a um maior desenvolvimento deste sistema, usando as normas internacionais de gestão das grandes empresas como um modelo e a realçar ainda mais a estatura já formidável da China como o país que tem já a indústria transformadora mais competitiva do mundo, o que foi conseguido, na sua maior parte, pela exploração altamente eficiente de trabalho barato. Por isso mesmo, a polarização das classes sociais, apesar dos esforços do governo para a abrandar, continuou a avançar sem redução sequer do seu ritmo.

Um trajecto distinto para a Ásia do Leste?

O modelo do Leste Asiático de Arrighi não deixa de ter alguma base empírica na história da China. Quer utilizemos o enquadramento conceptual de Braudel ou de Marx, é evidente que muita da economia chinesa esteve organizada em torno do mercado, das trocas mercantis, mas não na forma capitalista, quer no passado longínquo quer no passado ainda recente. A dinastia Qing promoveu uma economia destinada ao mercado baseada, na sua maior parte, no sistema de trabalho familiar; o desenvolvimento de relações capitalistas da produção foi condicionado por um Estado forte e não havia certamente uma classe capitalista que ditasse ordens ao trono. É igualmente pensável ver o sistema que emergiu nos anos 80, com um Estado forte, um sector dinâmico do trabalho familiar e somente um pequeno sector capitalista composto na sua maior parte de pequenas empresas, como a recuperação dos elementos básicos dessa anterior estrutura de referência.

Torna-se mais difícil, entretanto, sustentar este modelo no presente, depois das relações capitalistas da produção terem transformado a economia chinesa e a sua estrutura de classes. A definição de Arrighi do capitalismo, naturalmente, depende de uma fusão do capital e do poder do Estado. O carácter capitalista do desenvolvimento baseado no mercado não é determinado pela presença das instituições e disposições capitalistas mas sim pela relação do poder do Estado ao capital, escreve Arrighi. Adicionem-se tantos capitalistas quantos se quiser a uma economia de mercado, mas a menos que o Estado seja subordinado aos seus interesses de classe, a economia de mercado permanece não-capitalista’. O livro Adam Smith in Pequim permanece prudentemente agnóstico quanto ao facto de o Estado chinês estar no processo de se transformar numa comissão para gerir os interesses nacionais da burguesia”, mas como prova que tal não aconteceu ainda, Arrighi menciona os esforços do governo para estimular a concorrência, o que resultou no que se assemelha mais com um mundo de capitalistas à Adam Smith que são levados pela concorrência implacável a trabalhar para o interesse nacional. Ele deixa-nos com a imagem de um Estado chinês autónomo a obrigar os seus capitalistas a concorrerem entre si e contra as empresas menores, distritais e das cidades, com a preocupação do desenvolvimento nacional.

Esta imagem sugere uma maior diferença entre o Estado e o capital do que a que existe realmente. Durante a era de Mao, o PCC e o seu aparelho de Estado dominaram completamente a economia, e o processo subsequente de privatização e de criação de grandes empresas ocorreu sob a firme supervisão do partido. Em consequência, a maioria do sector capitalista consiste no Estado reestruturado e nas empresas colectivas e a maioria das pessoas responsáveis são originárias do Partido e do seu aparelho de Estado. Dirigentes partidários poderosos, desde Hu Jintao e de Wen Jiabao, no topo da escala, até abaixo, às secretárias do partido nas empresas distritais, tem filhos que se tornaram ricos executivos nos negócios. Mesmo os capitalistas que começaram as suas carreiras como pequenos empresários, fora do sistema do Partido-Estado, tiveram que tecer relações próximas do poder político para terem sucesso. As organizações provinciais do partido, municipais e distritais, proporcionam redes de poder que incluem as autoridades e os capitalistas locais.

Nas intrincadas ligações entre o capital e o Estado na China, a influência flui em ambos os sentidos, e toda a tentativa de medir a extensão em que o capital é responsável poderia levar-nos a um outro debate - mas isto seria igualmente verdadeiro para cada um dos estados que Arrighi inclui no seu modelo de capitalismo ocidental. Quaisquer que fossem os resultados de tal debate, uma coisa é certa: uma característica distintiva do actual sistema chinês é a extensão com que o capital é organizado em torno do aparelho do Estado. Este é certamente o caso no topo do poder, entre as enormes empresas públicas que ocupam os sectores estratégicos e de monopólio da economia. Agora que estas empresas estão transformadas em grandes empresas cotadas na Bolsa que devem centrar a sua atenção sobre os ganhos líquidos, elas assemelham-se muito ao nível capitalista da hierarquia de Braudel. Na China, entretanto, a associação íntima entre o poder do Estado e o capital verifica-se de cima até abaixo do aparelho, do governo central ao governo regional e local, do governo das províncias ao governo das vilas, todos estão envolvidos na gestão das empresas estatais e colectivas e mantêm ligações muito estreitas com as suas reincarnações privadas.

Que a configuração actual do poder na China pode apropriadamente ser considerada um Estado capitalista é confirmado pelo forte apoio do governo à expansão do sector capitalista. A ocupação do sector do trabalho familiar e o violento e implacável desaparecimento das pequenas empresas pelas empresas maiores foi conduzida sobretudo pelos mecanismos de mercado mas foi também uma opção de política económica do Estado. Os líderes políticos da China não querem os antigos mercados de produtos, querem supermercados modernos, e as autoridades governamentais esperam identificar e apoiar os vencedores na concorrência económica. Esta expectativa estende-se para além da direcção do Partido que prepara os futuros campeões nacionais, desde os quadros do aparelho central do partido até aos quadros de todo o poder local, que são os impulsionadores inveterados das empresas locais bem sucedidas. Sob estas circunstâncias, é difícil distinguir, quer conceptual quer empiricamente, entre o desenvolvimento das estratégias do Estado e os interesses pecuniários das autoridades governamentais e do elevado número de empresários, que estão entre si ligados por uma miríade de elos desde a família até todas as outras.

Dois tipos de desigualdade

Arrighi sublinha e correctamente a importância do sistema peculiar da China no que se refere à posse dos terrenos rurais, o que impediu os indivíduos de vender a terra, impedindo a expropriação em grande escala dos meios de subsistência dos camponeses. Estas leis protegeram o sistema do trabalho familiar na agricultura da sua possível usurpação capitalista, mas não foram de todo incompatíveis com a concretização de relações capitalistas da produção no resto da economia, e permitiram vias significativas ao capitalismo nas áreas mais rentáveis do sector agrário. Embora muitos empresários se tenham sentido certamente frustrados por estas leis, e os empregadores do trabalho migrante veriam com agrado o influxo crescente dos trabalhadores itinerantes que a venda de direitos da terra produziria, o sistema da propriedade da terra estabelecido nos anos 80 serviu os interesses mais vastos do capital. Foi ele que evitou não somente a instabilidade social associada às enormes populações dos sem-terra mas permitiu igualmente que a produção rural em bens de subsistência suportasse os empregadores de trabalhadores migrantes, e permitiu igualmente a criação de um grande exército de reserva do trabalho rural a flutuar de acordo com as exigências das variações da produção capitalista. De facto, quando a decisão recente do PCC para promover a venda de direitos do uso da terra pode agora permitir que o capitalismo floresça no campo, mas pode igualmente ajudar a desestabilizar o sistema no seu todo.

O facto de que a China se ter transformado na fábrica do mundo é uma realização impressionante, que pode certamente ser atribuída em parte ao trajecto específico de desenvolvimento que o país seguiu. Arrighi tem razão ao distinguir as características que são parte do legado socialista do país: Uma população que tem um razoável nível de instrução e de saúde e um campesinato que mantém a posse da terra. Estas, entretanto, não alteram o facto de o sector da economia que está a crescer de forma mais rápida e a concorrer com sucesso nos mercados internacionais estar a funcionar de acordo com os princípios capitalistas. De facto, as empresas neste sector podem concorrer com sucesso porque são capitalistas. Os empresários chineses e os seus sócios estrangeiros, com forte e efectivo apoio do Estado, criaram o que é - pelo menos até ao momento - o sistema mais eficiente de extrair a mais-valia. As características que fazem este sistema tão competitivo no mercado global são as mesmas que estão a produzir a polarização crescente das classes sociais na China.

As três ilações de Arrighi são estreitamente ligadas no seu modelo da Ásia Oriental mas não são necessariamente mutuamente dependentes. A China pode, sem dúvida, conduzir a Ásia Oriental a conseguir recuperar a sua posição como sendo a região economicamente mais dinâmica e rica do mundo, mas como as coisas estão neste momento, este desenvolvimento pode levar mais a mudar a forma do que a transcender a ordem capitalista existente. Além disso, parece improvável que a RPC possa ser capaz de recriar à escala do mundo o sistema de relações inter-estatais relativamente calmas entre a China, a Coreia e o Japão, a que a China presidiu durante diversos séculos.

Também não é ainda claro se China poderá usar a sua força industrial para alcançar uma posição mais elevada na hierarquia económica global. Enquanto Arrighi vê o governo chinês a fazer capitalistas, estrangeiros e nacionais, a concorrer no mercado mundial para acumular a riqueza da nação, outros vêem Wall-Mart fazer capitalistas na China e outros países também a competirem para extrair dos trabalhadores o máximo de produção para o mínimo de custos salariais. Mas se a China, com a sua vasta população, pode realmente deslocar-se da periferia para o centro da ordem económica mundial, esta deslocação reestruturaria significativamente a hierarquia global. Eu partilho da expectativa de Arrighi que tal mudança pôde contribuir para diminuir a desigualdade global extrema entre os países e as regiões que caracterizou a era da dominação do Atlântico Norte. Esta seria uma enorme e positiva mudança e por esta razão eu estou feliz em ver o peso de China na economia mundial aumentar. Mas se a reestruturação actual da ordem económica global terminará realmente por diminuir a desigualdade entre os países, o certo é que está certamente a agravar a desigualdade dentro dos países, e esta realidade é ainda mais evidente na China. Além disso, a capacidade actual da China no mercado mundial e a polarização crescente das classes sociais dentro do país são estreitamente ligadas. Ambas são produtos da transformação recente da economia da China, que criou um sistema de relações capitalistas da produção que é mais eficiente e mais brutal do que a maioria de todos eles.

11 de dezembro de 2008

Juros extravagantes

A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias

Paulo Nogueira Batista Jr.


Prepare-se , leitor: o artigo de hoje vem um pouco carregado de estatísticas (essa permanência aqui no FMI está arruinando o meu estilo).

Feita a advertência, começo. É impressionante como mudou a situação econômica brasileira e mundial. Há poucos meses, a inflação parecia ser um grande risco -pelo menos para países como o Brasil. As atas do Copom sinalizavam uma longa temporada de aumentos na taxa de juro.
A turma da bufunfa salivava intensamente.

Hoje, o risco dominante é a recessão -ou uma desaceleração pronunciada no caso do Brasil. Até a deflação voltou a ser uma ameaça para algumas economias.

Muitos bancos centrais estão diminuindo as taxas básicas de juro de forma acentuada. Nos últimos dias, houve diversas decisões desse tipo: Banco Central Europeu (-0,75 ponto percentual), Banco da Inglaterra (-1,0), Banco do Canadá (-0,75), Riksbank da Suécia (-1,75), para citar alguns exemplos.
A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias. Em conseqüência, vem aumentando a já elevada diferença entre os juros praticados no Brasil e no resto do mundo.

A taxa real básica "ex ante" (a taxa nominal descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses) situa-se em nada menos que 8%. O Brasil continua a liderar, com folga, o ranking mundial de juros.

A Uptrend Consultoria Econômica publica regularmente um levantamento dos juros básicos praticados nos 40 principais mercados desenvolvidos e emergentes. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Japão, a taxa real básica é negativa em 2,6%, 2,4% e 1,4%, respectivamente.
A Alemanha é atualmente o único dos principais países desenvolvidos a registrar taxa real positiva (1,1%).

Nos mercados emergentes, as taxas são moderadas, quando não negativas, em termos reais. Na China, por exemplo, o juro básico real é atualmente de 1,5%; no México, 2,3%. A Rússia e a Índia praticam juros reais negativos, respectivamente de -0,7% e -4,0%. A média geral nos 40 mercados é negativa em 0,3%, segundo a Uptrend Consultoria. Existem motivos de sobra para começar a reduzir a taxa de juro no Brasil. Acumulam-se sinais de que a economia está perdendo impulso.

As projeções de crescimento para 2009 vêm sendo revistas para baixo, sistematicamente. O FMI reduziu a sua previsão para 3%. No levantamento das projeções de mercado, realizado pelo Banco Central, o ritmo de crescimento esperado para 2009 caiu para apenas 2,5%.

A confirmação desses números representaria evidentemente a recaída no cenário de crescimento medíocre do qual estávamos conseguindo escapar. As taxas de desemprego e subemprego provavelmente aumentariam de maneira significativa.

Haveria risco de inflação se os juros fossem mais moderados? É claro que o Banco Central tem que estar sempre alerta. Como diria um discípulo do Conselheiro Acácio, o preço da estabilidade é a eterna vigilância.

Mas não parece existir grande risco. As expectativas de mercado, levantadas pelo Banco Central, apontam para uma inflação da ordem de 5,4% nos próximos 12 meses. As expectativas estão estabilizadas nesse patamar há várias semanas. As estimativas da inflação subjacente (os chamados núcleos da inflação) também registram taxas moderadas, inferiores ao teto da meta de inflação, que é 6,5%. Controle da inflação, sim -mas sem extravagâncias doutrinárias.

Paulo Nogueira Batista Jr.

Paulo Nogueira Batista Jr., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

1 de dezembro de 2008

O mito do elitismo em Lênin

Paul D'Amato 



Tradução / Em sua grande maioria, os historiadores ocidentais vêm apresentando Lênin como um grande elitista, quando não um autocrata. O dito elitismo teria emergido pela primeira vez em sua obra Que Fazer?, onde estes dizem estar o resumo de todo o pensamento leninista – o trabalho onde Lênin teria “explicitamente abandonado o marxismo ortodoxo e se provado um jacobino ou um blanquista”[1]. Reciclando as mesmas duas ou três citações e se estruturando em conceitos acerca de Lênin estabelecidos pelos mencheviques, muitos historiadores concluem que a única contribuição de Lênin para o Marxismo, expressa em Que Fazer?, consiste na concepção de organização revolucionária enquanto partido centralizado e clandestino pelos revolucionários profissionais*[2], os intelectuais da classe média. A argumentação segue com a ideia de que o elitismo presente no pensamento de Lenin estava baseado, citando o historiador direitista Richard Pipes, no fato de que ele havia “perdido a sua fé na classe trabalhadora.”[3]

Segundo Leopold H. Haimson, um dos fundadores da ortodoxia elitista em Lênin : “O que estava implícito em Que Fazer? não era meramente uma falta de fé na capacidade da tomada autônoma de consciência do movimento trabalhador, mas também um traço básico em seu pensamento, o de que nenhum ser humano teria a habilidade de superar seus impulsos elementares e de agir de acordo com o que sua consciência diz sem a orientação e o controle do partido e suas organizações.” [4] Como o historiador Lars T. Lih exemplifica, esses argumentos são baseados na ideia de que Lênin “temia o desenvolvimento espontâneo do movimento dos trabalhadores” tanto que “ele fez com que o movimento se divergisse do seu curso natural para que pudesse ser controlado por não-trabalhadores, pelos intelectuais revolucionários burgueses.”[5]

Em sua meticulosa pesquisa Lenin Rediscovered, Lih chama essa análise onipresente de “interpretação manualesca”, [6], da obra Que Fazer?, que é incisivamente reiterada texto após texto: “O panfleto Que Fazer? é declarado uma descrença na capacidade da classe trabalhadora em atingir, sem uma liderança externa, o grau necessário de consciência para que pudesse ser parte decisiva nos futuros eventos revolucionários.”[7]; sendo que a postura de Lênin sempre foi a de “destruir a noção de que a consciência socialista pertencia a poucos”[8]; e assim por diante.

Um outro grupo de historiadores faz uma argumentação diferente[9]. Lih, por exemplo, mostra de forma explicitamente detalhada em sua obra, Lenin Rediscovered, que na verdade foram os oponentes de Lênin que subestimavam a classe trabalhadora e, que os escritos lenenianos do período de Iskra (1900-1903) estão recheados de argumentos sobre como o movimento socialista estava atrasado em relação ao movimento operário. “Não achamos que alguém duvide que o vigor do movimento atual consiste na tomada de consciência das massas (principalmente do proletariado industrial),” Lênin diz no segundo capítulo, “e que sua fraqueza está na falta de consciência e iniciativa entre os líderes revolucionários.”[10] Neil Harding, em seu excelente livro Lenin`s Political Thought, faz uma argumentação parecida com a de Lih: “É dito que, neste período, Lênin perdeu sua fé em um movimento de massas espontâneo, e por causa disso sempre defendeu que a revolução teria de ser guiada por uma elite especializada. Esta interpretação tem o atrativo de ser simples e consistente com a ideia de Lênin enquanto um jacobino, porém apresenta problemas insuperáveis para aqueles que a tentam assimilar aos escritos de Lênin .”[11]

Infinitas passagens de Lênin neste período, que contradizem as interpretações manualescas, são simplesmente ignoradas pelos historiadores. Na grande maioria dos casos, Lênin é citado fora de contexto. Mais do que qualquer outro revolucionário, os trabalhos de Lênin devem ser lidos com o entendimento das condições sobre as quais foram escritos. Nigel Harris pontuou muitos anos atrás: “O texto Que Fazer? vem sendo alvo de numeroso ataques ocidentais, e muitos deles não conseguem entender que este pequeno panfleto colocou até mesmo suas próprias ideias a serem vistas sobre outra perspectiva. É como se um dia, ao ver que está chovendo quando estou prestes a sair de casa, eu dissesse “devo vestir uma capa impermeável” e que, de alguma forma, essas palavras fossem salvas para que no futuro algum arquivista pesquisando sobre a história das capas impermeáveis pontuasse assertivamente: “O Harris sempre acreditou profundamente nas virtudes das capas impermeáveis; por exemplo, foi dito por ele ‘devo usar uma capa impermeável’.”’ A metáfora não é perfeita, mas o ponto é claro. Jornalistas ocidentais vem sendo tão sem escrúpulos quanto Stálin ao citar Lênin fora de contexto, desprovidos das perguntas as quais ele estava tentando responder.[12]

O Período de Iskra

Qual foi o contexto em que Lênin escreveu “Que Fazer?” ?

A primeira fase do movimento social-democrata, no começo da década de 1890, se focou no recrutamento de operários para grupos de estudos secretos. O movimento era necessariamente secretos por conta da natureza repressiva da autocracia. Quando a luta de classes começa a ganhar força, no meio desta década, os trabalhadores têxteis juntamente com os social-democratas, incluindo Lênin, fizeram agitações visando reivindicar soluções para as demandas econômicas imediatas dos trabalhadores. Neste ponto, esses grupos estavam organizados localmente, independentes uns dos outros, sem formas de organização nacional. Uma parte da juventude social-democrata neste período começou a superestimar a importância da luta econômica, ao passo que menosprezavam a necessidade da organização da classe trabalhadora enquanto ferramenta política contra a autocracia. “Quando começamos uma agitação de massas, muitas vezes não somos capazes de nos conter de ir para o outro extremo,” Lêninexplica. “A predominância do trabalho isolado,” ele pontua, “está naturalmente conectada com a dominação na luta de classes.”[13] Foi apenas questão de tempo até que esforços teóricos fossem feitos para colocar um fim nessa linha de pensamento. No ano de 1899, o folheto “Credo” foi posto em circulação nos meios social-democratas. Escrito por E. D. Koskova, o documentos expressava simpatia com o reformismo gradualista de Eduard Bernstein, na Alemanha, e argumentou que, ao invés de lutarem pela revolução, os socialistas russos deveriam se articular para “reformar os problemas da sociedade do dia de hoje em linhas democráticas, com o objetivo de proteger todos os direitos da classe trabalhadora da forma mais efetiva possível.”[14]

Um pensamento clássico dos economicistas da época foi expresso no jornal Rabochy Mysl: “Que tipo de luta de classes é desejável para os trabalhadores conduzirem? Não seria o cenário onde apenas eles seriam capazes de conduzir as circunstâncias atuais?”[15] Este pensamento não é nada mais que uma ressureição da afirmação de Bernstein, que se o movimento era “tudo”, então o objetivo final era “nada”. Não se espanta que Lenin e seus colegas consideravam o economicismo a variante russa do revisionismo de Bernstein.

A resposta de Lênin ao panfleto, escrita durante seu exilio na Sibéria (que teve início no ano de 1895 e acabou no verão de 1900), foi breve. Seu artigo, assinado por mais dezessete socialistas exilados, argumentava que: “A assertividade de que a classe trabalhadora russa ‘ainda não se organizou politicamente’ somente revela a ignorância do movimento revolucionário da Rússia.” Lênin escreve: “Aparentemente, a ideia do autor de “Credo” se inclina para a noção de que a classe trabalhadora deve, seguindo a linha de menor resistência, se confinar em meio à luta de classes, enquanto os elementos da oposição liberal usam da “participação” dos marxistas nas decisões legais como ferramenta de luta. A aplicação de tal ideia seria equivalente ao suicídio político dos social-democratas russos, retardaria e tiraria a união da classe operária e do movimento revolucionário.”[16]

Lênin argumenta que, se a posição dos trabalhadores na luta de classes for restrita à sua atuação econômica, o movimento irá se separar em vários partidos diferentes e perderá sua união na luta contra a autocracia.

Não demorou muito para que, após a popularização do economicismo, a luta de classes ganhasse um caráter mais político, o que deu grande palco para o conflito ideológico sobre esse assunto. O movimento dos estudantes ganhou força, e foi igualmente reprimido pelo governo. Os trabalhadores se juntaram a alguns destes movimentos. Foram eles que começaram a organizar os protestos do nove de maio, incluindo aquele que levou à uma greve geral em Kharkov, no ano de 1900. Em maio de 1901, trabalhadores de São Petesburgo travaram lutas nas ruas contra a polícia e os cassacos, e então se trancaram na fábrica. Aproximadamente 30 mil estudantes participaram da greve geral no inverno de 1901-02. Em Moscou, a comemoração do aniversário do fim da servidão acabou com o choque entre trabalhadores e cossacos. Em novembro de 1902, uma greve do setor ferroviário em Rostov do Don se transformou em uma greve em toda a cidade.[17]

Após o fim de seu exílio na Sibéria, Lênin, juntamente com Julius Martov, Alexander Petrosov e a velha guarda do marxismo na Rússia, começou a publicação de um jornal, Iskra, em que depositava a esperança de unir os fragmentados comitês social-democratas. “Nossa missão principal,” escrevia Lênin na primeira emissão do Iskra, “é facilitar o desenvolvimento político e a organização política da classe trabalhadora. Aqueles que tentarem atrapalhar essa tarefa, os que negarem a subordinação aos métodos de luta, estarão atrapalhando seriamente o movimento.” Lênin desprezava aqueles que queriam “usar dos trabalhadores para política apenas em alguns momentos, apenas em momentos festivos,” quando o objetivo deixava de ser uma luta revolucionária da classe trabalhadora contra a autocracia, para se tornar a luta por concessões parciais.[18]

Lênin expôs seus pontos em diversos artigos do Iskra, que culminaram na obra Que Fazer?. Quais seriam seus pontos principais?

  • Primeiro, sua polêmica contra os membros do movimento que minimizavam a importância da formação política e teórica dos trabalhadores[19]; em particular, aqueles que tentavam importar reformismos para dentro do movimento com a desculpa de “liberdade à crítica”. Ele ataca especificamente o jornal Rabochaya Dyelo e seu editor, Krichevsky, argumentando que “o movimento socialista como um todo, em todas as suas formas…. incluindo as mais oportunistas, crava suas bases nos interesses populares e na emancipação política e econômica da classe trabalhadora.”[20]
  • Segundo, ele faz ataques aos economicistas, representados pelo jornal Rabochaya Mysl, que visava limitar a classe trabalhadora à lutas puramente econômicas, e deste modo “converter o nascente movimento operário em um mero apêndice dos liberais.”[21] Ele criticava aqueles que, por apoiar o foco na luta econômica, acabavam mais por atrapalhar o movimento do que por ajudar a construí-lo. Rabochaya Mysl, por exemplo, apresenta uma critica muito particular de que a única luta importante para os trabalhadores seria “aquela que está acontecendo no tempo presente.”[22]
  • Ainda contra os economicistas, que menosprezaram a prática de agitação popular e de demandas políticas dos trabalhadores, ele argumenta que “a força presente no movimento de hoje atua de acordo com a libertação ideológica das massas, principalmente do proletariado industrial, e que sua fraqueza está na falta de consciência e de iniciativa por parte dos líderes revolucionários.[23]
  • Lênin também faz uma série de propostas práticas para a superação do estado fragmentado, paroquial e primitivo do movimento socialista. A tarefa imediata, ele dizia, era a da organização em nível nacional, baseada em comitês centrais de revolucionários que produziriam um único jornal para toda a Rússia, o que poderia atuar como, segundo Lênin, um agente de organização coletiva, de propaganda, e uma ferramenta para “conduzir a organização revolucionária, a disciplina e o entendimento de que o trabalho revolucionário feito clandestinamente, poderia levar a resultados melhores.”[24] Apenas um partido político centralizado, com um núcleo político forte, pode construir uma organização operária que seja capaz de cumprir com suas tarefas, assim como a vanguarda da luta contra o absolutismo.

Existem vários pontos em que Que Fazer é mal interpretado, isso ocorre pois muitas propostas feitas por Lênin eram feitas para contextos e situações específicas, mas muitos historiadores as tomam como visões permanentes e totais. Por exemplo, a ênfase dada por Lenin aos métodos clandestinos de organização é apresentada como peculiaridade do que atualmente se chama de leninismo. Isto é mentira. A intensa repressão da polícia tzarista obrigava todos os partidos de esquerda a se organizarem clandestinamente. Essa ênfase dada por Lênin no desenvolvimento de militantes revolucionários treinados para evitar a polícia é uma derivação direta do caráter “primitivo” e descentralizado do movimento socialista russo – que ainda não havia se organizado enquanto movimento nacional. Lênin almejava acabar com essas condições ao formar militantes em verdadeiros experts em evitar a detecção e a prisão pela polícia. Era uma questão urgente. A vida útil de um comitê, isto é, antes da polícia o dissolver, era de no máximo dois meses, após isso este era reerguido por pessoas que muitas vezes não tinham o menor conhecimento de como organizar um comitê. O movimento carecia de coesão e continuidade.

Se é argumentado que Lênin tinha o desejo de formar uma organização exclusivamente com estes revolucionários profissionais. O que também é mentira. A ideia de Lênin era a de que o partido deveria de ter um aparato secreto, que consistia nos revolucionários mais experientes e centrais de cada comitê, mas ao redor deles existiriam diversas camadas de membros “não profissionais” do Partido. “Organizações partidárias não deveriam ser idealizadas enquanto uma massa de militantes de maioria profissional,” aponta Lênin no Congresso do Partido de 1903, “nós precisamos de vários níveis de organização, começando com uma extremamente limitada e secreta e indo até uma organização mais aberta, livre.”[25] Hal Draper, teórico americano, argumenta que por “revolucionários profissionais” Lênin não se referia a um funcionário em tempo integral do Partido, mas sim um militante que dedicasse a maior parte de seu tempo ao trabalho revolucionário.” [26]

Lênin também nunca concebeu a ideia de que esses comitês secretos do Partido deveriam ser formados exclusivamente por intelectuais. “A tomada de consciência espontânea das massa, consequentemente, causaria a formação de vários militantes “profissionais” atuantes em suas respectivas posições.”[27] Lênin escreve para um trabalhador no ano de 1904: “Nós devemos visar a maior consciência de classes entre os trabalhadores possível e, consequentemente, a transformação destes em militantes “profissionais” e em membros destes comitês… Os comitês deveriam incluir, de acordo com o possível, todos os principais líderes populares do movimento operário.”[28]

Se avançarmos para o ano de 1906 essas argumentações ficam ainda mais insustentáveis. Aqui nós encontramos Lênin criticando severamente os membros do comitê bolchevique – isto é, os revolucionários profissionais – por sua postura conservadora em relação a trazer trabalhadores para este comitê. Em um discurso feito no Terceiro Congresso do Partido, em abril de 1905, Lênin argumenta: “Em meus escritos para a imprensa, eu pontuei claramente que o maior número de trabalhadores possível deveria ser alocados nestes comitês. O período que sucede o segundo congresso é marcado pela falta de atenção ao cumprimento desta tarefa – esta é a impressão que eu tive a partir de conversas com meus camaradas trabalhadores. Esta inércia precisa ser superada.”[29]

Meses depois, com as coisas se encaminhando para uma direção mais favorável, Lênin argumentou que: “No terceiro congresso eu havia sugerido que houvessem cerca de 8 trabalhadores para cada 2 intelectuais nos comitês do partido. O quão obsoleta esta sugestão parece nos dias de hoje! Agora nós rezamos para as organizações do partido terem um intelectual social-democrata para centenas de trabalhadores social-democratas.”[30]

Draper reconhece que Lênin foi muito mal interpretado por seus contemporâneos por conta de suas ênfases se restringirem a certos pontos e não a outros durante a construção de uma ideia; como por exemplo o foco dado à organização de militantes inteiramente ligados às tarefas do Partido no ano de 1902, e ao recrutamento das massas para o Partido em 1905. “Seria esperado de um escrito acadêmico atual, com a vantagem temporal de poder olhar os acontecimentos em sua totalidade e com total disponibilidade de documentos, a apresentação e o pensamento sobre as diversas tentativas de Lênin em clarificar e modificar suas visões. O que geralmente é ignorado no estudo contemporâneo das obras de Lênin são justamente suas clarificações sobre a autocrítica.”[31]

A ideia de que Lênin sempre favoreceu formas de organização não democrática também é falsa. Em “Que Fazer?”se é dito que sobre condições de liberdade política, os socialistas russos prefeririam formas democráticas de organização do Partido. “Nós bolcheviques,” ele argumenta em 1905, quando o Partido efetivamente adotou métodos democráticos, “sempre reconhecemos que sob novas condições, quando as liberdades políticas forem alcançadas, seria essencial adotar o princípio eletivo”[32]. Lênin apenas pontua que, sobre as condições da época (1902), as formas de abertura democrática apenas facilitariam o “trabalho da polícia em realizar ataques em grande escala.”[33]

A historiadora Moira Donald diz que: “Não há evidências que justifiquem a afirmação de que Lênin, durante este período chamado de formação do bolchevismo, rejeitou o elemento democrático na tradição marxista. Através de Que Fazer? Lênin expressa a importância do elemento democrático veinculado à luta por democracia na Rússia. Entretanto, ele diz que por conta da situação política delicada da época o Partido deveria agir com cautela; as condições pouco democráticas impunham limites principalmente àqueles comprometidos com objetivos democráticos.”[34]

Donald e Lih fazem importantes pontuações contra os detratores de Lênin, que tentam encaixar Que Fazer? enquanto uma traição ao marxismo ortodoxo – a linha de argumentação segue com a equivocada concepção de que Que Fazer? representa a base da documentação sobre Lênin. Ambos parecem convictos de que Lênin considerava suas visões enquanto adaptações do modelo do Partido Social-Democrata Alemão à Rússia. “Nunca rejeitando o modelo social-democrata alemão da época,” escreve Donald:

Lênin manteve uma rigorosa disciplina nos estudos do SPD, constantemente buscando paralelos entre a história do Partido alemão e seu próprio… Entretanto, se alguma crítica pode ser feita sobre a leitura de Lênin sobre este partido durante o período, ela está relacionada à sua visão otimista e ao fato de ter subestimado a influência de Bernstein dentro do partido. [35]

As famosas passagens de “Que Fazer?”

Muitos críticos apontam as concepções de Lênin sobre o partido enquanto produto de sua ideia de que a classe trabalhadora não poderia atingir a consciência socialista “espontaneamente” sem a orientação de intelectuais burgueses. O que surgiria disto seria a oposição por parte de Lênin entre o conceito de liderança consciente e o de movimentos “espontâneos”. Duas passagens de Que Fazer? são frequentemente citadas para reforçar essa afirmação: “A história de todos os países nos mostram que a classe trabalhadora, apenas por seus próprios esforços, é capaz de desenvolver sindicatos, lutar por seus direitos, forçar os governantes a assinarem leis trabalhistas justas, etc. A teoria socialista, entretanto, cresceu fora do campo teórico filosófico, histórico e econômico elaborado pelos representantes das classes opressoras, dos intelectuais.[36]” E “A missão social-democrata é a de combater a espontaneidade, é trazer esses sindicatos desorganizados para debaixo das assas da social-democracia revolucionária. [37]”

A primeira passagem é uma citação direta de um ensaio de Karl Kautsky[38], uma vez que ele acabara de lê-lo ao preparar Que Fazer? Praticamente todo historiador ao chegar neste ponto considera estas passagens a maior quebra teórica em Que Fazer?, onde ele expressara sua “falta de fé” na classe trabalhadora. Nenhum deles pareceu entender a ironia presente no fato de que essa quebra na teoria ortodoxa deriva de um símbolo implacável da ortodoxia, isto é, deriva do comandante porta voz da ortodoxia da Segunda Internacional. Eles contornam essa problemática simplesmente por ignorá-la.[39]

Tiradas de contexto, estas passagens poderiam ser interpretadas enquanto elitistas: trabalhadores não podem atingir a consciência socialista sem o comando dos intelectuais burgueses. Porém Lênin nunca mais usou essas formulações desta forma (assim como nunca o tinha feito). Apesar disso, esta ainda é tomada por muitos como a mais definitiva constatação de Lenin sobre consciência de classe e lutas de classe.

De certa forma, ao parafrasear Kautsky, Lênin meramente define um ponto central que era factual para com o cenário russo. Gorin, delegado do Terceiro Congresso de 1903, explica durante o debate acerca de Que Fazer?: “O que nós dissemos está ligado a um fato, e não expressa nenhum tipo de filosofia social ou concepção histórica. Nós apenas dissemos que a social-democracia russa foi meramente uma doutrina importada, que antecedeu o crescimento do movimento operário na Rússia. Mas os social-democratas russoas não caíram dos céus. Tendo surgido enquanto uma doutrina popular entre as outras organizações revolucionárias russas, esta assume sua forma social-democrata sobre a pressão da efervescência do movimento operário e do socialismo científico leste europeu, e apenas depois se juntariam ao movimento operário, de fato, russo.”[40]

Era um fato para todo o revolucionário de que o marxismo na Rússia primeiro atraiu os intelectuais, que depois viriam a apresentar estas ideias à classe trabalhadora. Para nenhum deles, e muito menos para Lenin, essa situação temporária deveria ser vista enquanto permanente – isto é, a ideia de que os intelectuais deveriam comandar a classe trabalhadora. Em um de seus primeiros longos escritos políticos, “O que os aliados da população são e como eles combatem os social-democratas,” escrito em 1894, Lênin diz: “Não deve existir nenhum tipo de sectarismo quando o objetivo é a organização do proletariado, e quanto o papel dos intelectuais é justamente tornar os líderes vindo da intelectualidade desnecessários. ”[41]

Mais adiante, como apontado por Hal Draper, Lenin qualifica, se não nega completamente, a análise de Kautsky em uma importante nota de pé de página: “Isto não significa, é claro, que os trabalhadores não tenham papel na criação desta ideologia. Entretanto, este papel desempenhado não seria o de trabalhador, mas sim o de socialista teórico, assim como os seguidores de Proudhon e de Weitlings; em outras palavras, eles apenas assumem um papel central quanto estes estão capacitados, mais ou menos, a adquirir o conhecimento de sua época e a desenvolvê-lo. Tomando em conta que a maioria dos trabalhadores alcance este estágio, todos os esforços deverão ser feitos para ampliar e aumentar o nível de consciência dos trabalhadores em sua totalidade; se é necessário que estes não se limitem à barreiras artificiais da “literatura para trabalhadores” mas que leiam e compreendam a “literatura geral”. É ainda mais correto dizer “que estes não sejam limitados”, uma vez que todo o trabalhador deseja ler tudo o que é escrito à academia mas poucos conseguem fazê-lo, alguns poucos (péssimos) intelectuais dizem que esta limitada literatura que era acessível às massas era o suficiente “para trabalhadores” entenderem as questões centrais.”[42]

A argumentação de Lênin é que a classe trabalhadora está pronta para ler e absorver a teoria socialista, o que é rejeitado por intelectuais que desejam restringir os trabalhadores à puras questões econômicas. Seguindo no mesmo livro, Lênin continua a qualificar os pontos argumentando que a classe operária, de fato, gravita entorno da consciência socialista, mas esta não se da desta forma em um vácuo ideológico: “É comumente dito que a classe trabalhadora gravita, espontaneamente, o socialismo. Isto é verdade no sentido de que a teoria socialista descreve e abrange os problemas dos trabalhadores mais profundamente do que qualquer outra, e por isso estes teriam facilidade em assimilar essa aproximação… A classe trabalhadora gravita espontanemente o socialismo; entretanto a ideologia burguesa é imposta à massas em um grau muito maior.”[43]

Os trabalhadores estão espontaneamente ao entorno do socialismo; mas estes ainda são mais influenciados pela ideologia da burguesia. É precisamente esta contradição que demanda um Partido político que represente os interesses da classe. A revolução só é possível quando organizada e quando se luta por ela. A massa de trabalhadores que é anteriormente cativada pelas políticas socialistas deve se organizar para exercer mais influência ao resto dos trabalhadores do que a ideologia burguesa.

Seguindo nesta linha, Lênin redefine o que quer expressar ao falar sobre trazer a consciência de classe aos trabalhadores “de fora.” Agora ele estaria se afastando da formulação de Kautsky – de que o socialismo deveria ser introduzido à massa trabalhadora por intelectuais – ao dizer que a consciência socialista só poderia ser desenvolvida entre os trabalhadores se as relações entre patrão e empregado fossem compreendidas para além das fábricas: “A luta econômica apenas faz com que os trabalhadores percebam as atitudes do governo sobre a classe trabalhadora. Consequentemente, por mais que nos esforcemos em explicitar o caráter político desta luta econômica, nós jamais seremos capazes de desenvolver a consciência política dos trabalhadores (ao nível da consciência política social-democrata) mantendo as estruturas que sustentam esta luta.” E segue, “A consciência política de classe só pode ser ‘trazida de fora’, isto é, de fora à luta econômica, de fora desta atmosfera das relações entre trabalhadores e patrões. A esfera a partir da qual é possível obter este conhecimento é a esfera das relações entre todas as classes e camadas com o governo e o Estado, as interrelações presentes entre as distintas classes.”[44]

Parafraseando outra passagem de Que Fazer?, a consciência de classe trabalhadora pode apenas ser inteiramente socialista se este grupo é treinado a reagir a todas as formas de opressão e tirania, independentemente dos grupos que estas ataquem estarem ou não dentro da atmosfera operária: ataques à estudantes, programas contra judeus, opressão de minorias nacionais, de mulheres, e assim por diante.[45] Sem esta consciência, a classe trabalhadora jamais será capaz de derrubar o czarismo e rumar ao socialismo. Isso não quer dizer que Lenin desacreditava que a luta de classes pudesse ajudar o trabalhador a atingir a consciência socialista. Ele havia escrito poucos anos antes, em seu texto “Sobre as greves,” (logo após começar seus ataques contra o economicismo russo) precisamente que “toda a greve trás intensos pensamentos socialistas à mente do trabalhador, pensamentos sobre a luta que tange toda a classe trabalhadora na emancipação da opressão do capital.”[46]

Moldada pela eclosão da revolução de 1905, a argumentação repressiva de Lenin contra quaisquer vestígios conservadores no Partido o levaram a enfatizar ainda mais o modo em que as lutas estariam levando os trabalhadores à consciência socialista. Lênin reforça a relação dialética entre a proposição dos líderes “conscientes” e os esforços espontâneos dos trabalhadores na jornada ao socialismo. “A classe trabalhadora é instintivamente, espontaneamente social-democrata, e mais de dez anos de trabalho social-democrata transformou de forma vigorosa esta espontaneidade em consciência.”[47]

Não foi Lênin, mas sim os economicistas que argumentaram que os trabalhadores não estavam prontos para luta ou agitação política. Em 1899, por exemplo, o comitê de Kiev escreveu: “Não acreditamos que seria possível no presente momento a ‘transformação’ dos trabalhadores em agentes de ações políticas, em outras palavras, não acreditamos na possibilidade dos trabalhadores fazerem agitação política, uma vez que os trabalhadores russos, em sua totalidade, ainda não tem a maturidade necessária para a luta política.” Lênin responde a isso da seguinte forma: “Os trabalhadores russos, no geral, não apenas apresentam a maturidade necessária para a luta política, como já demonstraram este fato diversas vezes por se engajar em atos da luta política, frequentemente de forma espontânea.”[48]

Quando estes argumentos de Lênin são combinados às suas ideias apresentadas em “Um Passo À Frente, Dois Atrás” (suas conclusões sobre o Congresso do Partido de 1903) sobre a consciência desigual da classe trabalhadora (“Precisamente porque existem diferentes graus de consciência e de atividade, as distinções devem ser feitas dada a proximidade do militante com o Partido”[49]), a argumentação se parece com algo do tipo: A classe trabalhadora almeja e luta fortemente pela consciência socialista, entretanto, a influência ideológica da classe dominante atua tão fortemente quanto; isto resulta em diferentes tipos de consciência e, consequentemente, necessita da figura um Partido organizado pelos trabalhadores que possuam maior consciência de classe para aumentar o nível de informação para a classe como um todo. Quem ataca esta figura, reduzindo o Partido a um mero suporte ao invés de considerá-lo um órgão de liderança na luta contra a autocracia, está sendo coadjuvante do plano burguês de confundir e fragmentar os trabalhadores. A vanguarda não era um corpo externo à classe, mas constituía sua parte mais consciente e organizada.

Essas ideias sobre a relação entre classe e Partido não eram únicas a Lênin, também foram sustentadas por outros. “Toda a classe trabalhadora é uma só coisa,” escreveu Plekhanov em 1901, “e o Partido Social-Democrata é outra, isto ocorre pela pequena participação dada a classe trabalhadora… Na minha opinião, a luta política do nosso Partido, que representa a forma mais consciente de revolucionária de guarda avançada do proletário, deve ser iniciada imediaramente.”[50] Durante o Segundo Congresso, no ano de 1903, o delegado Karsky defendeu “Que Fazer?” com a seguinte formulação[51]: “O camarada Akimov considera que o Partido não deve estar acima da classe trabalhadora. Esta forma de apontar a questão parece ser descontextualizada e incorreta. É de fora da classe trabalhadora que emerge o militante, a força consciente e o Partido, que são os portadores dos ideais socialistas, e é por isso que o Partido não pode deixar de estar acima da classe trabalhadora, justamente pois é justamente este quem vai liderar a massa insuficientemente consciente.”[52]

A descrença na classe trabalhadora

O que fora escrito em “Que Fazer?” definitivamente não representa Lenin enquanto um descrente na classe trabalhadora. Na verdade é completamente o oposto. Lenin estava argumentando contra os socialistas que menosprezavam o papel de liderança dos socialistas organizados precisamente no momento em que o movimento operário estava cada vez mais gravitando as ideias socialistas. A proposta de Lenin ao fazer esta argumentação era justamente insistir na importância do Partido enquanto órgão de aceleração e liderança da tomada de consciência política operária ao invés de um mero agente passivo – portanto seus argumentos contra a “adoração à espontaneidade” não se dirigiam à espontaneidade de fato, mas sim contra o pensamento de que a tarefa dos socialistas em meio a isto era apenas a de observar. A questão central da época, e Lenin percebeu isto, era que o intenso avanço do movimento operário estava deixando os conceitos e a coesão de uma organização revolucionária. Lenin continuaria a ressaltar isto em “O Retardo dos Líderes (lídeologistas,’ revolucionários, social-democratas) por trás do levante espontâneo das massas.”[53]

Tomando as afirmações de Lênin sobre divergir o movimento operário de seu curso natural, Lih faz uma argumentação bastante coerente sobre como isso era uma frase retórica baseada em uma resposta à formulações feitas por seus oponentes.[54] Em 1901, Lênin escreveu um artigo, “Uma conversa com os defensores do economicismo,” no qual ele anexou uma carta crítica a Iskra. Basicamente a ideia da carta era de que a posição dos socialistas de organização e liderança havia sido exagerada em Iskra, ao passo que desconsiderava o papel dos fatores históricos: “Ao mesmo tempo, Iskra considera muito pouco os elementos materiais do movimento, cujas interações traçaram uma forma de agir e seus rumos, estes que jamais seriam divergidos por nenhum intelectual, por mais que este seja portador das mais finas teorias e programas.”[55]

Lênin considerou esta formulação completamente passiva e determinista; em sua concepção ela menosprezava o papel da organização consciente em moldar o movimento operário. Ele escreveu, “Dizer que intelectuais (líderes políticos conscientes) não podem moldar os rumos do movimento é simplesmente ignorar a verdade de que os elementos conscientes participam destas interações e, consequentemente, das tomadas de decisão.”[56] Aos que disseram que os socialistas não poderiam divergir o movimento operário de seu curso natural, Lênin diz: “Sim, nós podemos e devemos divergir o movimento, isto porque os socialistas organizados não são simples observadores passivos olhando coisas sobre as quais não têm nenhuma influência, mas sim elementos determinantes na construção dos objetivos.” Neste mesmo artigo, Lenin esclarece que suas críticas acerca das tarefas dos social-democratas não vem da rejeição da luta espontânea, mas do fato de que o movimento trabalhador avançou aos trancos e barrancos enquanto os social-democratas o puxava para trás: “É um fato que a tomada de consciência da classe trabalhadora e de outros grupos vem aumentando exponencialmente nos últimos anos. Os ‘elementos materiais’ do movimento vêm crescendo enormemente, mesmo comparando com o ano de 1898, mas os líderes conscientes (os social-democratas) ficaram para trás em seu crescimento.”[57]

E o pior, argumenta Lênin, existiram pessoas do movimento socialista que tentaram justificar teoricamente este atraso: “Desde o final de 1897, particularmente após o outono de 1898, o movimento social-democrata russo foi impregnado por elementos individuais e jornais que não apenas fecharam seus olhos para esta desvantagem, mas também a consideravam uma virtude que teria aumentado os movimentos espontâneos e pregavam a ideia de que os social-democratas não deveriam guiar o movimento, mas se fazer presente em todo o seu corpo. [58]

Podemos ver que é pura mitologia dizer que Lênin encarava as lutas espontâneas dos trabalhadores de forma hostil. Muito se é alegado que Lenin fez um chamado entre os socialistas para “combater a espontaneidade.” Mas Lenin usa desta formulação de forma retorica contra os economicistas que acreditavam na luta espontânea dos trabalhadores ao invés da luta liderada pelos socialistas. O que ele quer dizer é que os socialistas devem combater teorias espontâneas dentro do movimento, ou seja, a ideia de que os trabalhadores necessariamente vão, de uma forma ou de outra, se envolver ao socialismo de forma espontânea, sem a liderança dos socialistas. Lenin comenta: “Ao que parece, estamos passando por um período em que o movimento operário está se engajando brutalmente em conflitos. Estes conflitos tanto afligem os governantes e a classe dominante quanto trazem esperança e coragem aos socialistas.”[59] E segue, “A fonte de sustento dos social-democratas revolucionários é o espírito de protestar juntamente aos trabalhadores que, tomando toda a violência e opressão que rodeia este, de vez em quanto se rebelam na forma de explosões desesperadas. Estas explosões nos revelam as mais amplas camadas sociais dos trabalhadores, e estimula neles o ódio pelos opressores inimigos da liberdade.” [60]

Lenin se encanta com as explosões da classe trabalhadora justamente pois isso serve para a tomada de consciência; claramente ele não separa as duas coisas, mas considera que a espontaneidade e a organização estão em relação dialética, uma nutre a outra através de suas interações.

Muitas outras passagens escritas anteriormente a “Que Fazer?” explicitam que Lenin não hostilizava a luta espontânea dos trabalhadores e muito menos era descrente quanto às suas capacidades em adquirir consciência de classe. “O levante da classe trabalhadora russa,” ele escreve em 1897, “está lutando espontaneamente pelo conhecimento, pela organização, pelo socialismo e para que a opressão seja menor a cada dia que passe.”[61] E ele escreve em 1899, “Tem sido observado na juventude um irrefreável entusiasmo pelas ideias socialistas.”[62] Lenin apenas se atenta à necessidade de conduzir esse entusiasmo de forma efetiva e centralizada; um Partido bem organizado com um aparato profissional clandestino, por conta da polícia. No mesmo ano ele reforça: “Nenhuma classe em toda a história conseguiu poder sem a “produção” de líderes políticos, sem seus representantes capazes de organizar e liderar o movimento. A classe trabalhadora da Rússia já deixou claro que é capaz de produzi-los, tanto homens quanto mulheres. A luta que se desenvolveu tão ferozmente nos últimos cinco anos nos revelou o intenso potencial revolucionário da classe trabalhadora; nos revelou que mesmo as mais impiedosas formas de governo não apenas não conseguem diminuir o número de trabalhadores que marcham ao socialismo, como aumentam a taxa de combatentes na luta política.”[63]

Muitas ideias de Lênin neste período refletem o pensamento dos marxistas ortodoxos da época; incluindo o de Kautsky. O conceito lenineano de hegemonia da classe trabalhadora na revolução contra o absolutismo foi desenvolvido pelos fundadores do movimento marxista russo, Plekhanov e Axelrod. Coube a Lênin aplicar esta teoria de forma exemplar à prática. [64] Mesmo com a forte identificação de Lênin com Kautsky e com a social-democracia alemã, tinha algo no Iskra que se diferenciava de seus socialistas contemporâneos. O que era único ao seu pensamento foi a forma em que Lênin explorou o conceito de organização para tratar de questões políticas – coisa que Rosa Luxemburgo e Leon Trótski fizeram somente anos depois. Como pontua Donald, sua visão era inovadora: “Lênin debatia teoricamente e dava atenção a questões que não eram consideradas importantes pelos teóricos marxistas…. Que Fazer? fundiu a teoria marxista e a prática social-democrata de uma forma a caber apenas nas condições russas da época… Lênin entendeu e elevou as questões organizacionais ao plano de teoria marxista de uma forma que nem Kautsky nem qualquer outro teórico contemporâneo fez. A importância deste desenvolvimento não foi apreciada até que certos elementos da estrutura organizacional de Lênin se tornassem pontos de controvérsia nos conflitos que dividiram o Partido em seu Segundo Congresso em 1903.” [65]

Conclusão

A abordagem básica de Lênin ao período iniciado no começo dos anos 1890, quando ele se tornou um marxista, até a revolução de 1905 pode ser resumida em um de seus primeiros artigos, escrito em 1894: “A atividade política dos social-democratas se baseia em promover o desenvolvimento e a organização do movimento trabalhador na Rússia. Em transformar este movimento que, nos dias de hoje, realiza protestos, greves e rebeliões esporádicas, em uma luta organizada de toda a classe trabalhadora russa contra o regime burguês e o sistema social baseado na opressão dos trabalhadores. Subjacente a essas atividades está a convicção comum dos marxistas de que o trabalhador é o representante natural do russo explorado.” [66]

“Que Fazer?” não representa uma quebra com essas visões, mas sim uma defesa polêmica destas – uma defesa feita em circunstâncias específicas e contra oponentes específicos. O próprio Lenin confirma que “Que Fazer?” continha polêmicas exageradas escritas para uma discussão específica. Durante o Segundo Congresso do Partido, em 1903, ele responde as críticas feitas às famosas passagens de “Que Fazer?” dizendo: “Obviamente um episódio da luta contra o economicismo foi aqui confundido com uma apresentação de princípios teóricos importantes.”[67]

Lenin faz uma argumentação similar na introdução de uma reimpressão de seus textos em 1907, que incluía uma versão abreviada de “Que Fazer?”: “O erro básico daqueles que criticam ‘Que Fazer?’ é justamente abstrair o panfleto de sua situação histórica concreta, de seu contexto.”[68] Aqueles que hoje criticam o “exagero” sobre a questão organizacional em “Que Fazer?”, falham miseravelmente em entender que à época era extremamente importante defender esta questão: “Nos dias de hoje, a noção de organização dos revolucionários profissionais já é bem consolidada, isto é, já nos conduziu à diversas vitórias. Estas vitórias não teriam sido possíveis se as ideias sobre a organização não tivessem sido fomentadas da forma que foram, se não tivéssemos exagerado como exageramos.”[69] E claro, ele aponta, a ênfase em construir uma organização profissional estava “à parte de suas conexões com a ‘genuína classe revolucionária que emergiu espontaneamente’”[70]

Ao mesmo tempo, Lenin admite que a imaturidade do movimento resultava em um debate “destrutivo” entre os social-democratas exilados.[71] Ele também reconhece não ter usado as melhores formulações em “Que Fazer?”. Após romper com Lenin em 1904, Plekhanov declarou que divergia de seu camarada na relação entre “consciência espontânea e política.” Lenin rebate essa crítica por dizer que ela é “baseada em frases fora de contexto, em expressões particulares as quais eu não formulei precisamente, sem contar que existia um consenso geral entre os editores de Iskra sobre todo o conteúdo de “Que Fazer?”. [72]

E para responder aos que vieram com o tempo e tentavam transformar este panfleto no documento fundador do leninismo, ele escreve: “Nem mesmo durante o Segundo Congresso eu tive qualquer intenção em elevar minhas formulações ao nível “programático”. Pelo contrário, a expressão que eu usei – e desde então esta vem sendo muito citada – foi que os economicistas tinham ido para um extremo. Este panfleto “endireitou” o que fora deturpado pelos economicistas… O significado destas palavras é muito claro: “Que Fazer?” é a correção das distorções economicistas, e é errado ver a situação de outra forma que não esta.”

Lenin era fundamentalmente anti-elitista – não nos moldes anarquistas, que negavam a necessidade de qualquer liderança em uma luta, mas no sentido de considerar as lideranças um produto do desenvolvimento de consciência desigual na classe trabalhadora, e que sua tarefa era a de elevar o nível de consciência e atividade dos demais. Duncan Hallas, Marxista britânico, escreve: “É evidente que qualquer grupo revolucionário é necessariamente uma vanguarda. Mas o argumento de que este conceito é elitista simplesmente não tem substância alguma. A essência do elitismo é a crença de que as diferenças de consciência e experiência estão enraizadas em inalteráveis condições genéticas ou sociais, e de que as massas são incapazes de se auto governar, agora ou no futuro. A rejeição do pensamento elitista implica em atribuir estes contrastes à causas que podem ser mudadas. Isto não significa negar as suas diferenças.”

Praticamente todo analista de Lenin considera “Que Fazer?” não apenas o documento fundador do leninismo, mas também a versão final e completa do pensamento de Lenin. Isto é tomado não apenas pelos historiadores ocidentais, mas também pela hagiografia Stalinista de Lenin, ainda que as ideias de Lenin devam ser observadas em seus respectivos contextos. Os escritos de Lenin sempre foram feitos de acordo com as situações práticas que ele julgava ser o “elo da corrente” – de acordo com o que deveria ser feito em dado momento do movimento. Mais do que isso, as ideias de Lenin evoluíram: seu Marxismo foi moldado pelas lutas.

Todas as opiniões de Lenin (sobre o Estado, sobre a natureza burguesa da Revolução Russa, sobre o imperialismo, sobre o Partido, etc) foram aprendidas e moldadas com base nas lições aprendidas no curso das lutas, nos desenvolvimentos do capitalismo global e no movimento socialista internacional. Mesmo dizendo que as suas concepções mais maduras acerca da relação entre classe e Partido foram expressas no período que estamos discutindo, é errado afirmar que o período de Iskra representa completamente suas visões sobre organização partidária. Isso, no entanto, não afeta em nada as contribuições que Lenin fez ao Marxismo nesta época. Muito frequentemente os socialistas desprezam o período de Iskra , e particularmente “Que Fazer?”, quando se é necessário distinguir o que foi históricamente contingente e o que foi mais relevante para os Marxistas como um todo. É sob esta ótica que os socialistas deveriam ler e interpretar “Que Fazer?”

Notas

1- Neil Harding, Lenin’s Political Thought: Theory and Practice in the Democratic and Socialist Revolutions (New York: Humanities Press, 1983), 135. O livro de Harding, que é uma crítica à tese do elitismo em Lenin, é um das melhores obras acadêmicas sobre a teoria e prática leneniana. Infelizmente não está mais sendo impresso.

2- “Os historiadores acadêmicos que criaram as bases das interpretações manualescas constituíam a primeira geração do estudo do pós-guerra soviético: Leopold Haimson, Alfred G. Meyer, Adam Ulam, Leonard Schapiro, John Keep, Samuel Baron, Allan Wildman, Israel Getzler, Abraham Ascher, Richard Pipes, Jonathan Frankel.” Lars T. Lih, Lenin Rediscovered: What Is to Be Done? in Context (Chicago: Haymarket Books, 2008).

3- Richard Pipes entrevistado para PBS, “Heaven on Earth: A ascenção e a queda do socialismp,”Junho de 2005.

4- Leopold H. Haimson, The Russian Marxists and the Origins of -Bolshevism (Boston: Beacon Press, 1966), 138–39. (First published 1955 by Harvard University Press). Haimson atribui o “medo profundo” de Lenin da “expressão desenfreada” das “paixões humanas” ao fato de que ele estava “temeroso de suas próprias emoções”. A maioria desses historiadores também descreve Lenin como fraco em teoria, mas taticamente brilhante, um homem que, de forma oportunista, adaptou a teoria após o fato para justificar qualquer passo que desejasse dar. Ver Harding, Lenin`s Political Thought.

5- Lih faz suas próprias traduções de “Que Fazer?” ao final de seu livro. Ele aponta que a palavra russa stikhiinost é traduzida para “espontâneo,” quando traduzir para “elementar” mantem mais o sentido original. Isso clarifica que quando Lenin falava sobre “espontaneidade,” ele não estava se referindo às lutas sem líderes conscientes, mas às lutas com nível rudimentar de organização e consciência.

6- Lih, Lenin Rediscovered, 13.

7- Abraham Ascher, Pavel Axelrod and the Development of Menshevism (Boston: Harvard University Press, 1972), 177–79.

8- Samuel H. Baron quoted in Lih, Lenin Rediscovered, 34.

9- Lih, Lenin Rediscovered; Harding, Lenin’s Political Thought; Moira Donald, Marxism and Revolution: Karl Kautsky and the Russia Marxists, 1900–1924 (New Haven: Yale University Press, 1993).

10- V. I. Lenin, What Is To Be Done? (WITBD) in Collected Works (CW), Vol. 5 (Moscow: Progress Publishers, 1977), 373.

11- Harding, Lenin’s Political Thought, 156–57.

12- Nigel Harris, Beliefs in Society (Harmondsworth, England: Penguin Books, 1968), 54.

13- Lenin, “Urgent tasks of our movement,” CW, Vol. 4, 367.

14- Citado em Lenin, “A protest by Russian social democrats,” CW, Vol.4, 173–74.

15- Citado em Harding, Lenin’s Political Thought, 150.

16- Ibid., 178–79.

17- Tony Cliff, Lenin: Building the Party (Chicago: Haymarket Books, 2005), 82–84.

18- Lenin, “The urgent tasks of our movement,” CW, Vol. 4, 369.

19- “Que Fazer?”369

20- Ibid., 356.

21- Ibid., 363.

22- Ibid., 367.

23- “Que Fazer?”, capitulo 2, primeiro parágrafo.

24- Lenin, “An urgent question,” CW, Vol. 4, 222.

25- Lenin, “First speech in the discussion on party rules,” CW, Vol. 6, 498.

26- Hal Draper, “The myth of Lenin’s concept of the party, or, What they did to What Is To Be Done?.”

27- Lenin, “Que Fazer?”

28- Lenin, “Letter to a comrade on our organizational tasks,” CW, Vol. 6, 235.

29- Lenin, “Speech on the question of the relations between workers and intellectuals within the social-democratic organization,” CW, Vol. 8, 407.

30- Lenin, “The reorganization of the party,” CW, Vol. 10, 36.

31- Draper, “The myth of Lenin’s concept of the party, or what they did to What Is to Be Done?”

32- Lenin, “The reorganization of the party,” 30.

33- Lenin, “Que Fazer?”, 479.

34- Donald, Marxism and Revolution, 35.

35- Ibid., 27. Em “Que Fazer?”, Lenin faz referências explícitas à ideia de que os russos estão tentando, de sua própria forma, implantar o Programa Erfurt do SPD.

36- Lenin, “Que Fazer?”, 375.

37- Ibid., 384–85.

38- See Ibid., 383–84.

39- O que também é ignorado é o fato de que nenhum dos apoiadores de Lenin, nem mesmo os que romperam com ele em 1903, parecem ter descoberto essa profunda quebra. “A miserável falha de Axelrod em repudiar estes pontos elitistas publicamente em 1902 não é algo fácil de explicar,” escreve Abraham Ascher. Ele justifica a estranha afirmação com pura especulação: “Provavelmente, o motivo da falta de força na fala de Axelrod era seu medo de destruir a unidade” do grupo da Iskra. Ascher, Pavel Axelrod and the Development of Menshevism, 178–79.

40- Brian Pierce, 1903: Second Congress of the Russian Social Democratic Labor Party. Transcrito e anotado (London: New Park, 1978), 166.

41- Lenin, “What the friends of the people are and how they fight the social-democrats,” CW, Vol. 1, 298.

42- Ibid., 384.

43- Ibid., 386.

44- Lenin, WITBD, 422.

45- See ibid., 423.

46- Lenin, “On strikes,” CW, Vol. 4, 315.

47- Lenin, “The reorganization of the party,” 32.

48- Lenin, “Apropos of the Profession de Foi,” CW, Vol. 4, 289.

49- Lenin, One Step Forward, Two Steps Back, CW, Vol. 7, 258.

50- Citado em Jonathan Frankel, ed., Vladimir Akimov on the Dilemmas of Russian Marxism (London: Cambridge University Press, 1969), 47.

51- A crítica vem de A.S. Martynov, que viria a se tornar um menchevique. Ele cita uma famosa passagem de “From without” para mostrar que Lenin havia divergido da ortodoxia. Esta crítica, com a qual nenhum apoiador de Iskra concordou, se tornou a base da argumentação do elitismo em Lenin.

52- 1903: Second Congress of the Russian Social Democratic Labor Party, 162–63.

53- Lenin, WITBD, 446.

54- See Lih, Lenin Rediscovered, 346–53.

55- Lenin, “A talk with defenders of economism,” CW, Vol. 5, 313.

56- Ibid., 316.

57- Ibid.

58- Ibid., 317.

59- Lenin, “Another massacre,” CW, Vol. 5, 25.

60- Ibid., 25–26.

61- Lenin, “The tasks of the Russian social democrats,” 346.

62- Lenin, “An urgent question,” 223.

63- Lenin, “Urgent tasks of our movement,” 370.

64- “O movimento revolucionário da Rússia só pode triunfar enquanto movimento revolucionário dos trabalhadores. Não existe e não poderia existir nenhum outro caminho para nós.!” George Plekhanov, “Discurso no Congresso Internacional dos Trabalhadores Socialistas em Paris,” Julho 14-21, 1889, https://www.marxists.org/archive/plekhanov/1889/07/speech.html . Eu repito isto de forma concisa pois tanto Plekhanov quanto Pavel Axelrod eram ambivalentes em relação ao papel da burguesia na revolução, tanto que algumas de suas formulações foram fundamentais para a concepção Mencshevique de que, uma vez que a revolução Russa seria de caráter burgues, os trabalhadores deveriam restringir suas demandas para permanecerem próximos à esta classe. Plekhanov, por exemplo, em seus escritos Marxistas mais antigos, dizia que o Partido dos trabalhadores deveria fazer demandas democráticas para não “assustar ninguém com um remoto ‘espectro vermelho. ‘” Os liberais uniriam forças com os social-democratas, ele argumenta, uma vez que “eles não encontrariam garantias nas obras revolucionárias de que a derrubada do absolutismo seria sinal para a revolução social na Rússia.” Por isso, para Plekhanov, a hegemonia da classe trabalhadora só pode ser assegurada se esta fosse “madura”, suprimindo suas próprias necessidades para não assustar a burguesia.” Plekhanov, “Socialismo e a Luta política,” Selected Philosophical Writings (Moscow: Progress Publishers, 1974), 101.

65- Donald, Marxism and Revolution, 39.

66- Ibid., 298–99.

67- Ibid., 168.

68- Lenin, “Preface to the collection Twelve Years,” CW, Vol. 13, 101.

69- Ibid., 102.

70- Ibid., 104.

71- Ibid.

72- Ibid., 107.

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