1 de setembro de 2025

A gramática da resistência: Repensando a Palestina para além da piedade e do medo

Nesta entrevista, publicada aqui pela primeira vez em inglês, Abdaljawad Omar (também conhecido como Abboud Hamayel) e Pascual Liguori discutem as tentativas da mídia ocidental de impor aos palestinos narrativas de vitimização ou selvageria. Essas representações, no entanto, apenas obscurecem a ameaça que a resistência palestina representa não apenas para o sionismo, mas para o projeto colonial globalmente.

Abdaljawad Omar e Liguori Pasquale

Monthly Review

Volume 77, Number 04 (September 2025)

Tornou-se cada vez mais difícil falar da Palestina sem cair em um dos dois registros dominantes do discurso ocidental: de um lado, um humanitarismo que evoca compaixão, mas deixa as estruturas de dominação intocadas; de outro, um realismo estratégico que calcula, mas não consegue imaginar. Em ambos os casos, a resistência palestina é esvaziada — reduzida a uma patologia emocional ou excluída do âmbito da racionalidade política. Quando não é lamentada, é criminalizada. E, cada vez mais, essa criminalização carrega as marcas familiares da islamofobia: a resistência é enquadrada como terrorismo, a sobrevivência como ameaça e o pensamento como potencial radicalização.

No entanto, à medida que as manifestações pró-Gaza se multiplicam pela Europa — frequentemente marcadas por um despertar de consciência tardio, condicional e, às vezes, autoexculpatório —, resta uma lição que nenhuma indignação intermitente pode obscurecer: a resistência palestina precedeu este momento, persiste através dele e perdurará além dele, não como uma reação desesperada, mas como uma proposição para o mundo. É uma resistência que pensa, cria e vislumbra futuros. Não busca aprovação superior, mas apela a toda consciência política que não esteja disposta a se render à ordem imperial.

Abdaljawad Omar, intelectual e teórico palestino também conhecido como Abboud Hamayel, fala de dentro dessa resistência. Sua voz não se presta nem à pacificação moral nem à estetização do luto. Por meio de seu trabalho teórico, a Palestina retorna ao que décadas de discurso buscaram neutralizar: um nó central no imaginário político global.

Esta entrevista emerge de uma consciência amarga, mas necessária: grande parte do discurso atual oscila entre a piedade e o medo, entre a empatia seletiva e a autocensura. Mas a Palestina não é uma exceção trágica a ser administrada com sobriedade institucional — é um local de luta, sim, mas também de pensamento radical. É onde a palavra "libertação" ainda guarda um significado que não é metafórico.

Abdaljawad Omar expõe o inconsciente colonial que estrutura a linguagem internacional e afirma a urgência de uma resistência epistemológica — uma resistência que rompa com as gramáticas dominantes. Ele não fala sobre a Palestina, mas a partir da Palestina. Ao fazê-lo, ele nos lembra que resistir não é apenas lutar, mas pensar: pensar de outra forma, pensar contra, pensar além.

O que se segue não é uma conversa deferente. É um encontro vivo e intenso sobre a possibilidade de reescrever o tempo, a subjetividade e o futuro — partindo de um ponto que o Ocidente continua determinado a enterrar: a lucidez estratégica de um povo que aprendeu a transformar a catástrofe em horizonte.

— Pasquale Liguori

Pasquale Liguori

Na representação dominante da Palestina pela mídia ocidental, os palestinos são frequentemente reduzidos à figura da eterna vítima ideal. Mesmo na mídia supostamente pró-palestina, essa representação serve para suscitar uma simpatia superficial e sentimental que oferece pouco apoio real àqueles que vivem sob cerco, na prisão ou no exílio. Quando os palestinos resistem, são instantaneamente rotulados como terroristas. Esses mesmos veículos de mídia reduzem o direito — e o dever — de combater a opressão, o apartheid e o roubo de terras a uma vaga abstração. Isso ficou evidente na condenação generalizada da enchente de Al-Aqsa em 7 de outubro, que não considerou o contexto histórico e geopolítico. Essa narrativa se apropria do poder de conceder ou negar subjetividade a um povo que resiste há quase um século. Quais são as origens dessa narrativa ocidental dominante sobre a Palestina e como ela contribui, direta ou indiretamente, para o genocídio em curso do povo palestino? O discurso ocidental dominante continua a prender a Palestina entre os polos de "direitos humanos" e "terrorismo". Como podemos quebrar essa dicotomia que esteriliza a realidade colonial do conflito?

Abdaljawad Omar

Eu costumava responder a essa pergunta da maneira mais direta possível: que os oprimidos — os palestinos, neste caso — têm permissão para clamar, para nomear suas feridas, para se tornarem reconhecíveis dentro dos roteiros pré-fabricados dos "direitos humanos", a última dobra caridosa da modernidade liberal. Mas o que lhes é sistematicamente negado, tanto por seus inimigos quanto, crucialmente, por seus simpatizantes, é o direito de compreender sua própria resistência. Não apenas de senti-la, não apenas de sobreviver a ela, mas de pensá-la.

Há uma estrutura profunda em ação aqui, que insiste que o palestino deve sempre permanecer o sofredor, o testemunhador, a prova. Mesmo aqueles que reivindicam solidariedade frequentemente o fazem sob a condição de que permaneçamos suspensos nesse papel: o portador da dor, não o produtor do pensamento. A resistência, quando é reconhecida, é colocada em quarentena — apresentada como reativa, como cega, como, em última análise, indigna de dignidade conceitual.

Mas algo mudou. Os últimos dois anos de massacre ininterrupto de mortes, recebidos não com silêncio, mas com uma clareza nova e furiosa, começaram a perturbar esse arranjo. Não acredito mais que a recusa em permitir aos palestinos a capacidade de teorizar sua resistência se refira apenas à Palestina. Trata-se, mais perigosamente, ao mundo. O que se teme não é a nossa libertação em si, mas que a resistência possa voltar a ser pensável. Que possa circular. Que possa criar raízes em outras zonas de abandono. Que o palestino, não mais o emblema mudo do sofrimento, possa se tornar a figura por meio da qual a questão da emancipação reentra no imaginário político.

O que estamos testemunhando não é meramente uma relação colonial entre Israel e Palestina, mas a imposição de uma estrutura — cujas operações excedem os limites geográficos ou jurídicos do chamado espaço do conflito, lugares como Gaza ou a Cisjordânia. Há uma simpatia condicional que circula amplamente, muitas vezes disfarçada na linguagem da preocupação humanitária. Mas essa simpatia funciona, precisamente, para salvar o sionismo de suas próprias contradições. Oferece um álibi moral, ao mesmo tempo em que salvaguarda a permanência de Israel não apenas como um Estado, mas como uma forma: uma dobradiça na arquitetura da ordem global.

Esta é uma ordem que exige que o Mediterrâneo Oriental — historicamente o berço do sonho anti-imperial — permaneça fragmentado, administrado e violentamente desintegrado. O sionismo, nesta configuração, não é uma anomalia histórica, mas um instrumento necessário. Sua continuidade é essencial para uma trindade geopolítica que governa a região desde a partilha colonial: a circulação do petróleo, a lógica da acumulação de capital e o desmembramento estratégico da possibilidade política árabe. Nesse sentido, Israel não é apenas protegido; é estruturalmente indispensável. Resistir a Israel, portanto, não é meramente enfrentar uma colônia de colonos. É penetrar em uma gramática imperial mais ampla, uma gramática que depende da desconstrução do futuro árabe, da decomposição perpétua da soberania política e da tradução de cada ato de resistência em terror, de cada revolta em patologia.

É por isso que a resistência palestina, quando ousa falar em seu próprio nome e não através do ventriloquismo da legalidade ou da piedade, torna-se intolerável. Não é a violência que aterroriza — é a lucidez. A recusa em ser disciplinada até a vitimização. A insistência no significado, na estratégia, na imaginação política como algo diferente do luto.

Mas mais do que isso — o que a torna perigosa, o que anima as tentativas febris de sufocá-la — é o carisma da própria ideia. Muqawama (resistência) não como reação, mas como proposição: como força contagiosa; como uma gramática que pode atravessar fronteiras e línguas, que pode ser adotada em terras distantes da Palestina, onde quer que as pessoas se deparem com a arquitetura da vida administrada e da morte lenta.

É esse potencial — a portabilidade da resistência — que deve ser enterrado sob os escombros, que deve ser reduzido à criminalidade ou à loucura, que deve ser administrado por meio de rituais de condenação e excepcionalismo. Porque, uma vez que a resistência se torna pensável, dizível, nomeável em seus próprios termos, ela deixa de ser local. Deixa de ser contível. Torna-se um manto. Torna-se uma questão.

Liguori Pasquale

A resistência palestina não deve ser entendida apenas pela lente da eficácia militar ou dos resultados imediatos, mas como uma forma de ruptura com a ordem colonial, simbólica e temporalmente. Na sua opinião, como a resistência rompe o tempo linear e progressivo imposto pelo colonialismo? Podemos interpretar a luta palestina como uma forma de insurgência que produz novas temporalidades políticas?

Abdaljawad Omar

De fato, quando desvinculamos a resistência palestina das métricas reducionistas do sucesso militar ou do cálculo estratégico, começamos a vê-la como o que ela é: uma ruptura metafísica, uma força desordenadora na própria gramática colonial do tempo. O colonialismo não ocupa simplesmente terras — ele ocupa a temporalidade. Ele impõe uma noção linear e progressiva de tempo em que os colonizados estão sempre atrasados, sempre se recuperando, sempre ainda não prontos para a liberdade. Sob esse regime, a resistência é enquadrada como prematura (irracional, emocional) ou obsoleta (fútil, arcaica). Ambas as estruturas funcionam para bloquear a imaginação política.

Mas a resistência palestina, particularmente em suas formas mais cruas e inassimiláveis, recusa essa lógica. Não busca permissão do futuro prometido por Oslo, nem aguarda o reconhecimento do horizonte evanescente da legitimidade internacional. Em vez disso, interrompe. Insiste no agora — não como um ponto em uma linha do tempo, mas como um local de confronto, de construção de significado, de expressão soberana. Ela rompe o tempo colonial não apenas ao afirmar a presença dos colonizados, mas também ao recusar os papéis atribuídos a eles no roteiro da história.

A resistência aqui não é meramente reativa — é ontológica. Ela encena uma espécie de insurgência contra o próprio tempo, produzindo o que poderíamos chamar de contratemporalidades: momentos em que os colonizados se tornam contemporâneos de si mesmos, onde a história se desdobra e onde os mortos caminham com os vivos. Pense no mártir não como uma figura trágica, mas como alguém que destrói a distinção entre o passado sacrificado e o futuro recuperado. Pense no refugiado que retorna sem retorno. Estes não são atos metafóricos; são revoltas temporais.

Nesse sentido, a luta palestina não se trata apenas de terra, embora permaneça profundamente enraizada no solo — trata-se também de tempo. É uma recusa em habitar o mundo estruturado pela linha do tempo colonial: da nakba à negociação, da intifada à normalização. É a irrupção de outro tipo de tempo: denso, recursivo, assombrado e vivo com a presença daquilo que o mundo insiste que deve ser enterrado.

Portanto, sim, devemos aprender a ver a resistência não como um fracasso quando ela não "vence", mas como um evento — eventos que dispersam a ordem colonial, que tornam visíveis as rachaduras em sua presumida inevitabilidade e que apontam para um horizonte completamente diferente.

Dito isso, não é menos importante vê-la também sob a lente do cálculo, dos fins e meios, de seus objetivos racionais e declarados.

Liguori Pasquale

Neste momento da história — Gaza em ruínas e a Cisjordânia sob um cerco sufocante — onde, como e quando as rachaduras no discurso hegemônico de Israel emergem e se ampliam? Não há dúvida de que o Dilúvio de Al-Aqsa exacerbou as tensões internas em Israel, expondo sua fragilidade estrutural e sociocultural. Parece que a violência contínua é o único mecanismo que o regime usa para justificar sua existência. Esse fascismo se tornou a cola que mantém unida uma sociedade profundamente frágil. O que você pensa sobre isso?

Abdaljawad Omar

Sim, não estamos mais falando de uma "cola" que mantém unidos os fragmentos da sociedade israelense — estamos falando de uma ponta de lança. A distinção importa. Enquanto a cola esconde uma coesão desesperada, uma costura reativa de uma ordem em ruínas, a ponta de lança sinaliza direcionalidade, agressão, a transformação da crise em força. Não se trata de reparação; trata-se de um impulso para a frente. A sociedade israelense, fragmentada por linhas étnicas, ideológicas e de classe, agora encontra na violência não uma fuga temporária, mas uma forma de transformação política.

É por isso que devemos ser cautelosos com a forma como denominamos fascismo. Reduzi-lo aos seus sintomas mais gritantes — messianismo colonizador, apelos abertos à limpeza étnica, mobilização teocrática — é ignorar sua influência atmosférica mais profunda. O fascismo em Israel hoje não reside apenas na kipá de [Itmar] Ben-Gvir ou no uniforme da juventude das colinas; ele pulsa, mais perigosamente, através do chamado centro, através do secularismo liberal que enquadra a vida palestina como um problema a ser administrado, controlado e extirpado.

Há uma profunda cumplicidade intrínseca no liberal israelense: aquele que lamenta a "perda da democracia" enquanto aplaude guerras que jamais poderão ser vencidas, aquele que condena o "extremismo" enquanto acredita — até o fundo da alma — que a soberania judaica exige o desaparecimento palestino. Isso é fascismo sem messianismo, fascismo sem a demonstração de zelo. É fascismo por consenso, por burocracia, por razão gerencial.

Devemos ser ainda mais cuidadosos ao restringir o termo fascismo aos seus expoentes mais extravagantes, permitindo que suas formas mais discretas passem despercebidas. O sionista liberal que clama por um fim "sensato" para a guerra, mas cujas linhas vermelhas nunca incluem a restauração da vida palestina; o intelectual que clama pela coexistência, mas apenas dentro da hierarquia etnonacional — todos eles não estão fora do fascismo, são sua face racional.

O que torna este momento tão perigoso não é simplesmente a violência do fascismo israelense na forma, mas sua difusão substancial por todo o espectro político. Esta é uma sociedade que não apenas tolera o fascismo; ela o exige, embora com diferentes dialetos e códigos de vestimenta. É, para usar a frase de [Walter] Benjamin, a estetização da política vestida de pragmatismo — e Gaza é sua tela.

Entender isso não significa apenas nomear o regime como ele é, mas se preparar para o mundo que ele busca construir.

Liguori Pasquale

O longo e brutal genocídio em Gaza está, ainda que tardiamente, atraindo uma solidariedade internacional sem precedentes. No entanto, a repressão midiática continua generalizada. Mesmo os veículos de comunicação que deixaram de apoiar abertamente o chamado "direito à autodefesa" de Israel e passaram a condenar de forma mais hipócrita apenas [Benjamin] Netanyahu ainda não chegam a abordar o sistema colonial como um todo. A repressão institucional também permanece forte na Europa e nos Estados Unidos. Nesse contexto, o que significa "resistência epistemológica" hoje?

Abdaljawad Omar

Falar de resistência epistemológica hoje não é invocar abstração. É nomear uma frente de luta não menos decisiva que a material. Pois o que estamos testemunhando na esteira do genocídio em curso em Gaza não é apenas a aniquilação de corpos e lares, mas a tentativa de exclusão de significado. A repressão que vemos na mídia e nas instituições ocidentais — por mais sofisticada que seja sua coreografia — não se trata apenas de silêncio, mas de enquadramento, de roteirizar o visível e o dizível com antecedência.

Mesmo onde surgem rachaduras — onde Netanyahu é vilipendiado, onde a preocupação com os "civis" palestinos é expressa — a ordem colonial permanece intacta no pensamento. A guerra de Israel ainda é tratada como um desvio das normas liberais, em vez da consequência lógica de um projeto colonial sustentado pelo consentimento imperial. A violência é condenada, mas a arquitetura que a necessita nunca é nomeada. Este é o trabalho da ideologia: substituir causas por sintomas, isolar figuras de sistemas, moralizar em vez de historicizar.

A resistência epistemológica, então, começa com a desobediência a essa ordem de conhecimento. É a insistência em falar de dentro da experiência histórica palestina, não como um suplemento ao discurso dominante, mas como uma ruptura dele. Significa recusar a gramática que nos torna visíveis apenas como vítimas, recusar os quadros morais que distinguem entre o "bom árabe" e o "militante" e recusar o adiamento temporal que pede aos palestinos que esperem, que se acalmem, que negociem, enquanto o chão sob seus pés é consumido.

Significa também confrontar a cumplicidade de instituições que reivindicam neutralidade. Universidades ocidentais, think tanks, ONGs e veículos de comunicação que reprimem o discurso sobre a Palestina não estão desrespeitando seus ideais — estão cumprindo sua função. São aparatos estatais epistêmicos que trabalham para filtrar, gerenciar e domesticar a dissidência. Resistir epistemologicamente não é apenas afirmar um conteúdo diferente; é fraturar as próprias formas pelas quais o conhecimento circula.

É neste momento, quando o horror de Gaza rompeu o pacto afetivo entre o império e seus espectadores, que um conhecimento diferente começa a pulsar. A imagem da Palestina não é mais simplesmente a de uma catástrofe humanitária; ela está se tornando o palco de uma reorientação global, onde o Ocidente está sendo compelido a confrontar a mentira no cerne de seu universalismo. Esse confronto — doloroso, desestabilizador e insolúvel dentro dos parâmetros liberais — é, em si mesmo, uma forma de insurgência epistemológica.

O que mais se teme não é apenas o discurso palestino, mas o pensamento que ele carrega. Um pensamento que descoloniza não apenas a terra, mas também os sentidos. Um pensamento que ousa dizer: o mundo deve ser diferente.

Liguori Pasquale

Destruição, derramamento de sangue e terror na Palestina continuam sem controle, liderados por um Israel que não enfrenta consequências. Desde 7 de outubro, a impotência do sistema jurídico e institucional internacional tornou-se ainda mais evidente. Apesar dos processos iniciados pela Corte Internacional de Justiça e pelo Tribunal Penal Internacional, Israel — com o apoio dos EUA — continua a agir impunemente, mesmo dentro das Nações Unidas. O apelo de Netanyahu ao assassinato do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, feito durante um discurso na Assembleia Geral da ONU, simbolizou esse desrespeito às normas legais. Parece que estamos lidando com uma superestrutura hipócrita repleta de padrões duplos e triplos. Você poderia oferecer uma visão geral do pensamento crítico sobre essa questão?

Abdaljawad Omar

O pensamento crítico deve abandonar a premissa de que o direito internacional é um terreno neutro. Acadêmicos da tradição das Abordagens do Terceiro Mundo ao Direito Internacional, como Makau Mutua e Antony Anghie, há muito argumentam que as estruturas jurídicas internacionais surgiram paralelamente à conquista colonial, concebidas não para restringir o poder, mas para estruturar sua legitimidade. As próprias categorias de “soberania”, “segurança” e “legítima defesa” não são universais — são codificadas, racializadas e profundamente hierárquicas. A invocação de “legítima defesa” por Israel após 7 de outubro — enquanto aos palestinos é negada até mesmo a linguagem da resistência — exemplifica essa assimetria colonial intrínseca ao próprio direito.

Além disso, como pensadores como Walter Mignolo e Achille Mbembe demonstraram, a chamada “comunidade internacional” não é uma comunidade, mas um cartel de poder organizado segundo linhas civilizacionais. O universal é sempre reivindicado pelo Ocidente, enquanto a particularidade — e, portanto, a dispensabilidade — é imposta aos demais. Os palestinos não sofrem simplesmente de falta de legitimidade jurídica, mas de uma ordem jurídica que nunca foi concebida para atendê-los.

No entanto, algo está mudando. A crescente desilusão com as instituições internacionais não é apenas uma crise — é uma abertura. Ela nos permite falar do direito não como salvação, mas como terreno. A erosão da legitimidade liberal dá origem a uma nova linguagem política — baseada não no apelo, mas na afirmação. Não na súplica por reconhecimento, mas na construção de solidariedades que enxerguem através da máscara da neutralidade.

Liguori Pasquale

Após o assassinato de muitos líderes da resistência, a destruição da infraestrutura do Hamas e a extensão da ocupação israelense em Gaza, ainda podemos falar de um movimento de resistência organizado? Ou estamos entrando agora em uma fase de luta mais difusa, espontânea e molecular?

Abdaljawad Omar

Falar de resistência hoje — após o assassinato de quadros, a dizimação da infraestrutura e a expansão da ocupação de Gaza — é falar não de desaparecimento, mas de transformação. Devemos ter cuidado para não confundir a arquitetura visível da resistência com sua capacidade existencial. Sim, houve perdas sem precedentes: ruptura organizacional, o apagamento de estruturas de comando, a destruição seletiva do tecido social e logístico que tornou possível a luta armada coordenada. Mas a resistência, como a Palestina nos ensinou repetidamente, não se reduz às suas instituições. No entanto, a ideia de que a resistência palestina é mais molecular é, até certo ponto, verdadeira como tendência — mas também não é exata. A resistência palestina em Gaza mantém grande parte de seus quadros, sua infraestrutura e sua capacidade de resistir. A ideia, neste momento, é sustentar a resistência a longo prazo, a fim de garantir uma custosa ocupação israelense e uma luta de vontades que não termine com um golpe ou outro.

Liguori Pasquale

Em seu trabalho, você frequentemente destacou a distância entre as elites palestinas e o povo. Após meses de guerra total em Gaza e erosão institucional, você vê sinais de recomposição política ou essa fratura estrutural persiste?

Abdaljawad Omar

A distância entre a elite política palestina e o povo não é nova. É uma condição estrutural nascida de Oslo, aprofundada pela dependência securitizada da Autoridade Palestina (AP) em relação à ocupação e cimentada pelas lógicas gêmeas de financiamento internacional e consolidação autoritária. O que vimos nos últimos meses — em meio às ruínas de Gaza, à paralisia da Cisjordânia e ao colapso moral da AP — não é a superação dessa fratura, mas sua exposição. A máscara caiu, mas o regime permanece. Não há recomposição política no sentido formal — ainda não. As instituições existentes estão esvaziadas, falidas tanto financeira quanto eticamente. Elas continuam a funcionar não por legitimidade, mas por inércia, medo e ausência de alternativas imediatas. A AP hoje não é um projeto nacional. É uma instituição fantasma, sustentada para conter a agitação social e absorver a pressão internacional. Sua sobrevivência não é um índice de vitalidade política, mas de necessidade colonial.

No entanto, por trás dessa decadência, algo está se agitando — não nos ministérios de Ramallah ou nas sedes das facções, mas nas ruas, onde a questão sobre o que fazer permanece intacta.

Liguori Pasquale

Existe uma tensão crescente no pensamento crítico palestino entre a libertação nacional e um horizonte pós-Estado. Que futuro você vislumbra para o sujeito político palestino: um Estado, uma confederação ou algo mais?

Abdaljawad Omar

Essa tensão entre a libertação nacional e um horizonte pós-Estado não é meramente teórica. É o eco de uma contradição vivida. Por um lado, o anseio por soberania, por uma bandeira, por reconhecimento internacional e pela dignidade de um Estado permanece forte, especialmente em um mundo onde a apatridia significou apagamento, fragmentação e subjugação sem fim. Por outro lado, o Estado — tal como existe no mundo pós-colonial, como uma forma herdada de cartografias coloniais e sustentada por instituições imperiais — tornou-se um local de gestão, não de libertação.

Perguntar que futuro aguarda o sujeito político palestino é perguntar se esse sujeito poderá algum dia ser livre dentro da forma estatal — ou se a liberdade agora está além dela.

A AP, os Acordos de Oslo e o modelo de partição de dois Estados revelaram as limitações da condição de Estado como configurada atualmente. Eles produziram não soberania, mas ocupação subcontratada. O mapa que nos foi prometido foi esculpido com a lógica da contenção. O Estado foi oferecido não como uma conquista de libertação, mas como uma recompensa pela obediência. Nessa oferta, o sujeito político foi domesticado, burocratizado e fragmentado.

No entanto, não podemos descartar o Estado de imediato. Para muitos, o desejo por um Estado não se trata de diplomacia ou fronteiras — trata-se de reparação histórica, de desfazer a violência da desapropriação e de ser visto. O horizonte pós-Estado não deve zombar desse desejo. Deve metabolizá-lo.

O que podemos estar abordando, então, não é a simples escolha entre condição de Estado e ausência de Estado, mas uma articulação mais complexa de soberania não soberana — uma forma de vida política coletiva que não está atrelada ao Estado-nação vestfaliano nem reduzida a ficções de governança de ONGs. Chame-a de imaginário federado, de política confederada fugitiva ou mesmo de jurisdição descolonial sem Estado — mas ela deve ser construída de baixo para cima, por meio de práticas de solidariedade, administração de terras, retorno e recusa. Deve se inspirar nas lutas indígenas, nas tradições radicais negras e no pensamento antiestatista árabe, sem idealizar seus resultados.

Tal forma política não buscaria o reconhecimento das Nações Unidas, mas da história. Não policiaria fronteiras, mas desmantelaria a própria metafísica da partição. Centralizaria o retorno — não apenas como repatriação física, mas como uma reafirmação da presença política onde deveríamos desaparecer.

O futuro do sujeito político palestino não pode ser ditado pelo pragmatismo diplomático ou pela lógica dos doadores. Ele deve emergir das cinzas de Oslo e das ruínas de Gaza como algo impensável para o presente colonial — algo para o qual ainda não temos a linguagem, mas que talvez já estejamos praticando.

Talvez seja isso que mais assusta nossos inimigos: que o palestino não esteja mais pedindo para entrar na história, mas para reescrevê-la.

Liguori Pasquale

Há uma correlação inegável entre a devastação material na região e o enfraquecimento da resistência em terra. O Hamas foi severamente atingido, o Hezbollah enfrenta limitações no Líbano, a Síria mudou geopoliticamente e o Irã parece paralisado. O chamado Eixo da Resistência parece desafiado em sua coordenação, apesar de ter impedido Israel de alcançar alguns objetivos. O que foi alcançado e quais cenários futuros o senhor prevê na luta contra a ocupação sionista?

Abdaljawad Omar

O que estamos vendo não é o colapso do Eixo da Resistência, mas seu momento de acerto de contas. Sim, a devastação material em Gaza afetou severamente o Hamas como força militar organizada; o Hezbollah está limitado pelo colapso interno do Líbano e por uma lógica regional de guerra fria que impõe contenção e pelos duros golpes sofridos na guerra; a Síria está enredada em sua própria reconfiguração pós-guerra; e o Irã, embora retoricamente desafiador, age com crescente cautela, ciente de suas vulnerabilidades geopolíticas e agitação interna.

Mas sejamos claros: o Eixo da Resistência nunca foi uma estrutura de comando única e coesa — foi uma constelação tática e frouxa de forças que compartilhavam antagonismo em relação à hegemonia EUA-Israel. Sua eficácia sempre foi desigual. O que mudou foi o próprio terreno. Embora Israel possa reivindicar sucessos, esses sucessos, como no caso da Síria, não são produto de seus próprios esforços, mas também se baseiam em uma constelação de fatores e convergências, incluindo a persistência do apoio de Idlib, da Turquia e de outros atores regionais e internacionais. Essa narrativa de sucesso israelense deve ser contestada nesses termos; ela é, no mínimo, exagerada.

Além disso, o fracasso de Israel em alcançar a vitória total em Gaza, apesar da força esmagadora, não é uma marca da coesão do Eixo, mas dos limites coloniais. Se há uma conquista neste momento, é a exposição do teto estratégico do sionismo. Israel demonstrou que pode destruir, mas não governar. Pode deslocar, mas não eliminar. Pode bombardear, mas não resolver. Nesse fracasso reside um novo horizonte de luta — não centrado apenas na coordenação regional, mas em formas de confronto dispersas, descentralizadas e transnacionais. O futuro pode pertencer menos a atores estatais e mais a insurgências multipolares, impulsionadas por novas solidariedades vindas de baixo.

Liguori Pasquale

O chamado "plano para Gaza" de [Donald] Trump, embora possa parecer absurdo, carrega um perigo virulento: busca normalizar a ideia de uma sociedade etnicamente "pura", onde grupos não conformistas são sistematicamente excluídos. Essa visão revive políticas racistas e propõe um projeto autoritário enraizado em ideologias fascistas e na supremacia branca. O que você pensa sobre isso?

Abdaljawad Omar

O chamado "plano para Gaza" de Trump não é um desvio — é a extensão lógica de um impulso autoritário global que funde pureza racial com dominação territorial. Seu absurdo não deve nos distrair de sua violência. O que ele vislumbra não é paz, mas limpeza: a transformação final de Gaza em uma zona vazia de densidade política, memória ou população.

Isso não é apenas sionismo desmascarado — é a supremacia branca globalizada. O que Trump propõe é uma fantasia fascista de purificação espacial: uma Gaza sem moradores de Gaza, uma Palestina sem palestinos. Ela ressuscita os mitos coloniais mais antigos — terra nullius, ascensão civilizacional, o outro bárbaro — e os reveste com o discurso de segurança pós-11 de setembro.

Mais perigosamente, é um convite ao mundo: normalizar a limpeza étnica como política, legitimar o pensamento genocida como planejamento de desenvolvimento. Nisso, Trump não está sozinho. Ele apenas fala mais alto. Os tecnocratas silenciosos que falam de "reassentamento", "zonas de amortecimento" e "estabilização pós-conflito" participam do mesmo projeto ideológico. O que estamos testemunhando não é exceção — é o cerne fascista do presente global.

Liguori Pasquale

Como você interpreta a resposta do mundo árabe à catástrofe humanitária na Palestina? Há um novo pan-arabismo popular emergindo ou a lógica estatal e os interesses nacionais ainda são dominantes?

Abdaljawad Omar

A resposta oficial árabe à catástrofe em Gaza foi marcada, sem surpresa, por covardia, cumplicidade e cálculo frio. Os Estados permanecem vinculados ao interesse nacional, à segurança do regime e ao medo da revolta popular. Eles expressam preocupação enquanto mantêm a normalização; enviam ajuda enquanto policiam o discurso.

Mas, por trás dessa estagnação, algo mais se move. Em todo o mundo árabe — de Amã a Rabat, do Cairo a Túnis — estamos testemunhando os movimentos de um novo pan-arabismo popular: não o antigo projeto nasserista de unidade interestatal, mas uma reconstituição afetiva popular da identidade árabe forjada por meio da indignação compartilhada, do luto compartilhado e da recusa compartilhada.

Isso ainda não é um programa. Não está organizado. Mas é sentido. Ela é expressa nos cânticos dos manifestantes, nas solidariedades subversivas online e nos gestos íntimos de pessoas comuns que se recusam ao silêncio de seus governantes. Este novo arabismo tem menos a ver com bandeiras e mais com afiliação: uma identificação com a Palestina como uma ferida que não pode ser nacionalizada, como um espelho de sua própria opressão, como um símbolo do que ainda precisa ser superado em seus próprios Estados.

Se esse afeto se consolidar em organização — se se recusar a se dissipar após o fim dos bombardeios —, poderá se tornar o legado mais poderoso deste momento: um despertar da consciência política árabe não de cima, mas de baixo. Mas há muitos "ses" aqui, e isso ofusca o poder da desidentificação e das reidentificações que também são uma força no mundo árabe: formas mais restritas de identidade, menos revolucionárias e apegadas à vida cotidiana sem futuro. Por enquanto, esse afeto é sentido, não realmente exibido.

Abdaljawad Omar, também conhecido pelo pseudônimo Abboud Hamayel, é um intelectual, professor e analista político palestino. Atualmente, é professor assistente no Departamento de Filosofia e Estudos Culturais da Universidade de Birzeit, perto de Ramallah. Dedica sua pesquisa às formas de resistência palestina, com foco particular no período entre a Primeira Intifada e 2015. Escreve regularmente em árabe e inglês, com contribuições publicadas em periódicos acadêmicos e plataformas internacionais. É uma voz ativa em debates internacionais, participando de conferências, seminários e podcasts que exploram as conexões entre a teoria crítica e a práxis decolonial. Pasquale Liguori é farmacologista e atua no setor de saúde. Escritor independente e fotógrafo urbano, dedica-se a atividades decoloniais e à luta contra a opressão social.

Esta entrevista foi publicada originalmente como "Grammatica della resistenza: ripensare la Palestina oltre la pietà e la paura", l'Antidiplomatico, 16 de junho de 2025, lantidiplomatico.it. Foi levemente editado para o estilo da Monthly Review.

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