30 de julho de 2020

A privatização da Eletrobras seria extremamente prejudicial ao país

Com lucro, é possível autofinanciar a expansão e a modernização

Joaquim Francisco de Carvalho

Folha de S.Paulo


A quase completa privatização do sistema elétrico feita no governo FHC (1995-2002) foi um fiasco. O novos donos das antigas estatais pouco investiram para expandir o sistema, obrigando o governo a fazê-lo. E, em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 69%, e as do setor industrial aumentaram cerca de 158% acima da inflação, provocando a falência de inúmeros estabelecimentos industriais e desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados.

Sobrou a Eletrobras, que agora o ministro Paulo Guedes (Economia) pretende privatizar, sem apresentar um motivo plausível para isso.

A Eletrobras é muito rentável, tendo apresentado um lucro líquido de R$ 10,7 bilhões no exercício de 2019 —resultado que ainda pode melhorar, desde que a holding e suas subsidiárias (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) afastem-se das influências “políticas” e sejam submetidas a diretores competentes e honestos.

Lembro aqui a diferença que existe entre o espaço privado e o público. O espaço privado é ocupado por empresas industriais, financeiras, comerciais e outras, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros. No espaço público ficam atividades não lucrativas, como a diplomacia, a segurança nacional, o ensino e a pesquisa, a saúde pública etc., além de certas “utilities”, vitais para as demais atividades e que sejam monopólios naturais.

Ocorre que a energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem a indústria, as comunicações, o comércio, os serviços, ou seja, praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem ser formadas no espaço privado, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores.

Cerca de 70% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas, quase todas da Eletrobras —e a geração de energia é apenas um dos usos dos reservatórios, ao lado de outros, como o abastecimento de água, a irrigação etc. O controle dos grandes reservatórios hidrelétricos é estratégico. Por essa razão, até nos EUA estes são públicos.

Devido ao falhanço do modelo concebido com o objetivo (inatingível) de converter em mercadoria um monopólio natural como a energia elétrica, a Eletrobras vinha sofrendo grandes prejuízos por ter sido obrigada a arcar com os prejuízos modelo, para alimentar lucros astronômicos a intermediários não produtivos.

As hidrelétricas ainda pertencentes ao grupo Eletrobras têm idades em torno de 30 anos; portanto o capital nelas investido está amortizado. Assim, a energia gerada custa atualmente cerca de R$ 39/MWh.

O grupo Eletrobras responde por uma oferta da ordem de 170 milhões de MWh por ano. Essa energia poderia ser repassada diretamente às distribuidoras por uma tarifa média de R$ 160/MWh. Portanto, considerando o custo de R$ 39/MWh, o grupo pode lucrar R$ 20,4 bilhões por ano, podendo autofinanciar a sua expansão e modernização.

Sobre o autor

Mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, foi engenheiro da Cesp, diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear) e pesquisador associado ao IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente)

De volta ao teto Temer

A saída é liberar o investimento do teto, mas com valor predefinido e transparência

Nelson Barbosa

O ex-presidente Michel Temer (MDB) durante entrevista para Folha em São Paulo. Eduardo Knapp/Folhapress

Bolsonaro tem até o fim de agosto para enviar seu projeto de lei orçamentária (Ploa) de 2021 ao Congresso. Como o estado de calamidade pública e o “Orçamento de guerra” têm previsão de acabar no fim deste ano, voltaremos à política fiscal pré-Covid em janeiro.

A principal restrição fiscal de 2021 será o teto Temer de gasto.

O governo já abandonou a meta de resultado primário, propondo um alvo variável (sic), no qual o gasto é fixo e o resultado varia de acordo com a evolução da receita. A equipe econômica está correta nessa proposta, mas ela deveria ser feita formalmente, via alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal, para que o governo tenha apenas meta de gasto.

A regra de ouro também poderia ser restrição em 2021, mas já virou praxe mandar Ploa permitindo que o governo emita dívida acima do seu gasto com investimento e outros penduricalhos, mediante aprovação posterior de crédito extraordinário pelo Congresso.

A regra de ouro nunca funcionou como o esperado no Brasil e ela também deveria ser formalmente abandonada, via PEC (proposta de emenda à Constituição), em prol de uma meta de gasto.

Chegamos, então, ao atual teto de gasto, uma regra fiscal oportunista, criada por Temer para seus sucessores. O limite começou a valer em 2017, mas, como Temer corretamente elevou bastante o gasto em 2016, o teto começou bem alto. A previsão era que ele se tornaria mais estrito somente em 2019, após Temer deixar o governo.

Porém, como o teto Temer é corrigido pela inflação, a greve dos caminhoneiros e a consequente aceleração de preços no primeiro semestre de 2018 elevaram o limite de despesas de 2019 acima do esperado, adiando os efeitos mais restritivos do teto de gasto para 2020.

Neste ano, o teto Temer limitaria fortemente as despesas do governo, mas a pandemia levou o Brasil e a maioria dos países do mundo a adotar medidas extraordinárias de flexibilização fiscal (ainda bem). Ainda assim, o teto Temer continua a limitar algumas despesas não emergenciais ou previsíveis, como folha de pessoal (correto) e investimento (errado).

Enquanto o leitor lê esta coluna, diversas autoridades tentam fazer a despesa pública caber no limite de gasto previsto para 2021. A conta não fecha porque, devido ao crescimento do gasto obrigatório e ao congelamento da despesa total no nível real de 2016, será necessário cortar ainda
mais o gasto discricionário.

O principal candidato a corte é o investimento público, que já vem caindo desde 2015 e hoje está no patamar mais baixo dos últimos 20 anos. Mantido o teto Temer, teremos ainda menos investimento em 2021, abaixo do necessário para preservar o que já existe.

Pausa para apontar o absurdo: no fiscalismo de planilha que domina nossa política econômica desde 2016, investir o básico para manter infraestrutura existente é considerado “irresponsável”.

Voltando, a saída do impasse é liberar o investimento do teto de gasto, mas com valor predefinido e transparência na seleção e na execução de projetos. O senador Jaques Wagner (PT-BA) já apresentou proposta nesse sentido (PEC 131/19), com apoio senadores de vários partidos, inclusive DEM, MDB e PSDB (olha a frente ampla aí).

A maioria dos economistas sabe que o teto Temer é inviável e será mudado, agora ou mais tarde. Para que a mudança seja positiva, é melhor adotar nova regra fiscal via PEC, com meta de gasto apropriada às condições do país e tratamento diferenciado de investimento e gasto corrente, bem como de gasto com pessoal e gasto social.

A bola está com o Senado.

Sobre o autor
Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

29 de julho de 2020

Porque os líderes sindicais votaram contra o Medicare for All no meio da atual pandemia?

No início desta semana, quatro líderes sindicais votaram contra a inclusão do Medicare for All na plataforma do Partido Democrático - uma bofetada na cara de milhões de americanos que lutam contra uma pandemia sem precedentes. Precisamos de um movimento sindical que lute por todos os trabalhadores, tanto organizados como não organizados.

Eric Blanc

A presidente da Federação Americana de Professores Randi Weingarten fala à audiência na convenção anual do sindicato a 13 de Julho de 2018 em Pittsburgh, Pennsylvania. (Jeff Swensen / Getty Images)

Tradução / Na segunda-feira, o comitê da plataforma do Comitê Nacional Democrático (DNC) votou 125-36 para não incluir o Medicare para Todos na plataforma do partido.

Confrontado com uma pandemia que revelou as irracionalidades catastróficas do sistema de saúde dos Estados Unidos orientado para o lucro, é triste, mas não surpreendente, que a elite do Partido Democrata, comprada pelas bilionárias Organizações Privadas de Saúde e de Seguros de Saúde, se mantenha mais leal a estas organizações que aos trabalhadores.

Mas entre aqueles que votaram “não” no Medicare for All estavam também quatro proeminentes presidentes de sindicatos nacionais: Randi Weingarten da Federação Americana de Professores (AFT), Lily Eskelsen Garcia da Associação Nacional de Educação (NEA), Mary Kay Henry do Service Employees International Union (SEIU), e Lonnie Stephenson da International Brotherhood of Electrical Workers (IBEW).

Isto é um escândalo. Porque é que os principais representantes de Organizações de Trabalhadores ajudaram a abater uma medida que iria melhorar dramaticamente a vida de milhões de trabalhadores? Especialmente perante uma crise social sem precedentes, precisamos de sindicatos para lutar pela saúde física e econômica de todas as pessoas da classe trabalhadora, organizadas e não organizadas.

Nunca houve um momento tão urgente para apoiar o Medicare for All como agora. Com o desemprego aumentando, estima-se que 27 milhões de pessoas – desproporcionadamente negras e latinas – poderão em breve perder o seu seguro por causa do sistema de saúde patrocinado pelos empregadores dos EUA. Na ausência de um sistema nacional de saúde pública, os EUA ficaram semanas atrasados em relação ao resto do mundo na resposta ao coronavírus, custando inúmeras vidas.

Apesar de os testes serem supostamente gratuitos, muitos estão no entanto a receber faturas de centenas ou milhares de dólares. E uma vez desenvolvida uma vacina, a sua acessibilidade para os americanos comuns irá provavelmente depender de nos livrarmos dos imperativos do sistema de saúde com fins lucrativos. O Medicare for All garantiria custos mais baixos de cuidados de saúde para a grande maioria.

A maioria das pessoas compreende por experiência própria porque é que os EUA precisam desesperadamente de uma reforma séria: as sondagens mostram que a maioria dos eleitores, e mais de 85% dos democratas, apoiam o Medicare for All. E este apoio popular tem continuado a aumentar de forma constante devido à pandemia. Alguns dirigentes sindicais também compreendem isto, como se viu na votação pró-Medicare for All do presidente da UNITE-HERE Local 2, Anand Singh, na segunda-feira.

As ações de Weingarten, Eskelsen Garcia, e Kay Henry são particularmente dececionantes porque cada um dos seus sindicatos afirmou apoiar o Medicare for All. Em 2019, a AFT, a NEA, e o SEIU apoiaram a Lei Medicare for All de Pramila Jayapal, e Kay Henry atacou a ideia de que Medicare for All iria prejudicar os trabalhadores sindicalizados: ” “Indigna-me profundamente que os 16 milhões de trabalhadores que se juntaram e lutaram por melhores planos de saúde sejam atirados contra os milhões de trabalhadores americanos que lutam para terem acesso à cobertura de cuidados de saúde.”.

Weingarten em múltiplas ocasiões, incluindo há apenas alguns meses atrás, professou o seu apoio a um modelo de pagador único, ou seja de Medicare for All. Como ela explicou em 2017, “Já é bem tempo de nos juntarmos aos mais de 30 países que garantem o acesso universal a cuidados de saúde de alta qualidade e a preços acessíveis. O projeto de lei Medicare for All do Senador Bernie Sanders oferece um caminho para alcançar este objetivo”.

Esta desconexão dramática entre palavras e atos provém de uma estratégia de trabalho dentro das estruturas de poder do Partido Democrático, em vez de as desafiar. Como a votação do DNC desta semana deixa claro, o declínio de décadas de trabalho organizado, e a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora, continuará até que os nossos sindicatos finalmente rompam os seus laços com os lideres do Partido Democrático comprados pelas grandes empresas.

No meio de uma pandemia devastadora, os líderes da AFT, NEA, SEIU, e IBEW tiveram uma oportunidade de lutar pela saúde dos seus membros e da classe trabalhadora em geral. Em vez disso, eles colocaram-se do lado do status quo. Os trabalhadores precisam, e merecem, melhor do que isto.

Sobre o autor

Eric Blanc is the author of Red State Revolt: The Teachers’ Strike Wave and Working-Class Politics.

Esta semana, líderes democratas rejeitaram o Medicare For All de novo

Na semana passada, o comitê encarregado de estabelecer a plataforma do Partido Democrata rejeitou decisivamente o Medicare for All - mesmo quando milhões de americanos estão prestes a perder o seu seguro de saúde. É apenas mais um sinal que aponta para a falência moral da ordem política.

Luke Savage

Jacobin

Joe Biden apresenta os seus pontos de vista sobre a pandemia coronavírus. (Drew Angerer / Getty Images)

Tradução / Nos primeiros meses da pandemia do coronavírus, houve um receio momentâneo na esquerda de que a administração Trump pudesse aproveitar a crise para um efeito político mortífero. Com a notícia de um congelamento das expulsões federais e o burburinho inicial sobre os subsídios massivos para os desempregados, será que o Partido Republicano, tradicionalmente bajulador em relação às empresas que o financiam, passaria a defender uma versão populista do Estado Providência e ultrapassaria os Democratas?

Em retrospetiva, a questão parece absurda. Trump, fiel à forma, regressou rapidamente ao seu teatro preferido da guerra cultural e provou ser demasiado preguiçoso política e ideologicamente para tomar os tipos de medidas que poderiam  melhorar  a sua posição nas sondagens  e garantir uma  vitória em Novembro.

Durante aproximadamente o mesmo período, uma história paralela estava a ser contada nos meios de comunicação liberais sobre o então candidato presidencial do Partido Democrático Joe Biden, mas ainda na incerteza. Um moderado em toda a sua vida  (a palavra “liberal” é usada quando na realidade significa “conservador”), poderia o antigo vice-presidente refazer  a sua imagem  como a segunda vinda de Franklin Delano Roosevelt e iniciar um conjunto de reformas tão ambiciosas como o New Deal?

A questão sempre foi tola, já que qualquer pessoa com um conhecimento superficial da história e da carreira de Biden poderia instantaneamente tirar a sua conclusão. Alguma versão da mesma, além disso, aparece invariavelmente nas semanas que antecedem a Convenção Nacional Democrática – logo à medida que o presumível nomeado do partido começa a executar o papel convencional virado para o centro neoliberal que irá manter até ao dia das eleições (e depois, caso ganhe).

No papel, as elites democráticas parecem estar sempre “a mover-se para a esquerda”. Na prática, estão a combatê-la em quase todas as supostas viragens à esquerda  e a deixar claro que rejeitam categoricamente as exigências da Esquerda – mesmo quando estas exigências gozam de um forte apoio popular em todo o país.

Se os precedentes do passado não deixarem de ser uma tagarelice transparente dos meios de comunicação social sobre uma ambiciosa agenda liberal nas próximas eleições gerais, a semana passada ofereceu fortes pistas sobre onde é que se encontra realmente o centro de gravidade dos círculos Democratas dominantes,   no meio de uma pandemia global, de uma revolta popular sem precedentes contra o racismo e no que será provavelmente a crise económica mais destrutiva desde a Grande Depressão.

Na quarta-feira passada, 139 democratas da Câmara votaram pela rejeição de um corte de 10% no orçamento do Pentágono proposto pelo co-Presidente do Caucus Progressista  do Congresso, Mark Pocan. Na segunda-feira, os delegados do comité da plataforma do Comité Nacional Democrata  rejeitaram Medicare For All (M4A) por uma margem de 36-125-3, juntamente com uma emenda que instava o partido a defender  a legalização da marijuana.

Na terça-feira, o líder da maioria da Câmara, Steny Hoyer, sinalizou que o partido está pronto a fazer concessões sobre  a extensão dos 600 dólares adicionais em subsídios semanais de desemprego que milhões têm recebido durante a COVID-19 – ecoando pontos de conversa da direita segundo os quais  tais benefícios serviriam como um “desincentivo ao trabalho”.

Juntando o que tem sido um mês verdadeiramente estelar para as elites dos  democratas, Biden – que tem atualmente uma sólida liderança nas sondagens – explicou a um grupo de doadores de Wall Street que na realidade não irá propor qualquer nova legislação para controlar o poder empresarial ou para  mudar o comportamento dos dirigentes das empresas . “A América empresarial tem de mudar os seus caminhos”, disse Biden numa angariação de fundos, a Jon Gray um alto executivo de Blackstone, acrescentando: “Não vou exigir nenhuma nova  legislação. Não estou a propor nenhuma”.

Como David Sirota salienta, essa promessa contrasta diretamente com uma série de iniciativas potencialmente importantes em que Biden está teoricamente empenhado – incluindo propostas visando reforçar a autonomia dos trabalhadores e a  adotar uma  legislação sobre responsabilidade empresarial, propostas ainda colocadas no seu próprio sítio web. Entre a responsabilidade das empresas, as despesas militares, a justiça criminal, os subsídios de desemprego e cuidados de saúde universais, tudo isto equivale a um impressionante registo de triangulação durante um período de tempo de tirar o fôlego.

Em cada uma destas áreas, há um forte argumento de que a elite dos Democratas  não só rejeita as preferências das suas próprias fileiras, como também a opinião pública como um todo. O M4A e a legalização da marijuana, para além de serem políticas urgentes e moralmente necessárias, gozam de um apoio maioritário tanto entre os democratas como entre o público em geral.

São cada vez menos e  menos  os americanos  a estarem  convencidos de que o Pentágono precisa de mais um aumento no seu financiamento. Mesmo antes do coronavírus, os eleitores nas primárias do estado conservador que resgataram as ambições presidenciais de Biden, então em queda,  acreditavam em números esmagadores que o sistema económico americano necessitava de “uma completa reviravolta”.

Se há uma lição em tudo isto, é que nem as crises nacionais nem as ondas de protesto de rua são suficientes para fazer com que qualquer das alas da classe política da América responda às necessidades e exigências do povo comum. Quaisquer que sejam os gestos vagamente populistas que lhe permitiram ganhar em estados como Ohio e Wisconsin, a máquina política do Partido Republicano sob Donald Trump está simplesmente demasiado atrofiada para utilizar a seu favor o momento atual para ganho político.

A oposição liberal supostamente reformadora, apesar das suas diferenças, está, entretanto, pronta a tomar o poder em Janeiro com um ethos anti-populista semelhante à sua filosofia orientadora. Os líderes democráticos estão a oferecer o habitual aceno de cabeça à agenda favorecida pelos seus próprios ativistas (e uma faixa  insignificante do público em geral) ao mesmo tempo que deixam claro que a sua lealdade é, em última análise, aos seus financiadores  e aos interesses financeiros.

Milhões perderam o seu seguro de saúde, com mais milhões a serem despejados e arruinados graças a uma pandemia que pôs a nu a crueldade essencial do consenso político bipartidário da América. Mas se os temas básicos de 2020 foram o protesto popular e a crise económica, o sentimento dominante entre a liderança política do país continua a ser de estagnação moral e política. A última semana é a prova viva disso mesmo.

Sobre o autor

Luke Savage is a staff writer at Jacobin.

28 de julho de 2020

A África pós-independência tinha sonhos de liberdade. O neoliberalismo não oferece nada além de subordinação.

Embora falhos, os governos africanos nos primeiros anos pós-independência projetaram uma visão além do neocolonialismo e da subordinação ao Norte Global. O neoliberalismo aprofundou a subjugação do continente - e a disfarçou de não ideológico.

Adebayo Olukoshi
Tetteh Hormeku-Ajei
Aishu Balaji
Anita Nayar

Jacobin

Kwame Nkrumah em uma seção eleitoral em 1956, um ano antes de Gana conquistar a independência. (Central Press / Getty Images).

Tradução / Em 1965, o líder político africano, um dos fundadores do Pan-Africanismo, Kwame Nkrumah, descreveu o paradoxo do neocolonialismo na África, em que “o enriquecimento do solo era, predominantemente, não para o povo africano, mas para grupos e indivíduos que concretizavam o empobrecimento do continente”. Ele capta características essenciais que seguem sendo parte das políticas econômicas da África.

Reforçado por meio do neoliberalismo no período contemporâneo, muitos Estados da África permanecem dependentes da exportação de mercadorias primárias que enriquecem os países do hemisfério norte, cuja política doméstica se contrasta pela desigualdade de seus regimes de auxílio, comércio e investimento, e o que agora é, após quase quatro décadas de ajuste estrutural, um Estado de austeridade quase permanente. Apesar dessas falhas evidentes, o neoliberalismo continua dominando o continente, impulsionado por violentos ataques ideológicos e imposições do regime político do hemisfério norte que vem suprimindo quaisquer espaços para se pensar ou construir alternativas.

Imediatamente no período pós-independência, os governos africanos desafiaram a exploração neocolonial sobre o continente. Independente de seus posicionamentos ideológicos, eles viram qual a tarefa central de seu tempo, como garantir o rompimento de suas agências político-econômicas com seus subordinados da ordem econômica global e imaginando um novo modelo.

Em contraste com a exteriorização contemporânea de elaboração de políticas, eles corresponderam de forma criativa aos interesses materiais da maioria das pessoas. O Estado patrocinou e estabeleceu industrias; providenciou a educação universal para fomentar habilidades necessárias para a transformação da economia; construiu infraestruturas sociais para facilitar o trabalho reprodutivo; desvinculou das moedas coloniais; disponibilizou recursos tanto para fins domésticos, quanto para mulheres por meio das políticas do Banco Central desenvolvimentista; trabalharam para diversificar os recursos de receita; e construíram uma solidariedade regional.

O projeto de pós-independência foi podado e sabotado através dos esforços ativos dos governos do Norte, incluindo seus ex-colonizadores. Eles desmantelaram os governos africanos através de golpes e assassinatos, além de oportunisticamente se apropriaram da quebra das commodities em 1980, que devastou as economias africanas. Essas condições levaram a aceitar os projetos de liberalização, austeridade e privatização impostas pelo Banco Mundial (BM) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Após quatro décadas, a dominação ideológica do neoliberalismo se aprofunda. Espaços em que o pensamento progressista tem se fragmentado e a produção do conhecimento vem sendo monopolizada pela lógica do livre-mercado. As más-leituras tendenciosas definem o período pós-independências colocando-o como ideológico, estadista e de pouca abundância, construindo um senso que pode ser resumido com o pronunciamento Thatcherista de que “não existe alternativa.”

Resgatando as políticas de pós-independência

Três más-leituras generalizadas sobre o período de pós-independência foram apropriadas para o desmonte dos programas de ajuste estrutural na década de 80, e para a sustentação dos programas hegemônicos neoliberais na África.

Primeiro, o BM/FMI e os governos do Norte colocaram os líderes da pós-independência como excessivamente ideológicos, de modo a descredibilizar a experiência por completo. Na realidade, enquanto havia motivação ideológica, a quantidade de políticas aderidas pelos governos africanos para consolidar a soberania econômica eram similares perante o espectro. O Kenya, de orientação capitalista; a Zambia, como socialista-humanista; a Gana, com o socialismo científico; o Senegal, reivindicando a negritude, e a Houphouet-Boigny’s Côte d’voire (posteriormente, Costa do Marfim), assumiram o papel central na construção de um Estado socioeconômico transformador no pós-colonialismo, frequentemente conduzido pelo ethos da coletividade, que vão de encontro com as necessidades da sociedade perante a ausência de quaisquer classe capitalista privada local que fosse significante, e os níveis necessários de desenvolvimento para a transformação.

Isso muitas vezes revelava a criação de empresas estatais e pesados ​​investimentos em capital humano; políticas fiscais e monetárias intervencionistas; e um uniforme (se não, inconsistente) compromisso com a industrialização por substituição de importações (construção de indústrias domésticas em vez de depender de importações). A falsa homogenização do projeto desenvolvimentista pós-independência como uma falha ideológica permite que o neoliberalismo se posicione como um “objetivo” e um recurso racional para esse período ao invés de uma ideologia por si só, passível de constastação.

Segundo, o papel forte do Estado no desenvolvimento político pós-independência tem se tornado o culpado pela falta de progressos da África e usado para justificar a implementação do mercado como solução, estabelecendo as bases para a privatização e desregulação em larga-escala. Na realidade, todas as economias pós-independência foram amplamente orientadas pelo mercado com a dominância de setores-chave a partir do capital externo que auxilia a continuidade do modelo colonial.

Os governos pós-independência, no entanto, delimitaram a regulação do capital estrangeiro através de, por exemplo, nacionalização estratégica das industrias e o controle de capital. Por fim, o fracasso em reduzir o domínio do capital estrangeiro, a dependência contínua das exportações de mercadorias primárias e as implicações do sistema econômico global trabalharam para minar o projeto de desenvolvimento pós-independência. Essa realidade foi se tornando obscurecida pela intervenção do Estado como bode expiatório, justificando posteriormente o encorajamento de capital estrangeiro e contínua integração perante uma ordem econômica global de desigualdade.

Thandika Mkandawire e Charles Soludo destacaram a hipocrisia dessa narrativa ao constatar que o projeto de pós-independência não era a orientação política dominante nos outros países mundo afora. Após a depressão, a Europa se reconstrui através de uma intervenção massiva orientada pelo Estado, e pelo Plano Marshall, liderado pelos EUA, passou longe de ser um exercício de orientação de mercado. Conforme observa Ha-Joon Chang, a deslegitimização do Estado como atuante no desenvolvimento da África negou ao continente os próprios instrumentos de política usados ​​pelo Norte para se desenvolver.

E assim, o mito das instituições fracas e ineficientes no período de pós-independência sustentou os esforços para desmantelar o Estado e seu papel na provisão socioeconômica. Isso distorce qual foi o período político unicamente consistente no continente, em que houve políticas de tarifa estável e taxação, além de planos de desenvolvimento público e orçamento.

Mkandawire e Soludo sugerem que os atores neoliberais como o BM e o FMI simplesmente sabotaram as instituições no período de pós-independência: os correios rurais também eram bancos de poupança e locais de encontro para a comunidade, a Junta do Cacau de Gana também arrecadou dinheiro para financiar a educação. Como tal, quando foram desmanteladas e substituídas por instituições padronizadas e de monotarefas durante o ajuste estrutural e ferindo a sociedade, que era parte integrante da agenda pós-independência.

Por exemplo, após a corrida-estatal a Junta do Cacau de Gana se desmantelou, universidades foram forçadas a recorrer aos fundos privados, e esses doadores com o tempo reformularam e despolitizaram o currículo. A sensação resultante de deslocamento, alienação e mercantilização minou os profundos esforços dos governos pós-independência para promover a inclusão socioeconômica.

O período de pós-independência teve uma série de limitações, criticamente relacionadas à falha de como abordar adequadamente desequilíbrios desse gênero, impedindo trabalhadores independentes e movimentos camponeses, ou na construção sistemas fortes descentralizados do governo local. De toda forma, quando comparado à era neoliberal, havia uma clareza inspiradora ao redor do objetivo de transformação estrutural e uma riqueza de esforços de políticas destinadas a transformar os padrões neocoloniais que ainda dominam o continente.

As perguntas feitas pelos governos na pós-independência, em que as políticas eram as respostas formuladas, foram ignoradas pelo neoliberalismo. Portanto, é importante para os africanos irem além das narrativas persistentes que servem para impulsionar o neoliberalismo e reafirmar as experiências da África neste período como uma âncora para alternativas de desenvolvimento.

Republicado de Africa Is a Country.

Esse artigo surgiu do projeto Post-Colonialisms Today, que busca resgatar o pensamento progressista e políticas do início da África pós-independência até os dias de hoje.

Sobre o autores

Adebayo Olukoshi é diretor para a África e Ásia Ocidental no International IDEA e no comitê consultivo para o Post-Colonialisms Today.

Tetteh Hormeku-Ajei trabalha na Third World Network-Africa e no Post-Colonialisms Today Working Group.

Aishu Balaji é coordenador da Regions Refocus e parte da secretaria do Post-Colonialisms Today.

Anita Nayar é diretora do Regions Refocus e parte da secretaria do Post-Colonialisms Today.

27 de julho de 2020

Golpe em curso na Bolívia

Diante da vitória do partido MAS de Evo Morales, o governo boliviano adiou as eleições mais uma vez - o mais recente ataque à democracia por um regime de golpe de Estado apoiado pelas potências ocidentais em seu nome.

Oliver Vargas

A presidente interina Jeanine Áñez assina um projeto de lei para convocar novas eleições no Palácio do Governo boliviano em 24 de novembro de 2019 em La Paz, Bolívia. Gaston Brito Miserocchi / Getty.

Tradução / Quando as autoridades eleitorais do governo boliviano anunciaram estranhamente à nação que as eleições seriam suspensas pela terceira vez em quatro meses, o medo provocado em muitos parecia desaparecer repentinamente. Foi substituída pela fúria de um país cujos distritos operários e áreas rurais foram levados a acreditar que eleições livres e justas, em 6 de setembro, proporcionariam uma rota pacífica para sair do dramático colapso econômico que se encontra o país.

A esperança era que essas eleições marcassem o fim do regime autoritário nas mãos de um governo que não foi eleito, e que é a prova de como os EUA governam seu “quintal”, abrindo caminho para que o neoliberalismo dispense seus supostos valores ao enfrentar aqueles que clamam por soberania nacional e controle público dos recursos naturais.

Quando as eleições foram suspensas na semana passada, os líderes indígenas e sindicais da Bolívia – a maioria com acusações pendentes – anunciaram mobilizações em uma escala muito superior à resistência desorganizada ao golpe feito em novembro de 2019. Na próxima semana, esses movimentos sociais lançarão o que provavelmente é uma luta final pela democracia; se eles forem derrotados, uma perseguição brutal os aguarda nos próximos tempos.

O adiamento interminável das eleições presidenciais não recebeu muitas críticas da mídia corporativa e ONGs de língua inglesa, muitos dos quais elogiaram o golpe como um triunfo da democracia que daria início a eleições justas. Certamente, até o New York Times agora admite que as alegações iniciais de fraude que legitimavam a expulsão de Evo Morales eram falsas.

Na época, jornalistas liberais como Yascha Mounk escreveram na Atlantic sobre a “perspectiva real de eleições livres”, e o diretor executivo da Human Rights Watch, Ken Roth, falou ingenuamente sobre como “a coisa mais importante agora, neste momento de transição para a Bolívia, está assegurado... direitos fundamentais, inclusive protestar pacificamente e votar com eleições transparentes, competitivas e justas”.

Quem está ciente do que realmente aconteceu em novembro de 2019 sempre soube que o regime atual nunca teve a intenção de instituir a democracia. O governo, liderado pela autodeclarada presidente Jeanine Áñez, nasceu de um golpe militar que celebrou seu triunfo queimando a bandeira indígena de Wiphala em praças públicas, seguido pelos assassinatos de manifestantes pró-democracia indígenas em Sacaba, Cochabamba e Senkata, El Alto, que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos rotulou como massacres.

A perseguição que se seguiu à repressão inicial foi igualmente feroz. O candidato à presidência do Movimento Rumo ao Socialismo (MAS), Luis Arce, foi perseguido com acusações com clara motivação política, e agora o regime está pressionando o conselho eleitoral a proibi-lo de permanecer de pé. Quase todos os líderes sindicais e indígenas têm acusações semelhantes sendo apresentadas contra eles, principalmente por “insubordinação”.

A estação em que trabalho – Radio Kawsachun Coca – teve que trabalhar nesse clima. Meu colega Landert Marca foi preso há alguns meses enquanto relatava um evento realizado pelos sindicatos do tropico de Cochabamba. Nosso sinal de rádio foi congestionado ou capturado completamente em várias áreas, e nossos escritórios na cidade de Cochabamba foram incendiados por gangues de extrema-direita um dia antes do golpe.

O governo de Jeanine Áñez se declarou “interino”, cuja única tarefa era organizar eleições. Mas eles tinham outras prioridades. Suas primeiras mudanças foram na política externa, rasgando a abordagem integracionista e anticolonial de Evo Morales e imediatamente restabelecendo os laços diplomáticos com os EUA e Israel, além de dar as costas à integração latino-americana através de instituições como a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).

O Departamento de Estado dos EUA levou seu delegado ao palácio presidencial para ajudar a gerenciar essa interminável “transição”. Erick Foronda, conselheiro-chefe da embaixada dos EUA na Bolívia por 25 anos, foi nomeado secretário particular do presidente Áñez. O papel de liderança de Foronda no governo do país pode ser visto no fato de os próprios ministros de Áñez lamentarem a maneira pela qual ele anulou os departamentos do governo e cortou o acesso a presidência.

O governo também priorizou “reformas” econômicas em vez de promover eleições. O FMI voltou ao país com um empréstimo gigantesco de US$ 327 milhões. Para acomodar isso, o regime paralisou os grandes projetos estatais de desenvolvimento anunciados por Evo Morales. Os planos de processar as reservas de lítio do país dentro da própria Bolívia foram suspensos. O contrato com a empresa alemã ACISA, que concedeu à estatal boliviana participação majoritária, foi rapidamente destruído após o golpe. As plantas industriais de processamento, que Morales inaugurou, também foram fechadas desde sua destituição.

A enorme planta de ureia e amônia instalada na região de Cochabamba, a unidade de maior prestígio da companhia estatal de gás, sofreu o mesmo destino. A novo sistema de bondes elétricos da cidade de Cochabamba estava quase completo; todas as estações e trilhos foram construídos e os bondes fabricados. Faltava apenas pagar a agência aduaneira chilena para liberá-los da alfândega e transportá-los até a cidade. O regime se recusou a pagar, agora a agência chilena está colocando os vagões à venda em leilão.

A sabotagem deliberada ao desenvolvimento econômico da Bolívia tem sido um alicerce do novo governo. Esta política teve consequências dramáticas na habilidade do país em resistir ao impacto econômico da COVID-19. No país, 38% da população perdeu integralmente sua renda, enquanto 52% perdeu uma parte de sua renda. O recuo deliberado do Estado fez com que 90% dos que estão sofrendo durante a quarentena não recebam nenhum suporte de renda; o único gesto foi um pagamento universal único de US$ 70 em abril, para durar quatro meses de lockdown.

Diante dessa situação de desespero, eleitores estavam ansiosos para dar fim ao experimento golpista, que já dura 8 meses, nas urnas em setembro. Pesquisas mostram que o MAS está rumo à uma vitória de primeiro turno, com Áñez, ficando para trás no distante terceiro lugar. Poderia ser um final pacífico para um período violento. Entretanto, determinado em se agarrar ao poder a qualquer custo, o regime está usando a COVID-19 como uma justificativa para adiar as eleições. Alegando que as eleições iriam disseminar o vírus, mesmo com a reabertura do transporte público e parte da economia, eles têm pressionado por seu adiamento.

A nova data é 18 de outubro. Mas a sociedade civil perdeu a fé de que isso será respeitado. De forma muito organizada, sindicatos, grupos indígenas e associações de bairro nos distritos da classe trabalhadora, anunciaram formalmente mobilizações por período indeterminado para demandar o direito ao voto.

Em novembro, grupos indígenas filiados ao MAS se mobilizaram, bloqueando vias em áreas rurais e se juntando aos protestos nas cidades. Mas agora o movimento é muito mais amplo. A Federação Nacional dos Sindicatos (COB) está mobilizando todos seus membros associados em nível nacional para um massivo protesto terça-feira, no qual mais ações serão anunciadas. Eles não se mobilizaram em novembro do ano passado durante o golpe. Na cidade indígena de El Alto, vizinha de La Paz, a Federação dos Conselhos de Bairro (FEJUVE) está mobilizando todos os distritos. Em novembro, os líderes da federação foram presos e forçados a se esconder, o que significa que os protestos anti-golpe foram, em grande medida, espontâneos. Agora eles têm uma abordagem sistemática.

O movimento também se fortalece com o fato de que as demandas não são apenas sobre democracia, mas também contra as medidas econômicas neoliberais que afetaram toda a sociedade. Ao anunciar os protestos, o líder da COB, Juan Carlos Huarachi, explicou: “Precisamos de um governo eleito democraticamente para discutir novas políticas, não apenas de questões sociais, mas também de problemas econômicos… em oito meses nós vimos o colapso do país. Infelizmente, essa é a realidade, com receitas do FMI, chantagens contra a população, chantagens contra o legislativo.”

O movimento boliviano de resistência é poderoso, mas não há garantia de vitória. Os dois massacres em novembro são prova de que o governo está preparado para ver sangue nas ruas e o apoio de potências ocidentais tem sido fundamental para escorar um regime que definha com 16% nas pesquisas eleitorais.

A Bolívia mostra como ideólogos do livre mercado ficam mais do que felizes em jogar fora qualquer semblante de regras democráticas, caso se sintam ameaçados. Também expõe a verdadeira face de intervenções em assuntos internacionais por parte de governos como os EUA e Reino Unido para “promover democracia.”

Se o restante de nós quer assegurar que o golpe na Bolívia não resulte no fim da democracia para sempre, àqueles que demandam eleições livres, justas e imediatas, irão precisar de nossa solidariedade.

Sobre o autor

Oliver Vargas é um jornalista boliviano que trabalha para a Rádio Kawsachun Coca na região de Cochabamba.

Como a deportação se tornou o núcleo da política de migração da Europa

Nos últimos anos, os estados membros da União Europeia construíram as suas políticas de migração em torno de um sistema cada vez mais elaborado de filtragem de pessoas e de encontrar formas de expulsá-las. Este esforço para colocar obstáculos não é apenas caro ou ineficiente, mas também totalmente anti-humano - submetendo a vida dos migrantes aos caprichos dos recrutadores e a processos burocráticos opacos.

Daiva Repečkaitė


Pessoas em condição de solicitação de refúgio viajando de barco no Mar Mediterrâneo, entre Malta e Tunísia. (Marco Di Lauro / Getty Images)

Tradução / "Os solicitantes de abrigo com pedidos rejeitados são terrivelmente difíceis de deportar”, escreveu a revista The Economist em janeiro de 2017, analisando a ambição de Malta em usar seu período na presidência da União Europeia para conter a migração pelo mar. Enquanto os líderes debatiam sobre como classificar e processar as pessoas, Sarjo Cham, da Guiné-Bissau, só queria jogar futebol com seus amigos malteses e internacionais. “Eu tenho dinheiro para viajar com eles [para torneios no exterior]. A única coisa que não tenho é um documento de viagem”, disse ele em um painel de discussão no mês de dezembro.

De fato, os solicitantes rejeitados e as burocracias relativas à falta de documentos são “um inferno” por motivos diferentes. No último caso, a forma de tratamento de quem teve sua solicitação negada é uma questão de demonstrar controle – sobre as fronteiras, movimentos e até mesmo a linguagem.

Vindo de um país onde chefes do tráfico internacional aterrorizavam a população, Sarjo poderia ter tido mais sorte com seu caso de solicitação na Suécia. Mas se ele fosse rejeitado lá, ele também seria impedido de jogar futebol, pois os clubes esportivos também excluem pessoas sem um número de identificação.

Por outro lado, em 2018, Malta criou um programa de residência para solicitantes rejeitados que trabalhavam e demonstravam “esforços de integração” ao longo de vários anos – e uma política semelhante de “mudança de categoria” existe na Alemanha. Alguns outros estados membros da União Europeia, como República Tcheca, Eslováquia e Romênia, oferecem um status formal de tolerância, enquanto a Grécia permite que os eles trabalhem apenas nos ramos da agricultura, do trabalho doméstico e da indústria têxtil. Alguns dos demais países oferecem autorizações temporárias de residência.

Portanto, embora pessoas com e sem probabilidade de conseguir vaga em um abrigo atravessem os mesmos desertos e embarquem nos mesmos navios, o tratamento que recebem é amplamente divergente em toda a UE. A Diretiva de Retornos, adotada em 2008 para garantir direitos básicos para pessoas sem direito de permanecer em um país da UE, exige apenas que os países atendam às suas necessidades básicas de sobrevivência.

Na Áustria, na Suécia, no Reino Unido e em alguns outros estados, solicitantes de abrigo que são rejeitados não têm permissão de trabalho. Em meio a uma colcha de retalhos de direitos radicalmente diferentes em relação à saúde, educação e benefícios sociais, essas pessoas são deixadas e acabam dependendo de conexões informais para encontrar um espaço para ficar e uma fonte de renda.

Como devemos designá-los?

Alei de acolhimento é complicada. Ao participar de uma mesa-redonda de uma ONG, você pode ouvir sobre COI (informações sobre o país de origem), TCNs (nacionais de terceiros países, ou seja, não pertencentes à União Europeia) ou até mesmo NRAS (solicitantes rejeitados não removidos). De maneira geral, linguagem técnica é difícil de explicar ao público. Repita “refugiados e beneficiários de proteção subsidiária” – duas categorias que possuem o maior número de direitos – várias vezes em um artigo de notícias e isso consumirá grande parte das palavras. A mídia, portanto, busca um termo abreviado e geralmente os chama de “refugiados” ou “migrantes”.

Em 2015, enquanto um grande número de pessoas atravessava a Europa na tentativa de solicitação de abrigo, a Al Jazeera English atribuiu explicitamente que atravessar o Mar Mediterrâneo não é um ato de livre vontade – como implícito no termo “migrante”. Para simpatizar com as aspirações dos solicitantes, a mídia liberal alemã também optou por usar “refugiados” (Flüchtlinge) em vez de “solicitantes de abrigo”.

O jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) traz um trecho do aclamado discurso de Angela Merkel, em 2015, em que ela proclamou que a Alemanha “pode fazer isso”, ou seja, que o país pode lidar com um aumento nas solicitações de refúgio. O discurso se tornou a base da chamada Política de Portas Abertas, embora poucos tenham notado que Merkel nunca prometeu decisões favoráveis para todos.

Segundo o FAZ, “[medidas para gerenciar o influxo] variam desde acelerar o processo de acolhimento e ‘repatriação’ dos refugiados que não podem comprovar perseguição política, até questões de acomodação.” Portanto, quando as autoridades responsáveis pelo processo tomaram suas decisões e a Alemanha, de fato, começou a deportar solicitantes rejeitados, houve confusão generalizada – e alegria por parte do campo internacional anti-imigração. Veja que até mesmo a Alemanha mudou de ideia! Mas não exatamente.

Na verdade, faz décadas que os países europeus têm fortalecido suas políticas de deportação. Antes de 2015, um a cada seis solicitantes de refúgio na União Europeia eram dos Balcãs Ocidentais, e a maioria era rapidamente enviada de volta sem nenhuma cerimônia. Ao reduzir benefícios e criar condições semelhantes às de prisões, os países esperam que os migrantes sem uma solicitação de abrigo convincente decidam racionalmente que não vale a pena.

A Holanda, Suécia e Noruega são conhecidos por possuir meios particularmente elaborados para excluí-los da sociedade formal, negando-lhes acesso a emprego, benefícios, educação e cuidados de saúde. Isso não é novidade. Porém em 2015, a situação compartilhada das pessoas com e sem esperanças razoáveis de proteção fez com que a mídia simpática sentisse que deveria haver uma única palavra para todos eles. A BBC, entre outros, insistiu em “migrantes”. Afinal, existem outras autoridades cujo trabalho é separá-los uns dos outros.

A máquina seletiva

Conforme pessoas de diferentes continentes se moviam lado a lado, as autoridades se apressaram em centralizar o processo de classificação. Os “hotspots” na Itália e Grécia, desenvolvidos em 2015, prepararam pessoas com um caso sólido para se deslocarem para outros países usando o mecanismo de redistribuição. O acordo UE-Turquia de 2016 estabeleceu que pessoas que atravessassem a Turquia para a UE sem um caso forte seriam enviadas de volta, enquanto aquelas com um caso sólido seriam reassentadas a partir da Turquia. Assim, os países do Mediterrâneo lidariam com os rejeitados, enquanto os refugiados reconhecidos seguiriam para o Norte.

Por volta de 2014, as Ilhas Maltesas, localizadas entre a Líbia e a Sicília, foram aliviadas do dever de classificação. A Itália coordenaria todos os resgates no mar na área e direcionaria os navios de resgate para ilhas italianas para processamento adicional. Mais de 2.000 pessoas chegaram a Malta pelo mar em 2013, mas apenas vinte e quatro em 2016, então a infraestrutura para acolhimento de Malta abriu-se para outros.

O país cumpriu sua cota de realocação da UE, trazendo solicitantes de campos gregos, italianos e turcos. Centenas de líbios receberam proteção. Com o número de novos africanos subsaarianos sob controle, o governo começou a explorar a regularização para aqueles que já estavam dentro. A economia próspera de Malta deu a pessoas em todas as etapas do processo de buscar um abrigo a chance de encontrar emprego.

Então, os navios retornaram. Em 2017, Matteo Salvini, da extrema direita italiana Lega, foi ao Facebook prometer “expulsões em massa, fechamento de centros [de recepção], e os navios da marinha [enviando pessoas de volta após resgatá-las]”. No ano seguinte, ele se tornou o ministro do interior e começou a negar a entrada a navios de resgate. Enquanto isso, sob o comando de Donald Trump, o programa de reassentamento de refugiados dos EUA, que costumava aceitar centenas de pessoas de Malta, reduziu-se a algumas dezenas.

Malta se viu novamente com o dever de classificação, e o foco mudou de gerenciar para prevenir a migração. Sabendo que as pessoas terão direitos assim que tocarem o solo, as autoridades supostamente contrataram frotas privadas para enviá-las de volta à Líbia e as mantiveram em prisões flutuantes. Enquanto reconhecem, em inúmeras decisões de asilo, que a Líbia não é segura para líbios, as autoridades de Malta acreditam que a Líbia é perfeitamente segura para africanos subsaarianos.

A abordagem de prevenção e dissuasão floresceu ao lado do reconhecimento de que a voraz economia do arquipélago precisa de trabalhadores migrantes. O ex-primeiro-ministro Joseph Muscat disse famosamente que preferiria ter migrantes do que malteses nativos trabalhando duro sob o sol. Mas o mais importante é que os migrantes não devem vir por si mesmos. As autoridades, agências de recrutamento e empresas têm o poder de escolher.

Em um grande paradoxo, quando um navio de resgate atracou após semanas no mar no ano passado, uma das primeiras declarações foi que quarenta e quatro bengaleses a bordo seriam imediatamente deportados. Enquanto isso, as agências de recrutamento estavam ocupadas procurando trabalhadores no sul da Ásia, incluindo Bangladesh. Em 2018, havia mais de 200 trabalhadores registrados de Bangladesh. Ao optar por fazer a perigosa viagem pelo mar em vez de pagar uma agência, os quarenta e quatro foram deixados de fora.

"Um inferno" de difícil para quem?

Agências centralizadas da União Europeia e estados membros pagam milhares de euros para deportar pessoas indesejadas. De acordo com as estatísticas da agência de fronteiras da UE, as autoridades mandaram embora pouco menos de 139.000 pessoas (especialmente ucranianos, albaneses e marroquinos) em 2019, de um total de 298.000 pessoas consideradas “passíveis de deportação”. Mas há alguma esperança para eles: em seu Manual de Retorno – um guia de gerenciamento de deportação para os estados membros – a Comissão Europeia defende a reconsideração das deportações para sobreviventes de tortura, estupro ou tráfico humano.

Por que esses sobreviventes não seriam elegíveis para solicitar vaga em um abrigo? Porque eles podem ter vivenciado essas crueldades não em seu país de origem, mas ao longo do caminho. Isso é comum. Sem vias seguras e legais para o trabalho, indivíduos fortes e saudáveis são elegíveis para permanecer na UE se chegarem com traumas. E se o deserto e o mar não os quebraram o suficiente, o próprio sistema pode fazê-lo. Na Suíça, pesquisadores descobriram que muitos solicitantes rejeitados se sentiam deprimidos ou suicidas.

Esse regime, no qual os países abrem “portas giratórias” e permitem que agências de recrutamento cobrem taxas exorbitantes em vez de permitir que os migrantes já presentes em seus territórios trabalhem e economizem dinheiro, possui muitos críticos. Na Espanha, mais de 1.100 organizações assinaram um pedido para abolir a classificação e categorização de pessoas e, em vez disso, adotar uma abordagem baseada em direitos para garantir que todos estejam seguros enquanto a pandemia continua a se espalhar.

No entanto, governos e seus apoiadores acreditam que as deportações devem continuar por uma questão de princípio, ou no intuito de desencorajar novas chegadas. Trata-se de manter o controle e poder fazer escolhas. Os formuladores de políticas prometeram deportações melhores e mais rápidas quando, em colaboração com comunidades religiosas, a Itália abriu corredores humanitários para reassentar até 600 pessoas da Etiópia, Jordânia e Níger. Em 2018, o país reassentou 400 pessoas da Líbia, Jordânia, Líbano, Sudão e Turquia.

Os corredores humanitários ajudarão os refugiados a evitar a perigosa travessia pelo mar. Os cidadãos dos países receptores aprovam essa iniciativa. No entanto, ela não resolve o problema para as pessoas que já estão em movimento, mas não têm uma reivindicação convincente.

Ninguém se beneficia com a exclusão

Uma equipe de pesquisa holandesa descobriu que solicitantes rejeitados “preferem as limitadas oportunidades de vida de imigrantes não autorizados [em vez de] retornar” ao país de onde vieram. Em vez de dissuadir aqueles que ainda pensam em fazê-lo, a incerteza legal prejudica as pessoas que já chegaram, adoecendo indivíduos anteriormente saudáveis e prontos para o trabalho. O mecanismo de prevenção e deportação esgota os orçamentos e a saúde das pessoas.

ONGs defendem uma abordagem pragmática e humanitária. As pessoas já fizeram a jornada e estão dispostas a ficar. A privação não beneficia ninguém, e a falta de direitos leva as pessoas à economia informal. Os empregadores também prefeririam manter os trabalhadores que contratam e treinam.
Enquanto as administrações nacionais se preocupam em serem vistas como completamente no controle, as cidades se veem confrontadas com as necessidades humanas muito reais dessa população.

Conscientes de forma pragmática de que a falta de moradia, a privação e doenças mentais não são de interesse de ninguém, cidades como Amsterdã e Viena estenderam com sucesso a oferta de serviços sociais e benefícios para àqueles que foram rejeitados, mesmo quando os governos nacionais estavam se esforçando para restringi-los. Dessa forma, os governos podem demonstrar sua rigidez, enquanto as cidades cuidam silenciosamente dessa população vulnerável.

No entanto, nem a caridade nem a prestação irregular de serviços locais oferecem uma solução sustentável para o movimento constante, perigoso e imprevisível de pessoas que procuram reconstruir suas vidas. Teoricamente, os quarenta e quatro bengalis levados a Malta por um navio de resgate ainda podem levantar dinheiro e pagar a uma agência para retornarem como trabalhadores convidados. No entanto, para as pessoas rejeitadas nos centros de triagem em Agadez (Níger), não há agência para solicitar esse processo. Mesmo para os africanos mais qualificados, não há viagens sem visto para conhecer potenciais empregadores. E aqueles que mais desesperadamente precisam de oportunidades não são os mais qualificados.

As discussões sobre soluções devem começar desestigmatizando a migração de trabalho. Afinal, os governos assinam acordos para facilitar a migração de alguns países do Sul Global, mas não da África subsaariana. Acadêmicos de Oxford, Alexander Betts e Paul Collier, sugeriram várias abordagens: abrir-se para a migração circular (“vir, contribuir, ganhar, aprender e retornar”) e criar programas de patrocínio privado, semelhantes aos do Canadá. Loren B. Landau, Caroline Wanjiku Kihato e Hannah Postel defenderam programas de migração de trabalho, estágios e um sistema de loteria de vistos confiável. Protegidos da incerteza do mercado informal, os migrantes poderiam enviar mais dinheiro para suas comunidades e, se o projeto de migração for financeiro, economizar dinheiro mais rapidamente.

Ainda assim, para construir um sistema justo, os formuladores de políticas devem reconhecer que a migração não é apenas um cálculo racional. Uma pessoa que parte em uma jornada carrega as esperanças de toda a sua comunidade – ou, ao contrário, pode ter cortado laços próximos, mas exploradores, em suas comunidades de origem. Muito frequentemente, novas comunidades, como clubes esportivos ou associações voluntárias, as recebem de braços abertos, se tiverem a chance. Então, por que apenas os empregadores, e não essas comunidades, têm o direito de apoiar o direito de alguém a ficar?

Abalados pela pandemia, os sistemas de bem-estar social europeus têm expandido sua abrangência. O bem-estar social é caro, mas também o são a deportação, a detenção e o desencorajamento. Ouvir as necessidades das pessoas seria o primeiro passo para redesenhar um sistema que agora se baseia na classificação de seres humanos e na catalogação de direitos. Para aqueles que precisam apenas de dinheiro, os governos e a Organização Internacional para as Migrações já fornecem subsídios de retorno. Para aqueles que precisam de segurança e liberdade, os empregadores e agências com preços elevados não deveriam ser os únicos a decidir o destino deles.

Colaborador

Daiva Repečkaitė é uma jornalista lituana que reside em Malta. Seu trabalho é focado em saúde e direitos humanos. Você pode encontrá-la no Twitter como @daiva_hadiva.

26 de julho de 2020

Como Cuba sobreviveu

Por décadas, comentaristas previram que o modelo socialista de Cuba não sobreviveria sem a URSS ou Fidel Castro. Eles estavam errados - e mesmo em face de sanções contínuas, seu sistema singular perdura.

Helen Yaffe

Médicos cubanos chegando na Itália, onde colaboraram para deter o coronavírus. Foto de Daniele Mascolo / Reuters.

Tradução / Por sessenta anos, a Revolução Cubana desafiou as expectativas e desprezou as regras. Cuba é um país de contradições; um país pobre que lidera indicadores mundiais de desenvolvimento humano e mobilizou a maior assistência humanitária internacional do mundo; uma economia fraca e dependente que sobreviveu à crise econômica e ao bloqueio extraterritorial criminoso dos EUA; anacrônico, mas inovador; formalmente condenado ao ostracismo, mas com milhões de defensores fervorosos em todo o mundo. Apesar de cumprir a maioria dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas em 2015, a estratégia de desenvolvimento de Cuba não é considerada um exemplo. Essas contradições exigem explicação. “Cuba é um mistério”, Isabel Allende, diretora do Instituto Superior de Relações Internacionais, me disse em Havana, “é verdade, mas você tem que tentar entender esse mistério”.

Os historiadores gostam de aniversários, ajudam a marcar a passagem do tempo e a dar perspectiva à sua passagem. O ano de 2019 marcou 60 anos desde que o Exército Rebelde tomou o poder da ditadura cubana de Fulgência Batista. Mas na metade do caminho estava outra data histórica útil: fazia trinta anos desde que Fidel Castro declarou publicamente que se a União Soviética se desintegrasse, a Revolução Cubana perduraria. Ele disse isso em 26 de julho de 1989, dezoito meses antes do colapso da URSS e quatro meses antes da queda do Muro de Berlim. Por três décadas, a sobrevivência do socialismo cubano foi atribuída à ajuda soviética. Hoje, a Revolução existe no mundo pós-soviético há mais tempo do que sob a esfera de influência soviética. Como é possível que o socialismo cubano tenha sobrevivido?

A Revolução é agora mais velha que o novo chefe de Estado, o presidente Miguel Díaz-Canel, um quadro do socialismo Cubano. É filho de um mecânico e uma professora primária, nascido em abril de 1960 em Placetas, pequena cidade do centro de Cuba fundada por colonos espanhóis em 1861. Em abril de 2018, com voto não muito unânime da Assembleia Nacional do Poder Popular, Díaz-Canel substituiu Raul Castro. Sua ascendência é um dos enigmas da história: o fim do reinado de Castro não sinalizou o fim da Revolução Cubana.

Durante anos, os estudantes de Cuba foram condicionados a acreditar que a trajetória da Revolução só poderia ser entendida por referência à biologia ou psicologia de Fidel Castro. Então Fidel adoeceu, renunciou, morreu, mas a Revolução sobreviveu. Raul Castro assumiu. Ele foi referido como o “irmão”, como se isso explicasse seu governo; o “reformador”, como se uma transição pacífica para o capitalismo estivesse assegurada. Raul veio, ele se reformou, renunciou e o sistema socialista prevaleceu.

Portanto, se não foram os “irmãos Castro” que explicaram a resistência cubana ao sistema, outros fatores devem ser responsáveis ​​por sua sobrevivência no mundo pós-soviético. Estávamos muito distraídos com toda a questão sobre o que a Revolução estava fazendo de errado para nos perguntar sobre o que estava dando certo e como?

Um povo revolucionário

Meu livro se propõe a contar essa história. We are Cuba! How a Revolutionary People Have Survived in a Post-Soviet World mostra como as decisões tomadas em um período de crise e isolamento desde o final da década de 1980 moldaram Cuba no século XXI nos domínios da estratégia de desenvolvimento, ciência médica, energia, ecologia, cultura e educação. Muitos desses desenvolvimentos ocorreram “sob o radar”, surpreendendo pessoas de fora como o Dr. Kelvin Lee, chefe de imunologia do Centro de Câncer de Nova York que está testando uma imunoterapia para câncer de pulmão em Cuba, que descreveu as conquistas da biotecnologia cubana como “inesperadas e emocionantes”.

O livro foca não apenas a política, mas as restrições e condições que moldaram cada ação, bem como as motivações, agendas e objetivos por trás delas. Ele traz à tona um elemento essencial que foi subestimado na maioria dos comentários sobre Cuba: o nível de engajamento da população na avaliação, crítica e emenda das mudanças políticas e reformas propostas, por meio de canais representativos, fóruns públicos, consultas nacionais e referendos. É aí que está a voz do povo revolucionário. Na Cuba socialista, a relação entre o “governo” e o “povo”, através das suas organizações, é extremamente permeável. O socialismo cubano sobreviveu com o apoio do povo revolucionário e o fracasso em reconhecer isso leva a distorções e equívocos sobre a legitimidade do governo revolucionário e o equilíbrio de poder.

Isso não significa negar a liderança e autoridade infatigáveis ​​de Fidel Castro, e o subseqüente domínio de Raúl Castro. Mas, como o historiador militar Hal Keplak apontou, “nem as FAR [Forças Armadas Revolucionárias] nem mesmo recursos policiais importantes foram necessários em uma função de segurança interna” para reprimir a agitação civil. Os projetos iniciados pelos Castros dependiam de sua capacidade de atrair o apoio do povo cubano. Daí a necessidade de ir constantemente ao povo, para explicar, instar, debater e ganhar o consenso para mobilizar o povo revolucionário para a ação.

O rótulo “povo revolucionário” no título do livro não significa apenas militantes comunistas, funcionários do partido ou burocratas estatais. Ele inclui comunidades e cubanos “comuns” que simplesmente seguiram com a arte de viver, unindo-se para superar o Período Especial de crise econômica. Me refiro aos habitantes das cidades que se tornaram agricultores urbanos para prover comida para si e seus vizinhos; a juventude “desconectada” que se tornou o Exército Cidadão na batalha das ideias; os ambientalistas que buscam o desenvolvimento sustentável e as energias renováveis; as equipes médicas que deixaram para trás seus lares e famílias para servir às comunidades mais pobres e negligenciadas do mundo; os médicos cientistas que trabalharam incansavelmente para produzir medicamentos que a ilha não podia importar por causa do bloqueio norte-americano ou do preço do mercado internacional; os cientistas sociais que alertaram os políticos de que os cubanos estavam sendo deixados para trás na busca pela eficiência; e os milhões de cubanos que compareceram várias vezes para debater as propostas de políticas e reformas que os afetariam.

Porém, o rótulo “povo revolucionário” também pode incluir pessoas insatisfeitas e críticas com as políticas governamentais, aqueles que “furtam” recursos do Estado, trabalham ilegalmente, ou vivem às custas dos turistas, os trabalhadores autônomos e agricultores privados, a juventude marginalizada e desempregada. No ciclo de regeneração revolucionária, qualquer um desses grupos poderia e foi reincorporado no projeto socialista, como comprova o livro.

Meu empenho foi escrever sobre Cuba como um “país de verdade”, sem o cinismo ou a condescendência que caracteriza muito do que é escrito sobre a ilha. Esses episódios incluem: a aceleração do internacionalismo médico cubano a partir do final da década de 1990; a Batalha de Ideias de 2000, com ênfase na cultura e na educação; a Revolução Energética de 2005, que promoveu a eficiência energética e as energias renováveis; e o desenvolvimento do setor de biotecnologia de Cuba.

Também me preocupei com a economia política do desenvolvimento em diferentes estágios: durante o período de “Retificação” no final dos anos 1980; a crise econômica da década de 1990 conhecida como “Período Especial”; reformas de 2008 sob o mandato de Raúl Castro; e debates mais contemporâneos sobre eficiência econômica e justiça social avançando. Hoje, o caminho de desenvolvimento socialista está em equilíbrio e, embora seja cautelosa com as tentativas de prever o futuro, a história pode nos ajudar a avaliar os fatores internos e externos que determinarão o resultado.

Como Cuba sobrevive

Os representantes políticos, chefes de instituições científicas, líderes das juventudes e outros cujas vozes estão representadas em meu livro não se manifestam por uma elite ou aristocracia mais do que Díaz-Canel o faz. Ao longo dos anos em Cuba, visitei as casas de ex-ministros, diplomatas, líderes políticos, intelectuais e outros profissionais que vivem em casas “comuns” sem luxo e que compartilham as privações diárias de seus vizinhos. Como funcionários do setor estatal, muitos de meus entrevistados recebem baixos salários, mesmo para os padrões cubanos, não obstante suas qualificações e responsabilidades de seus cargos são enormes.

Antes da Revolução, Allende me disse, o “grande sonho” de sua família era que ela trabalhasse como secretária na Empresa Americana de Eletricidade Cubana. Em vez disso, ela frequentou a universidade, tornou-se embaixadora e hoje é diretora de um importante instituto que treina diplomatas e acadêmicos. “Não sou milionária, não tenho nada disso, mas do ponto de vista do que fiz na minha vida… Será que isso aconteceria antes da Revolução? Não. Isso se deve exclusivamente à Revolução”. Da mesma forma, Jorge Pérez Ávila é filho de um motorista de ônibus que se tornou chefe de um hospital de renome mundial em doenças tropicais, o IPK. Estas são pessoas “comuns” que tiveram a oportunidade de fazer coisas extraordinárias pelo sistema cubano.

A análise também se baseia em minhas próprias experiências de visitar e viver em Cuba com frequência desde meados da década de 1990, quando fiquei na ilha pela primeira vez na adolescência. Esta foi uma época austera durante o “Período Especial”; vimos como os cubanos se sacrificaram para sobreviver, como indivíduos e como sociedade socialista num mundo capitalista. Foi uma experiência transformadora. Voltei regularmente: para festivais mundiais, brigadas de solidariedade, viagens de pesquisa e trabalho de campo, visitas pessoais, seminários acadêmicos e mais viagens de pesquisa.

Após a restauração das relações diplomáticas entre Cuba e os EUA no verão de 2015, Havana tornou-se “o lugar para se estar” para as bandas de rock veteranas, estrelas pop, políticos, cineastas e a indústria da moda. O presidente Barack Obama visitou Cuba em março de 2016, seguido rapidamente pelo ministro das Relações Exteriores britânico, o presidente francês e outros ministros europeus. Eles estavam atrás dos chefes de estado russos, chineses e latino-americanos. As arestas do bloqueio dos EUA foram destruídas por meio de licenças de comércio e investimento emitidas para empresas norte-americanas no governo Obama.

Enquanto isso, grandes desenvolvimentos internos estão em andamento em Cuba desde 2008. A distribuição de dois milhões de hectares de terras do Estado para fazendeiros privados; as Diretrizes para Atualização do Modelo Econômico e Social aprovadas em 2011 e atualizadas em 2016 reduziram o controle do Estado sobre a economia e cortaram gastos do governo; a Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel e uma nova Lei de Investimento Estrangeiro de 2014 procuraram canalizar capital estrangeiro para Cuba; centenas de milhares de trabalhadores foram transferidos de empregos públicos para cooperativas e novos empregos no setor privado, provocando um aumento nas remessas; e os cubanos foram autorizados a vender suas casas e carros em um mercado interno aberto pela primeira vez em trinta anos.

As aberturas dos mercados levaram muitos comentaristas externos a concluir que, intencionalmente ou não, Cuba está reintroduzindo o capitalismo. Eles deram aos legisladores dos EUA um pretexto para iniciar uma reaproximação sob Obama em dezembro de 2014, enquanto os legisladores, analistas e acadêmicos ocidentais especulavam se Cuba experimentaria uma transição ao capitalismo ao estilo do Leste Europeu ou uma liberalização econômica gradual sob as estruturas estatais centralizadas existentes, o “modelo chinês”. Enquanto isso, o governo cubano insiste que essas medidas são necessárias para preservar a revolução socialista. Onde está a verdade?

Como um castelo feito de areia, a reaproximação foi desmoronada pelo padrão de hostilidade do governo Trump. Em março de 2020, o governo Trump implementou 191 medidas contra Cuba; uma nova ameaça existencial para a revolução cubana. No entanto, a resposta cubana à pandemia da Covid-19, mais uma vez atraiu admiração internacional para o povo revolucionário de Cuba. Um antiviral cubano apresenta resultados positivos no tratamento de pacientes e profissionais de saúde cubanos viajam a dezenas de países para prestar assistência médica. Como pode uma pequena ilha caribenha, subdesenvolvida por séculos de colonialismo e imperialismo, e sujeita a sanções punitivas e extraterritoriais dos EUA por sessenta anos, ter tanto a oferecer ao mundo? Meu livro responde um pouco dessa pergunta.

Sobre a autora

Helen Yaffe é uma professora de teoria social e econômica na Universidade de Glasgow. Seu último livro é We are Cuba! How a Revolutionary People Have Survived in a Post-Soviet World.

Bilionários querem reabrir escolas em meio a pandemia. E isso pode desencadear uma onda de greves de professores

Interesses empresariais estão forçando a reabertura prematura das escolas para que possam retomar a economia e gerar lucro. Mas professores de todo o país estão insistindo que as escolas só devem ser reabertas quando isso puder ser feito com segurança – e a categoria já planeja entrar em greve para lutar contra os bilionários.

Eric Blanc

Jacobin

Professores protestam em frente ao escritório do Distrito Escolar do Condado de Hillsborough contra a reabertura de escolas devido a preocupações de saúde e segurança em meio à pandemia do COVID-19, em 16 de julho de 2020 em Tampa, Flórida. (Octavio Jones / Getty Images).

Tradução / Na semana passada, o Wall Street Journal publicou um editorial revelador intitulado “O caso da reabertura de escolas“. Nele, o conselho editorial reitera os argumentos mais comuns em favor do retorno imediato de alunos e educadores à sala de aula neste outono. Mas também deixam claro que quando e como reabrir as escolas reflete um conflito fundamental entre educadores e trabalhadores de um lado, e bilionários, por outro.

Certamente, o jornal porta-voz oficial das grandes empresas é experiente o suficiente para enquadrar a reabertura da escola como benéfica para a classe média, não apenas para os ricos dominantes. O WSJ aponta para o dano muito real do aprendizado remoto, argumentando, por exemplo, que “você não precisa de um diploma em psicologia infantil para saber que as crianças estão tendo dificuldades com a educação virtual”. E as famílias da classe trabalhadora, observa o editorial corretamente, sofrem mais com escolas fechadas do que aquelas que são mais ricas (e, eu acrescentaria, mais brancas).

Os professores querem voltar para suas salas de aula. Mas qualquer avaliação séria dos custos relativos a manter as escolas fechadas também deve, honestamente, lidar com os riscos para a saúde apresentados, abrindo-os em meio a uma pandemia violenta. Sem surpresa, o editorial falha inteiramente nessa questão.

Segundo o conselho editorial, “a imunidade relativa das crianças pequenas à doença… deve tranquilizar os pais”. No entanto, a pesquisa mais recente e extensa concluiu que, embora crianças pequenas com menos de dez anos espalhem menos a doença do que os adultos, elas ainda podem infectar outras. E ainda mais perigosamente, crianças entre dez e dezenove anos têm a mesma probabilidade que adultos de transmitir o vírus.

Os resultados desastrosos da corrida para reabrir escolas em Israel devem ser uma advertência para os outros países. Em maio, quando o número de infecções em Israel era muito menor do que o dos EUA hoje, o governo decidiu enviar professores e alunos de volta à sala de aula. Em junho, os surtos estavam se espalhando nas escolas de todo o país, contribuindo para um grande pico de infecção na população como um todo. Um estudo do Ministério da Saúde descobriu que cerca de um terço das novas contrações de vírus ocorreram em instalações educacionais entre 10 e 16 de julho.

Assim como Donald Trump, o WSJ alega que, como países como Dinamarca e Cingapura reabriram com segurança as escolas, então os EUA também podem. Porém, quando se trata de reabertura de escolas, os especialistas concordam que o fator mais importante é o grau de infecção além das escolas.

Os países da Europa e da Ásia conseguiram abrir escolas sem grandes surtos, porque achataram a curva do vírus na sociedade como um todo. Os EUA não. O número diário de casos confirmados ainda está aumentando. Enquanto a Alemanha tem cerca de 440 novos casos por dia, a média dos EUA é superior a 66.000.

A COVID-19 continua a devastar os EUA muito mais do que outros países industrializados devido à negligência criminal de funcionários do governo, o sistema de assistência médica com fins lucrativos dos EUA, um Estado de bem-estar fraco, as irracionalidades do federalismo americano e um período de décadas de dizimação de capacidades governamentais apoiada por bilionários. Não importa quais recomendações administrativas criativas sejam feitas para distanciamento social da sala de aula, uso de máscaras, grupos de alunos e horários de aula escalonados, ao abrir escolas em meio a uma pandemia corremos o risco de desencadear uma catástrofe na saúde pública, principalmente para famílias negras e pardas de baixa renda.

Tais considerações pouco importam para o conselho editorial da WSJ e os interesses comerciais que eles representam, porque o verdadeiro motivo pelo qual eles querem reabrir as escolas está em outro lugar. No final do artigo, eles finalmente dizem a parte omitida em voz alta: “Milhões de pais não podem voltar ao trabalho se seus filhos não puderem frequentar a escola”. As escolas, entre outros serviços prestados, servem como creches, permitindo que os pais vendam seu trabalho aos empregadores. Um artigo publicado duas semanas antes no WSJ explica essa lógica econômica:

Se as escolas não forem abertas, muitos pais não receberão assistência infantil e não poderão voltar ao trabalho. Se os pais não podem trabalhar, a economia pode não se recuperar. Os sindicatos de professores estão, portanto, em posição de manter a economia como refém.

Segundo um estudo da Brookings Institution, cada mês de escolas fechadas pode custar aos EUA mais de US$ 50 bilhões. É por isso que a revista Forbes insiste que “considerações econômicas…superam preocupações com a saúde” quando se trata de um retorno às aulas.

Por conta dos lucros corporativos, bilionários e políticos que eles compraram estão dispostos a sacrificar educadores, estudantes e pais. Nossas vidas estão em risco. Os Professores Unidos de Los Angeles descreveram bem: “Quando os políticos exortam os educadores e outros trabalhadores a ‘reacender a economia’, devemos perguntar: ‘quem você planeja usar como bucha de canhão descartável?'”.

Se recusando a retornar para escolas inseguras

A possibilidade de “manter a economia refém” dá aos educadores organizados um tremendo poder nesse momento de crise. E isso é muito bom, ao contrário do que o Wall Street Journal e a Forbes dizem.

“Encorajados por greves vitoriosas em 2018 e 2019”, diz o editorial do Wall Street Journal, sindicatos de educadores “parecem estar em uma posição de poder,” já tendo moldado alguns dos critérios de instrução desde que o lockdown começou. Sindicatos militantes de professores e um aparecimento sem precedentes de lideranças em todo o país, organizado em grande parte pelo Facebook, já obteve sucesso em pressionar diversos distritos – incluindo Denver, Houston e a maior parte da Califórnia – a prosseguir com o ensino remoto até que as taxas de infecção locais caiam significativamente. Ativistas em todo o país elevaram a referência de zero novos casos locais por quatorze dias antes do retorno das aulas.

No entanto, diversos Estados comandados por republicanos como a Flórida, bem como diversas cidades lideradas por democratas como Chicago e Nova York, ainda estão prosseguindo com uma total ou parcial abertura física no início do segundo semestre. Dadas as perdas nos lucros, as corporações e seus representantes não irão recuar sem uma luta. O quadro editorial do Wall Street, como Trump e sua Secretária da Educação Betsy DeVos, estão insistindo que distritos sejam pressionados a reabrir:

Republicanos no Congresso devem conceder crédito adicional em um quinto pacote de ajuda emergencial a escolas reabrindo fisicamente cinco dias por semana. Se algumas escolas públicas ou distritos recusarem a reabertura, disponibilizar o dinheiro disponível para escolas autônomas ou privadas que estejam abertas.

Como a pandemia continua em alta, a primeira responsabilidade de todo educador e de todo sindicato de professores é lutar para impedir uma reabertura arriscada. Isso, é claro, não significa manter escolas fechadas indefinidamente. Ao contrário, educadores podem usar sua influência social para forçar políticos a finalmente tomar medidas urgentes necessárias para trazer de maneira segura os alunos de volta à escola e, não menos importante, achatar a curva da pandemia.

Como o sucesso das greves de 2018 e 2019 demonstrou, professores e docentes são mais efetivos politicamente quando levantam demandas não apenas relativas a si mesmos, mas também da parte de alunos, pais e a comunidade como um todo. Com essa intenção, a Demand Safe School Coalition (Coalizão por Escolas Seguras) – que reúne sindicatos e organizações como o Sindicato de Professores de Chicago, Professores de Los Angeles Unidos e Journey for Justice (missão por justiça) – organizou um “Dia Nacional da Resistência” em 3 de agosto.

A mobilização não se resume em apenas lutar contra aberturas prematuras e exigir mais enfermeiros e conselheiros, equipamentos de proteção pessoal, serviços de limpeza e testes virológicos para manter estudantes e funcionários seguros quando eles voltarem às salas de aula, mas também levantou demandas da parte de membros da comunidade, incluindo Escolas sem Polícias, uma moratória sobre despejos e execuções de hipoteca, e renda básica para aqueles desempregados ou incapazes de trabalhar.

A razão pela qual essas reformas não foram implementadas não é porque são inviáveis, mas porque são caras. Enquanto nos mantermos em um cenário de austeridade, as únicas opções possíveis para as escolas nesse semestre serão ruins – continuar o ensino remoto – ou catastróficas – reaberturas prematuras. Enquanto os governos locais e estaduais não podem por si próprios financiar adequadamente as medidas para nos manter todos seguros, a coalizão sugeriu uma “massiva infusão federal de apoio financeiro para apoiar a reabertura taxando bilionários e a Wall Street.

Os interesses de educadores e famílias trabalhadoras vai de encontro com os da classe dominante e os políticos em seu orçamento. Eles nos querem imediatamente de volta à escola a ao trabalho, para aumentar seu pé-de-meia. Nós queremos que eles paguem o que lhes é devido, para garantir a saúde física e econômica da maioria da classe trabalhadora.

Nenhum segmento da população está mais bem posicionado que os educadores organizados para liderar uma reação bem-sucedida contra a resposta catastrófica à pandemia por parte do governo. De West Virginia a Oklahoma à Califórnia, educadores provaram nos últimos três anos que eles têm o poder e o impulso para encarar os bilionários e vencer. Nós precisamos desesperadamente que eles o façam isso novamente. O que está em jogo dificilmente poderia ser maior.

Sobre o autor

Escreve sobre movimentos trabalhistas do passado e do presente. Anteriormente professor do ensino médio na Bay Area, ele é o autor de "Red State Revolt: The Teachers' Strike Wave and Working-Class Politics".

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