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29 de janeiro de 2025

A ofensiva antissindical de Donald Trump e como pará-la

Donald Trump está lançando uma onda de ataques aos trabalhadores na esperança de paralisar a energia do trabalho organizado para revidar. Mas os sindicatos só podem sobreviver a esse ataque lutando, não enterrando a cabeça na areia.

Eric Blanc

Jacobin

Uma mulher segura uma placa enquanto se junta aos trabalhadores da Starbucks e outros manifestantes em um comício contra táticas de destruição de sindicatos do lado de fora de uma Starbucks em Great Neck, Nova York, em 15 de agosto de 2022. (Thomas A. Ferrara / Newsday RM via Getty Images)

Donald Trump está tentando chocar e impressionar o movimento dos trabalhadores (e todos os outros) para que se submetam. Na frente dos direitos trabalhistas, isso assumiu a forma de uma demissão na noite de segunda-feira de funcionários pró-sindicato do National Labor Relations Board (NLRB), incluindo a Conselheira Geral Jennifer Abruzzo e a membro do conselho Gwynne Wilcox. A última medida é ilegal, já que o mandato de Wilcox, determinado pelo Congresso, não termina até agosto de 2028. E deixa o conselho nacional de cinco pessoas sem quórum e, portanto, incapaz de fazer seu trabalho nacionalmente. (O trabalho local do NLRB, no entanto, ainda pode continuar nesse meio tempo, o que significa que os trabalhadores ainda não devem jogar a toalha ao se inscreverem para eleições sindicais sancionadas pelo conselho — mais sobre isso abaixo).

Não está claro quais serão os próximos passos de Trump. Talvez ele pretenda deixar uma cadeira vaga para prejudicar o conselho pelos próximos quatro anos. Mas para os empregadores, tal abordagem teria a desvantagem de deixar todas as decisões pró-sindicato do conselho de Biden nos livros.

Talvez o novo governo queira apenas privar temporariamente os trabalhadores de uma maioria no conselho até que os republicanos do Congresso confirmem os indicados pró-negócios. Alguns especularam que demitir Wilcox é uma tentativa de acelerar o esforço de Elon Musk e Jeff Bezos para fazer com que a Suprema Corte decida que o NLRB é inconstitucional. Mas esta é uma jogada altamente arriscada para os empregadores, já que eliminaria simultaneamente uma série de leis antissindicais e antigreves e criaria espaço legal para estados azuis aprovarem legislações ambiciosas de direitos sindicais.

Tudo o que sabemos com certeza é que, ao contrário das esperanças infundadas de alguns líderes sindicais e especialistas, Trump não está adotando uma abordagem mais pró-sindical do que as administrações republicanas anteriores. Ao contrário, suas ações até agora sugerem um desejo de desrespeitar os limites legais em nome de seus amigos bilionários.

Dito isto, cair no alarmismo ao exagerar a extensão em que os direitos sindicais desapareceram repentinamente só vai jogar nas mãos de Trump e da América corporativa. Os trabalhadores não apenas ainda têm o direito legal de se sindicalizar, mas também podem usar o NLRB para suas funções mais úteis: realizar eleições sindicais e registrar práticas trabalhistas injustas (ULPs) quando os empregadores infringem a lei. Essas tarefas são inteiramente de responsabilidade dos escritórios regionais do conselho e, portanto, não dependem de quórum nacional.

Sem quórum no conselho nacional de cinco pessoas, as empresas terão mais facilidade em se recusar a negociar os primeiros contratos, já que os empregadores podem se recusar a negociar e apelar ULPs a um órgão nacional paralisado. Mas o NLRB já tinha poderes de execução de contratos extremamente fracos, mesmo sob um lutador pró-sindicato como Abruzzo. Empregadores bem financiados há muito tempo conseguem arrastar o processo legal do NLRB por tanto tempo e por meio de tantos recursos que, mesmo que o conselho nacional eventualmente fique do lado dos trabalhadores, muitas vezes a iniciativa sindical terá entrado em colapso durante a espera subsequente.

Por esse motivo, os trabalhadores geralmente ganham os primeiros contratos por meio de seu poder independente e apoio da comunidade, não por meio de ordens legais do NLRB. É bom (e ainda viável) depender da lei sempre que possível, mas o poder dos trabalhadores sempre veio principalmente da organização, solidariedade e interrupção.

Da mesma forma que os organizadores trabalhistas precisam dissipar a percepção generalizada de que os trabalhadores não têm nenhuma proteção sindical em estados com "direito ao trabalho", precisamos urgentemente combater a ideia de que os trabalhadores de repente não têm direitos de organização protegidos pelo governo federal. A declaração oficial da AFL-CIO ontem não é precisa ou útil em sua alegação de que Trump "efetivamente fechou as operações do National Labor Relations Board, deixando os trabalhadores que ele defende por conta própria diante da destruição de sindicatos e retaliações". Em vez de convocar os trabalhadores a derrotar os ataques de Trump aprofundando sua organização no local de trabalho dentro e fora do processo do conselho, a declaração apenas sugere docilmente que a AFL-CIO espera que Wilcox seja reintegrado por meio de contestações judiciais.

Precisamos de um sinal claro dos líderes sindicais agora de que o movimento sindical não está apenas preparado para lutar duramente contra todos os ataques de Trump, mas que também está pronto para partir para a ofensiva para ganhar dignidade econômica para todos os trabalhadores. O trabalho não pode sobreviver ao trumpismo mantendo a cabeça baixa. Pelo contrário: os sindicatos têm a abertura e a responsabilidade de preencher o vácuo político criado pela desordem do Partido Democrata. Por meio de resistência em larga escala no local de trabalho, greves e campanhas de organização ambiciosas, os sindicatos podem assumir seu lugar de direito como os melhores defensores dos trabalhadores e da democracia política.

Precisamos de líderes sindicais que possam, por exemplo, apontar para a vitória histórica dos trabalhadores da Philadelphia Whole Foods na segunda-feira para dizer amplamente: "Este é o caminho a seguir. Não se desespere. Esteja você no serviço público, em uma fábrica de automóveis, em um café local ou na construção, você tem poder ao se unir coletivamente com seus colegas de trabalho — e ao se juntar a um movimento que entende que uma lesão a um é uma lesão a todos. É hora de revidar. E estamos preparados para nos organizar com você em cada passo do caminho."

Diante das ações de Trump para minar os direitos trabalhistas, cada campanha sindical agora se torna um confronto de fato com o novo regime. É por meio da ampliação das batalhas de baixo para cima no local de trabalho — finalmente explorando o cofre de guerra de US$ 38 bilhões do trabalho em fundos — que podemos expor melhor a nova administração como uma ferramenta corrupta da e para a classe bilionária.

Trump não é invencível. Nem nossos direitos de sindicalização desapareceram da noite para o dia. Respire fundo, converse com seus colegas de trabalho e entre na luta. Está apenas começando.

Colaborador

Eric Blanc é professor assistente de estudos trabalhistas na Rutgers University. Ele tem um blog no Substack Labor Politics e é autor de We Are the Union: How Worker-to-Worker Organizing is Revitalizing Labor and Winning Big.

19 de setembro de 2024

O Conselho Trabalhista de Biden está impulsionando a organização sindical de baixo para cima

Para a surpresa de muitos ativistas trabalhistas e esquerdistas, o National Labor Relations Board de Joe Biden impulsionou o sindicalismo de baixo para cima desde 2020 — um fato que tem implicações estratégicas importantes para os esforços de revitalização sindical.

Eric Blanc


Jennifer Abruzzo, conselheira geral do NLRB, durante uma audiência de confirmação do Comitê de Saúde, Educação, Trabalho e Pensões do Senado em Washington, DC, em 29 de abril de 2021. (Al Drago / Bloomberg via Getty Images)

O National Labor Relations Board (NLRB) tem estado muito nas manchetes na semana passada. Algumas boas notícias: o conselho ordenou que a Starbucks reabrisse as lojas que fechou ilegalmente em Ithaca como retaliação à sindicalização. Muito menos bom: ontem, um juiz nomeado por Trump no Texas concedeu uma liminar em favor de uma empresa que destrói sindicatos, alegando que o NLRB é inconstitucional. À luz desses eventos — além dos debates em andamento sobre se os democratas são diferentes o suficiente dos republicanos para merecer nosso voto — quero compartilhar minha pesquisa demonstrando não apenas que o NLRB de Joe Biden tem sido muito pró-sindicato, mas que as ações do conselho têm sido um fator central que permitiu a ascensão recente do trabalho.

Uma das formas pelas quais meu próximo livro sobre sindicalismo de trabalhador para trabalhador se afasta de apelos anteriores por sindicalismo de baixo para cima é na questão da política governamental. A maioria dos outros defensores da militância popular afirmou — com base em parte em uma interpretação equivocada da ascensão dos anos 1930 — que a reforma da lei trabalhista e outras políticas estatais transformadoras só podem ser uma consequência da luta trabalhista em massa, não uma de suas causas. De acordo com esse argumento, os avanços dos trabalhadores são conquistados exclusivamente por meio de lutas disruptivas de baixo para cima, forçando aqueles no poder a fazer concessões para preservar a ordem.

Essas alegações contêm fortes grãos de verdade, mas tiram conclusões estratégicas unilaterais. Embora os sindicatos não devam se subordinar a políticos ou depender de reformas legais para vencer, a experiência da ascensão popular do trabalho desde 2020 mostra que a política eleitoral e as mudanças de política são essenciais para ajudar os trabalhadores a vencer amplamente.

Um desenvolvimento inesperado

Alguns dos momentos mais extasiantes da recente ascensão do trabalho ocorreram incongruentemente nos corredores estéreis do NLRB. "Se você adorasse o conceito de ser chato, esta é a igreja que você construiria", disse um trabalhador do Kickstarter a um jornalista sobre sua sala de audiência do NLRB de fevereiro de 2020, onde ocorrem as contagens dos votos das eleições sindicais. Um pandemônio alegre estourou quando a votação final foi contada — o sindicato saiu vitorioso, 46-37. E mais de dois anos de organização e luta depois, os trabalhadores do Kickstarter tiveram outra chance de comemorar quando, em junho de 2022, se tornaram os primeiros trabalhadores de tecnologia do país a ganhar um primeiro contrato.

A importância do NLRB nas lutas trabalhistas recentes foi uma surpresa para quase todas as alas do trabalho organizado. Por muitas décadas, tanto os líderes trabalhistas tradicionais quanto seus críticos radicais tendem a olhar de soslaio para o conselho. Como muitos outros esquerdistas, Joe Burns argumenta:

Os sindicalistas da luta de classes são profundamente desconfiados do papel do governo na proteção dos direitos dos trabalhadores. Nosso sindicalismo não considera instituições governamentais como o National Labor Relations Board e os tribunais federais como instituições neutras. Em vez disso, o antissindicalismo é construído no papel do governo como protetor da propriedade bilionária e do controle dos segmentos produtores de renda da sociedade. Esse entendimento fundamental leva a uma abordagem totalmente diferente do sindicalismo e da política [de outras tradições trabalhistas].

Se radicais como Burns tendem a descartar o potencial de intervenção governamental pró-trabalho, os líderes trabalhistas há muito erraram na direção oposta. Mas na questão específica do NLRB, suas posições negativas muitas vezes não estão muito distantes. Os esforços de organização fora do conselho — amplamente vistos como uma instituição decrépita e ineficaz — estavam na moda entre os sindicatos focados em organização nas décadas de 1990 e 2000. E suposições contínuas sobre a impotência do NLRB alimentaram mais recentemente o financiamento excepcionalmente baixo do trabalho para novas organizações, bem como um foco unilateral no lobby pela reforma da lei trabalhista nacional. A orientação predominante do trabalho organizado hoje, como tem sido por décadas, é se agachar defensivamente até que as mudanças legislativas permitam uma organização generalizada.

Esses pontos de vista refletem generalizações razoáveis ​​de experiências amargas. O conselho falhou por muitas décadas em defender significativamente o direito federalmente reconhecido dos trabalhadores de se organizarem e fazerem greve. Mas os notórios destruidores de sindicatos da Littler Mendelson também estão certos de que as ações do NLRB desde 2020 tiveram um "efeito inibidor" sobre os empregadores. Sob a conselheira geral nomeada por Biden, Jennifer Abruzzo — uma advogada de longa data do Conselho que trabalhou como conselheira especial para os Trabalhadores das Comunicações da América (CWA) antes de assumir as rédeas do NLRB — o conselho tem sido uma condição necessária (embora não suficiente) para estimular o recente aumento trabalhista. Ao fazer isso, Abruzzo trouxe de volta o espírito pró-sindical de cruzada que animou a agência desde sua fundação em 1935 até uma contraofensiva reacionária que expurgou os esquerdistas do NLRB em 1938.

A veemência de Abruzzo é difícil de conciliar com as suposições neossindicalistas de que o estado sob o capitalismo só pode tomar medidas pró-trabalhador sob pressão de baixo. Em vez disso, como um líder sindical reconheceu ao jornalista Harold Meyerson, "Temos um conselho geral que está forçando os limites além do que os próprios sindicatos têm pressionado".

Aqui, teremos que nos limitar a dar alguns exemplos de como as ações do conselho impulsionaram as iniciativas de trabalhador para trabalhador desde 2020. Especialmente porque corporações como a SpaceX de Elon Musk agora estão desafiando vigorosamente a constitucionalidade do NLRB, é importante ter clareza sobre o que está em jogo na luta para defendê-lo e fortalecê-lo.

A organização da Starbucks decola

É improvável que houvesse uma onda nacional de sindicalização da Starbucks se o NLRB não tivesse ficado do lado do pedido dos trabalhadores de Buffalo no outono de 2021 para realizar eleições loja por loja. Com a orientação legal de Littler Mendelson, a gerência vinha insistindo em uma votação em toda a cidade, sabendo que seria muito mais difícil para o sindicato vencer. Brian Murray, um dos salts de Buffalo que ajudou a lançar a campanha, relembra a situação: "No início, esperávamos ir para toda a cidade de Buffalo. Mas eventualmente ficou claro que simplesmente não tínhamos lojas suficientes a bordo, então a decisão do NLRB sobre nos deixar realizar eleições em lojas específicas foi absolutamente crucial — se o conselho não tivesse ficado do nosso lado, provavelmente não teríamos avançado com as eleições, ponto final."

Como ponto de comparação, uma campanha sindical do Industrial Workers of the World (IWW) de 2004 na Starbucks da 36th e Madison em Nova York teve seu pedido de eleição de loja única negado pelo NLRB de George W. Bush, o que os obrigou a retirar sua petição eleitoral. Das múltiplas razões pelas quais os esforços contínuos do IWW para organizar a Starbucks em um modelo de "sindicalismo solidário" nunca pegaram, a ausência de quaisquer vitórias eleitorais legitimadoras foi certamente uma das mais importantes.

A vitória de Buffalo em 9 de dezembro de 2021 eletrizou os trabalhadores de serviços em todo o país. E, ao passar pelo NLRB, deu a outros um processo passo a passo relativamente transparente que eles poderiam copiar. "Acho que as pessoas subestimam o quão importante foi que a vitória da Starbucks de repente tornou senso comum entre uma ampla camada de trabalhadores que eles poderiam entrar com um pedido de sindicalização no Conselho", observa Jonah Furman, diretor de comunicações da United Auto Workers (UAW). "Até então, muitas pessoas não tinham a mínima ideia de como você começaria o processo de sindicalização."

Vitória sindical na Amazon

A agência de Abruzzo também teve um grande impacto na Amazon. Embora não tradicional em muitos outros aspectos, o Amazon Labor Union (ALU) no JFK8 se apoiou e se organizou por meio do processo NLRB decididamente antigo. O cofundador da ALU, Connor Spence, com o apoio do advogado pro bono Seth Goldstein, entrou com uma enxurrada consistente de práticas trabalhistas injustas (ULPs) contra a Amazon a partir de meados de 2021. "Todas essas ULPs, e o fato de continuarmos expondo o que a Amazon estava fazendo conosco nas redes sociais e na imprensa, colocaram uma pressão intensa sobre eles", lembra Spence. "E então os destruidores de sindicatos, que a princípio eram extremamente arrogantes e na cara de todos, estavam bem brandos na hora da votação."

No JFK8, assim como na onda inicial da Starbucks, muitos trabalhadores tinham o que eu chamaria de ilusões produtivas sobre a lei trabalhista: aprender sobre suas proteções legais (sem perceber totalmente o quão fracamente elas são aplicadas) deu confiança aos trabalhadores, o que impulsionou sua organização e tornou mais custoso para os empregadores retaliar. Na noite da vitória eleitoral do NLRB, com colegas de trabalho estourando champanhe e dançando ao fundo, perguntei à copresidente da ALU, Angie Maldonado, sobre as lições que ela passaria para os outros com a vitória. Ainda sem perceber o papel do NLRB na recente alta, fui pega de surpresa quando ela destacou a importância do conhecimento jurídico: "Aprenda seus direitos... [A gerência] não tentou nada muito louco [contra nós] porque, a essa altura, eles perceberam que sabíamos muito sobre as leis que nos protegiam."

Angie e outros organizadores da ALU elogiaram particularmente Abruzzo por ordenar que a gerência deixasse os trabalhadores da ALU fazerem campanha fora das salas de descanso do depósito quando não estivessem em turno. De dezembro de 2021 em diante, a ALU não precisou mais depender de conversas furtivas com colegas de trabalho no caminho de ida e volta do ponto de ônibus do lado de fora. Spence observa que isso "foi fundamental para garantir nossa vitória porque nem todo mundo pega o ônibus — por estar nas salas de descanso essencialmente 24 horas por dia, 7 dias por semana, construímos muito mais relacionamentos. E estar lá dentro nos legitimou, porque muitas pessoas de fora pensavam que éramos uma terceira parte, que nem trabalhávamos lá, mesmo quando estávamos usando nossos crachás de trabalho".

Essas experiências na Amazon e na Starbucks não são exemplos isolados. Para meu livro, entrei em contato com todas as campanhas sindicais que se tornaram públicas em 2022 e recebi respostas de pesquisas de mais de quinhentos líderes de trabalhadores. Quando perguntados se o fato de que "a lei trabalhista federal protege — pelo menos no papel — o direito de sindicalização [foi] um fator para ajudar a convencer seus colegas de trabalho hesitantes a apoiar o esforço de sindicalização", 86% dos entrevistados responderam afirmativamente.

Embora o NLRB de Abruzzo não possa empurrar os sindicatos além da linha de chegada, ele os ajudou a entrar — e permanecer — na disputa. Simplificando, os relatos da morte do NLRB foram muito exagerados.

Deficiências reais

Nada disso pretende encobrir as principais deficiências do NLRB ou da administração Biden-Harris em geral. Inúmeros entrevistados reclamaram do tempo que o conselho leva para emitir suas decisões. Esses atrasos são extremamente impactantes, porque permitem que as empresas desmoralizem os trabalhadores por meio de desafios legais aparentemente intermináveis ​​e porque incentivam a destruição ilegal de sindicatos que pode levar anos para ser remediada.

A boa notícia é que esses atrasos poderiam ser parcialmente remediados — mesmo antes da reforma da legislação trabalhista — com financiamento suficiente do NLRB. Como os níveis de financiamento já baixos do conselho foram congelados em 2014, seus números de pessoal caíram 30% de 2010 a 2022, resultando em funcionários sobrecarregados e atrasos excessivos. E o financiamento do conselho em 2010 já constituiu uma queda de 39% em relação ao que havia sido em 1978.

A maior limitação do NLRB, de longe, é que ele não conseguiu impedir que grandes corporações violassem flagrantemente a lei trabalhista. Embora Abruzzo esteja pressionando criativamente por novos e mais fortes mecanismos de execução, eles geralmente permanecem fracos. E seus poderes para forçar os empregadores a negociar um primeiro contrato são quase inexistentes.

Então, embora seja apropriado que os sindicatos elogiem os verdadeiros passos à frente sob a administração de Biden — incluindo o conselho de Abruzzo e, não menos importante, dando aos trabalhadores vantagem por meio de um mercado de trabalho restrito — também é o caso de que o presidente e outros democratas do establishment não lutaram o suficiente para financiar totalmente o conselho. Além disso, eles se recusaram a usar seu púlpito de intimidação e contratos federais para tentar impedir a destruição ilegal de sindicatos. Murray descreveu a dinâmica:

Precisamos que os políticos façam parte de nossa campanha de pressão para atingir empresas como a Starbucks, para que elas enfrentem as consequências. Infelizmente, até agora, as únicas pessoas que realmente levaram essa luta aos patrões foram na ala Berniecrata do partido. Não precisamos realmente de mais oportunidades de fotos de políticos dizendo que os sindicatos são bons, precisamos que eles denunciem a destruição de sindicatos e exijam publicamente que os CEOs venham à Casa Branca para fechar um acordo com seus sindicatos.

A experiência recente sugere que, como na década de 1930, fazer com que o governo federal intervenha suficientemente em nome dos sindicatos só ocorrerá se os sindicatos estiverem dispostos a criar crises e arriscar envergonhar os políticos liberais — mesmo aqueles que são pró-sindicatos. Infelizmente, essa disposição continua excepcionalmente rara na casa do trabalho.

Sob a liderança de Shawn Fain, o novo UAW demonstrou a viabilidade de uma abordagem mais independente. Ao inicialmente reter um endosso presidencial, criticar abertamente as fraquezas do governo e exigir que Biden se aliasse ativamente a eles em sua greve dos Três Grandes, o sindicato conseguiu pressioná-lo a se tornar o primeiro presidente em exercício a caminhar em uma linha de piquete. E mesmo depois de apoiar Biden, o UAW manteve sua independência exigindo rapidamente um cessar-fogo em Israel-Palestina, denunciando a repressão aos manifestantes estudantis e pedindo um orador palestino na Convenção Nacional Democrata.

Políticas estaduais e estratégia trabalhista

Quais são as implicações táticas e estratégicas do surpreendentemente bom NLRB de Biden?

Primeiro, em vez de esperar pela reforma legislativa nacional para começar a se organizar em larga escala, os sindicatos devem fazer muito mais para aproveitar (e habilitar) as aberturas legais de Abruzzo, ampliando imediatamente as iniciativas de organização ousadas. Apoiar-se no conselho sempre que possível hoje pode construir o poder dos trabalhadores aqui e agora, ao mesmo tempo em que demonstra amplamente a urgência de superar suas limitações.

Especialmente com a probabilidade de os democratas perderem o controle do Senado em novembro (o que teria que reconfirmar Abruzzo em 2025), não sabemos por quanto tempo mais estaremos operando sob um excelente NLRB. A história não verá com bons olhos os líderes trabalhistas que não conseguiram aproveitar este momento.

Segundo, os sindicatos devem estar preparados para lutar arduamente para manter Abruzzo (ou outra figura no campo de Abruzzo) como chefe do NLRB, contra a intransigência republicana ou o possível retrocesso dos democratas do establishment. Mesmo que percamos essa luta por nomeações em 2025, travá-la tornará mais provável manter um conselho decente nos próximos anos. E é importante estabelecer o precedente de que o trabalho doravante exige nada menos que um NLRB de qualidade Abruzzo. Apenas esperar que os democratas tradicionais façam a coisa certa não faz mais sentido em relação ao conselho do que em qualquer outra coisa.

Terceiro, não importa quem controle o Congresso no ano que vem, é crucial travar uma batalha muito mais contundente e pública para financiar totalmente o NLRB. Imagine o quanto mais eficiente e produtiva a agência poderia ser se recebesse uma fatia modestamente maior do que vai para as forças armadas dos EUA, cujo orçamento em 2020 foi exatamente 2.634 vezes maior que o do conselho. E polarizar a arena política americana em torno dos direitos sindicais é, entre muitos outros benefícios, uma das melhores maneiras de minar as incursões dos republicanos entre os trabalhadores e os membros dos sindicatos.

Finalmente, ao contrário das alegações de alguns esquerdistas (assim como do presidente dos Teamsters, Sean O'Brien), é crucial derrotar Trump em novembro. Combinar militância de baixo para cima com política eleitoral é uma corda bamba difícil de andar — assim como forjar uma ampla coalizão para derrotar o Trumpismo e, ao mesmo tempo, construir instrumentos políticos independentes do establishment democrata. Mas para aqueles que buscam mudanças transformadoras, este é o único caminho realista a seguir.

Impedir que um conselho nomeado por republicanos seja um passo essencial (embora obviamente não suficiente) para manter o ímpeto pós-pandemia do movimento trabalhista e manter aberta uma janela política na qual o trabalho tenha o potencial de se sindicalizar em grande escala — para organizar milhões, não apenas milhares.

A política estadual não é importante apenas para o avanço do trabalho. Governos e políticas de direita desde Ronald Reagan — muitas vezes com o apoio de democratas corporativos — devastaram o trabalho organizado e obrigaram os sindicatos a travar inúmeras batalhas defensivas para evitar um novo retrocesso. O infeliz destino dos movimentos de professores em West Virginia e Oklahoma pode servir como um conto de advertência sobre os limites da militância de base diante da perseguição governamental sustentada. Embora as greves estaduais de K-12 de 2018 tenham mostrado que era possível lutar e vencer batalhas parciais sob administrações conservadoras, os líderes republicanos nesses estados desde então travaram uma ofensiva implacável contra os sindicatos de educadores. Ao que tudo indica, a situação hoje é pior para os trabalhadores escolares e escolas públicas do que era na véspera de suas greves inspiradoras.

Um retorno dos republicanos à Casa Branca corre o risco de generalizar tal ofensiva reacionária em todo o país contra todos os sindicatos, lutas progressistas e o NLRB. Novamente, como na década de 1930, o destino do trabalho organizado hoje permanece vinculado à luta mais ampla para defender e expandir a democracia política contra o minoritarismo de direita.

Dito isso, também é indiscutivelmente verdade que o governo Biden-Harris continua a financiar os horrores indizíveis de Israel contra os palestinos. Como todas as vidas humanas são igualmente preciosas, abster-se ou votar em um terceiro partido em novembro pode fazer sentido se houver uma chance de que isso acabe mais rapidamente com o genocídio ou provoque um cessar-fogo. Mas como esse obviamente não é o caso, não há um dilema político real em novembro. Sindicatos liderados pela esquerda, como o UAW e o United Electrical, Radio and Machine Workers of America, mostraram que é possível lutar firmemente pelas vidas palestinas — e manter a independência política do trabalho — ao mesmo tempo em que pedem que os trabalhadores votem em Harris-Walz. A médio e longo prazo, uma das etapas mais cruciais que podemos tomar para ajudar a ganhar justiça para o povo palestino é reconstruir um movimento trabalhista poderoso, militante e internacionalista nos Estados Unidos.

Seja lutando por mudanças em casa ou no exterior, o que os trabalhadores precisam acima de tudo é de mais poder. Construir esse poder depende de atividade de baixo para cima, persuasão externa e militância no trabalho e além. Mas, como a política governamental importa tanto para o destino de nossa organização de base, temos o dever moral e estratégico de sermos cabeças-duras sobre como nos relacionamos com os democratas do establishment e o estado. Parafraseando Karl Marx, muitos ativistas criticaram o mundo — o ponto, no entanto, é mudá-lo.

Colaborador

Eric Blanc é professor assistente de estudos trabalhistas na Rutgers University. Ele tem um blog no Substack Labor Politics e é autor de We Are the Union: How Worker-to-Worker Organizing is Revitalizing Labor and Winning Big.

2 de junho de 2022

Camarada Thomas Piketty, bem-vindo ao movimento socialista

Durante anos, Thomas Piketty articulou uma crítica convincente do capitalismo do século 21. Ele agora parece estar indo além da crítica para clamar por um socialismo do século 21.

Eric Blanc

Jacobin

Enquanto Thomas Piketty evitava defender o socialismo na época da publicação de O Capital no Século XXI, ele agora abraçou o termo. (Universidade da Europa Central / Flickr)



Resenha do livro Time for Socialism: Dispatches from a World on Fire, 2016-2021, de Thomas Piketty (Yale University Press, 2021)

Tradução / É um sinal dos tempos que um dos intelectuais mais importantes do mundo acaba de publicar um livro de ensaios intitulado Time for Socialism [Tempo para o socialismo]. Como explica Thomas Piketty na longa introdução do volume, “Se alguém tivesse me dito em 1990 que eu publicaria uma coleção de artigos em 2020 intitulada Vivement le socialisme! em francês, eu teria pensado que era uma piada de mau gosto”.

No entanto, para Piketty, como inúmeros outros em todo o mundo, as últimas três décadas do que ele chama de “hipercapitalismo” o levaram a questionar “verdades” sobre o sistema econômico dominante. E enquanto o autor ainda se esquivava de defender o socialismo na época da publicação do Capital no Século XXI, seu best-seller de 2013, sua magnum opus sobre desigualdade, chegou agora a abraçar o termo – argumentando que apesar da bagagem de suas conotações de stalinismo, “continua sendo o termo mais apropriado para descrever a ideia de um sistema econômico alternativo ao capitalismo”.

Há mais do que terminologia. Como explica Piketty, seu abraço ao socialismo reflete sua nova convicção de que “não se pode ser apenas ‘contra’ o capitalismo ou o neoliberalismo: é preciso também e sobretudo ser ‘a favor’ de outra coisa, o que exige a designação precisa do sistema econômico ideal que se deseja criar”. Diante da desigualdade desenfreada e da catástrofe climática iminente, a raiva contra o capitalismo já é generalizada. O que agora é necessário acima de tudo, em sua visão, é uma alternativa convincente e “claramente explicada”.

Um novo socialismo

Piketty sintetiza seu argumento a favor de “uma nova forma de socialismo” com uma linha “participativa e descentralizada, federal e democrática, ecológica, multirracial e feminista”. A visão que ele apresenta está decididamente na tradição do socialismo democrático, que busca aprofundar e expandir as instituições representativas e as liberdades políticas codificadas nas democracias capitalistas de hoje. Longe de projetar uma revolta insurrecional, Piketty argumenta que “é bem possível avançar gradualmente em direção ao socialismo participativo, alterando o sistema jurídico, fiscal e social”.

Em sua opinião, esta transição já começou: “Se tomarmos uma perspectiva de longo prazo, então a longa marcha em direção à igualdade e ao socialismo participativo já está bem encaminhada.” Embora o progresso tenha estagnado na era neoliberal, assinala que a grande história nos países capitalistas desde o século XIX é a “forte redução” das desigualdades e o crescimento acentuado do Estado de bem-estar.

Na Europa Ocidental – o foco geográfico de seu livro – a despesa pública total no início do século XX foi de apenas 10% da renda nacional. Mas agora atingiu 40-50%, dedicando-se esmagadoramente ao financiamento de serviços como educação, assistência médica e pensões. De acordo com Piketty, este progresso foi o resultado da pressão popular expressa na política governamental – não foi uma manobra de classe governante para evitar mudanças radicais, nem foi um subproduto inevitável do desenvolvimento capitalista deixado à sua própria sorte.

Embora ele argumente que a expansão dos serviços públicos – incluindo, como ponto crucial, medidas para tornar o ensino superior acessível a todos – é essencial para avançar em direção ao socialismo, a visão de Piketty não é redutível à reconstrução de Estados de bem-estar social fortes. Para uma verdadeira igualdade, precisamos repensar “toda a gama de relações de poder e dominação”. No centro de sua concepção da transição para o socialismo está a redistribuição radical da riqueza combinada com uma extensão da influência dos trabalhadores dentro das empresas privadas.

Uma das propostas mais inovadoras no Time for Socialism é aumentar a tributação progressiva para proporcionar uma “herança mínima para todos” de aproximadamente US$ 180.000 para quem completar 25 anos de idade. Através desta política, Piketty prevê a construção de uma sociedade na qual “todos seriam proprietários de algumas centenas de milhares de euros, onde algumas poucas pessoas talvez possuíssem alguns milhões, mas onde as maiores propriedades… seriam apenas temporárias e seriam rapidamente reduzidas pelo sistema tributário a níveis mais racionais e socialmente mais úteis”.

Proporcionar uma generosa proteção financeira para todos seria, entre seus muitos benefícios, livrar os trabalhadores de serem obrigados por necessidade material a aceitar más condições de trabalho, baixos salários e despotismo no local de trabalho. Uma ampla redistribuição da riqueza de cima para baixo, em suma, “ajudaria a redefinir todo o conjunto de relações de poder e dominação social”.

Para aprofundar esta mudança de poder, Piketty também propõe que todos os países adotem a co-gestão dos trabalhadores, na qual os representantes eleitos dos trabalhadores constituem metade dos conselhos de administração em todas as grandes empresas. Esta proposta, ele observa, já foi implementada em países como a Suécia e a Alemanha, resultando em “uma transformação considerável da lógica clássica dos acionistas”.

No entanto, ele adverte contra a idealização deste sistema de gestão de como foi implementado no passado, argumentando que versões mais ambiciosas do mesmo são possíveis. Piketty conclui seu argumento sublinhando o caráter provisório de suas propostas: as políticas específicas que ele apresenta “visam abrir o debate, nunca fechá-lo” porque “o socialismo participativo que eu peço não virá do topo”.

Boas vindas

Ofato de um pensador com a influência intelectual de Piketty ter abraçado o socialismo é significativo em si mesmo, abrindo o caminho para que um maior número de pessoas comece a vislumbrar um mundo além do capitalismo. Mas o que devemos fazer com sua transformada visão socialista?

Falar de uma mudança relativamente gradual e já em curso rumo ao socialismo sem dúvida levantará sobrancelhas entre os radicais mais experientes para esperar que uma ruptura com o capitalismo exija necessariamente alguma forma de ruptura revolucionária no Estado e na economia. No entanto, esta visão gradualista não deve ser descartada.

A verdade é que ainda não temos como prever com precisão a forma que uma transição para o socialismo tomará em uma democracia capitalista avançada. A insistência de Piketty de que as reformas radicais que ele prevê serão vencidas através da luta contra (em vez de acomodação ao) poder corporativo é, provavelmente, suficiente como um horizonte estratégico para o futuro próximo. Embora uma ruptura revolucionária mais rápida e menos pacífica possa eventualmente ser colocada na agenda diante de uma reação patronal minoritária, não há necessidade nem qualquer benefício político para projetar a revolução imediata como o único caminho possível.

Alguns radicais podem igualmente desaprovar a insistência de Piketty de que a transição para o socialismo já está em andamento, como visto no crescimento do Estado de bem-estar e declínios relacionados na desigualdade econômica. No entanto, também aqui o autor está pensando em algo: as reformas conquistadas pelos socialistas, o movimento de trabalhadores organizados e os movimentos sociais ao longo do século passado fizeram incursões significativas nas relações de mercado.

Apesar da devastação do neoliberalismo, o Estado de bem-estar social não foi desmantelado mesmo em lugares como os Estados Unidos e o Reino Unido – as lutas atuais e futuras estão sendo travadas em uma base social significativamente mais alta do que eram, digamos, na década de 1930. Como resultado, a crítica mais pertinente aos social-democratas – compartilhada por Piketty – não é que eles eram progressistas, mas sim que eles acabaram se mostrando incapazes de serem progressistas eficazes. Em vez de continuar transferindo o poder e o controle para os trabalhadores, os partidos social-democratas em grande parte abandonaram este projeto em face da crise econômica, da globalização e da resistência patronal a partir dos anos 1980 em diante.

Também não faz sentido criticar Piketty por negligenciar as reivindicações de nacionalização no comando da economia. Há um forte argumento de que os mercados de bens privados são totalmente compatíveis com (e possivelmente necessários para) uma sociedade socialista próspera – desde que o Estado enfraqueça radicalmente o poder e a riqueza capitalista, que a democracia econômica seja expandida na base e que políticas de bem-estar social sólidas forneçam a todos os indivíduos os serviços essenciais de que necessitam para sobreviver. Dito isto, o estudo de Piketty teria sido reforçado se ele tivesse se engajado mais em propostas para uma completa democratização das empresas, como ficou famoso no “Plano Meidner” da Suécia.

Sem trabalho de base não há caminho para o futuro

Uma limitação significativa é que Piketty diz pouco no livro sobre a importância de reconstruir o poder do trabalhador organizado. Esta questão recebe menções passageiras em suas advertências para “repensar as instituições e políticas, incluindo os serviços públicos e, em particular, a educação, a legislação trabalhista, as organizações e o sistema tributário” e para “parar de desvalorizar o papel dos sindicatos, o salário mínimo e as escalas salariais”. No entanto, a relativa desatenção do autor ao trabalhador organizado hoje é algo surpreendente, dado seu louvável foco na urgência de trazer de volta as políticas da classe trabalhadora e seu consistente reconhecimento da importância histórica dos sindicatos na redução da desigualdade.

Talvez Piketty, com sua experiência em levantar dados para identificar tendências históricas e soluções políticas, tenha sentido que era melhor deixar para os outros a concretização das linhas estratégicas necessárias para superar sua visão. Mas sem um movimento operário revitalizado para mudar o equilíbrio do poder de classe, é pouco provável que as soluções políticas mais ambiciosas do autor passem – e algumas outras propostas podem não ter suas consequências pretendidas.

A gestão de trabalhadores, por exemplo, geralmente pode servir como uma ferramenta para aumentar a influência dos trabalhadores quando combinada com sindicatos fortes. Mas na ausência da relação relativamente favorável de forças criadas por uma forte organização da classe trabalhadora e da ameaça de ação de ruptura no local de trabalho, os planos de gestão dos trabalhadores correm o risco de ficar desdentados na melhor das hipóteses e mecanismos de controle do patrão na pior das hipóteses, empurrando os trabalhadores para as prerrogativas dos patrões.

Nada disto diminui a importância geral do Time for Socialism – ou a coerência de sua visão. O esforço de Piketty para esboçar uma alternativa ao capitalismo deve ser a razão para a reflexão de progressistas ainda céticos em relação à palavra “socialismo”. E seu trabalho não deve ser levado menos a sério pelos radicais, cuja eficácia política nas democracias capitalistas tem sido muitas vezes prejudicada por um apego doutrinário a fórmulas articuladas para outras épocas e contextos políticos. Para conquistar um mundo melhor, o espírito do livro Time for Socialism pode, em última análise, revelar-se ainda mais útil do que suas propostas políticas específicas.

Colaborador

Escreve sobre movimentos trabalhistas do passado e do presente. Anteriormente professor do ensino médio na Bay Area, ele é o autor de "Red State Revolt: The Teachers' Strike Wave and Working-Class Politics".

8 de novembro de 2020

Estávamos certos em comemorar a derrota de Trump. Agora teremos que ficar nas ruas pelos próximos 4 anos.

As celebrações em massa da derrota de Trump ontem foram uma bela demonstração de alegria política coletiva. Podemos aproveitar essa energia para construir uma política de massa da classe trabalhadora contra o neoliberalismo de Joe Biden.

Eric Blanc

Jacobin

People celebrate Donald Trump's defeat in the 2020 presidential election near the White House on November 7, 2020 in Washington, DC. (Samuel Corum/Getty Images)

Tradução / Esse final de semana tivemos bons dias. Como tantos outros, ouvi a notícia da perda de Donald Trump não de especialistas da TV, mas de aplausos espontâneos nas ruas. Quando peguei uma panela para bater lá fora, os carros nas ruas do meu bairro de Nova York buzinavam loucamente e dezenas já haviam saído para comemorar. Muitas horas (e muitos drinks) depois, milhões de nós em todo o país ainda estávamos dançando e comemorando pelas ruas.

A alegria política coletiva é algo raro nos EUA, e tem sido particularmente escassa este ano – ou, para ser mais específico, desde o final de fevereiro. A efervescência gerada pela vitória de Bernie Sanders nas primárias em Nevada parece uma vida passada, lavada pela consolidação do establishment democrata na Superterça e a subsequente pandemia. Portanto, embora Joe Biden seja um neoliberal apoiado por um bilionário, merecíamos cada gota de alegria que podíamos ter.

Claro que nada disso diminui as graves deficiências de Biden e do Partido Democrata, conforme ressaltado novamente pela ausência de uma onda azul no Congresso e vazamentos recentes sobre as possíveis nomeações para o gabinete de Biden. Também não devemos perder o ritmo ao apontar que Trump é o produto de quatro décadas de neoliberalismo bipartidário e que apenas uma agenda ousada de mudança transformadora pode impedir os republicanos de retomar o poder em 2022 no parlamento e 2024 na presidência.

Mas o principal motivo pelo qual milhões foram às ruas não foi para comemorar a vitória de Biden, mas para comemorar a derrota de Trump. Para qualquer um que participou da folia, era difícil não notar que a figura do próprio Biden não estava muito presente.

Aqui estão alguns destaques em vídeo de todo o país.

O centro de Los Angeles testemunhou essa festa dançante e cantou “Since You’ve Been Gone”:

https://twitter.com/TooManyJames_s/status/1325191443531456515

https://twitter.com/TooManyJames_s/status/1325191443531456515

Em todo os Estados Unidos, o simples mas direto “Fuck Trump” era um dos favoritos do público, como visto na CNN:

https://twitter.com/BenjaminPDixon/status/1325377649573761024

Variações sobre o tema da demissão de Trump também eram comuns:

https://twitter.com/Mss_Deeynah/status/1325209506335363072

E em frente à Casa Branca, milhares de pessoas trollavam Trump dançando juntos “YMCA” do Village People:

https://twitter.com/AdamParkhomenko/status/1325183018630225920

Há uma enorme diferença entre as celebrações deste final de semana e as realizadas após vitória de Obama em 2008. Doze anos atrás, espalharam-se as ilusões de que um progressista comprometido tinha sido eleito. Hoje, muitas pessoas entendem que a única maneira de conseguir uma mudança emancipatória é se organizar a partir de baixo e nos corredores do poder para forçar o novo governo e o Congresso a ceder às nossas demandas. Não haverá lua de mel para Joe Biden.

A verdade é que Trump foi derrotado apesar de Biden e do establishment democrata, não por causa deles. Portanto, é particularmente justificado para nós reivindicarmos esta vitória. Com esse espírito, meu destaque de ontem foi participar de uma interpretação de milhares de pessoas, liderada por bandas de metais e estourando garrafas de champanhe de “We Are the Champions” do Queen:

https://twitter.com/_ericblanc/status/1325157739400749056

Nossa tarefa agora é canalizar esse sentimento de vitória e esperança para uma política de massa à classe trabalhadora. Biden continuará fazendo todo o que for possível para diminuir as expectativas populares. E a esquerda deveria estar fazendo exatamente o oposto.

Por que devemos aceitar em silêncio a promessa de Biden de que “nada mudará fundamentalmente” para os ricos e poderosos nos próximos anos? Como vimos no movimento trabalhista da década de 1930, no Movimento dos Direitos Civis da década de 1960 e (de uma forma mais limitada) as concessões aos movimentos sociais feitas durante o segundo mandato de Obama, o protesto em massa e a organização independente podem ganhar mudanças em nível nacional contra os democratas.

Fazer isso desta vez será mais fácil se os democratas ganharem o Senado, uma vez que não apenas removeria o poder de veto dos republicanos, mas também privaria os democratas do establishment de sua desculpa favorita para a inércia. Mas, como as greves educacionais de 2018 em West Virginia, Oklahoma e Arizona demonstraram, uma ação turbulenta da classe trabalhadora pode forçar até mesmo os políticos mais reacionários a recuar.

Nos próximos anos, teremos que reagir contra os esforços do establishment democrata e as inclinações de muitos liberais de elite para simplesmente retornar ao status quo pré-Trump. Independentemente de quem controla a Casa Branca e o Congresso, os EUA continuam sendo um país profundamente desigual, antidemocrático e bilionário em um mundo que corre para um desastre climático.

Apesar do que Biden deseja que acreditemos, um retorno à “normalidade” não é desejável nem possível. Como Nina Turner observou esta manhã no Washington Post, “um retorno à ‘normalidade’ é simplesmente um caminho tortuoso de volta ao trumpismo”.

Se Biden, Nancy Pelosi e Chuck Schumer conseguirem o que querem, a política norte-americana permanecerá em seu impasse atual, onde o centrismo democrático leva à decepção popular, ao crescimento de uma direita racista e reacionária e ao rápido retorno dos republicanos ao poder.

Escapar deste ciclo vicioso não será fácil, mas é possível. Requer a aprovação de reformas que façam uma diferença material na vida de milhões. Requer a democratização das instituições políticas anti-majoritárias dos EUA. Requer uma organização profunda em nossos locais de trabalho e bairros para revitalizar o movimento trabalhista e eleger centenas de socialistas democráticos em todos os níveis. E, em última análise, requer a construção de um partido pela e para a classe trabalhadora.

Não faz sentido adoçar a política de Biden ou presumir que a vitória de ontem se traduzirá automaticamente em uma mudança significativa, mesmo se os democratas conseguirem retomar o Senado. Mas a derrubada de Trump vale a pena comemorar.

Uma organização eficaz se baseia na esperança, não no desespero – e em tempos como estes, precisamos de todas as vitórias que pudermos obter. Devemos fazer o que for possível para nos apoiar e aproveitar a erupção de alegria coletiva vista nesse final de semana. Porque para ganhar o mundo que os trabalhadores merecem, precisamos ficar nas ruas.

Sobre o autor

Escreve sobre movimentos trabalhistas do passado e do presente. Anteriormente professor do ensino médio na Bay Area, ele é o autor de "Red State Revolt: The Teachers' Strike Wave and Working-Class Politics".

29 de julho de 2020

Porque os líderes sindicais votaram contra o Medicare for All no meio da atual pandemia?

No início desta semana, quatro líderes sindicais votaram contra a inclusão do Medicare for All na plataforma do Partido Democrático - uma bofetada na cara de milhões de americanos que lutam contra uma pandemia sem precedentes. Precisamos de um movimento sindical que lute por todos os trabalhadores, tanto organizados como não organizados.

Eric Blanc

A presidente da Federação Americana de Professores Randi Weingarten fala à audiência na convenção anual do sindicato a 13 de Julho de 2018 em Pittsburgh, Pennsylvania. (Jeff Swensen / Getty Images)

Tradução / Na segunda-feira, o comitê da plataforma do Comitê Nacional Democrático (DNC) votou 125-36 para não incluir o Medicare para Todos na plataforma do partido.

Confrontado com uma pandemia que revelou as irracionalidades catastróficas do sistema de saúde dos Estados Unidos orientado para o lucro, é triste, mas não surpreendente, que a elite do Partido Democrata, comprada pelas bilionárias Organizações Privadas de Saúde e de Seguros de Saúde, se mantenha mais leal a estas organizações que aos trabalhadores.

Mas entre aqueles que votaram “não” no Medicare for All estavam também quatro proeminentes presidentes de sindicatos nacionais: Randi Weingarten da Federação Americana de Professores (AFT), Lily Eskelsen Garcia da Associação Nacional de Educação (NEA), Mary Kay Henry do Service Employees International Union (SEIU), e Lonnie Stephenson da International Brotherhood of Electrical Workers (IBEW).

Isto é um escândalo. Porque é que os principais representantes de Organizações de Trabalhadores ajudaram a abater uma medida que iria melhorar dramaticamente a vida de milhões de trabalhadores? Especialmente perante uma crise social sem precedentes, precisamos de sindicatos para lutar pela saúde física e econômica de todas as pessoas da classe trabalhadora, organizadas e não organizadas.

Nunca houve um momento tão urgente para apoiar o Medicare for All como agora. Com o desemprego aumentando, estima-se que 27 milhões de pessoas – desproporcionadamente negras e latinas – poderão em breve perder o seu seguro por causa do sistema de saúde patrocinado pelos empregadores dos EUA. Na ausência de um sistema nacional de saúde pública, os EUA ficaram semanas atrasados em relação ao resto do mundo na resposta ao coronavírus, custando inúmeras vidas.

Apesar de os testes serem supostamente gratuitos, muitos estão no entanto a receber faturas de centenas ou milhares de dólares. E uma vez desenvolvida uma vacina, a sua acessibilidade para os americanos comuns irá provavelmente depender de nos livrarmos dos imperativos do sistema de saúde com fins lucrativos. O Medicare for All garantiria custos mais baixos de cuidados de saúde para a grande maioria.

A maioria das pessoas compreende por experiência própria porque é que os EUA precisam desesperadamente de uma reforma séria: as sondagens mostram que a maioria dos eleitores, e mais de 85% dos democratas, apoiam o Medicare for All. E este apoio popular tem continuado a aumentar de forma constante devido à pandemia. Alguns dirigentes sindicais também compreendem isto, como se viu na votação pró-Medicare for All do presidente da UNITE-HERE Local 2, Anand Singh, na segunda-feira.

As ações de Weingarten, Eskelsen Garcia, e Kay Henry são particularmente dececionantes porque cada um dos seus sindicatos afirmou apoiar o Medicare for All. Em 2019, a AFT, a NEA, e o SEIU apoiaram a Lei Medicare for All de Pramila Jayapal, e Kay Henry atacou a ideia de que Medicare for All iria prejudicar os trabalhadores sindicalizados: ” “Indigna-me profundamente que os 16 milhões de trabalhadores que se juntaram e lutaram por melhores planos de saúde sejam atirados contra os milhões de trabalhadores americanos que lutam para terem acesso à cobertura de cuidados de saúde.”.

Weingarten em múltiplas ocasiões, incluindo há apenas alguns meses atrás, professou o seu apoio a um modelo de pagador único, ou seja de Medicare for All. Como ela explicou em 2017, “Já é bem tempo de nos juntarmos aos mais de 30 países que garantem o acesso universal a cuidados de saúde de alta qualidade e a preços acessíveis. O projeto de lei Medicare for All do Senador Bernie Sanders oferece um caminho para alcançar este objetivo”.

Esta desconexão dramática entre palavras e atos provém de uma estratégia de trabalho dentro das estruturas de poder do Partido Democrático, em vez de as desafiar. Como a votação do DNC desta semana deixa claro, o declínio de décadas de trabalho organizado, e a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora, continuará até que os nossos sindicatos finalmente rompam os seus laços com os lideres do Partido Democrático comprados pelas grandes empresas.

No meio de uma pandemia devastadora, os líderes da AFT, NEA, SEIU, e IBEW tiveram uma oportunidade de lutar pela saúde dos seus membros e da classe trabalhadora em geral. Em vez disso, eles colocaram-se do lado do status quo. Os trabalhadores precisam, e merecem, melhor do que isto.

Sobre o autor

Eric Blanc is the author of Red State Revolt: The Teachers’ Strike Wave and Working-Class Politics.

26 de julho de 2020

Bilionários querem reabrir escolas em meio a pandemia. E isso pode desencadear uma onda de greves de professores

Interesses empresariais estão forçando a reabertura prematura das escolas para que possam retomar a economia e gerar lucro. Mas professores de todo o país estão insistindo que as escolas só devem ser reabertas quando isso puder ser feito com segurança – e a categoria já planeja entrar em greve para lutar contra os bilionários.

Eric Blanc

Jacobin

Professores protestam em frente ao escritório do Distrito Escolar do Condado de Hillsborough contra a reabertura de escolas devido a preocupações de saúde e segurança em meio à pandemia do COVID-19, em 16 de julho de 2020 em Tampa, Flórida. (Octavio Jones / Getty Images).

Tradução / Na semana passada, o Wall Street Journal publicou um editorial revelador intitulado “O caso da reabertura de escolas“. Nele, o conselho editorial reitera os argumentos mais comuns em favor do retorno imediato de alunos e educadores à sala de aula neste outono. Mas também deixam claro que quando e como reabrir as escolas reflete um conflito fundamental entre educadores e trabalhadores de um lado, e bilionários, por outro.

Certamente, o jornal porta-voz oficial das grandes empresas é experiente o suficiente para enquadrar a reabertura da escola como benéfica para a classe média, não apenas para os ricos dominantes. O WSJ aponta para o dano muito real do aprendizado remoto, argumentando, por exemplo, que “você não precisa de um diploma em psicologia infantil para saber que as crianças estão tendo dificuldades com a educação virtual”. E as famílias da classe trabalhadora, observa o editorial corretamente, sofrem mais com escolas fechadas do que aquelas que são mais ricas (e, eu acrescentaria, mais brancas).

Os professores querem voltar para suas salas de aula. Mas qualquer avaliação séria dos custos relativos a manter as escolas fechadas também deve, honestamente, lidar com os riscos para a saúde apresentados, abrindo-os em meio a uma pandemia violenta. Sem surpresa, o editorial falha inteiramente nessa questão.

Segundo o conselho editorial, “a imunidade relativa das crianças pequenas à doença… deve tranquilizar os pais”. No entanto, a pesquisa mais recente e extensa concluiu que, embora crianças pequenas com menos de dez anos espalhem menos a doença do que os adultos, elas ainda podem infectar outras. E ainda mais perigosamente, crianças entre dez e dezenove anos têm a mesma probabilidade que adultos de transmitir o vírus.

Os resultados desastrosos da corrida para reabrir escolas em Israel devem ser uma advertência para os outros países. Em maio, quando o número de infecções em Israel era muito menor do que o dos EUA hoje, o governo decidiu enviar professores e alunos de volta à sala de aula. Em junho, os surtos estavam se espalhando nas escolas de todo o país, contribuindo para um grande pico de infecção na população como um todo. Um estudo do Ministério da Saúde descobriu que cerca de um terço das novas contrações de vírus ocorreram em instalações educacionais entre 10 e 16 de julho.

Assim como Donald Trump, o WSJ alega que, como países como Dinamarca e Cingapura reabriram com segurança as escolas, então os EUA também podem. Porém, quando se trata de reabertura de escolas, os especialistas concordam que o fator mais importante é o grau de infecção além das escolas.

Os países da Europa e da Ásia conseguiram abrir escolas sem grandes surtos, porque achataram a curva do vírus na sociedade como um todo. Os EUA não. O número diário de casos confirmados ainda está aumentando. Enquanto a Alemanha tem cerca de 440 novos casos por dia, a média dos EUA é superior a 66.000.

A COVID-19 continua a devastar os EUA muito mais do que outros países industrializados devido à negligência criminal de funcionários do governo, o sistema de assistência médica com fins lucrativos dos EUA, um Estado de bem-estar fraco, as irracionalidades do federalismo americano e um período de décadas de dizimação de capacidades governamentais apoiada por bilionários. Não importa quais recomendações administrativas criativas sejam feitas para distanciamento social da sala de aula, uso de máscaras, grupos de alunos e horários de aula escalonados, ao abrir escolas em meio a uma pandemia corremos o risco de desencadear uma catástrofe na saúde pública, principalmente para famílias negras e pardas de baixa renda.

Tais considerações pouco importam para o conselho editorial da WSJ e os interesses comerciais que eles representam, porque o verdadeiro motivo pelo qual eles querem reabrir as escolas está em outro lugar. No final do artigo, eles finalmente dizem a parte omitida em voz alta: “Milhões de pais não podem voltar ao trabalho se seus filhos não puderem frequentar a escola”. As escolas, entre outros serviços prestados, servem como creches, permitindo que os pais vendam seu trabalho aos empregadores. Um artigo publicado duas semanas antes no WSJ explica essa lógica econômica:

Se as escolas não forem abertas, muitos pais não receberão assistência infantil e não poderão voltar ao trabalho. Se os pais não podem trabalhar, a economia pode não se recuperar. Os sindicatos de professores estão, portanto, em posição de manter a economia como refém.

Segundo um estudo da Brookings Institution, cada mês de escolas fechadas pode custar aos EUA mais de US$ 50 bilhões. É por isso que a revista Forbes insiste que “considerações econômicas…superam preocupações com a saúde” quando se trata de um retorno às aulas.

Por conta dos lucros corporativos, bilionários e políticos que eles compraram estão dispostos a sacrificar educadores, estudantes e pais. Nossas vidas estão em risco. Os Professores Unidos de Los Angeles descreveram bem: “Quando os políticos exortam os educadores e outros trabalhadores a ‘reacender a economia’, devemos perguntar: ‘quem você planeja usar como bucha de canhão descartável?'”.

Se recusando a retornar para escolas inseguras

A possibilidade de “manter a economia refém” dá aos educadores organizados um tremendo poder nesse momento de crise. E isso é muito bom, ao contrário do que o Wall Street Journal e a Forbes dizem.

“Encorajados por greves vitoriosas em 2018 e 2019”, diz o editorial do Wall Street Journal, sindicatos de educadores “parecem estar em uma posição de poder,” já tendo moldado alguns dos critérios de instrução desde que o lockdown começou. Sindicatos militantes de professores e um aparecimento sem precedentes de lideranças em todo o país, organizado em grande parte pelo Facebook, já obteve sucesso em pressionar diversos distritos – incluindo Denver, Houston e a maior parte da Califórnia – a prosseguir com o ensino remoto até que as taxas de infecção locais caiam significativamente. Ativistas em todo o país elevaram a referência de zero novos casos locais por quatorze dias antes do retorno das aulas.

No entanto, diversos Estados comandados por republicanos como a Flórida, bem como diversas cidades lideradas por democratas como Chicago e Nova York, ainda estão prosseguindo com uma total ou parcial abertura física no início do segundo semestre. Dadas as perdas nos lucros, as corporações e seus representantes não irão recuar sem uma luta. O quadro editorial do Wall Street, como Trump e sua Secretária da Educação Betsy DeVos, estão insistindo que distritos sejam pressionados a reabrir:

Republicanos no Congresso devem conceder crédito adicional em um quinto pacote de ajuda emergencial a escolas reabrindo fisicamente cinco dias por semana. Se algumas escolas públicas ou distritos recusarem a reabertura, disponibilizar o dinheiro disponível para escolas autônomas ou privadas que estejam abertas.

Como a pandemia continua em alta, a primeira responsabilidade de todo educador e de todo sindicato de professores é lutar para impedir uma reabertura arriscada. Isso, é claro, não significa manter escolas fechadas indefinidamente. Ao contrário, educadores podem usar sua influência social para forçar políticos a finalmente tomar medidas urgentes necessárias para trazer de maneira segura os alunos de volta à escola e, não menos importante, achatar a curva da pandemia.

Como o sucesso das greves de 2018 e 2019 demonstrou, professores e docentes são mais efetivos politicamente quando levantam demandas não apenas relativas a si mesmos, mas também da parte de alunos, pais e a comunidade como um todo. Com essa intenção, a Demand Safe School Coalition (Coalizão por Escolas Seguras) – que reúne sindicatos e organizações como o Sindicato de Professores de Chicago, Professores de Los Angeles Unidos e Journey for Justice (missão por justiça) – organizou um “Dia Nacional da Resistência” em 3 de agosto.

A mobilização não se resume em apenas lutar contra aberturas prematuras e exigir mais enfermeiros e conselheiros, equipamentos de proteção pessoal, serviços de limpeza e testes virológicos para manter estudantes e funcionários seguros quando eles voltarem às salas de aula, mas também levantou demandas da parte de membros da comunidade, incluindo Escolas sem Polícias, uma moratória sobre despejos e execuções de hipoteca, e renda básica para aqueles desempregados ou incapazes de trabalhar.

A razão pela qual essas reformas não foram implementadas não é porque são inviáveis, mas porque são caras. Enquanto nos mantermos em um cenário de austeridade, as únicas opções possíveis para as escolas nesse semestre serão ruins – continuar o ensino remoto – ou catastróficas – reaberturas prematuras. Enquanto os governos locais e estaduais não podem por si próprios financiar adequadamente as medidas para nos manter todos seguros, a coalizão sugeriu uma “massiva infusão federal de apoio financeiro para apoiar a reabertura taxando bilionários e a Wall Street.

Os interesses de educadores e famílias trabalhadoras vai de encontro com os da classe dominante e os políticos em seu orçamento. Eles nos querem imediatamente de volta à escola a ao trabalho, para aumentar seu pé-de-meia. Nós queremos que eles paguem o que lhes é devido, para garantir a saúde física e econômica da maioria da classe trabalhadora.

Nenhum segmento da população está mais bem posicionado que os educadores organizados para liderar uma reação bem-sucedida contra a resposta catastrófica à pandemia por parte do governo. De West Virginia a Oklahoma à Califórnia, educadores provaram nos últimos três anos que eles têm o poder e o impulso para encarar os bilionários e vencer. Nós precisamos desesperadamente que eles o façam isso novamente. O que está em jogo dificilmente poderia ser maior.

Sobre o autor

Escreve sobre movimentos trabalhistas do passado e do presente. Anteriormente professor do ensino médio na Bay Area, ele é o autor de "Red State Revolt: The Teachers' Strike Wave and Working-Class Politics".

11 de julho de 2017

Outubro e sua importância: uma conversa com China Miéville

Uma brilhante entrevista realizada pelo historiador estadunidense Eric Blanc com escritor britânico China Miéville a respeito de seu novo livro "Outubro: história da Revolução Russa".

Eric Blanc entrevista China Miéville



Tradução / Para aqueles interessados em compreender a história da Revolução Russa na esperança de confrontar mais efetivamente o capitalismo, a tensão entre universal e particular se revela fundamental. A dificuldade que inevitavelmente surge é a de como discernir o que foi historicamente específico da Rússia de 1917 e o Bolchevismo daquilo que talvez reflita uma tendência mais generalizada. Para citar a obra mais recente do premiado autor China Miéville, Outubro: história da Revolução Russa (Verso): "Tratou-se certamente da revolução da Rússia, mas pertenceu e pertence a outros também. Poderia igualmente ser nossa. Se suas frases ainda estão inacabadas, cabe a nós acabá-las".

Imbuído desse espírito, Miéville sentou recentemente para discutir a Revolução Russa e sua relevância atual com Eric Blanc, sociólogo da história e autor da monografia no prelo, Anti-Colonial Marxism: Oppression and Revolution in the Tstarist Boderlands (Brill Publishers, série da Historical Materialism).

***

Eric Blanc

Um dos aspectos-chave de 1917 foi o modo abrupto com que a história e a consciência das massas mudaram de curso – a metáfora com que mais me deparo na literatura é a revolução como um turbilhão. Em Outubro você argumenta que uma das mais importantes características de Lênin era a habilidade de orientação em face dessas mudanças rápidas e das contingências políticas. Como você enxerga os diferentes atores em 1917 confrontando esse turbilhão de condições? E o que daí poderia ainda ser relevante? Por exemplo, fiquei impressionado com um editorial recente do Salvage, um jornal do qual você é um dos editores, em apoio à nova onda Corbyn: "nós não leváramos em conta a rapidez com que as coisas podem mudar".

China Miéville

Formalmente eu sempre soube que as coisas podem mudar vertiginosamente rápido; razão pela qual eu nunca fui tentado a me render perante algum tipo de engano dos “Novos Tempos”, segundo o qual uma mudança fundamental nunca pode ocorrer. Entretanto, como você notou, em um certo nível, nem sempre “processei” essa consciência formal.

Para mim, Corbyn não foi uma surpresa completa: pensei que ele se sairia melhor do que muita gente dizia. Mas não vou mentir: o alcance me impressionou. Nunca senti tanto prazer em estar errado. Estamos agora no que pensei ser, aproximadamente, o melhor cenário em quatro anos caso Corbyn se saísse bem. Não que eu acreditasse que fosse impossível, mas chagamos lá muito mais rápido do que eu previa.

É um humilde e bom lembrete do que todos nós formalmente sabemos. E, não acho tendencioso fazer essa conexão, mas se há alguma lição de 1917 que cisma em reaparecer é essa, de quão rápido as coisas podem mudar. É ótimo ser lembrado disso – quase citando “Estado e Revolução”, é mais agradável e proveitoso passar pela experiência de mudança abrupta que ler ou escrever sobre ela.

Em relação a 1917 propriamente, com exceções, tenho com frequência a impressão de que uma das coisas que distinguiam os intelectuais Mencheviques, incluindo pessoas brilhantes, era a tendência a lidar com modelos teóricos de modo arbitrário, no qual forçavam o que estava diante deles em vez de iniciar a análise a partir da complexidade da realidade.

No seu melhor, penso que foi isso, dentre outras coisas, que distinguiu Trotski e foi bastante notável em Lênin – este de uma maneria talvez menos suculenta na teoria, mas de incrível rapidez. Todos comentaram a antena de Lênin para essas mudanças rápidas. O que não quer dizer que nunca errasse – ele errou muitas vezes: em Julho, sobre Kornilov, certamente sobre alguns aspectos de Outubro. Não só seu senso para captar tais mudanças, mas também a disposição para alterar completamente a linha eram muito incomum. Pode-se dizer de maneira admirável que ele não era sentimental com relação a suas próprias posições.

Eu realmente gostei das vinhetas do livro nas quais você se sente quase solidário aos Bolcheviques, que tiveram de lidar com um líder como aquele em sua própria organização.

É notável: enquanto Lênin se esconde na Queda de 1917, seus camaradas invocam sua ira quase bíblica para o pecado absoluto de publicar o que ele escreveu duas semanas antes. Poucos de nós o faríamos, sob o risco de sermos completamente mal interpretados. Não à toa, o caso de Lênin foi extremamente deturpado.

Também vale a pena pensar em que medida isso foi possível graças à existência de um Partido Bolchevique. Lênin não era mero leitor de jornais; em sua posição de organizador, ele podia receber informações diretas dos eventos de seus camaradas, que estavam eles mesmos intervindo independentemente e tentando chegar a uma avaliação dos acontecimentos. Isso geralmente é esquecido – a não ser que se creia em Lênin como a um Gênio. E de certa forma é o que acaba mais tarde, depois de 1917, quando essa dinâmica entre os quadros médios e a direção desmorona, inclusive com Lênin.

Você entendeu muito bem que, em 1917, Lênin estava prestando muita atenção às informações e posições dessa camada média, mesmo quando aquilo que ouvia o desagradava. Isso foi o mais proveitoso das memórias de Eduard Dune, “Notas da Guarda Vermelha”, donde se entende essa camada dos quadros que intervinha politicamente com muita sensibilidade, debatia, aprendia e por aí vai. Penso que você está certo sobre essa ser a fonte da “antena”. Dito isso, há ainda algo bastante notável sobre o próprio Lênin. Outros que tiveram acesso a essa rede de informações não agiram do mesmo jeito, por exemplo.

Um dos acontecimentos mais promissores dos últimos anos tem sido o ressurgimento da política socialista entre os jovens, o qual tem assumido largamente a forma de um crescimento na social-democracia de esquerda, como se expressou (de diferentes modos) na ascensão de Corbyn no Reino Unido e Bernie Sanders nos Estados Unidos. Por um lado é emocionante, inspirador e abre grandes brechas para políticas radicais. Por outro lado, também significa que um balanço sério do papel histórico dos sociais-democratas pode ser mais crítico que nunca.

Na Rússia de 1917, o real debate ao longo dos anos se deu entre radicais (por falta de um termo melhor) e socialistas moderados – Mencheviques e os SRs na Rússia Central. Destes, muitos acabaram se juntando ao governo em maio, e rapidamente abandonaram seus próprios programas e objetivos. As pessoas hoje frequentemente esquecem quão militante era a plataforma desses partidos no início de 1917. Você ressaltou particularmente em Outubro o histórico descomparecimento dos Mencheviques de esquerda liderados por Martov, sobretudo o momento em que se retiram do Segundo Congresso de Sovietes em outubro. Você acha que os socialistas moderados poderiam ter cumprido um papel diferente em 1917? E podemos esperar dos sociais-democratas de hoje que ajam de modo diferente de seu equivalente de cem anos atrás?

Como você disse, o adjetivo “moderado” é na verdade um tanto enganoso e de pouca ajuda aqui, uma vez que, de certo modo, agrupa uma ampla gama de diferentes tendências, muitas das quais bastante radicais. Então penso que o termo deve sempre ser empregado entre aspas.

Quanto à simples questão “poderia ter sido de outro jeito?”, parece-me não ser tão controverso assim responder que sim. Não à toa muitos dos envolvidos lamentaram muito por não ter sido. Sukhanov, dos Mencheviques de esquerda, penso, arrependeu-se até sua morte de ter se retirado do Segundo Congresso dos Sovietes. Chamou de “o maior e mais perene crime” o fato de não ter rompido com Martov e permanecido no salão.

E às vezes se esquece que poucas horas antes naquela noite havia sido acordado (inclusive com Trotski) que o governo deveria ser socialista geral, isto é, um governo socialista não exclusivamente composto pelos Bolcheviques. Isso é incrível, de imensa importância. Os jornalistas, testemunhas oculares, sabiam disso. Para mim se trata de um momento angustiante porque a dinâmica poderia ter sido muito diferente. Mesmo com a saída certa dos socialistas de direita, havia uma variedade de agentes que não eram da direita, nem Bolcheviques, cuja presença poderia ter mudado substancialmente a inflexão e a metodologia do governo Soviético.

Nesse sentido, vale notar que as coisas se desenrolaram de diferentes formas em outras partes do Império Russo. Na Finlândia, por exemplo, a maioria dos líderes socialistas que estiveram tartamudeando durante 1917 acabaram por se colocar ao lado da revolução em janeiro de 1918 quando chega o momento. Encontrei uma carta realmente emocionante de um líder socialista finlandês de centro para sua filha, logo após a insurreição finlandesa de janeiro, explicando que mesmo tendo se oposto a uma revolução violenta, sentia que era seu dever não abandonar o partido e os trabalhadores depois do desenlace da revolta.

Absolutamente. Isso revela a extensão daquilo que poderia ter sido diferente. Embora seria completamente utópico e ridículo dizer que por conseguinte tudo teria ficado bem, penso que poderia teria havido um impacto real. Tendo uma voz alternativa camarada, sem abrir mão da crítica e do rigor, no interior da revolução.

Até hoje eu vejo uma tendência ruim entre aqueles de extrema esquerda de descrever todos aqueles com que se discorda, por predefinição, como renegado, ou que capitulou, ou o que seja. Alguns podem até ser mesmo, mas com certeza não todos. Se você é um social-democrata porque acredita que qualquer tentativa de derrubar o capitalismo com revolução é algo a se estar fundamentalmente contra, então eu nunca serei seu companheiro. Se você é um social-democrata porque por mais que ame a ideia de derrubar o capitalismo, não vê isso na agenda do momento, a história é outra – e você pode muito bem ser um ativista mais sério que muitos supostos revolucionários. E quando o sentido de mudanças possíveis, e algo mais radical, despontar abruptamente na sua agenda?

Com efeito, acho errôneo fazer generalizações a respeito dos sociais-democratas, ou sociais-democratas de esquerda (e eventualmente liberais – sempre cito a observação de Richard Seymour que diz existir politicamente uma oposição rígida entre um liberalismo fiel aos ideais liberais versus aquele fiel ao Estado liberal). Você não saberá quem são seus amigos, camaradas e inimigos até que o horizonte de mudanças radicais se aproxime, esteja mais visível.

Concordo com o que você expôs, mas o reverso disso é a pressão incrível contra todos os socialistas imposta pela classe dominante. Por exemplo, em abril de 1917, precisamente porque o Governo Provisório não teria sobrevivido sem a incorporação dos socialistas, havia um imperativo estrutural de integrar determinados socialistas moderados. Logo, não se trata apenas de política de um indivíduo, mas da necessidade de introduzir e contar com forças que tivessem alguma credibilidade junto à classe trabalhadora, a fim de alicerçar o sistema. Ademais, também vemos isso em outras partes do império e durante a onda revolucionária do pós-guerra na Europa.

Você está certo. Estou aqui usando ideias (sempre multifacetadas e flexíveis) e “crenças” à guisa de uma estenografia. Estamos tomando pessoas pelas suas funções políticas. Imagino que se você é um ativista disposto, sob certas circunstâncias, a entrar num aparato estatal burocrático capitalista, então se assoma a questão: qual é seu compromisso com a ruptura? É inquestionável que existe uma tendência lógica muito forte a cerca da social-democracia, incluindo aí sua esquerda, a rejeitar tal ruptura. Mas não acho que seja inevitável, em todos os casos. Uma vez que o horizonte de possibilidades se abra, mesmo alguns dos que estão dentro da máquina podem encontrar (possivelmente para surpresa deles e nossa) lealdade a um projeto de emancipação.

Contra tal abordagem, há uma alternativa exibicionista, uma espécie de estratégia ostensiva de tensão. Se pensarmos numa oposição grosseira entre tal estratégia de tensão de extrema-esquerda e a estratégia social-democrata de melhoramentos no interior do sistema, por vezes me questiono se o sonho de alguma “negação dialética” entre os dois não seria de fato possível. Talvez o melhor que se possa fazer seja oscilar em sobreposição entre elas, em vários grau e por diversas vezes.

Talvez o ponto seja manter em mente a tensão...

Certo. E que um movimento sadio de ruptura deve incluir representantes de ambas as correntes.

Na "Salvage", você tem lutado bastante com os temas esperança e desespero. A publicação tem defendido um “pessimismo austero revolucionário”; uma de seus slogans é “a esperança é preciosa, precisa ser racionada”. Isso levanta muitas questões para mim, talvez porque boa parte da minha pesquisa seja sobre revolucionários da Segunda Internacional. E muito do êxito político deles – e da mensagem política – se deve a uma abordagem extremamente esperançosa. Hoje a postura dessas correntes muitas vezes não correspondem mais nem ao fatalismo do progresso, nem ao superotimismo em relação à vitória final do socialismo. Mas eu penso que o núcleo racional do que faziam era a projeção de esperança enquanto intervenção política na luta de classes, para fazer os trabalhadores terem confiança neles mesmos e na sua capacidade de vencer. Nesse sentido, a esperança se torna até certo ponto uma profecia autorrealizável – se os trabalhadores pensam que podem vencer, é mais provável que lutem, tornando assim mais provável a vitória.

Na Rússia, uma das maiores diferenças entre Bolcheviques e Mencheviques era precisamente essa questão: estes acusavam constantemente Lênin e seus camaradas de terem uma confiança demasiadamente esperançosa na classe trabalhadora. Assim sendo, como você enxerga as políticas de esperança e desespero em 1917? E quais aspectos dessas abordagens distintas podem ter relevância hoje, precisamente quando há um semi-ressurgimento da esperança no que concerne a Corbyn, em particular?

Nadiejda Larrvítskaia – "Teffi" – provocou Lênin dizendo que se ele se encontrasse com Zinoviev e Kamenev e cinco cavalos estivessem presente, diria “éramos oito”. Qualquer um que esteve politicamente ativo, tendo visto a constante tendência da esquerda para aumentar qualquer coisa, ao ler a caçoada vai rir. Quanto mais as coisas mudam, mais permanecem iguais.*

Há um nível simples e óbvio ao qual a esperança é necessária: Se você não acredita que exista qualquer possibilidade de mudança fundamental, não há razão para lutar por ela. Esse é um exemplo de como a esperança é chave para um projeto transformador.

Mas há uma versão banalizada de esperança, muito frequentemente (esse é um ponto levantado por Terry Eagleton em seu recente livro) indiferenciável do otimismo. Se você começa com uma posição padrão de otimismo, não há lógica nela. Trata-se essencialmente de uma posição de fé (e eu acrescentaria pouco convincente, evocando para mim um desespero não admitido, na maioria das vezes). Se otimismo ou pessimismo significam algo, precisam ser resultados de uma análise das condições concretas. Pode-se ser pessimista em uma situação, otimista em outra.

Você mencionou o uso político da esperança: não o que tem a esperança como referência de “norma fundamental”, com o qual não tenho problemas. Já aquele de uma performatividade necessária de esperança, é outra história; não serve nem como ponto de partida. A ideia de que temos de representar otimismo (muitas vezes freneticamente), ainda por cima porque é assim que se inspiraria a classe trabalhadora e se alimentaria sua agência, e assim por diante. São muitas as dificuldades que tenho com essa abordagem. Uma delas é, pelo menos potencialmente, intelectual e politicamente desonesto porquanto a injunção suplanta a análise concreta. (Isso, claro, acontece o tempo todo: basta pensarmos em picaretas jurando cegamente que certa tática será exitosa, nos convencendo a um só tempo de que não é verdade, e de que sabem muito bem disso). Ademais, para uma abordagem que intenta manter as pessoas ativas, acho que sequer atinamos para os custos disso. Em termos anedóticos, posso dizer a partir de minha própria experiência política que vi mais gente sendo perdida para o vácuo do otimismo, como eu o penso, que para o pessimismo: pessoas esgotadas depois de ouvirem uma vez de tantas que só falta mais um grande impulso para a mudança, que tudo está em aberto, que há imensas oportunidades nisso e naquilo; e ainda por cima, as pessoas induzidas a se sentirem culpadas e politicamente envergonhadas por se sentirem assim, torna a situação muito difícil, de fato. Sem mencionar a vergonha quando as coisas não vão bem diante da expectativa e da cobrança – afinal, a que mais de deve seu fracasso?

Óbvio, coisas boas acontecem, mas quando é assim isso não justifica o tipo banal de otimismo. Insisto, estou totalmente encantado com a rapidez do fenômeno Corbyn. Algumas pessoas de fato entenderam concretamente o que estava acontecendo, e eu as respeito. Contudo, essa virada política não serve de justificativa àqueles entusiásticos que passaram os últimos trinta anos dando lição de moral. Essas pessoas são como um relógio quebrado que ocasionalmente mostra a hora certa.

Por essas razões, tenho tendido recentemente a não usar essa palavra, “esperança”. Não por insensibilidade àquele sentido profundo e honrável de que falamos – a inestimável “esperança sem otimismo” de Eagleton – mas por revelia à Esquerda Britânica, em meio a qual o outro sentido de “esperança” se tornou tão hegemônico que mal aguento ouvi-lo. Estou muito contente de dizer que, após Corbyn, eu encontrei essa mudança na sociedade e em mim. Estou agora considerável e concretamente mais esperançoso – até otimista – que estive recentemente. O que não significa para mim que o realismo da dimensão do que nos encara agora, mesmo agora, mesmo depois de Corbyn – talvez especialmente – não seja absolutamente crucial. E, não menos relevante, porque vai nos custar alguns ativistas – enquanto que para muitas pessoas será tão motivador quando qualquer otimismo banal.

Os Bolcheviques e os revolucionários da Segunda Internacional geralmente eram genuinamente esperançosos e otimistas, eles realmente acreditavam.

Não tenho questões, claro, quando análises particulares levam ao entendimento de que uma situação particular é positiva – com boa-fé, otimismo concreto, você poderia dizer. Eu posso ou não concordar, mas é um debate razoável entre os camaradas. No entanto, em se tratando da esperança dos Bolcheviques e seu êxito político, estou cordialmente cético quanto a qualquer implicação de que seja necessariamente causalidade, em vez de uma correlação particular. Possivelmente o sucesso tenha se dado mais em função de políticas amplas e tendências, do que do peso relativo infinitesimal do “otimismo ou pessimismo” dos Bolcheviques, em termos atinentes ao movimento da História. (Houve, claro, Bolcheviques pessimistas, e isso não implicou necessariamente que os oponentes tomassem o poder. Não há nada particularmente incomum em pessoas lutando pelo que acreditam ser o correto, o necessário ou o possível; mas o fazem sem essa confiança absoluta de que vencerão). Talvez essa seja uma questão para uma próxima discussão honesta.

Um grande legado da Revolução Russa foi uma nova orientação internacionalista sobre a construção dos partidos marxistas, abordagem que ficou conhecida por Leninismo. Desde então se instaurou um debate sobre a natureza histórica do Partido Bolchevique, e o que dessa experiência é generalizável. Das coisas que mais apreciei no seu livro estão as descrições que você elabora das complicações, tensões e erros do Partido Bolchevique, bem como de sua força política e a importância que assumiu em tornar Outubro possível. Como você enxerga a relevância desse legado de construção partidária para o presente?

Assumindo a ressalva importante de que seria absurdo simplesmente replicar estruturas particulares do passado, porquanto parecem ter funcionado para os Bolcheviques (o kitsch tem sido um problema para a Esquerda), não tenho objeções sobre o partido enquanto forma de projeto político. Não sou horizontalista. Do Leninismo, um de seus aspectos fundamentais que ainda acho muito potente é que podemos pensá-lo como uma teoria da consciência, da maneira como a consciência opera nas pessoas, e muda.

Particularmente os desníveis de consciência...

Incluindo o interior do partido e da liderança, para deixar claro. Por vezes os anarquistas (ou democratas espúrios de direita) atacam essas noções atinente à forma do partido – para não falar de certa “vanguarda”; não passam de elitistas, escarnecedores da classe trabalhadora. Muitos desses ataques são de má-fé, mas aos mais sérios eu responderia: acredito que as pessoas mudam o jeito de pensar. Eu mesmo mudei várias vezes, inclusive enquanto estava num partido político. Logo, a questão é: como a subjetividade política se altera? Os desníveis de que você falou mudam com o tempo. Parece-me que o partido – contanto que não haja uma pedra de toque – está longe de ser a pior maneira de se relacionar com um projeto político, pelo simples fato de que a consciência existe, muda e é assimétrica.

Trotski, em sua História da Revolução Russa, afirma que apesar de todos os graves pontos fracos, o Partido Bolchevique era um "instrumento bastante adequado à revolução".

Exato, o partido é uma ferramenta e eu tento não ser sentimental com ele. É importante também salientar que o partido não é um emissor de instrução de cima para baixo; no entanto, com frequência opera como um breque, um moderador. Acho muito notável e impressionante que a alçada do partido durante momentos-chave de altos dramas políticos (não só na Revolução Russa) tenha sido menos a de uma “vanguarda” dizendo às pessoas o que elas devem fazer, e mais frequentemente a de dizer “parem”, pedir moderação, tentar controlar o ímpeto da compreensível violência da classe, da vingança da classe.

Os ataques da direita são intermináveis. Mas é fato que a esquerda nem sempre tem sido sua melhor aliada nessa questão, pois sua relação com o partido, enquanto projeto, é por vezes sentimental e kitsch.

Nesse sentido, uma das coisas com que mais se depara quando se mergulha seriamente na História, é o quanto os Bolcheviques mudaram ao longo de muitos anos, à medida que cometiam erros – e associadamente a variedade de questões políticas abertas que perduram até hoje aos socialistas. O marxismo geralmente não nega tais pontos, ainda que as histórias que escrevemos atualmente tendam à falta de crítica. Daí as lições a tirar dessa experiência podem ser um tanto estereotipadas…

Fico frustrado com a inabilidade de muitos da esquerda, incluindo os Bolcheviques, de reconhecer um erro. É por isso que provoco Lênin no livro em relação a Kornilov, por ser esse o caso mais próximo de reconhecimento de erro que vi dele. E mesmo assim, quando ele descreve a “incrível reviravolta” dos eventos, é quase como se a realidade é que tivesse cometido o erro. Penso que devemos superar essa alergia de admitir os erros, na ação, na teoria, ou em ambas. É ainda muito comum.

Lendo Outubro fiquei realmente impressionado com o valor de pesquisa levada a cabo, e a seriedade com que você enfrentou a faceta historiográfica do projeto. Meu palpite é de que muitos leitores recém-introduzidos nessa história deixem passar essa dimensão do livro. Pesquisando e escrevendo Outubro, você acabou desenvolvendo um olhar para a Revolução Russa diferente daquele do início da investigação?

Agradeço-te por dizer isso – que muito se deve a você e a outros acadêmicos especialistas que foram tão generosos ao trabalhar comigo no primeiro esboço. Apesar de ter primordialmente em mente um leitor leigo, era muito importante para mim a aprovação de especialistas que diriam “concordando ou não com ele, certamente fez a lição de casa”.

Antes de iniciar as leituras, eu não era novo no assunto, mas não tinha um conhecimento minucioso. Assim, numa visada ampla, eu não acredito que tenha alterado radicalmente minha posição. O que a pesquisa causou foi um fortalecimento de certas intuições e noções superficiais que tinha, trazendo a tona a real dimensão delas. Por exemplo, dessas coisas que a esquerda afirma: “havia muito dissenso interno entre os Bolcheviques”. Afirma-se isso quase à guisa de prova, para dizer que não se tratava de um partido monolítico.

Marxistas têm a tendência a falar isso – e daí com frequência passam ao arrazoado sobre Lênin ter acertado em praticamente tudo.

Exatamente, queremos ambos ao mesmo tempo. Para mim a grande importância do debate interno foi realmente notável, era algo como uma pulsão constante no partido. Da mesma forma fui tomado pela percepção de que todos tinham clareza de que algo aconteceria, mesmo antes de Outubro propriamente se tornar historicamente inevitável. O país estava caótico, correndo desordenadamente em direção a algo – quase como um apocalipse. E a magnitude dessa inevitabilidade era extrema. Esses elementos são extrapolações das impressões vagas que eu tinha.

Em contraste, num nível um tanto granular, tive verdadeiras revelações. Por exemplo, nem sempre interpreto tudo na chave da linha contínua; acho que há mais descontinuidades entre o velho Bolchevismo e o novo Leninismo do que Lênin às vezes insinua. Com efeito, o trabalho de Lars Lih é indispensável e, no que concerne às “Cartas de Afar” anteriores ao retorno de Lênin à Rússia, sua posição me convenceu. Lih, pelo que eu saiba, discorda da versão que muitas vezes se lê (inclusive, por exemplo, em Trotski) de que as “Cartas de Afar” eram tão chocantes que foram censuradas por seus camaradas perplexos com suas posições políticas.

Uma última questão que tinha de início, que não foi exatamente uma mudança de opinião, mas uma revelação e tanto, diz respeito a quão extraordinário foi o grupo Mejraionka. Ao me deparar com ele inicialmente, tomei-o por um pequeno grupo radical associado a Trotski. Contudo, embrenhando-me mais nas leituras, compreendi sua espantosa independência de pensamento, sua política e seu desproporcional número de intelectos verdadeiramente fascinantes, cintilantes.

Eles exerceram um papel fundamental em ambas as revoluções, de Fevereiro e Outubro.

Acho-os absolutamente fascinantes. Penso que há um grande livro a ser escrito – não por mim, infelizmente – sobre os Mejraiontsi.

Para concluir, você poderia falar um pouco sobre a contribuição política que você pretendeu dar com o livro? Como foi a recepção até agora, e o que ela indica sobre o estado atual de engajamento com a Revolução Russa?

Estou cada vez mais atraído pela ideia de que estamos num momento global de decadência esclerótica do capitalismo, e todas as excrescências a ele associadas. Sinto que não é mero epifenômeno, que estamos particularmente cercados por um mar de mentiras e má-fé neste instante. Um efeito interessante para mim é que a boa-fé está cada vez mais importante; estimo muito a habilidade de se debater com quem não se tem acordo. E não digo só na esquerda. Estou realmente aberto a discutir com liberais sérios e até conservadores sobre esses tópicos; o que não suporto são as panaceias liberais tergiversantes ao estilo “as revoluções comem suas crianças”, ou “ideia adorável, mas que jamais funcionaria”. Análise por aforismo.

A maioria das resenhas tem sido positiva, incluindo aquelas para além da esquerda. Isso é muito significativo. Fiquei particularmente contente e grato pela resenha da historiadora Sheila Fitzpatrick, de posição política muito diferente da minha e que enxerga a revolução de outra maneira. Ela fez um apanhado da literatura sobre o tema, e foi muito séria, academicamente ponderada e generosa com Outubro. Não menos importante também pelo livro dela ter sido o primeiro que li sobre a revolução, décadas atrás, o que me afeta. Quanto mais envelheço, mais me esforço para ler com generosidade heurística, ver o que posso tirar dos livros – e fico agradecido por ver essa disposição de leitura para com Outubro.

Tive outras surpresas. Entre os exageros, o livro entrou para a lista “Summer Reading List” de 2017 da revista de negócios Forbes, que o descreveu como a história de quando “um grupo de desordeiros mudou uma instituição de centenas de anos” – você sabe, a Rússia Tsarista.

O primeiro propósito do livro é contar a história para leitores que não necessariamente sabem algo sobre a Revolução Russa e querem saber o que aconteceu, quando, quem eram os participantes, os ritmos, os eventos. Não é uma história da Revolução Russa para gente de esquerda, mas para todos; entretanto, é uma história da Revolução Russa para todos escrita por alguém de esquerda.

Logo, se há o intento de contribuição política, que seja simplesmente o de despertar o interesse das pessoas pela história. Melhor dizendo: nós precisamos falar sobre a Revolução Russa. É um fato. Honestamente, estou um tanto melancólico em relação ao enorme silêncio sobre ela, de modo geral. Estou feliz com a recepção do livro, mas acho que há menos conversa sobre 1917 do que eu gostaria no ano do centenário.

Existiu uma época em que se faziam denúncias contra 1917 para enfraquecê-lo. Hoje, suspeito que para tanto, basta simplesmente não falar sobre ele. Se o livro provocar um pouco mais de discussões sobre esse ano que impôs liberdade e dignidade, histórico para o mundo, então estarei muito contente.

Pode ser o otimismo falando, mas espero que a atual radicalização da juventude possa levar relativamente em breve à retomada de um engajamento com 1917. Talvez seu centenário tenha se adiantado em um ou dois anos?

A boa notícia é que certamente há alguma curiosidade – como ficou evidente, em parte, graças àquelas resenhas improváveis, o fato do livro ter despertado interesses mais amplos do que eu esperaria. A melhor notícia é que a defensividade da esquerda para o tema agora baixou a guarda. Pessoas que tem pensado e escrito sobre isso por tantos anos, saíram da compreensível posição de meros advogados de defesa. Mais pessoas fiéis à revolução têm discutido com cuidado, e de modo mais aberto do que vi em outros momentos, os problemas internos do Partido Bolchevique, por exemplo, em vez de só se centrarem nos problemas externos, tão cruciais quanto estes. Isso é saudável.

Então, talvez em geral não haja tanto debate sobre a revolução quanto eu esperaria que houvesse, todavia o debate que se desenrola na esquerda e além parece no todo menos maquinal, menos envenenado do que eu poderia temer.

[Miéville e Blanc gostariam de agradecer Tithi Bhattacharya por armar os preparativos dessa discussão.]

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