28 de setembro de 2016

Hollywood tem um problema laboral

Milhares de cineastas querem fazer bons filmes, e milhões de espectadores querem assisti-los. O que está parando Hollywood?

Laura Durkay


New York, NY. Peter Cameron / Flickr

De discussões de salários iguais a #OscarsSoWhite, o ano passado trouxe o sexismo e o racismo de Hollywood à consciência dominante. Atualmente, a ACLU está investigando estúdios de Hollywood por discriminação de gênero na contratação, e várias atrizes e diretores de alto nível falaram sobre tudo, desde pagamento a contratação e sexismo no set.

O racismo e o sexismo desenfreados na indústria cinematográfica freqüentemente atingem mais os trabalhadores comuns. Como os trabalhadores de muitas indústrias, os cineastas têm cada vez mais dificuldade em encontrar e manter empregos estáveis ​​e sustentáveis. A tecnologia digital significa que é mais fácil fazer um filme agora do que em qualquer ponto da história da mídia. Mas é mais difícil do que nunca ganhar a vida na indústria cinematográfica.

Em Hollywood, como em muitos setores, a diferença salarial entre homens e mulheres persiste. Salário igual para atores que ganham milhões de dólares pode não parecer um problema muito relacionável para a maioria dos americanos. Mas a grande maioria das pessoas empregadas na indústria cinematográfica não é uma das estrelas da lista A - elas trabalham como artesãos tentando ganhar a vida em um campo altamente competitivo.

A crise financeira global, a consolidação contínua da mídia e a confiança dos estúdios em fazer menos filmes com orçamentos maiores, tudo isso pressionou os cineastas. Isso apenas amplificou as desigualdades existentes, tanto na tela quanto atrás da câmera.

Para piorar a situação, pode ser difícil encontrar trabalho, especialmente para trabalhadores que não são brancos nem masculinos. A diversidade na tela é frequentemente discutida em termos de seu efeito sobre o público do cinema: as ramificações psicológicas e sociais de ver - ou não ver - grupos de identidade específicos bem representados na tela. Mas para os cineastas, a representação é uma questão de emprego. Os atores não podem atuar em papéis que não existem.

O Centro para o Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema da Universidade Estadual de San Diego acompanha o emprego das mulheres na indústria cinematográfica, tanto na frente da câmera quanto atrás dela. O centro analisou os cem filmes de maior bilheteria de 2015 e descobriu que as mulheres representavam apenas um terço de todos os papéis de coadjuvante e apenas 22% dos protagonistas. E 2015 foi considerado um bom ano para as mulheres no cinema - em 2014, esse número era de apenas 12%.

A grande maioria dessas falas (76%) foi para mulheres brancas, com mulheres negras, latinas e asiáticas representando 13%, 4% e 3%, respectivamente – proporções que permaneceram basicamente inalteradas desde que o centro começou a acompanhar em 2002. As mulheres brancas também eram mais propensas do que as mulheres de cor a retratar um personagem principal em vez de um coadjuvante.

Essas estatísticas revelam um ciclo autoperpetuante de desigualdade de elenco. Menos papéis para mulheres significam menos chances de as atrizes se tornarem famosas – ou seja, se tornar o tipo de estrela de cinema que os estúdios consideram adequado para filmes de grande orçamento. Quando os executivos dos estúdios reclamam que não há estrelas femininas “bancáveis” suficientes para justificar mais papéis principais para as mulheres, eles estão reclamando de um problema de sua própria criação.

Os executivos dos estúdios gostam de justificar a falta de mulheres na tela argumentando que filmes com protagonistas femininas não são lucrativos. Os números das bilheterias dizem o contrário. Vários estudos de bilheteria mostraram que, depois de controlar o orçamento, filmes com protagonistas femininas e filmes com elencos racialmente diversos se saem melhor nas bilheterias, tanto nos Estados Unidos quanto no mundo.

Um estudo recente da plataforma de financiamento de filmes Slated também mostrou que filmes com uma mulher em uma posição criativa importante (roteirista, diretora, produtora ou atriz principal) geram um retorno médio mais alto sobre o investimento — em parte devido ao fato de filmes dirigidos por mulheres serem capazes de um bom desempenho apesar dos orçamentos mais baixos.

Então, mesmo pela lógica capitalista, um verão cheio de filmes protagonizados por caras brancos chamados Chris não faz muito sentido. No entanto, as listas de filmes de estúdio ainda são impulsionadas por uma vaga percepção do que é “comercializável”, em vez de qualquer análise séria de quem compõe o público dos filmes e o que eles querem ver.

As estratégias para mudar essa dinâmica não são óbvias.

A proposta mais comum é aumentar o número de mulheres em funções-chave de produção e suítes executivas de estúdio.

Os números atuais são sombrios. Entre os 250 filmes de maior bilheteria de 2015, as mulheres representavam apenas 9% dos roteiristas, 11% dos diretores e 6% dos diretores de fotografia. Nos cem melhores filmes de 2013 e 2014, as mulheres representavam apenas 2% dos diretores. (Em comparação, as forças armadas dos EUA – dificilmente um bastião do pensamento progressista – têm cerca de 15% de mulheres.)

Embora os dados sejam escassos, mulheres e homens parecem frequentar a escola de cinema em números aproximadamente iguais. Mas em um setor em que pode levar décadas para construir uma carreira de sucesso, as mulheres são empurradas para segmentos de baixa remuneração da força de trabalho, afastadas das funções criativas mais cobiçadas ou excluídas completamente.

A direção de filmes, em particular, não é uma habilidade, mas uma coleção de habilidades: a capacidade de executar uma visão artística, comunicar-se com atores, trabalhar com tecnologia complexa, liderar uma grande equipe de pessoas e tomar decisões sobre como milhões de dólares são gastos. Em todas essas frentes, as mulheres ainda são vistas como menos competentes. As diretoras enfrentam uma batalha árdua por empregos e financiamento para seus próprios filmes, o que significa que fazem menos filmes ao longo de suas carreiras e têm menos espaço para erros. Se um filme fracassar, pode levar anos até que eles façam outro.

O sexismo explícito está longe de ser raro e, em um ambiente em que a maioria dos trabalhadores são contratados independentes e as decisões de contratação são altamente subjetivas, o preconceito é desenfreado.

As condições de trabalho de um filme não ajudam. A renda é imprevisível. Jornadas de doze horas e semanas de seis dias são consideradas normais, e os benefícios existentes dependem da adesão a sindicatos ainda organizados segundo um modelo artesanal ultrapassado. Essas condições colocam uma pressão especial sobre as mulheres que criam os filhos ou assumem outras tarefas de reprodução social. Esta é uma das razões (mas não a única razão) pela qual as mulheres estão um pouco melhor representadas na produção e edição – trabalhos que podem ser feitos em home office e em um horário mais flexível.

As chances são boas de que seu filme de ação favorito foi dirigido por um homem, mas montado por uma mulher. Claro, qualquer cineasta sabe que a edição é um papel criativo, e um bom editor é tão importante para a qualidade do filme quanto um bom diretor. Mas o diretor ainda é percebido como o autor do filme, e o montador é visto como alguém que organiza e facilita sua (e geralmente é sua) visão artística.

Fora da indústria, as estratégias para combater o racismo e o sexismo de Hollywood são muitas vezes orientadas para a política do consumidor – apoiar filmes dirigidos por mulheres no fim de semana de estreia; boicotar filmes considerados problemáticos de alguma forma. Embora a compra de um ingresso de cinema possa ter algum efeito na carreira de um cineasta individual, no momento em que um filme chega ao cinema, as decisões de contratação e pagamento já foram tomadas. O ativismo do consumidor tem, na melhor das hipóteses, um impacto limitado nas tendências do setor.

Embora várias organizações do setor tenham oferecido suas próprias soluções – desde programas de diversidade de televisão e estúdio até expandir modestamente a adesão à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas – essas mudanças são uma gota no balde e têm pouco efeito sobre os cineastas em início de carreira.

Fora a expropriação das grandes empresas de mídia e a apropriação dos meios de produção cinematográfica – ideia à qual não me oponho – há uma série de reformas que poderiam funcionar perfeitamente bem dentro do capitalismo, se o poder social dentro e fora da indústria pudesse ser organizado para exigi-los.

Para citar alguns exemplos: Um sistema nacionalizado de financiamento das artes com ação afirmativa para grupos sub-representados. Um pequeno imposto sobre filmes acima de um determinado orçamento que vai para um fundo de produção para filmes de e sobre mulheres e pessoas de cor. Revisar e reestruturar os sindicatos do cinema de um modelo de artesanato excludente para uma estratégia de organização industrial, orientada para as bases, com ênfase na igualdade no local de trabalho. Encontrar maneiras de reduzir o custo exorbitante atual de exibir um filme nos cinemas, permitindo que mais filmes não financiados por megacorporações cheguem ao cinema.

Atualmente, não existe uma força social organizada capaz de pressionar a indústria cinematográfica ou o Estado para que essas coisas aconteçam. A organização de artistas nos Estados Unidos tende a coincidir com períodos de luta social generalizada, quando amplas camadas de pessoas veem o poder coletivo como uma estratégia vencedora.

Embora não possamos convocar uma onda de agitação social sob comando, sabemos que a luta de massas tende a gerar fermento artístico e trazer novas vozes à tona. Isso só pode ser uma coisa boa em nossa paisagem cultural atual. Temos tantas histórias para contar.

Sobre a autora

Laura Durkay

Uma sociedade civilizada requer pacote básico de serviços essenciais

Marta Arretche

Folha de S.Paulo

Em 1950, T. H. Marshall, um dos mais influentes sociólogos britânicos, estabeleceu um critério para julgar uma sociedade civilizada, em "Citizenship and Social Class", que foi posteriormente partilhado por intelectuais tão influentes quanto Amartya Sen, Joseph Stiglitz e John Rawls.

Uma sociedade civilizada requer que nenhum de seus membros esteja privado de segurança e um pacote básico de serviços essenciais.

Para Marshall, desigualdades de renda seriam menos cruciais do que o desigual acesso a serviços. Se este estivesse garantido como um direito, os indivíduos poderiam ter uma vida decente independentemente de sua renda, e até mesmo sob elevado desemprego.

Mais que isso, o acesso a serviços públicos teria impacto sobre a renda real, pois dois indivíduos com a mesma renda nominal têm capacidade de consumo muito distinta, a depender de quanto devam pagar por educação e saúde, por exemplo.

Hoje sabemos que o peso destes itens no orçamento das famílias tende a diminuir à medida que aumenta a renda domiciliar.

Quanto menor a renda, maior tende a ser o impacto dos serviços públicos sobre a renda disponível para gastos com consumo privado. Logo, a desigualdade de renda real é diretamente afetada pela presença (ou não) de serviços públicos.

O impacto dos serviços não se esgota aí. Afeta até mesmo a capacidade dos indivíduos obterem renda.

Em "How to Achieve Gender Equality" (2015), Claudia Goldin, da Universidade Harvard, demonstrou que indivíduos que não têm flexibilidade para a jornada de trabalho são mais do que proporcionalmente penalizados no mercado de trabalho. Pelas mesmas horas trabalhadas, ganham muito menos do que seus pares, igualmente escolarizados. As diferenças salariais entre homens e mulheres seriam em boa parte explicadas pelos compromissos domésticos das últimas.

De fato, em 2010 (dados do Censo), na cidade de São Paulo, ter seus filhos matriculados em uma creche ou pré-escola aumentava em 15 pontos percentuais a probabilidade de que mulheres pobres (com renda de 0,25 a 1 salário mínimo per capita), com idade entre 17 e 45 anos e que moravam com seus filhos e maridos, participassem do mercado de trabalho.

Em termos mais simples, para as mulheres, buscar um emprego depende de contar com um lugar para deixar seus filhos.

O (des)caminho para uma sociedade civilizada não está inscrito nas estrelas. Muito menos se resolve no prazo de um mandato. Menos ainda exclui fazer escolhas em torno de prioridades. Resulta de sucessivas escolhas em que o eleitorado elege quem será responsável pela provisão de serviços públicos.

No Brasil, são prefeitos e vereadores que tomam decisões que afetam a qualidade de nosso cotidiano. Creches, buracos nas ruas, iluminação pública, serviços de saúde básica, educação fundamental, tempo de deslocamento para o trabalho, oportunidades de lazer estão a cargo das prefeituras.

Não é só 2018 que está em jogo nas eleições deste domingo.

Sobre a autora

Professora do Departamento de Ciência Política da USP, cursou doutorado na área no MIT (Massachussets Institute of Technology). Diretora do Centro de Estudos da Metrópole, também da USP, é especializada em estudos sobre desigualdade social.

21 de setembro de 2016

Eleição terá efeito sobre popularidade do presidente e de governadores

Eleição terá efeito sobre popularidade do presidente e de governadores

Marta Arretche

Folha de S.Paulo

Manifestantes no protesto O Grito dos Excluidos contra  o governo Temer em Brasilia. (Foto: Iano Machado/UOL).

Por paradoxal que possa parecer, a popularidade do presidente da República e dos governadores poderá ser afetada pelas escolhas dos eleitores nestas próximas eleições. Não me refiro à influência dos primeiros sobre o resultado eleitoral, que é objeto de muita controvérsia.

Refiro-me ao impacto do desempenho dos futuros prefeitos sobre a aprovação dos atuais governadores e do presidente.

Os fatos são arquiconhecidos, mas peço licença para tornar a eles. Em março de 2013, prefeitos recém-empossados enfrentaram protestos detonados pelo aumento da tarifa de ônibus.

Em várias capitais, estes protestos converteram-se nas maiores manifestações de rua desde o impeachment de Collor, detonadas pela violência da repressão das polícias estaduais.

A estratégia dos prefeitos é velha conhecida dos manuais de ciência política: impor perdas na lua de mel de início de governo, diluir os ressentimentos ao longo do mandato, deixando os benefícios para seu final.

Não deu certo. O eleitor resolveu discutir a relação já no primeiro semestre. O litígio arrastou todos os governantes.

Em março de 2013, o Datafolha registrava que a presidente Dilma contava com 65% de ótimo/bom. Despencou para 30% em junho. Pela mesma fonte, o governador Alckmin caiu de 52% de ótimo/bom em junho para 38% em julho.

Se o objeto do conflito era basicamente local, por que as jornadas de junho afetaram tão brutalmente as taxas de aprovação da presidente? Afinal, a União não tem autoridade para decidir sobre as tarifas de transporte, nem tem comando sobre as polícias militares.

O fato é que o eleitor não parece distinguir "quem faz o quê". Estudos sobre o comportamento político de massa nos EUA e Canadá revelam o mesmo fenômeno, que não parece estar ligado à ignorância do eleitor.

Em vez disso, indicam uma percepção difusa do real funcionamento das federações modernas. Não funcionam como bolos de camadas (layer-cake federalism), nos quais as funções de cada nível de governo estão claramente definidas, de modo que o eleitor possa fazer claramente atribuições de responsabilidade.

A gestão das políticas opera como bolos de mármore (marble-cake federalism), marcada pelo imbricamento. No nosso caso, o governo municipal oferece serviços de saúde, mas o hospital tende a ser construído com recursos federais e pode ser gerido pelo governo estadual.

As escolas podem ser municipais, mas depender de recursos estaduais e federais. A oferta do livro da escola estadual ou municipal é administrada pelo governo federal.

Frustrado em suas expectativas, o eleitor dirige sua insatisfação para todos os níveis de governo. Em um mecanismo mental de encurtamento da informação, dirige sua ira para o governante com maior visibilidade.

Não sabemos quanto tempo durará a lua de mel do eleitor com os novos prefeitos. Mas ela pode ser encurtada se tornar as cidades brasileiras mais habitáveis não estiver incluída no rol de reformas urgentes.

Sobre a autora

Professora do Departamento de Ciência Política da USP, cursou doutorado na área no MIT (Massachussets Institute of Technology). Diretora do Centro de Estudos da Metrópole, também da USP, é especializada em estudos sobre desigualdade social.

18 de setembro de 2016

O ajuste fiscal e a vontade de quebrar o mastro civilizacional

Autor, que participou de Seminário Ilustríssima-FGV Direito (8/9), advoga contra a proposta do governo Temer de alterar garantias constitucionais de financiamento para a educação e a saúde. A Constituição seria vista como um entrave pelos reformadores, não como um conjunto de limites necessário às suas decisões.

Salomão Barros Ximenes

Folha de S.Paulo

É na crise que o reconhecimento formal dos direitos fundamentais assume seu integral sentido, seu propósito constitucional. Porém, não é incomum, nem exclusivo da periferia mundial, a quebra de pactos básicos de convivência em tais contextos.

Os Estados Unidos, por exemplo, sucumbiram. O país ícone do liberalismo político respondeu aos ataques terroristas com massiva violação da privacidade de seus cidadãos, tortura como procedimento padrão de investigação e prisões em áreas de exclusão jurisdicional. Difícil imaginar qual valor "fundante", qual direito fundamental não foi radicalmente subvertido em nome de um único discurso dominante. Tudo em prol de uma racionalidade imediata, utilitarista, a provocar fraturas de difícil reparação.

Há um paralelo com a situação brasileira. Estamos por aqui à beira de também enveredar rumo à descaracterização dos direitos que nos definem como sociedade política, com três agravantes.

Primeiro porque no Brasil, distintamente, o foco são os direitos sociais, especificamente as garantias constitucionais desses direitos: seu financiamento. O pacto social de 1988 é característico do Estado Social. A ideia é tão simples quanto significativa: assegurar o progresso social e econômico das classes populares ao mesmo tempo em que se preserva o sistema capitalista de mercado.

Com tais pressupostos, o pacto básico não estaria imune aos conflitos distributivos. Assim, em tempo de expansão, todos ganham, em tempos de retração, todos perdem, ainda que perdas e ganhos sejam assimetricamente distribuídos. Como condição de integração, há direitos sociais básicos que devem ser preservados em quaisquer dos cenários.

O novo regime fiscal significaria uma moratória sobre esse pacto fundante. A PEC 241, que avança rapidamente no Congresso sob o patrocínio de Michel Temer e do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, determina a estagnação das despesas primárias do Orçamento Federal por nada menos que 20 anos (excluídas despesas financeiras e repasses obrigatórios aos entes federados). Retira, assim, dos próximos cinco presidentes seu principal instrumento, o orçamento público –e suspende as chamadas vinculações constitucionais para a educação e a saúde.

Ainda que a PEC não proíba remanejamentos internos ao orçamento estagnado, na prática, põe esses direitos difusos no mesmo ringue de pesos-pesados como o Judiciário, o Legislativo e os militares, para ficar nesses exemplos.

Não é difícil presumir quem ganhará a luta por recursos escassos. Em pé de igualdade jurídica, sem a proteção das vinculações constitucionais, estudantes, professores, profissionais de saúde e doentes perderão feio a briga contra juízes, promotores, deputados e quadros das Forças Armadas. Até as projeções otimistas, baseadas na manutenção do patamar atual de gasto, anunciam o desastre.

Não é inédita nossa iminente tragédia, sabemos bem o quanto custa retomar um pacto constitucional aceitável aos diversos campos sociais com interesses distintos e comumente contraditórios. A segunda agravante, portanto, é que, diferentemente da estabilidade constitucional estadunidense, novamente estamos a um passo de mais uma descaracterização constitucional, em curtíssimo espaço de tempo.

A história das vinculações constitucionais de recursos para a educação é intimamente ligada a avanços democráticos. Surgiu na Constituição de 1934 por influência direta daquele que é o mais rico, plural e influente movimento em defesa da educação de nossa história, a Escola Nova de Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Cecília Meireles, dentre tantos.

O propósito era assegurar recursos em fluxo contínuo à educação, dados o atraso educacional brasileiro e a natureza das políticas públicas nesse campo, que requerem continuidade ao longo de gerações para produção de resultados duradouros. Em 1937, a constituição autoritária outorgada por Getúlio Vargas eliminou tal vinculação. Com a redemocratização, o propósito escolanovista retorna ao patamar temporariamente perdido na Constituição de 1946.

O ciclo se repete em 1967, quando a ditadura cívico-militar impõe nova exclusão. Em 1983, a chamada Emenda Calmon é uma aclamada marca de redemocratização, ao reestabelecer na constituição a vinculação para o ensino no Orçamento Federal. O patamar é elevado a 18% da receita líquida de impostos (algo em torno de 4% do Orçamento total da União nos últimos anos), estágio em que se encontra atualmente.

A história diz que assegurar recursos mínimos para a educação na constituição é conquista democrática. A proposta de Temer, ao contrário, quer fechar um novo ciclo, colocando-o ao lado dos autoritários do passado. Nesse ponto articula-se a terceira agravante.

Há fundadas dúvidas quanto ao grau de legitimidade política do governo que impulsiona essa radical revisão. Ainda que não se considere a polêmica caracterização do processo que o levou ao poder, é certo que a agenda Temer inova em matéria que compõe o próprio cerne da disputa eleitoral e do voto, a concepção de Estado e de políticas públicas.

Mas isso não é um problema para o governo e seus apoiadores. Sob o enfoque governista, a ausência de referendo eleitoral é, na crua realidade, uma oportunidade sem igual de atacar o problema do crescimento e da crise fiscal com base nos pressupostos dos economistas afins, sem necessidade de discutir e projetar alternativas. Desvinculados de qualquer constrangimento eleitoral, o governo e seus apoiadores estariam livres para adotar as medidas amargas. Sequer seriam medidas impopulares; mais correto chamá-las apopulares.

Assim, o sucesso dessa iniciativa do constitucionalista Temer ironicamente depende de sua capacidade de neutralizar o direito. Não o direito vulgar dos códigos e portarias, que está em toda parte, mas o direito constitucional. Não qualquer direito constitucional, mas sua versão mais nobre, composta pelos limites materiais e procedimentais que se vinculam aos direitos e garantias fundamentais.

Tratam-se de cláusulas rígidas, que não podem ser alteradas em favor de uma menor proteção e sobre as quais não pode se omitir o Estado. Há aí o que o jurista italiano Luigi Ferrajoli caracteriza como uma "esfera do indecidível".


Fascínio
O filósofo norueguês Jon Elster recorre a uma conhecida passagem da literatura clássica para explicar o significado da rigidez constitucional no campo dos direitos fundamentais. O herói Ulisses, da "Odisseia", determina voluntariamente que o amarrem ao mastro da embarcação e tapem os ouvidos com cera para que não sucumba ao mortal canto de duas sereias, cujo fascínio é imediato. "Se eu insistir convosco para que me solteis, apertai-me, então, com laços mais numerosos" (livro 12).

A constitucionalização dos direitos fundamentais, sejam civis, políticos ou sociais, visa protegê-los em caráter permanente. É esperado que contrafluxos políticos e econômicos tencionem tal permanência. É justamente nesses momentos que o direito constitucional é posto à prova. É da natureza das metas de longo prazo, principalmente em contextos de crise, serem confrontadas por maiorias políticas ávidas por ganhos imediatos e entorpecidas pelo medo da perda de vantagens e privilégios. Produz-se assim uma hegemonia míope que, desgarrada dos pactos de longo prazo, deixa de perceber o sentido do direito e da constituição.

Neutralizar o direito também passa por suspender as alternativas de reformas econômicas que, diferentes do novo regime proposto na PEC 241, estariam em conformidade com os objetivos declarados da Constituição. A questão que se coloca é saber por que, sendo controverso o debate técnico-científico sobre as melhores soluções econômicas e sendo evidentes aquelas que de cara vão na contramão do direito constitucional, opta-se por estas, com radicalidade e sem qualquer consideração sobre a tragédia social e econômica de longo prazo que anunciam.

Chega a ser medíocre a proposta de um limite global e de cortes orçamentários horizontais. Por que só os gastos primários, excluídas as despesas financeiras com endividamento e operações cambiais? Por que não uma reforma tributária de caráter distributivo que corrija distorções, tributando razoavelmente renda e propriedade e minimizando a tributação do consumo de massas? Por que tratar como se fossem iguais carreiras notoriamente privilegiadas e servidores com baixo salário relativo? Por que não se elevar o investimento em educação como forma de sair da crise e criar bases para o desenvolvimento em uma economia complexa?

Não há debate sobre alternativas porque a Constituição é vista como um entrave pelos reformadores, não como um conjunto de limites necessários às suas decisões. Assim, antes mesmo de reformada, já aparenta descartada. Resta saber qual a capacidade de resistência do Legislativo e dos órgãos jurisdicionais de controle cuja tarefa é preservar o propósito constitucional. Estarão eles alienados de suas funções e entorpecidos sob o canto das sereias ou amarrados ao mastro do projeto de civilização que é o Estado Social?

Sobre o autor


Salomão Barros Ximenes, 37, é professor de políticas públicas da Universidade Federal do ABC.

7 de setembro de 2016

O levante dos “inorganizáveis”

Greves espontâneas nos setores informais estão desafiando os pressupostos sindicais sobre onde e quem organizar.

por Tomasz Frymorgen


Folhetos em Londres, Inglaterra, incentivando um boicote ao Deliveroo e exigindo um salário mínimo. Russell Davies / Flickr

Tradução / No dia 11 de agosto, rodeado por 150 motoristas grevistas do Deliveroo, um militante sindical leu uma lista de concessões arrancadas pelos entregadores britânicos, todos organizados com o sindicato dos Trabalhadores Independentes da Grã-Bretanha (IWGB).

Os trabalhadores de entregas conquistaram um aumento de 28%; os trabalhadores da CitySprint arrancaram 17% – seu primeiro aumento em 10 anos. Na Mach1, os motociclistas conquistaram maiores salários, uniformes pagos pela companhia e o fim da cobrança de taxas pelo aluguel de equipamentos.

Apenas algumas semanas antes, os trabalhadores da limpeza haviam encerrado a maior greve da história de Londres – 61 dias – após assegurar o salário mínimo londrino (atualmente £9.40 por hora), organizado sob o Vozes Unidas do Mundo (UVW). Em fevereiro deste ano, o UVW conquistou licença remunerada para o caso de doenças ocupacionais para os trabalhadores de contratos intermitentes em segurança e limpeza, em uma campanha pública massiva em oposição à empresa Sotheby’s.

Inspirados pela conclusão vitoriosa da greve do Deliveroo, motoristas do Uber Eats anunciaram que entrariam em greve espontânea até que a companhia concordasse em pagar-lhes o salário mínimo londrino.

Você seria perdoado por pensar que o movimento operário do Reino Unido está finalmente acordando. Desde a formação do Ramo da Limpeza dos Trabalhadores Industriais do Mundo (IWW) em 2011, histórias como essas têm se tornado cada vez mais frequentes e bem-sucedidas. Campanhas militantes, conduzidas pelos próprios trabalhadores, têm se batido contra redes de varejo, centros culturais, instituições educacionais e serviços de entrega, organizando milhares de empregadores precarizados.

Ainda assim, em 2015, apenas 81 mil trabalhadores participaram em greve, e apenas 170 mil dias foram perdidos pelo capital pela iniciativa operária. Esses dados representam o menor número de greves e a segunda menor perda de produtividade desde o começo dos registros, em 1893. O ano passado marcou também o menor nível de sindicalização desde 1995, apenas 24.7%.

Os dissídios dos trabalhadores da limpeza e da entrega representam, portanto, um caso raro de militância operária, não um reviver mais amplo do movimento. Isso, por si próprio, já os tornaria interessantes. Mas por essas ações virem de setores não-tradicionais da classe trabalhadora – sob contrato de trabalho intermitente – que têm sido tradicionalmente considerados inorganizáveis e negligenciados pelos grandes sindicatos, a esquerda deveria prestar atenção para o que eles podem nos ensinar.

Será que eles são realmente inorganizáveis?

Essas campanhas contradizem uma crença de longa data sobre a organização dos trabalhadores precarizados ou intermitentes. Sua frequência e alcance – com crescimento contínuo – e o grande comparecimento às decisões de deflagração das greves indicam uma forte participação proletária.

E, a despeito disso, a maioria dos sindicatos confia em um contraproducente conjunto de critérios organizativos que invisibilizam esses trabalhadores. Os sindicatos do Congresso de Sindicatos (TUC) frequentemente evita os trabalhadores intermitentes por uma série de razões: alguns por falta de habilidade, experiência ou recursas para organizar tais setores. Outros realizaram análises de custo-benefício que indicam que tais campanhas não valem seu tempo. Alguns acreditam até mesmo que trabalhadores intermitentes não contam como trabalhadores de verdade e, por conseguinte, não se enquadram em seu escopo.

Nas raízes da inércia da maior parte dos sindicatos repousa um entendimento estritamente legalista dos trabalhadores, dos direitos dos empregados e da relação empregado-empregador, com os contratos coletivos de trabalho como o ponto central de referência. Trabalhadores intermitentes fogem amplamente a este enquadramento e são, consequentemente, descartados como inorganizáveis. Como resultado, o setor informal tem se tornado esmagadoramente alheio à organização sindical tradicional e sofre sob as piores condições do mercado de trabalho.

Como os grupos do TUC desenvolveram essa dependência legalista é uma longa história. [1] O que importa aqui é que os empregadores aderem a esses mesmos critérios e as batalhas entre patrões e trabalhadores se desenrolam sobre esse terreno.

Nos últimos anos o capital assumiu a ofensiva contra esses trabalhadores. No setor formal as companhias têm se esforçado para reduzir os custos dos processuais trabalhistas e restringir o exercício do direito de greve.

Elas têm também evitado completamente o enquadramento unitário das categorias através da criação de mais postos de trabalho casuais (intermitentes). Esses empregos – que se valem de agências intermediadoras ou terceirizadas para contratar trabalhadores, ou da classificação de alguns trabalhadores como “autônomos” prestadores de serviço, ou baseados em contratos “zero-hora” – arrancar aos seus ocupantes muitas das proteções gozadas por empregados tradicionais, enquanto mantém as condições de trabalho práticas de qualquer relação empregador-empregado.

As práticas empregatícias do Deliveroo demonstram perfeitamente isso. Denominando seus entregadores de “prestadores de serviço independentes” a companhia não é obrigada legalmente a assegurar licença médica, descanso remunerado, recolhimento previdenciário ou mesmo o salário mínimo. Mas esses chamados prestadores de serviços trabalham sob as mesmas obrigações que os empregadores regulares. Ainda mais revoltante é o fato de que eles não podem trabalhar para qualquer outro serviço de entregas, ainda que o Deliveroo se recuse a pagar-lhes um salário mínimo.

Esse modelo de trabalho precários se utiliza das brechas legais da regulação das relações trabalhistas. Os trabalhadores se vêm sob restrições ainda maiores, ao mesmo tempo em que assumem parte dos riscos e custos. Isso tem permitido às companhias extrair lucros maiores com menos investimentos.

Não por coincidência, a tentativa do Deliveroo de substituir o valor pago por hora com um esquema de pagamento por entrega veio à tona apenas algumas semanas após a companhia receber £212 milhões em investimentos e se preparava para encarar seu novo competidor, o Uber Eats. A companhia teve de intensificar sua lucratividade em resposta tanto aos investidores quanto às pressões do mercado.

A externalização dos riscos e custos para os trabalhadores, promovida pelo Deliveroo, reflete não apenas uma mudança de protocolos no padrão de lucratividade, mas também a habilidade do capital para explorar as fragilidades no ordenamento jurídico trabalhista.

Greves sob demanda

Embora a criatividade jurídica permita aos empresários eliminar onerosas obrigações patronais, ela tem um efeito colateral potencialmente custoso: o antagonismo de classes passa a ter como palco um âmbito exterior ao do sistema de arbitramento estatal há muito utilizado para assegurar a pacificação no mundo do trabalho.

“O ordenamento legal opera contra os trabalhadores”, afirma Chris, um organizador da IWW. “É feito sob medida para os gestores, mas também é voltado para a conciliação. Se você rejeita essa estrutura, então você pode atuar de um modo que seja realmente efetivo”.

Com os caminhos legais ou formalmente fechados ou financeiramente inviáveis, os trabalhadores [juridicamente] casuais são forçados a explorar métodos alternativos para melhorar suas condições de trabalho. Tudo o que é preciso é um momento crítico, e – especialmente sob a austeridade britânica – esses momentos surgem facilmente.

Conforme as companhias encontram novos modos de extrair mais-valia, novas fronteiras de conflito classista se abrem. O capital supera limitações prévias, reduzindo custos e riscos de modo mais ou menos legal. A resposta legal apropriada a essa erosão de direitos é proscrita pelas leis trabalhistas existentes e o sistema de arbitramento estatal que limita a atividade sindical. Mas, para além dessas fronteiras, muito é possível.

As greves espontâneas do Deliveroo e do Uber Eats rapidamente paralisaram a oferta de trabalho – um movimento devastador para um negócio essencialmente sob demanda imediata. Em contraste, uma greve legal leva semanas para ser organizada, dando às companhias tempo suficiente para fazer planos de contingencia. Os entregadores do Deliveroo demoraram apenas algumas horas para organizar sua primeira paralização.

De modo similar, os motoristas da companhia rapidamente se reuniram em piquetes ao redor do escritório de recrutamento do Deliveroo quando perceberam que a companhia estava tentando contratar fura-greves. Em um contexto sindical tradicional esse tipo de ação teria que ser previamente aprovada por diversas camadas de burocratas sindicais legalmente sensíveis.

A atual onda de greves lança luz sobre como o capitalismo contemporâneo, com sua velocidade e flexibilidade, demanda igualmente um movimento operário versátil e que responsa rapidamente. Quando o capital põe de lado as proteções trabalhistas, o espaço para tal ação é aberto junto.

O resto da classe

Independentemente do quão revigorantes essas campanhas recentes tenham sido, elas apenas envolvem alguns milhares de trabalhadores em um setor informal de milhões, no interior da força de trabalho britânica dez vezes maior.

Kim Moody recentemente alertou contra os perigos de se fetichizar a economiagig e desafiou a crença amplamente difundida de que contingentes cada vez maiores de trabalhadores estão se deslocando para empregos precários. Ele argumenta que focar em um precariado, cindido do conjunto da classe, obscurece os problemas fundamentais compartilhados por toda a classe trabalhador: notadamente os péssimos empregos que resultam a intensificação do trabalho.

Como Ursula Huws aponta, a precariedade não divide a classe trabalhadora:

“A precariedade”, ela escreve “é a condição normal de todo o trabalho sob o capitalismo – limitada apenas por fortes organizações de trabalhadores sob circunstâncias favoráveis”.

Seguindo a sua análise e da Moody, a precariedade se torna uma ideia útil que revela os padrões comuns unindo o setor formal e o informa da força de trabalho.

Huws alega que as companhias estão instituindo um “novo modelo de gestão do trabalho” em ambos setores. Tarefas de rotina, como agendar viagens, preenches relatórios de gastos e assim por diante são afazeres agora dispersados entre os empregados das empresas, e não mais concentradas em departamentos dedicados exclusivamente a essas funções. Isso constantemente desloca pequenas quantidades de trabalho para os empregados, criando uma “carga cyber-burocrática de ‘trabalho de consumo’ não pago, requerido à sobrevivência cotidiana”.

As companhias crescentemente auditam e monitoram os resultados de seus empregados nesse terreno. Os trabalhadores são julgados com base em normas cada dia mais exigentes, por conta da competição entre os próprios trabalhadores. A futura empregabilidade frente a uma mesma firma se torna dependente nos relatórios das performances mais recentes do trabalhador. Subsequentemente, “a vida dentro das corporações se torna cada vez estreitamente assemelhada à vida fora”, conquanto custos e riscos são descarregados também sob os trabalhadores do setor formal.

Isso também é verdade para os trabalhadores “de colarinho azul”. Por exemplo, trabalhadores sob contratos de poucas horas (abaixo de 10 horas por semana) podem não ser contabilizados como trabalhadores intermitentes por questões jurídicas, como o direito ao pagamento por tempo e outros benefícios. Não obstante, eles passam por problemas semelhantes. Muitos trabalhadores sob contratos de tais tipos prefeririam um contrato de tempo integral. Na falta de garantias, esses contatos acabam parecendo em muito os contatos “zero hora”, conforme os trabalhadores aumentam sua produtividade ou trabalham mais horas de graça, de modo a “ganhar” turnos extras.

Pensando deste modo na precariedade, se torna claro que o setor formal está adotando esquemas de extração de mais-valia comuns ao setor informal. Conforme isso ocorre, novas fronteiras de conflitos de classe se abrirão, pondo em questão a utilidade dos métodos sindicais do TUC.

Moody clama por uma reorientação do foco dos socialistas sob os vastos e novos polos logísticos no coração da economia global, bem como faz Joe Allen. Esses são os pontos de pressão do capitalismo contemporâneo, dependente de um exército de trabalhadores sub-remunerados que os façam funcionar. Aqui poderia haver um enorme potencial para a organização proletária e a reversão do declínio sindical, naquilo que Moody chama de “o novo terreno do conflito de classes”.

Mas o movimento sindical apenas ganhará esse novo terreno se lutar com novos métodos.

Um novo movimento sindical

Para que os trabalhadores respondem de modo eficaz ao aumento da precarização, são obrigados a seguir o capital para além dos limites legais das relações de classe. As atuais campanhas dos trabalhadores intermitentes servem de laboratório para novas formas de antagonismo de classes para além do arbitramento estatal. Onde quer que haja menos proteção legal, encontramos o maior potencial para conflitos de classe inovadores.

Dados os sucessos recentes das ações extralegais – e a estagnação continuada dos sindicatos tradicionais – os trabalhadores podem vir a crescentemente ver mais apelo no terreno não-familiar, mais efetivo que o familiar.

Os novos centros logísticos massivamente se apoiam sobre trabalhadores intermitentes “fornecidos” por empresas de empregos temporários. Não bastará aos sindicatos mirar nessas categorias com métodos antiquados. Ao invés disso, deveriam aplicar as lições aprendidas das lutas recentes dos trabalhadores intermitentes a essa nova iniciativa organizativa.

Alguns esforços se encaminham para lidar com tais desafios, mas eles precisarão ser replicados em uma escala muito maior antes de podermos vislumbrar resultados. O alastramento de greves espontâneas entre os trabalhadores britânicos indica que isso é possível.

As campanhas dos entregadores e trabalhadores da limpeza estão publicamente redefinindo o conceito de organização operária no Reino Unido. Os resultados dos caóticos e calorosos conflitos nas ruas repetidamente comprovam ser preferíveis à invisibilidade dos acordos judiciais “racionais”. A grande ironia é que, graças à organização independente, esses chamados trabalhadores precários estão gozando de uma crescente segurança em seus locais de trabalho, enquanto muitos trabalhadores sindicalizados vislumbram a erosão de suas condições de trabalho e o desaparecimento de sua segurança.

O movimento sindical faria bem em decifrar esse paradoxo e pôr suas lições em prática.

1 de setembro de 2016

A crise do Antropoceno

John Bellamy Foster

Monthly Review

E é por nos mantermos na obscuridade sobre a natureza
da sociedade humana – entendida como oposta à natureza em geral –
que agora nos deparamos (assim me asseguram os cientistas implicados)
com a possível destruição completa deste planeta,
mal ele se converteu no lugar em que vivemos. 
Bertolt Brecht[1]

 

September 2016 (Volume 68, Number 4)


Tradução / O Antropoceno, visto como uma nova Era geológica que substituiu o Era Holocena nos últimos 10 a 12 mil anos, representa o que tem sido chamado uma "brecha antropogênica"[2] na história do planeta. Introduzido formalmente no debate científico e ambiental contemporâneo pelo climatologista Paul Crutzen em 2000, ele surge da noção segundo a qual os seres humanos tornaram-se a força emergente primária a afetar o futuro do sistema Terra. Embora normalmente identificado com as origens da Revolução Industrial, no final do século XVIII, é provável que o Antropoceno tenha eclodido no final dos anos 1940 ou 50. Evidências científicas recentes sugerem que o período a partir de 1950 mostra um grande pico e marca a Grande Aceleração nos impactos humanos sobre o ambiente, e que os traços mais dramáticos da brecha antropogênica são encontrados na chuva de radionuclídeos desencadeada pelos testes com armas nucleares[3].

Proposto desta forma, o Antropoceno pode ser visto como correspondente, grosso modo, à emergência do movimento ambientalista moderno, cujas origens estão nos protestos liderados por cientistas contra os testes nucleares sobre a superfície, após a II Guerra Mundial – e que emergiu como um movimento mais amplo em seguida à publicação de Primavera Silenciosa [Silent Spring], de Rachel Carson, em 1962. O livro de Carson foi logo seguido, nos anos 1960, pelos primeiros alertas, de cientistas soviéticos e norte-americanos, sobre um aquecimento global acelerado e irreversível[4]. É esta inter-relação dialética entre a aceleração ao Antropoceno e o avanço de um imperativo ambientalista radical, em resposta, que constitui o tema central do maravilhoso livro novo de Ian Angus. Sua capacidade de oferecer perspectivas sobre o Antropoceno como um novo patamar de interação entre sociedade e natureza, produzido por uma mudança histórica; e sobre como os novos imperativos ecológicos tornaram-se uma questão central diante de nós no século XXI são o que faz Facing the Anthropocene [Diante do Antropoceno, em tradução provisória] tão indispensável.

Hoje parece provável que o Antropoceno será associado em particular, na ciência, à era pós-II Guera Mundial. Apesar disso, como em todas os grandes pontos de virada da História, houve sinais de picos menores, em etapas anteriores do percurso, a partir da Revolução Industrial. Isso reflete o que o filósofo marxista István Mészáros chama de “dialética da continuidade e descontinuidade”, que caracteriza todos os processos emergentes na história 5. Embora o conceito de Antropoceno tenha emergido completamente apenas com a concepção científica moderna de sistema Terra, e que suas bases físicas sejam cada vez mais identificadas com a Grande Aceleração após a II Guerra Mundial, esta era foi prefigurada por noções anteriores, que surgiram de pensadores cujo foco estava nas mudanças dramáticas provocadas, na interface entre seres humanos e natureza, a partir do capitalismo – entre elas, a Revolução Industrial, a colonização do mundo e a era dos combustíveis fósseis.

“A natureza, a natureza que precedeu a história humana”, destacaram Karl Marx e Frederik Engels já em 1845, “não existe mais (exceto talvez em algumas ilhas de coral de origem recente)”6. Visões similares foram apresentadas por George Perkins Marsh, em Man and Nature, de 1864, dois anos antes de que Ernst Haeckel cunhasse a palavra ecologia, e três anos antes de Marx publicar o primeiro volume de O Capital, com sua advertência sobre o abismo metabólico na relação entre humanidade e natureza[7].

Foi apenas no último quarto do século XIX e no início do XX, porém, que apareceu o conceito chave da biosfera, a partir do qual nossa noção moderna de sistema Terra iria se desenvolver. O marco mais notável é a publicação de A Biosfera, do geoquímico soviético Vladimir I Vernadsky, em 1926. “Vernadsky desmantelou, de maneira notável, a fronteira rígida entre organismos vivos e um ambiente não vivo, descrevendo a globalidade da vida bem antes que o primeiro satélite enviasse fotografias da Terra a partir de sua órbita”, escrevem Lynn Margulis e Dorian Sagan em What is Life[8].

A aparição do livro de Vernadsky coincidiu com a primeira introdução do termo Antropoceno (junto com Antropogene), por seu colega, o geólogo soviético Aleksei Pavlov, que costumava se referir a um novo período geológico no qual a humanidade seria a principal condutora da mudança geológica planetárias. Como Vernadsky observou em 1945, "A partir da noção do papel geológico do ser humano, o geólogo A.P. Pavlov (1854-1929) costumava falar, nos últimos anos de sua vida, da era antropogênica, na qual vivemos agora. (...) Ele enfatizou com razão que o ser humano, sob nossos próprios olhos, está se tornando uma força geológica poderosa e crescente. (...) No século XX, o ser humano conheceu e abarcou toda a biosfera, pela primeira vez na história da Terra, completou o mapa geográfico do planeta e colonizou toda a sua superfície"[9].

Simultaneamente ao trabalho de Vernadsky sobre a biosfera, o bioquímico soviético Alexander Oparim e o biólogo social britânico J.B.S Hadane desenvolveram independentemente, nos anos 1920, a teoria da origem da vida, conhecida como a “teoria da sopa primitiva”. Conforme sintetizado pelos biólogos Richard Levins e Richard Lewontin, da Universidade de Harvard, “a vida emergiu originalmente de matéria inanimada [o que Haldane descreveu, de mondo notório, como uma “sopa quente diluída”], mas esta origem tornou impossível sua ocorrência contínua, porque os organismos vivos consomem as moléculas orgânicas complexa necessárias para recriar a vida de novo. Além disso, a atmosfera rarefeita (desprovida de oxigênio livre) que existia antes do início da vida foi convertida, pelos próprios organismos vivos, em outras, rica em oxigênio reativo”. Deste modo, a teoria de Oparin-Haldane explicou pela primeira vez como a vida pode ter-se originado de matéria inorgânica, e por que o processo não poderia se repetir. Igualmente significativo, a vida, que emergiu desta maneira bilhões de anos atrás, poderia ser vista como criadora da biosfera, por meio de um complexo processo de co-evolução.10

Foi Rachel Carson, em seu discurso paradigmático “Our Polluted Environment” [“Nosso Ambiente Contaminado”], que introduziu o conceito de ecossistema entre o público norte-americano. Ela expressou de forma eloquente a perspectiva ecológica e a necessidade de levá-la em conta em todas as nossas ações. “Desde o início do tempo biológico”, escreveu ela, 

estabeleceu-se a interdependência mais próxima possível entre o ambiente físico e a vida que ele sustenta. As condições na jovem Terra produziram a vida; então, a vida modificou imediatamente as condições da Terra, de forma que este único ato extraordinário de geração espontânea não poderia se repetir. De uma forma ou de outra, a ação e interação entre a vida e seus entornos mantém-se desde então. 
Penso que este fato histórico tem significado não apenas acadêmico. Uma vez que o aceitemos, percebemos que não podemos fazer, impunemente, ataques repetidos ao ambiente como os atuais. Qualquer estudante sério da história do planeta sabe que nem a vida, nem o mundo físico que a mantém, existem em pequenos compartimentos isolados. Ele reconhece, ao contrário, a extraordinária unidade entre os organismos e o ambiente. Por esta razão, sabe que substâncias danosas liberadas no ambiente retornam com o tempo, para criar problemas para a humanidade. 
O ramo da ciência que lida com estas inter-relações é a Ecologia.. Não podemos pensar no organismo vivo isolado; nem podemos pensar no ambiente físico como um ente separado. Os dois existem juntos, cada um agindo sobre o outro para formar um ecossistema ecológico complexo.11

No entanto, apesar da visão ecológica integrada apresentada por figuras como Carson, os conceitos de Vernadsky sobre a biosfera e os ciclos biogeoquímicos foram por muito tempo subestimadas no Ocidente – devido às concepções reducionistas que prevaleciam na ciência ocidental e, também, ao fundo soviético que havia nestes conceitos. Os trabalhos científicos soviéticos eram bem conhecidos dos cientistas do Ocidente e foram frequentemente traduzidos, nos anos da Guerra Fria, por publicações científicas e mesmo pelo governo dos EUA – ainda que, de modo incompreensível, A Biosfera, de Vernadsky não tenha sido traduzido ao inglês até 1998. Era uma necessidade, já que, em alguns campos como a climatologia, os cientistas soviéticos estavam bem à frente de seus pares norte-americanos. Porém, este intercâmbio científico mais amplo, que atravessava as fronteiras da guerra Fria, foi raramente transmitido ao público mais amplo, entre o qual o conhecimento das conquistas soviéticas em tais áreas praticamente inexistia. Ideologicamente, portanto, o conceito da biosfera parece ter caído, por largo período, sob uma espécie de interdição.

Ainda assim, a biosfera assumiu o centro do palco em 1970, com uma edição especial da revista Scientific American sobre o tema[12]. Mais ou menos à mesma época, o biólogo socialista Barry Commoner advertiu, em The Closing Cicle, sobre asa vastas mudanças na relação humana com o planeta, a partir da era atômica e da emergência dos processos modernos na química sintética. Commoner chamou a atenção novamente para os alertas precoces sobre a ruptura ambiental dos ciclos da vida, expressa na discussão de Marx sobre a quebra do metabolismo do solo13.

Em 1972, Evgeni Fedorov, um dos principais climatologistas do mundo e membro do Presidium do Soviete Supremo da União Soviética, assim como o principal apoiador soviético da análise de Commoner (autor das “Notas de Conclusão” à edição russa de seu livro) declarou que o mundo teria de livrar-se dos combustíveis fósseis. “Um aumento na temperatura da Terra é inevitável se não nos decidirmos a usar, como fontes de energia, a radiação solar direta e a energia hidráulica das ondas e do vento, e preferirmos obter energia de combustíveis fósseis” ou reações nucleares.14 Para Fedorov, a teoria de Marx sobre o “metabolismo entre a humanidade e a natureza” constituía a base metodológica para uma abordagem ecológica da questão do sistema Terra15. Foi nos anos 1960 e 70 que os climatologistas na União Soviética e Estade os Unidos encontraram as “evidências” – nas palavras de Clive Hamilton e Jacques Grinevald – de um “metabolismo mundial”.16

O avanço das análises do sistema Terra nas décadas seguintes sofreu também o forte impacto das visões de fora, que emanavam das primeiras missões espaciais. Conforme escreveu Howard Odum, um dos principais responsáveis pela criação da ecologia dos sistemas, em Environment, Power and Society:

Podemos iniciar uma visão dos sitemas da Terra por meio do telescópio de um astronauta muito acima do planeta. A partir de um satélite em órbita, a zona de vida da Terra parece muito simples. A fina camada de água e ar que cobre o planeta – a biosfera – está limitadea no interior por sólidos densos e no exterior pelo quase vácuo do espaço… A partir do céu, é fácil falar de equilíbrios gasosos, balanços energéticos ao longo de milhões de anos, e da magnífica simplicidade do metabolismo total da delgada casca exterior da Terra. Com a exceção do fluxo de energia, a biosfera é, em sua maior parte, um sistema fechado em que os materiais circulam e são reutilizados. 17

“O mecanismo de mega-crescimento” que ameaça este “metabolismo total”, continuou Odun, “é o capitalismo”18. O conceito atual de Antropoceno reflete portanto, por um lado, um reconhecimento crescente do papel – em rápida aceleração – dos motores antropogênicos, na ruptura dos processos biogeoquímicos e dos limites planetários do sistema Terra; por outro um duro alerta de que o mundo está sendo catapultado, sob as lógicas atuais, para uma nova etapa ecológica – bem menos capaz de manter a diversidade biológica e uma civilização humana estável.

Ao articular estes dois aspectos do Antropoceno – o geológico e o histórico, o natural e o social, o clima e o capitalismo – num visão única e integrada, é a principal conquista de Facing the Antrhopocene. Ian Angus demonstra que, se não interrompido, o “capitalismo fóssil”, é um trem desgovernado, que conduzirá a um apartheid ambiental planetário e ao que o grande historiador marxista E.P. Thompson chamava de um possível estágio histórico do “extremismo”. Neste, as condições de existência de centenas de milhões, ou bilhões de pessoas, mudarão dramaticamente, a as próprias bases da vida como a conhecemos serão ameaçadas. Além disso, tudo isso tem como fonte o que Odum chamou de “capitalismo imperial”, que ameça as vidas das populações mais vulneráveis do planeta num sistema de desigualdade global forçada 19.

Tamanhos são os perigos, diz Angus que apenas um enfoque novo, radical das ciências sociais (e, portanto da própria sociedade) – uma abordagem que leve a sério a advertência de Carson sobre o risco de solapar os processos vivos da Terra e receber o troco – pode nos oferecer as respostas de que precisamos na era do Antropoceno. No que diz respeito a esta mudança, fazê-la “amanhã é tarde demais”20.

Mas a ciência social dominante, que serve à ordem social dominante e aos grupos no poder, ajudou até agora a obscurecer estes temas, preferindo jogar seu peso em favor de medidas paliativas, e soluções mecanicista como os mercados de carbono e a geoengenharia. É como se a resposta à crise do Antropoceno pudesse ser consistente – dos pontos de vista econômico e tecnológico – com um novo avanço da hegemonia do Capital sobre a Terra e seus habitantes. Isso, a despeito do fato de a acumulação presente do capital estar na raiz do problema. O resultado é projetar o mundo em direção a perigos ainda maiores.

O necessário, como alternativa é reconhecer que a lógica de nosso modo de produção atual – o capitalismo – é o que bloqueia o caminho para a criação de um mundo de desenvolvimento humano sustentável, que transcenda o desastre em espiral que, de outra forma, aguarda a humanidade. Para salvar-nos, precisamos criar uma lógica socioeconômica distinta, que conduza a diferentes fins humano-ambientais – uma revolução ecossocialista em que as grandes multidões da humanidade participem.

Mas não há riscos implícitos numa mudança tão radical? Todas as tentativas de derrocar o sistema de produção atual, e o uso de energia associado a ele não resultarão em grandes batalhas e sacrifícios? Há alguma certeza de que seremos capaes de criar uma sociedade de desenvolvimento humano sustentável, como concebem os socialistas do tipo de Ian Angus? Não seria melhor equivocar-se pelo negacionismo que pelo “catastrofismo”? Não deveríamos esperar para agir, até que saibamos mais?

Aqui pode ser útil citar o grande dramaturgo e poeta alemão Bertolt Brecht, num poema didático:

A parábola de Buda sobre a casa em chamas
Gautama, o Buda, ensinou
A doutrina da roda da cobiça, à qual estamos atados, e aconselhou
Livrar-se de toda cobiça e assim
Sem ambição penetrar no Nada, que ele denominou Nirvana.
Perguntaram-lhe então um dia seus alunos:
Como é esse Nada, mestre? Todos nós queremos
Livrar-nos de toda cobiça, como nos aconselhas, dize-nos porém
Se esse Nada, no qual então penetraremos
É talvez como o ser-um com tudo criado
Ao deitar-se alguém na água, corpo leve, ao meio-dia
Sem pensamentos quase, com preguiça deitado na água, caindo
No sono, mal sabendo então que puxa a coberta
Afundando rapidamente. Se esse Nada, portanto
É assim contente, um bom Nada, ou se esse teu Nada
É simplesmente um Nada, frio, vazio, sem sentido.
Longamente silenciou o Buda, e disse então displicente:
Nenhuma resposta para vossa pergunta.
Mas à noite, quando haviam partido
Sentado ainda sob o pé de fruta-pão, contou o Buda aos outros
Aos que não haviam perguntado, a seguinte parábola:
Há pouco tempo vi uma casa. Queimava. A chama
Lambia o telhado. Aproximei-me e notei
Que ainda havia pessoas dentro. Cheguei à porta e gritei-lhes
Que o telhado estava em fogo, incitando-as assim
A sair rapidamente. Mas as pessoas
Pareciam não ter pressa. Uma delas me perguntou
Enquanto o calor lhe chamuscava a sobrancelha
Se não soprava o vento, se não havia uma outra casa
E coisas assim. Sem responder
Afastei-me novamente. Estes, pensei
Têm que queimar, até parar de fazer perguntas. Em verdade, amigos
Àquele que ainda não sente o chão bastante quente
Para trocá-lo por qualquer outro, em vez de lá ficar, a este
Nada tenho a dizer. Assim fez Gautama, o Buda.
Mas também nós, não mais ocupados com a arte de suportar
Antes ocupados com a arte de não suportar, e apresentando
Sugestões várias de natureza terrena, e aos homens ensinando
A desvencilhar-se dos tormentadores humanos, achamos que àqueles que
À vista dos iminentes esquadrões de bombardeiros do Capital gastam tempo a perguntar
Como pensamos em fazer isto, como imaginamos aquilo
E o que será de suas economias e de seus trajes de domingo após uma reviravolta
Nada temos a dizer.[21]

O capitalismo e o meio ambiente global alienado que o sistema produziu constituem hoje nossa “casa em chamas”. Os ecologistas hegemônicos em geral preferem, diante deste dilema monstruoso, ir pouco além de contemplá-lo, observando e fazendo pequenos ajustes ao que os rodeia, enquanto as chamas lambem o telhado e toda a estrutura ameaça entrar em colapso. Trata-se, em vez disso, de mudar, de reconstruir a casa da civilização com princípios arquitetônicos diferentes, criando um metabolismo mais sustentável entre a humanidade e o planeta. O nome do movimento para conseguir isso, que surge dos movimentos socialistas e ecologistas radicais, é Ecossocialismo, e Facing the Anthropocene é seu manifesto mais atualizado e eloquente

Notas:

1 Bertolt Brecht, Brecht on Theatre (New York: Hill and Wang, 1964), 275

2 Clive Hamilton e Jacques Grinevald, “Was the Anthropocene Anticipated?”Anthropocene Review 2, no. 1 (2015): 67.

3 Paul J. Crutzen e Eugene F. Stoermer, “The Anthropocene,”Global Change Newsletter, 1º/5/2000, 17; Paul J. Crutzen, “Geology of Mankind,”Nature 415, no. 6867 (2002): 23; Colin N. Waters et al., “The Anthropocene Is Functionally and Stratigraphically Distinct from the Holocene,”Science 351, no. 6269 (2016): 137, 137, 2622-1–2622-10.

4 Spencer Weart, “Interview with M. I. Budyko: Oral History Transcript,” March 25, 1990, http://aip.org ; M. I. Budyko, “Polar Ice and Climate,” em J. O. Fletcher, B. Keller, and S. M. Olenicoff, eds.,Soviet Data on the Arctic Heat Budget and Its Climatic Influence (Santa Monica, CA: Rand Corporation, 1966), 9–23; William D. Sellars, “A Global Climatic Model Based on the Energy Balance of the Earth Atmosphere System,”Journal of Applied Meteorology 8, no. 3 (1969): 392–400; M. I. Budyko, “Comments,”Journal of Applied Meteorology 9, no. 2 (1970): 310.

5 István Mészáros,The Power of Ideology (New York: New York University Press, 1989), 128.

6 Karl Marx and Frederick Engels,Collected Works, vol. 5 (New York: International Publishers, 1976), 40

7 George P. Marsh, Man and Nature (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1965); Frank Benjamin Golley,A History of the Ecosystem Concept in Ecology (New Haven, CT: Yale University Press, 1993), 2, 207; Karl Marx,Capital, vol. 1 (London: Penguin, 1976), 636–39;Capital, vol. 3 (London: Penguin, 1981), 949.

8 Lynn Margulis and Dorion Sagan, What Is Life? (New York: Simon and Schuster, 1995), 47; Vladimir I. Vernadsky,The Biosphere (New York: Springer, 1998). O conceito de biosfera, introduzido originalmente pelo geólogo francês Edward Suess em 1875, foi muito mais desenvolvido por Vernadsky e acabou associado basicamente a ele.

9 Vladimir I. Vernadsky, “Some Words about the Noösphere,” en Jason Ross, ed.,150 Years of Vernadsky, vol. 2 (Washington, D.C.: 21st Century Science Associates, 2014), 82; E. V. Shantser, “The Anthropogenic System (Period),” enThe Great Soviet Encyclopedia, vol. 2 (New York: Macmillan, 1973), 140. O artigo de Shantser introduziu a palavra “Antropoceno” no idioma inglês.

10 Richard Levins and Richard Lewontin, The Dialectical Biologist (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1985), 277; A. I. Oparin, “The Origin of Life,” en J. D. Bernal,The Origin of Life (New York: World Publishing, 1967), 199–234; and J. B. S. Haldane, “The Origin of Life,” en Bernal,The Origin of Life, 242–49.

11 Rachel Carson, Lost Woods (Boston: Beacon, 1998), 230–31

12 G. Evelyn Hutchinson, “The Biosphere,”Scientific American 233, no. 3 (1970): 45–53.

13 Barry Commoner,The Closing Circle: Nature, Man, and Technology (New York: Knopf, 1971), 45–62, 138–75, 280.

14 E. Fedorov citado em Virginia Brodine,Green Shoots, Red Roots (New York: International Publishers, 2007), 14, 29. Ver também E. Fedorov, Man and Nature (New York: International Publishers, 1972), 29–30; John Bellamy Foster, ” Late Soviet Ecology and the Planetary Crisis,”Monthly Review 67, no. 2 (June 2015): 9; M. I. Budyko, The Evolution of the Biosphere (Boston: Reidel, 1986), 406. Os apelos de figuras proeminentes, como Fedorov, a uma resposta mais rápida e radical diantes dos problemas ambientais foram basicamente ignorados pelo Estado soviético, com resultados trágicos.

15 Fedorov, Man and Nature, 146.

16 Hamilton and Grinevald, “Was the Anthropocene Anticipated?” 64.

17 Howard T. Odum, Environment, Power, and Society for the Twenty-First Century (New York: Columbia University Press, 2007), 3.

18 Odum, Environment, Power, and Society, 263.

19 E. P. Thompson, Beyond the Cold War (New York: Pantheon, 1982) 41–80; Rudolf Bahro,Avoiding Social and Ecological Disaster (Bath, UK: Gateway, 1994), 19; Odum,Environment, Power, and Society, 276–78.

20 Rolf Edburg and Alexei Yablokov,Tomorrow Will Be Too Late (Tucson, AZ: University of Arizona Press, 1991).

21 Bertolt Brecht, Poemas (1913-1956), Editora Braziliense, São Paulo, 1986

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