27 de setembro de 2014

Os 150 anos da Internacional

Marcello Musto

Folha de S.Paulo

No dia 28 de setembro de 1864, em um edifício no coração de Londres, nasceu aquele que se tornaria o ponto de referência das principais organizações do movimento operário: a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT).

As entidades que fundaram a AIT diferiam muito. Entre elas havia os sindicatos ingleses, os mutualistas franceses, os comunistas, os exilados democráticos, inúmeros grupos de trabalhadores que se reconheciam em teorias utópicas, aos quais, mais tarde, juntaram-se outras tendências, como os anarquistas de Bakunin.

Foi Marx quem conseguiu que todas essas almas convivessem numa mesma organização e que realizou um programa político não excludente, embora firmemente classista, como garantia de um movimento que ambicionava ser de massas, e não sectário.

Apesar das dificuldades derivadas da heterogeneidade de línguas, culturas políticas e países envolvidos, a AIT foi capaz de afiliar um enorme contingente de trabalhadores em toda a Europa e coordenar inúmeras greves nascidas espontaneamente, como mostram os documentos históricos inéditos daquela época, reunidos no livro "Trabalhadores, uni-vos! Antologia política da I Internacional" (ed.Boitempo), a ser publicado em breve.

Graças à AIT, os trabalhadores adquiriram maior consciência da própria força e inventaram novas formas de luta. Após sua fundação, objetivos e estratégias do movimento operário transformaram-se de modo irreversível.

Foi o Conselho Geral da AIT que aprovou algumas das mais famosas resoluções sobre a importância do sindicato, a criação do partido político ou a socialização da terra e dos meios de produção. Os congressos da AIT foram o palco no qual se forjaram debates históricos sobre o comunismo e a anarquia ou sobre a guerra como produto inevitável do regime capitalista.

O momento mais significativo da história da AIT coincidiu com a Comuna de Paris, ou seja, quando, em março de 1871, os operários derrubaram o governo de Thiers e tomaram o poder. Esse foi o evento político mais importante da história do movimento operário do século 19.

A França tinha mostrado que a revolução era possível, que o objetivo podia e devia ser a construção de uma sociedade radicalmente diferente da capitalista, mas também que, para alcançá-lo, os trabalhadores deveriam criar formas de associação política estáveis e bem organizadas.

Nas décadas seguintes, o movimento operário adotou um programa socialista, expandiu-se, primeiro, por toda a Europa e, depois, pelos mais diversos cantos do mundo e construiu novas formas de coordenação supranacionais, que se referiam ao nome e aos ensinamentos da AIT.

Essa organização imprimiu na consciência dos proletários a convicção de que a emancipação do trabalho do jugo do capital não podia ser obtida nos limites de um único país, mas que era, ao contrário, uma questão global.

Do mesmo modo, graças à AIT os operários compreenderam que sua emancipação só podia ser conquistada por eles mesmos, por sua capacidade de organizar-se, não podendo ser transferida a outrem.

Por fim, a AIT difundiu entre os trabalhadores a consciência de que sua escravidão só teria fim com a superação do modo de produção capitalista e do trabalho assalariado, uma vez que as melhorias no interior do sistema vigente, ainda que devessem ser almejadas, não modificariam sua condição estrutural.

Em uma época na qual, em muitas partes do planeta, o mundo do trabalho é obrigado a suportar condições de exploração semelhantes àquelas do século 19, a herança política da organização fundada em Londres em 1864 volta a adquirir extraordinária relevância. Em todas as situações em que se comete uma injustiça no trabalho, cada vez que um direito é pisoteado, germina a semente da nova Internacional.

MARCELLO MUSTO, 38, é professor de teoria sociológica na York University e organizador de "Trabalhadores, uni-vos! Antologia política da I Internacional" (ed. Boitempo).

26 de setembro de 2014

Marina e o BNDES

Fábio Kerche

Folha de S.Paulo

O BNDES é um dos principais instrumentos que o governo brasileiro dispõe para implementar sua política econômica. É o governo em exercício que escolhe as áreas prioritárias e as linhas de atuação do banco, que as executa por meio de um rigor técnico garantido por seu capacitado corpo funcional.

Para ficarmos em apenas dois exemplos: no governo Fernando Henrique Cardoso, o BNDES teve um papel fundamental nas privatizações e no governo Lula, respondendo à forte crise iniciada em 2008, expandiu o crédito à indústria e à infraestrutura.

É, portanto, absolutamente legítimo que o papel do BNDES seja debatido na campanha eleitoral. O próximo presidente terá a responsabilidade de manter ou modificar as prioridades do banco nos próximos anos, decisão que poderá afetar todo o financiamento ao setor produtivo brasileiro.

Mas esse necessário debate eleitoral seria mais proveitoso para o país se fosse lastreado por um correto diagnóstico por parte dos candidatos. Como corrigir rumos se não conseguimos entender a atual direção? Esse parece ser o caso da candidata do PSB à Presidência, Marina Silva. Senão, vejamos.

Nesta quinta-feira (25), em entrevista ao programa "Bom Dia Brasil", da TV Globo, a candidata disse que "o que enfraquece os bancos é pegar o dinheiro do BNDES e dar para meia dúzia de empresários falidos, uma parte deles, alguns deles que deram, enfim, um sumiço em bilhões de reais do nosso dinheiro". O número de imprecisões só dessa frase é impressionante.

Em primeiro lugar, o BNDES não "dá" dinheiro a ninguém, ele empresta. Isso significa que o banco recebe de volta, corrigidos por juros, os seus financiamentos. Sua taxa de inadimplência é de 0,07% sobre o total da carteira de crédito, segundo o último balanço, sendo a mais baixa de todo o sistema bancário no Brasil, público e privado.

Isso nos leva a outra imprecisão da fala da candidata. A qual "sumiço" de recursos ela se refere se o BNDES recebe o dinheiro de volta e obtém lucros expressivos de suas operações? O lucro do primeiro semestre, de R$ 5,47 bilhões, foi o maior da história do banco.

Em relação aos empresários "falidos", talvez a candidata, em um esforço de transformar em regra a exceção, esteja se referindo ao caso Eike Batista. Se isso for verdade, temos mais uma imprecisão: seja por causa de um eficiente sistema de garantias das operações, seja porque grupos sólidos assumiram algumas empresas, o BNDES não sofreu perdas frente aos problemas enfrentados pelo empresariado.

Por fim, nada mais falso do que dizer que o BNDES empresta para "meia dúzia". No ano passado, o banco fez mais de 1 milhão de operações, sendo que 97% delas para micro, pequenas e médias empresas.

Embora o BNDES não tenha a capilaridade dos bancos de varejo, a instituição aumentou seus desembolsos para as pequenas empresas de cerca de 20% do total liberado na primeira década de 2000 para mais de 30% no ano passado. Se retirássemos as típicas áreas onde os pequenos não atuam (setor público, infraestrutura e comércio exterior), os financiamentos para os menores representariam 50% dos desembolsos do banco.

Das cem maiores empresas que atuam no Brasil, 93 mantém relação bancária com o BNDES. Entre as 500 maiores, 480 são seus clientes. Como sustentar que o BNDES escolhe "meia dúzia" se o banco apoia quase todas as empresas brasileiras dos mais variados setores de nossa economia?

A candidata Marina lembrou recentemente que uma mentira repetida diversas vezes não a transforma em verdade. Isso também vale para o papel que o BNDES vem desempenhando nos últimos anos.

Sobre o autor

Fábio Kerche, 43, doutor em ciência política e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, é assessor da Presidência do BNDES. Foi secretário-adjunto e secretário de Imprensa da Presidência da República (governo Lula)

19 de setembro de 2014

Contra a partilha

As empresas da “economia da partilha” como a Uber transferem o risco do negócio das empresas para os trabalhadores, destroem os direitos do trabalho e afundam os salários.

Avi Asher-Schapiro

Jacobin

Daniel Horacio Agostini / Flickr

Tradução / Kazi conduz um Toyota Prius para a Uber em Los Angeles. Ele odeia. Todos os dias mal leva para casa o salário mínimo e as suas costas doem depois de longos turnos. Mas de cada vez que um passageiro pergunta como é trabalhar para Uber, ele mente: “É como possuir o meu próprio negócio; Eu adoro isto.”

Kazi mente porque o seu trabalho depende disso. Depois de cada corrida a Uber pede aos passageiros para avaliar seu motorista numa escala de uma a cinco estrelas. Os condutores com uma média inferior a 4,7 podem ser desativados – tech-speak para despedido.

Gabriele Lopez, uma motorista de LA Uber, também mente. “Nós dizemos que é uma maravilha, que o trabalho é incrível e sorrimos, porque é isso que eles querem ouvir”, diz Lopez, que conduz um UberX, um serviço low-end da empresa, desde que foi lançado no verão passado.

Na verdade, se perguntar aos motoristas Uber fora do contexto do trabalho o que eles pensam da empresa a coisa fica feia rapidamente. “Uber como um proxeneta explorador”, disse Arman, um motorista de Uber de Los Angeles que me pediu para não divulgar o seu apelido por medo de represálias. “Uber leva 20 por cento do meu salário e trata-me como merda – eles cortam os preços sempre que quiserem. Eles podem desactivar-me sempre que lhes apetecer e se eu reclamar eles mandam-me foder.”

Em Los Angeles, São Francisco, Seattle e Nova York, a tensão entre os condutores e os gestores da empresa têm-se tornado maiores nos últimos meses. E mesmo que modelo de negócios da Uber desencoraje a ação coletiva (cada trabalhador está tecnicamente em concorrência com os outros), alguns motoristas estão-se a unir.

Motoristas da Uber em Los Angeles, o maior mercado de carros-partilhados da América do Norte, realizaram dezenas de protestos durante o Verão para se oporem a cortes da taxa que recebem. No final do mês de Agosto, os motoristas membros do sindicato Teamsters Local 986 lançaram a Associação dos Condutores via App da Califórnia (CADA), uma espécie de sindicato dos motoristas da Uber. Trabalhadores da Uber em Seattle também realizaram protestos e formaram a Associação dos motoristas Ride-Share de Seattle. Ainda na semana passada em Nova York, motoristas do UberBlack ameaçaram entrar em greve e com isso reverteram a decisão da empresa de pagar menos por este serviço de luxo. Esta segunda-feira, os motoristas voltaram aos protestos.

“Nós queremos que a empresa perceba que não somos formiguinhas”, disse-me Joseph DeWolf, membro do conselho de liderança do CADA, na minha visita ao sindicato dos Teamsters, em El Monte, Califórnia. “O que queremos é um salário digno, um canal de comunicação com a empresa e respeito”. DeWolf diz que a CADA está a inscrever cada vez mais sócios, a reclamar taxas não pagas pela empresa e estão a planear uma greve em Los Angeles se a Uber se recusar a negociar.

Não vai ser fácil. Os motoristas estão a enfrentar um Golias avaliado em 18 biliões de dólares. E a empresa acabou de contratar David Plouffe, o diretor das campanhas presidenciais de Barack Obama; está ativa em 130 cidades; e se confiarmos nos executivos da empresa a sua receita duplica a cada seis meses.

A Uber faz muito dinheiro com base numa rede de milhares de motoristas que não são empregados da empresa mas sim tecnicamente empresários – a empresa chama-lhes “motoristas-parceiros” – que recebem uma percentagem do valor do serviço.

Desde o início que a Uber atraiu motoristas com uma estratégia bait-and-switch. Veja-se o lançamento da empresa em Los Angeles: em maio de 2013 os clientes pagavam 2,75 dólares por cada milha (e mais 60 cêntimos por minuto se o carro estivesse parado). Os motoristas recebiam 80% da tarifa. Assim, em regime full time, os motoristas conseguiam fazer entre 15 a 20 dólares à hora.

Milhares de motoristas correram para se inscrever, alugando ou comprando carros para trabalhar para a Uber, principalmente imigrantes e pessoas com poucos rendimentos que estavam desesperadas por um emprego que pagasse decentemente num momento de crise económica. Mas ao longo do último ano a empresa tem enfrentado forte concorrência de seu arqui-rival, a Lyft. Para aumentar a procura e expulsar a Lyft do mercado de Los Angeles, a Uber cortou as tarifas da UberX para metade, passando a 1,10 dólares por milha, mais 21 cêntimos por minuto parado.

Os motoristas da Uber não tiveram nenhuma palavra a dizer na fixação de preços, mas têm de pagar do seu próprio bolso o seguro, o combustível e os arranjos dos carros. O custo total para os motoristas estimado pelo fisco norte americano é de 56 cêntimos por milha. Com o modelo de fixação de preços da Uber os motoristas trabalham com margens de remuneração muito baixas.

Arman, por exemplo, fazia cerca de 20 dólares por hora há um ano. Este ano nem chega a fazer o salário mínimo. Não é caso único, muitos dos motoristas da Uber com quem falei relatam a mesma experiência. Para muitos, a condução para Uber tornou-se um pesadelo. Arman trabalha até 17 horas por dia para levar para casa o mesmo rendimento que conseguia a trabalhar 8 horas ainda há um ano. Quando ele reclamou com a Uber, dizendo que o seu salário estava em queda livre, a empresa demitiu-o. A Uber diz que os motoristas são livres para parar de trabalhar para eles se estão insatisfeitos, mas os motoristas como o Arman, que investiram dinheiro nos seus carros, não podem desistir.

“Os motoristas estão totalmente vulneráveis a não ser que se unam” – diz Dan McKibbin, dirigente da costa oeste dos Teamsters. “Agora eles não têm ninguém para protegê-los”.

A empresa não quis falar comigo sobre a CADA, sobre os Teamsters ou como lida com as queixas dos motoristas. Mas parece que, na verdade, não a empresa não fala bem com ninguém. No início deste Verão, quando o líder da CADA DeWolf se reuniu com William Barnes, diretor Uber de Los Angeles, Barnes riu-se na cara no representante dos trabalhadores.

DeWolf conta que quando informou Barnes que os motoristas da CADA se iam juntar ao sindicato Teamsters para representar os trabalhadores Barnes respondeu: “a Uber nunca irá negociar com qualquer grupo que afirme representar motoristas”.

A Uber nunca me respondeu ao pedido de comentários sobre esta alegada afirmação. Em vez disso, a empresa emitiu um comunicado acusando os Teamsters de tentarem “encher os cofres” com novos membros motoristas da Uber.

A Uber diz que não é preciso um sindicato; em vez disso pede aos motoristas para confiar que a empresa atuará sempre no seu melhor interesse. A Uber recusou-se a facultar-me a informação detalhando a remuneração horária média dos motoristas. A empresa afirma, no entanto, que os motoristas do serviço UberX estão a fazer agora mais dinheiro do que estavam antes do corte nas tarifas que foi feito este verão.

“As tarifas médias por hora para um motorista-parceiro da UberX de Los Angeles nas últimas quatro semanas foram 21,4% maiores do que a média semanal de Dezembro de 2013″, disse-me o porta-voz da Uber Eva Behrend. “E desde maio deste ano a tarifa média horária ganha pelos motoristas subiu 28%”.

Apesar destas afirmações, fui incapaz de encontrar um motorista que me dissesse que estava a fazer mais dinheiro desde que as tarifas baixaram.

Hoje torna-se claro que para sobreviver os motoristas da Uber têm de fazer mais corridas por turno por causa da alteração do valor das tarifas. A Uber admite que: “Com os cortes nos preços das tarifas, o número de viagens por hora têm aumentado porque há maior procura” – disse Behrend, representante da empresa.

A mensagem para os motoristas é clara: se estão a fazer menos rendimento por causa do corte da tarifa, façam mais quilómetros. Esta ideia pode fazer sentido para um analista da Uber que esteja a trabalhar no excel na sede da empresa em Silicon Valley, mas para os motoristas, mais quilómetros significa tentar por o máximo de viagens por turno, porque as margens de rendimento são muito reduzidas.

“Hoje em dia, eu nem consigo parar para cagar; simplesmente conduzo, às vezes mais de 15 horas por dia”, disse-me Dan, um motorista que estava a fazer uma direta conduzindo pessoas bêbadas dos bares para casa depois de um dia inteiro a trabalhar. “É humilhante” – concretiza.

Com os preços das tarifas mais baixas também sobra menos dinheiro para combustível e os seus carros desgastam-se e perdem valor mais rapidamente porque são forçados a fazer distâncias maiores.

Ao mesmo tempo, a Uber age como se lhes estivesse a fazer um favor porque lhes dá “trabalho”. O CEO da Uber Travis Kalanick, que adora dar palestras inspiradoras sobre inovação, costuma dizer que a Uber ajuda as pessoas a “tornarem-se proprietários de pequenos negócios”. No entanto, trabalhar turnos de longas horas e ver o preço do seu serviço cortado em 20% por um grupo de engenheiros de Silicon Valley não pode ser considerado ser “dono de uma pequena empresa”.

“Eles acham que somos um bando de perdedores que não conseguem encontrar melhores empregos”, disse DeWolf que representa os motoristas. “É por isso que eles nos tratam como robôs; como se fossemos substituíveis”.

Claro que a Uber não concorda com essa caracterização. “A Uber tem sucesso quando os nossos motoristas-parceiros têm sucesso”, disse Behrend, porta-voz da empresa.

Infelizmente a afirmação da empresa não passa de um spin publicitário porque os seus motoristas não são “parceiros”, são antes trabalhadores explorados pela Uber. Eles não têm qualquer impacto nas decisões da empresa e podem ser despedidos em qualquer momento. A Uber em vez de pagar salários a trabalhadores simplesmente encaixa uma parte dos seus rendimentos. Os motoristas assumem todos os riscos do negócio e todos os custos – o carro, o combustível, o seguro – e são os executivos e os investidores da Uber que ficam ricos.

A Uber é parte de uma nova onda de empresas que compõem o que é chamado “economia da partilha”. A premissa é sedutora porque é simples: as pessoas têm as suas próprias capacidade e os clientes querem serviços. As empresas de Silicon Valley são só casamenteiros, produzindo aplicações (App’s) que juntam trabalhadores com o melhor trabalho. Hoje em dia, qualquer pessoa pode alugar um apartamento com a Airbnb, tornar-se taxista através da Uber ou limpar casas com o Homejoy.

Sob o pretexto de inovação e progresso, as empresas estão atacar os direitos dos trabalhadores, empurrando para baixo os salários e desregulando os mercados. Na sua essência, a “economia da partilha” é um esquema para transferir os riscos das empresas para os trabalhadores, desencorajar a organização do trabalho e garantir que os capitalistas podem colher enormes lucros com custos fixos baixos.

Não há nada de inovador ou novo sobre este modelo de negócio. Uber é apenas o capitalismo, na sua forma mais crua.

Sobre o autor

Avi Asher-Schapiro is a freelance writer in New York.

18 de setembro de 2014

A promessa do socialismo feminista

Reconstruir a esquerda exigirá investigar as tradições ligadas às socialistas.

Johanna Brenner

Jacobin



Tradução / Décadas após o período intenso da “segunda onda” do feminismo nos Estados Unidos, é angustiante reconhecer que o momento revolucionário do movimento se trata de uma memória turva, enquanto que aspectos-chave do feminismo liberal foram incorporados à agenda da classe dominante. Idéias do feminismo liberal têm sido mobilizadas para dar suporte a uma série de iniciativas neoliberais, incluindo austeridade, guerra imperialista e ajuste estrutural.

Sem dúvida, é importante entender como isso ocorreu, mas algumas explicações recentes por estudiosas e estudiosos feministas nos apontam para uma direção infeliz. Essas autoras e autores argumentam que o feminismo da segunda onda, com sua ênfase exagerada em direitos legais e no trabalho assalariado como um caminho para a igualdade, mesmo sem querer acabou pavimentando o caminho para o neoliberalismo. É reconfortante pensar que feministas radicais tinham esse nível de controle sobre o resultado de nossas lutas – pois, se fosse verdade, poderíamos agora corrigir nossos erros, mudar nossas idéias e recuperar nossa posição revolucionária.

Pretendo trazer um argumento diferente: a incorporação parcial do feminismo liberal na ordem econômica, política, cultural e social neoliberal é melhor explicada pelo surgimento de um regime de acumulação de capital que reestruturou os fundamentos das economias tanto no norte global quanto no sul.

No norte global, esse novo regime foi introduzido pela investida dos patrões contra a classe trabalhadora, o Estado de Bem-Estar Social e as instituições históricas de defesa da classe trabalhadora – os sindicatos e os partidos social-democratas. Esse ataque acarretou no neoliberalismo, o contexto político da revanche bem sucedida contra as demandas radicais de feministas, ativistas anti-racistas, povos indígenas e outros.

Embora o neoliberalismo tenha extinguido a promessa radical da segunda onda feminista, ele também criou a base material para a renovação e disseminação de movimentos feministas socialistas liderados por mulheres da classe trabalhadora – estejam elas empregadas na economia formal ou informal, no campo, ou fazendo trabalho não remunerado.

Além disso, os discursos políticos e as estratégias de organização do feminismo socialista do século XXI são um recurso importante para uma esquerda em dificuldades. Muitos têm a sensação de que as velhas formas de política de esquerda não serão o bastante; nesta busca por alternativas, o feminismo socialista tem muito a oferecer.

O discurso político feminista dominante na segunda onda não era o feminismo liberal-clássico – isto é, um feminismo que deseja eliminar quaisquer impedimentos ao exercício dos direitos individuais das mulheres -, mas sim o que eu chamaria de feminismo do bem-estar social. (Fora dos EUA, onde havia verdadeiros partidos de esquerda e onde discursos políticos socialistas eram mais acessíveis para militantes feministas, essa política poderia ser chamada de feminismo social-democrata.)

As feministas do bem-estar social compartilham o compromisso do feminismo liberal com os direitos individuais e a igualdade de oportunidades, mas vão muito além disso. Elas buscam um Estado expansivo e militante que aborde os problemas das mulheres trabalhadoras; que alivie o fardo da dupla jornada feminina; que melhore a posição das mulheres e especialmente das mães no mercado de trabalho; que forneça serviços públicos que socializem o trabalho de cuidados das crianças, idosos e outros membros da família; e que expanda a responsabilidade social por esse cuidado (por exemplo, através da licença maternidade/paternidade remunerada e de remuneração para as mulheres que cuidam de pessoas com deficiência na família).

As mulheres na ponta rica da classe profissional/administrativa são a base social do feminismo liberal-clássico. A política feminista do bem-estar social encontra sua base social predominantemente na outra ponta da classe administrativa profissional, especialmente entre mulheres empregadas nos setores de educação, serviço social e saúde. Profissionais/administradoras não-brancas estão mais propensas a ser empregadas nessas indústrias do que no setor privado. As militantes sindicais também desempenharam um papel significativo na liderança e na organização do feminismo do bem-estar social.

Se formos generosos, podemos caracterizar como ambíguas as relações entre as mulheres da classe trabalhadora/pobres e as profissionais de classe média cujo trabalho é influenciar e regular aqueles que vem a ser definidos como problemáticos – os pobres, os doentes, os que não se encaixam culturalmente, os sexualmente divergentes, aqueles que tiveram pouco acesso à educação. Essas tensões de classe vazam para a política feminista, conforme militantes feministas da classe média afirmam representar as mulheres da classe trabalhadora.

A forma como essas tensões de classe se expressam é condicionada consideravelmente por outras dimensões de localização de classe, como raça/etnia, sexualidade, nacionalidade e condições físicas/mentais. De maneira crucial, a política das feministas de classe média também se transforma dependendo dos níveis de militância, auto-organização e de força política das mulheres nas classes trabalhadoras.

Um exemplo fascinante dessa dinâmica pode ser visto na primeira metade dos anos 70. No contexto político da luta dos negros e negras por justiça econômica, impulsionada pela classe trabalhadora negra e pelo movimento dos direitos sociais – a vanguarda feminista da classe trabalhadora no Movimento dos Direitos Civis – as feministas do bem-estar social adotaram um programa visionário e de base ampla pela expansão do suporte estatal para o trabalho de cuidados.

Por exemplo, em 1971, uma coalizão de organizações feministas e de direitos civis conquistou uma lei que estabeleceria a creche como um serviço de desenvolvimento financiado pelo governo federal, disponível para todas as crianças que precisassem dele. Embora as feministas, sem dúvida, considerassem essa lei como algo crucial para o emprego das mães, elas não limitavam o benefício apenas às mães assalariadas. O programa incluía provisões para serviços médicos, nutricionais e educacionais para crianças desde a infância até os catorze anos de idade, e os preços dos serviços deveriam ser baseados na capacidade de pagar das pessoas atendidas. O presidente Nixon vetou o projeto, mas a organização em torno dele continuou durante toda a década de 1970.

A Organização Nacional dos Direitos do Bem-Estar Social (NWRO) impulsionava e difundia a política do feminismo do bem-estar social. O que é mais interessante sobre a NWRO era sua capacidade de combinar alegações que filósofos, advogados e acadêmicos tendem a ver como concorrentes entre si. Em suma, elas quebravam a distinção entre conversas sobre “necessidades” e sobre “direitos”.

Discursos políticos maternalistas são exemplos por excelência de “conversas sobre necessidades”: neles, a defesa das propostas é feita com base nas necessidades das crianças e na habilidade única das mães para satisfazer essas necessidades. Por outro lado, a demanda por práticas de empregabilidade sem discriminação por gênero, ou o acesso igualitário à educação profissional são “conversas sobre direitos” por excelência, insistindo na extensão para as mulheres de direitos individuais que já são concedidos aos homens.

A NWRO defendia uma renda mínima garantida e incondicional para mães solteiras. As mulheres pobres deveriam poder escolher como educar seus filhos e ter a certeza de que elas seriam as únicas autoridades apropriadas para definir as necessidades deles. Elas deveriam receber apoio econômico e de serviços sociais, fossem elas mães donas de casa ou se trabalhassem fora.

As ativistas dos direitos de bem-estar social também criticavam os programas de empregos da “guerra contra a pobreza” por encaminharem mães solteiras para treinamento para empregos tradicionalmente femininos, mal pagos e de colarinho rosa (ou seja, relacionados com cuidados). Por fim, elas amarravam a sua exigência de que a maternidade seja reconhecida como um trabalho valioso à autonomia econômica das mulheres e ao seu direito à autodeterminação.

Essa política de “direitos mais necessidades” também se refletia na objeção das mulheres não-brancas ao movimento pró-escolha. Enquanto as alas radicais e liberais do movimento feminista se concentravam nos direitos das mulheres à sua autonomia corporal – e no seu direito de recusar a maternidade -, as mulheres pobres não-brancas enfrentavam um ataque bem diferente: a esterilização forçada nos hospitais públicos onde elas davam à luz. Além disso, o movimento pelos direitos de bem-estar social estava organizando as mulheres pobres, e especialmente as mulheres negras, para desafiar a difamação de sua maternidade e a estigmatização de sua sexualidade.

Incorporando as idéias das militantes não-brancas da classe trabalhadora, as feministas socialistas articularam uma política sobre direitos reprodutivos que ultrapassava a linguagem sobre escolha. Para elas, os “direitos reprodutivos” incluíam o direito de ser mãe e de criar filhos com dignidade e saúde, em bairros seguros, com renda e abrigo adequados.

Essa variedade de direitos reprodutivos constitui um programa de “reformas não-reformistas”. É possível lutar por algumas dessas demandas e conquistá-las sob o capitalismo – por exemplo, a proibição da esterilização racista ou da discriminação contra mães lésbicas -, mas sua adoção por completo seria incompatível com esse sistema. Nesse sentido, o discurso político dos direitos reprodutivos relaciona o feminismo à política anticapitalista.

No auge, o feminismo da segunda onda defendia a socialização do trabalho de cuidados. Transferir os cuidados de um modelo individual para outro baseado na responsabilidade social exigia na época (e exigiria hoje) uma redistribuição de riqueza do capital para os trabalhadores.

A responsabilidade social pelos cuidados depende da expansão dos bens públicos, o que, por sua vez, depende da tributação da riqueza ou dos lucros. Compensar os trabalhadores pelo tempo gasto cuidando dos filhos (por exemplo, através de licença maternidade/paternidade remunerada) aumenta os benefícios pagos, às custas dos lucros. Além disso, exigir (seja por legislação ou por contrato) que os locais de trabalho acomodem e subsidiem o trabalho de cuidados dos seus funcionários fora do emprego interfere no controle dos empregadores sobre o local de trabalho e tende a sofrer resistência pelo setor privado – onde os empregos continuam organizados como se os trabalhadores quase não tivessem responsabilidades em relação a cuidados dos filhos e familiares.

Em outras palavras, socializar o trabalho de cuidados exigiria confrontar o poder da classe capitalista. Foi aí que o feminismo do bem-estar social do século XX naufragou.
Confrontar o poder da classe capitalista exigiria um movimento social amplo, militante e ousado – uma frente anticapitalista que ligasse as lutas do feminismo, dos militantes anti-racismo, pelos direitos dos homossexuais e dos imigrantes às lutas dos sindicatos e dos trabalhadores. Em vez disso, o que havia eram sindicatos burocráticos, esclerosados e setoriais que não tinham nem interesse nem capacidade de construir movimentos de qualquer tipo.

No exato momento em que o feminismo do bem-estar social estava mais forte, na década de 1970, chegou o tsunami da reestruturação capitalista, inaugurando uma nova era de ataques a uma classe trabalhadora que tinha poucos meios para se defender. À medida que as pessoas se viravam para sobreviver nessa nova ordem mundial; à medida que as capacidades e solidariedades coletivas se tornavam algo cada vez mais distante; à medida que a concorrência e a insegurança nos empregos aumentavam; à medida que os projetos de sobrevivência individualista se tornavam a ordem do dia, abria-se a porta para que as ideias políticas neoliberais conquistassem a hegemonia.

Presas entre uma classe trabalhadora desmobilizada e um partido democrata tomado pelo neoliberalismo, as feministas do bem-estar social na classe média estadunidense começaram a se acomodar às realidades políticas existentes. Por exemplo, deixando para trás a política de “direitos mais necessidades” da NWRO, as ativistas de classe média se distanciaram de discursos maternalistas – do tipo “crianças pequenas precisam estar com suas mães” – que, embora fossem problemáticos, faziam parte de sua defesa do apoio financeiro para mães solteiras.

Elas passaram a adotar discursos neoliberais diante das acusações de ambos os grandes partidos estadunidenses de que o Estado de Bem-Estar Social encorajaria a dependência. Elas abraçaram a ideia da auto-suficiência através do trabalho remunerado, embora estivesse bem óbvio que os empregos precários e mal pagos disponíveis para tantas mães solteiras nunca pagariam um salário digno; que os auxílios financeiros para creche fornecidos (às mulheres mais pobres) eram inadequados para cuidados infantis de qualidade; e que os programas pós-escolares para crianças mais velhas eram inacessíveis para a maioria.

Em outras palavras, o feminismo do bem-estar social da segunda onda não foi tanto cooptado, mas sim politicamente marginalizado. E, o que não surpreende, no contexto dessa derrota a política feminista liberal não apenas se deslocou para o centro do palco, como também foi incorporada a um regime neoliberal cada vez mais hegemônico.

Ironicamente, enquanto as vozes da classe média se moviam para a direita, as feministas da classe trabalhadora, especialmente em sindicatos constituídos majoritariamente por mulheres, estavam obtendo ganhos substanciais. Elas aumentaram a representação das mulheres na liderança; pressionaram seus sindicatos a apoiar mobilizações políticas defendendo o aborto legal (por exemplo, a campanha “pró-sindicato e pró-escolha” da Coalizão das Mulheres Sindicalizadas); se opuseram à discriminação contra pessoas LGBT e colocaram na agenda de negociações demandas como igualdade salarial e licença maternidade remunerada. No entanto, esses últimos ganhos soavam vazios conforme os sindicatos rapidamente perdiam espaço, inclusive nas mesas de negociações.

A história acima é instrutiva. O feminismo e outros movimentos contra a opressão precisam ser movimentos inter-classes, então eles também precisam se questionar sobre “quem terá hegemonia dentro desses movimentos?” Quais visões de mundo determinarão o que o movimento vai exigir? Como essas demandas serão articuladas e justificadas? Como o movimento em si está organizado?

No curso normal dos acontecimentos, a resposta a essas perguntas é a classe média. No entanto, como no momento da radicalização da segunda onda feminista nos EUA, quando as pessoas da classe trabalhadora entram no palco político, as relações de poder dentro dos movimentos sociais podem mudar.

No século XXI, as mulheres têm entrado no cenário político global numa assombrosa variedade de movimentos. No sul global, conforme as mulheres se vêem demitidas, em empregos precários, chefiando seus lares, lutando para sobreviver em assentamentos informais e favelas urbanas, elas não são apenas participantes fundamentais para os movimentos pelo socialismo do século XXI, mas também estão construindo projetos de organização de base que desafiam os modelos patriarcais de organização, liderança e de exigências nos movimentos.

No norte global, esses projetos de base têm engajado as trabalhadoras em novos modos de organização (como o movimento das trabalhadoras domésticas) que se apoiam na mobilização de membros e na construção de alianças comunitárias. Embora nunca sejam perfeitos, é claro, esses diferentes projetos feministas-socialistas, no norte e no sul, na comunidade e no local de trabalho, no que tem de melhor oferecem novos discursos sobre igualdade de gênero, novos modos de organização e novas visões sobre democracia participativa.

O compromisso das feministas socialistas com a auto-organização dá suporte para estruturas organizacionais não-hierárquicas e democráticas e, portanto, mais inclusivas. A atenção à interseccionalidade como um guia tanto para o discurso programático quanto para o discurso político – as demandas que os movimentos apresentam e a linguagem que usamos para apoiar essas demandas – abre um terreno no qual profundas divisões sociais podem ser superadas, ao invés de reproduzidas.

Compreender as formas pelas quais os locais de trabalho, as famílias e as comunidades estão inter-relacionados leva a modos mais efetivos de organização e mais possibilidades de políticas de coalizão, fazendo conexões entre aquilo que muitas vezes é visto como questões e lutas muito diferentes e separadas.

Visões feministas-socialistas sobre liderança e seu desenvolvimento promovem as capacidades das militantes para o envolvimento na tomada democrática de decisões e na coletividade. O reconhecimento de que afeto, emoções e sexualidade estão sempre presentes, moldando as relações sociais, estimula a autorreflexão, a empatia e o respeito das militantes por diferentes modos de ser no mundo.

Se quisermos construir um socialismo do século XXI, é hora de prestar atenção no feminismo socialista dos séculos XX e XXI, e de deslocar sua teoria e prática das margens para o centro da esquerda radical.

15 de setembro de 2014

Banco Central independente de quem?

Antônio Corrêa de Lacerda

A independência do Banco Central ganha destaque em tempos de debate eleitoral. A discussão é pautada por pontos relevantes da temática macroeconômica, tendo em vista sua correlação com aspectos monetários estritos, como juros e crédito, câmbio e, por consequência, nível de atividade, renda e emprego.

Interessante notar que a discussão no Brasil ocorre no âmbito de um cenário internacional ainda complexo. A deterioração decorrente das crises após 2008 e o baixo crescimento dos países desenvolvidos foram impactantes para a desaceleração do crescimento econômico chinês. O enfraquecimento da economia mundial gerou uma sobreoferta de produção e uma desinflação, especialmente nas commodities metálicas.

Os bancos centrais das economias desenvolvidas adotaram, desde o final de 2008, um movimento simultâneo de redução das suas taxas básicas de juros, ao mesmo tempo em que ampliaram a liquidez nos mercados. Vivemos um longo ciclo de taxas de juros reais negativas.

O Fed (banco central dos EUA) já manifestou que manterá baixas taxas de juros até que haja uma clara percepção de recuperação do nível de atividades. Enquanto isso, mantém há seis anos uma taxa nominal de juros básicos abaixo da inflação. Recentemente, o Banco Central Europeu decidiu reduzir ainda mais as suas taxas para 0,05%.

Há uma longa discussão a respeito do grau de independência dos bancos centrais. Na visão mais ortodoxa eles deveriam ter total autonomia frente aos governos, visando resguardar a função de guardião da moeda e gerar credibilidade da política econômica. Trata-se de uma visão desconectada da situação da economia internacional.

O que ocorre na prática é que os bancos centrais vêm atuando de forma coordenada com seus governos, visando combater os efeitos da crise e evitar o seu agravamento. A passividade frente ao quadro internacional representaria custos onerosos sobre o nível de atividade, custo do financiamento da dívida pública e níveis reais das suas taxas de câmbio, especialmente para os países em desenvolvimento.

Daí a importância da autonomia e independência do Banco Central do Brasil. Aqui elas não estão relacionadas ao Executivo, mas às pressões do mercado. É preciso que as autoridades monetárias decidam e implementem as medidas de política econômica, tendo em vista o que é o mais adequado para o conjunto da economia.

Ao longo do último decênio houve uma tendencial e gradativa redução das taxas de juros reais no Brasil, de 9 a 10% anual, para 4,5%. No entanto, estamos ainda longe de imaginar que a batalha chegou ao fim. Na verdade, ela só começou. A nossa taxa de juros reais é ainda muito elevada para padrões internacionais. O desafio é viabilizar as condições para aproximá-la da média de países semelhantes.

Tem havido progressos, mas é preciso avançar nas demais condições imprescindíveis para que os ganhos sejam perenes e sustentáveis no longo prazo. Dentre outros desafios, temos que enfrentar a distorção representada pela indexação de contratos e tarifas. Um resquício do período de inflação crônica, que precisa ser removido, porque também representa um limitador para a redução dos níveis inflacionários e, portanto, das taxas de juros.

Outro ponto importante é a estrutura da dívida pública. O Brasil é o único país que ainda mantém títulos públicos de curtíssimo prazo que remuneram com elevadas taxas de juros, propiciando ao mesmo tempo rentabilidade e liquidez com baixíssimo risco, na contramão da prática usual no mercado internacional.

Nem sempre o que é o desejo do mercado financeiro é o melhor para a nação.

Sobre o autor

Antonio Corrêa de Lacerda, economista, é professor do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP

Guia essencial para a Jacobin

A Jacobin tem divulgado conteúdo socialista em ritmo acelerado desde 2010. Eis aqui um guia prático para algumas das obras mais importantes ...