19 de setembro de 2014

Contra a partilha

As empresas da “economia da partilha” como a Uber transferem o risco do negócio das empresas para os trabalhadores, destroem os direitos do trabalho e afundam os salários.

Avi Asher-Schapiro

Jacobin

Daniel Horacio Agostini / Flickr

Tradução / Kazi conduz um Toyota Prius para a Uber em Los Angeles. Ele odeia. Todos os dias mal leva para casa o salário mínimo e as suas costas doem depois de longos turnos. Mas de cada vez que um passageiro pergunta como é trabalhar para Uber, ele mente: “É como possuir o meu próprio negócio; Eu adoro isto.”

Kazi mente porque o seu trabalho depende disso. Depois de cada corrida a Uber pede aos passageiros para avaliar seu motorista numa escala de uma a cinco estrelas. Os condutores com uma média inferior a 4,7 podem ser desativados – tech-speak para despedido.

Gabriele Lopez, uma motorista de LA Uber, também mente. “Nós dizemos que é uma maravilha, que o trabalho é incrível e sorrimos, porque é isso que eles querem ouvir”, diz Lopez, que conduz um UberX, um serviço low-end da empresa, desde que foi lançado no verão passado.

Na verdade, se perguntar aos motoristas Uber fora do contexto do trabalho o que eles pensam da empresa a coisa fica feia rapidamente. “Uber como um proxeneta explorador”, disse Arman, um motorista de Uber de Los Angeles que me pediu para não divulgar o seu apelido por medo de represálias. “Uber leva 20 por cento do meu salário e trata-me como merda – eles cortam os preços sempre que quiserem. Eles podem desactivar-me sempre que lhes apetecer e se eu reclamar eles mandam-me foder.”

Em Los Angeles, São Francisco, Seattle e Nova York, a tensão entre os condutores e os gestores da empresa têm-se tornado maiores nos últimos meses. E mesmo que modelo de negócios da Uber desencoraje a ação coletiva (cada trabalhador está tecnicamente em concorrência com os outros), alguns motoristas estão-se a unir.

Motoristas da Uber em Los Angeles, o maior mercado de carros-partilhados da América do Norte, realizaram dezenas de protestos durante o Verão para se oporem a cortes da taxa que recebem. No final do mês de Agosto, os motoristas membros do sindicato Teamsters Local 986 lançaram a Associação dos Condutores via App da Califórnia (CADA), uma espécie de sindicato dos motoristas da Uber. Trabalhadores da Uber em Seattle também realizaram protestos e formaram a Associação dos motoristas Ride-Share de Seattle. Ainda na semana passada em Nova York, motoristas do UberBlack ameaçaram entrar em greve e com isso reverteram a decisão da empresa de pagar menos por este serviço de luxo. Esta segunda-feira, os motoristas voltaram aos protestos.

“Nós queremos que a empresa perceba que não somos formiguinhas”, disse-me Joseph DeWolf, membro do conselho de liderança do CADA, na minha visita ao sindicato dos Teamsters, em El Monte, Califórnia. “O que queremos é um salário digno, um canal de comunicação com a empresa e respeito”. DeWolf diz que a CADA está a inscrever cada vez mais sócios, a reclamar taxas não pagas pela empresa e estão a planear uma greve em Los Angeles se a Uber se recusar a negociar.

Não vai ser fácil. Os motoristas estão a enfrentar um Golias avaliado em 18 biliões de dólares. E a empresa acabou de contratar David Plouffe, o diretor das campanhas presidenciais de Barack Obama; está ativa em 130 cidades; e se confiarmos nos executivos da empresa a sua receita duplica a cada seis meses.

A Uber faz muito dinheiro com base numa rede de milhares de motoristas que não são empregados da empresa mas sim tecnicamente empresários – a empresa chama-lhes “motoristas-parceiros” – que recebem uma percentagem do valor do serviço.

Desde o início que a Uber atraiu motoristas com uma estratégia bait-and-switch. Veja-se o lançamento da empresa em Los Angeles: em maio de 2013 os clientes pagavam 2,75 dólares por cada milha (e mais 60 cêntimos por minuto se o carro estivesse parado). Os motoristas recebiam 80% da tarifa. Assim, em regime full time, os motoristas conseguiam fazer entre 15 a 20 dólares à hora.

Milhares de motoristas correram para se inscrever, alugando ou comprando carros para trabalhar para a Uber, principalmente imigrantes e pessoas com poucos rendimentos que estavam desesperadas por um emprego que pagasse decentemente num momento de crise económica. Mas ao longo do último ano a empresa tem enfrentado forte concorrência de seu arqui-rival, a Lyft. Para aumentar a procura e expulsar a Lyft do mercado de Los Angeles, a Uber cortou as tarifas da UberX para metade, passando a 1,10 dólares por milha, mais 21 cêntimos por minuto parado.

Os motoristas da Uber não tiveram nenhuma palavra a dizer na fixação de preços, mas têm de pagar do seu próprio bolso o seguro, o combustível e os arranjos dos carros. O custo total para os motoristas estimado pelo fisco norte americano é de 56 cêntimos por milha. Com o modelo de fixação de preços da Uber os motoristas trabalham com margens de remuneração muito baixas.

Arman, por exemplo, fazia cerca de 20 dólares por hora há um ano. Este ano nem chega a fazer o salário mínimo. Não é caso único, muitos dos motoristas da Uber com quem falei relatam a mesma experiência. Para muitos, a condução para Uber tornou-se um pesadelo. Arman trabalha até 17 horas por dia para levar para casa o mesmo rendimento que conseguia a trabalhar 8 horas ainda há um ano. Quando ele reclamou com a Uber, dizendo que o seu salário estava em queda livre, a empresa demitiu-o. A Uber diz que os motoristas são livres para parar de trabalhar para eles se estão insatisfeitos, mas os motoristas como o Arman, que investiram dinheiro nos seus carros, não podem desistir.

“Os motoristas estão totalmente vulneráveis a não ser que se unam” – diz Dan McKibbin, dirigente da costa oeste dos Teamsters. “Agora eles não têm ninguém para protegê-los”.

A empresa não quis falar comigo sobre a CADA, sobre os Teamsters ou como lida com as queixas dos motoristas. Mas parece que, na verdade, não a empresa não fala bem com ninguém. No início deste Verão, quando o líder da CADA DeWolf se reuniu com William Barnes, diretor Uber de Los Angeles, Barnes riu-se na cara no representante dos trabalhadores.

DeWolf conta que quando informou Barnes que os motoristas da CADA se iam juntar ao sindicato Teamsters para representar os trabalhadores Barnes respondeu: “a Uber nunca irá negociar com qualquer grupo que afirme representar motoristas”.

A Uber nunca me respondeu ao pedido de comentários sobre esta alegada afirmação. Em vez disso, a empresa emitiu um comunicado acusando os Teamsters de tentarem “encher os cofres” com novos membros motoristas da Uber.

A Uber diz que não é preciso um sindicato; em vez disso pede aos motoristas para confiar que a empresa atuará sempre no seu melhor interesse. A Uber recusou-se a facultar-me a informação detalhando a remuneração horária média dos motoristas. A empresa afirma, no entanto, que os motoristas do serviço UberX estão a fazer agora mais dinheiro do que estavam antes do corte nas tarifas que foi feito este verão.

“As tarifas médias por hora para um motorista-parceiro da UberX de Los Angeles nas últimas quatro semanas foram 21,4% maiores do que a média semanal de Dezembro de 2013″, disse-me o porta-voz da Uber Eva Behrend. “E desde maio deste ano a tarifa média horária ganha pelos motoristas subiu 28%”.

Apesar destas afirmações, fui incapaz de encontrar um motorista que me dissesse que estava a fazer mais dinheiro desde que as tarifas baixaram.

Hoje torna-se claro que para sobreviver os motoristas da Uber têm de fazer mais corridas por turno por causa da alteração do valor das tarifas. A Uber admite que: “Com os cortes nos preços das tarifas, o número de viagens por hora têm aumentado porque há maior procura” – disse Behrend, representante da empresa.

A mensagem para os motoristas é clara: se estão a fazer menos rendimento por causa do corte da tarifa, façam mais quilómetros. Esta ideia pode fazer sentido para um analista da Uber que esteja a trabalhar no excel na sede da empresa em Silicon Valley, mas para os motoristas, mais quilómetros significa tentar por o máximo de viagens por turno, porque as margens de rendimento são muito reduzidas.

“Hoje em dia, eu nem consigo parar para cagar; simplesmente conduzo, às vezes mais de 15 horas por dia”, disse-me Dan, um motorista que estava a fazer uma direta conduzindo pessoas bêbadas dos bares para casa depois de um dia inteiro a trabalhar. “É humilhante” – concretiza.

Com os preços das tarifas mais baixas também sobra menos dinheiro para combustível e os seus carros desgastam-se e perdem valor mais rapidamente porque são forçados a fazer distâncias maiores.

Ao mesmo tempo, a Uber age como se lhes estivesse a fazer um favor porque lhes dá “trabalho”. O CEO da Uber Travis Kalanick, que adora dar palestras inspiradoras sobre inovação, costuma dizer que a Uber ajuda as pessoas a “tornarem-se proprietários de pequenos negócios”. No entanto, trabalhar turnos de longas horas e ver o preço do seu serviço cortado em 20% por um grupo de engenheiros de Silicon Valley não pode ser considerado ser “dono de uma pequena empresa”.

“Eles acham que somos um bando de perdedores que não conseguem encontrar melhores empregos”, disse DeWolf que representa os motoristas. “É por isso que eles nos tratam como robôs; como se fossemos substituíveis”.

Claro que a Uber não concorda com essa caracterização. “A Uber tem sucesso quando os nossos motoristas-parceiros têm sucesso”, disse Behrend, porta-voz da empresa.

Infelizmente a afirmação da empresa não passa de um spin publicitário porque os seus motoristas não são “parceiros”, são antes trabalhadores explorados pela Uber. Eles não têm qualquer impacto nas decisões da empresa e podem ser despedidos em qualquer momento. A Uber em vez de pagar salários a trabalhadores simplesmente encaixa uma parte dos seus rendimentos. Os motoristas assumem todos os riscos do negócio e todos os custos – o carro, o combustível, o seguro – e são os executivos e os investidores da Uber que ficam ricos.

A Uber é parte de uma nova onda de empresas que compõem o que é chamado “economia da partilha”. A premissa é sedutora porque é simples: as pessoas têm as suas próprias capacidade e os clientes querem serviços. As empresas de Silicon Valley são só casamenteiros, produzindo aplicações (App’s) que juntam trabalhadores com o melhor trabalho. Hoje em dia, qualquer pessoa pode alugar um apartamento com a Airbnb, tornar-se taxista através da Uber ou limpar casas com o Homejoy.

Sob o pretexto de inovação e progresso, as empresas estão atacar os direitos dos trabalhadores, empurrando para baixo os salários e desregulando os mercados. Na sua essência, a “economia da partilha” é um esquema para transferir os riscos das empresas para os trabalhadores, desencorajar a organização do trabalho e garantir que os capitalistas podem colher enormes lucros com custos fixos baixos.

Não há nada de inovador ou novo sobre este modelo de negócio. Uber é apenas o capitalismo, na sua forma mais crua.

Sobre o autor

Avi Asher-Schapiro is a freelance writer in New York.

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