18 de setembro de 2025

Bolsonaro acabou. Mas o bolsonarismo continua sendo uma ameaça.

A condenação histórica do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão sinaliza a saúde das frágeis instituições democráticas do Brasil. Mas não pode dar um fim definitivo ao longo ataque da direita à democracia brasileira.

Andre Pagliarini

Jacobin

A condenação de Jair Bolsonaro pode ser melhor compreendida como o início de um novo capítulo na luta do Brasil para combater a impunidade e, ao mesmo tempo, proteger sua soberania. (Arthur Menescal / Bloomberg via Getty Images)

Milhares de pessoas no maior país da América Latina foram às ruas na última sexta-feira para celebrar a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos de prisão. Na véspera, 11 de setembro, data associada na região ao violento golpe de Estado de 1973 no Chile, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu um veredito sem precedentes na história moderna do país, responsabilizando não apenas Bolsonaro, mas também aliados importantes nos altos escalões das Forças Armadas, por planejarem um golpe, liderarem uma conspiração criminosa e conspirarem para abolir violentamente o Estado de Direito após a derrota nas eleições de 2022 para Luiz Inácio Lula da Silva.

A sentença foi, ao mesmo tempo, um reconhecimento da gravidade de seus crimes e um sinal de que as frágeis instituições democráticas do Brasil ainda poderiam, sob imensa pressão, estar à altura da situação. "É muito parecido com o que tentaram fazer comigo", observou o presidente dos EUA, Donald Trump, em resposta. "Mas não conseguiram escapar impunes."

Por mais histórico que seja, o veredito de culpa de Bolsonaro não encerra de forma definitiva o longo ataque à democracia brasileira que se intensificou após sua eleição em 2018. De fato, Bolsonaro continua sendo a figura central da extrema direita brasileira, embora esteja impedido de concorrer a cargos públicos até 2030 e provavelmente continuará preso após essa data. Sua condenação é melhor compreendida não como a conclusão de um drama político, mas como o início de um novo capítulo na luta do Brasil para lidar com a impunidade e, ao mesmo tempo, salvaguardar sua soberania.

O insurrecionista enfermo

Já estão em andamento esforços para suavizar o impacto da condenação ou até mesmo apagá-la completamente. Em um Congresso em grande parte dominado por forças conservadoras que são agnósticas - se não abertamente simpáticas - a Bolsonaro, existe um amplo apoio para a concessão de anistia a ele, bem como àqueles que participaram da insurreição em Brasília em 8 de janeiro de 2023.

Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, tem negociado ativamente uma estratégia legislativa para bloquear uma anistia total, ao mesmo tempo em que explora uma redução limitada de penas que poderia beneficiar o ex-presidente. Reportadamente, está em discussão um plano para diminuir as penas de prisão para crimes contra a ordem democrática de quatro a oito anos para dois a seis anos, e para tentativa de golpe de quatro a doze anos para dois a oito anos, enquanto se considera apenas a infração mais grave quando há múltiplas acusações. A proposta enfrenta resistência do governo Lula e de partidos de centro-esquerda, que argumentam que qualquer forma de anistia é um convite tácito para futuras tentativas contra a democracia. O Senado também parece improvável de apoiar a anistia.

Por sua vez, a família Bolsonaro aguçou sua própria contraofensiva discursiva. Durante anos, Bolsonaro e seus filhos — todos engajados na política eleitoral — criticaram duramente as instituições democráticas do Brasil pós-ditatorial. Embora seja verdade que a Constituição brasileira nem sempre foi implementada de forma eficaz, membros da família Bolsonaro fizeram carreira desrespeitando seus elementos mais progressistas e inovadores.

Nos dias seguintes à sentença, o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do ex-presidente, lançou um ataque contundente ao ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes — o ministro que supervisionou o processo contra seu pai —, rotulando-o de "terrorista". A crítica mordaz foi imediatamente acompanhada de um pedido de clemência com base no estado de saúde precário de Bolsonaro. Poucos dias após a condenação, Bolsonaro foi hospitalizado com picos de pressão arterial, vômitos, pneumonia e lesões cutâneas recorrentes.

Essas hospitalizações, frequentes desde que ele foi esfaqueado durante um evento de campanha em 2018, ressaltam como o próprio corpo de Bolsonaro se tornou uma espécie de suporte político. Para seus apoiadores, ele é uma figura perseguida, perseguida mesmo quando seu bem-estar físico vacila; para seus detratores, o momento de seus episódios médicos tende a coincidir convenientemente com contratempos legais, sugerindo uma manobra cínica para atrasar a justiça. De qualquer forma, sua condição já moldou a discussão sobre se ele deveria cumprir sua pena na prisão ou em prisão domiciliar mais branda. A saúde de Bolsonaro é, portanto, inseparável de sua política: o homem que se apresentava como um soldado de força intransigente agora invoca a fraqueza para buscar clemência dos próprios juízes contra os quais ele se rebelou.

Democracia brasileira vs. Donald Trump

As repercussões da condenação de Bolsonaro não se limitaram a Brasília. Seu julgamento gerou debates sobre a resiliência das instituições democráticas e os limites da responsabilização de populistas de direita em todo o mundo. "Com todas as suas falhas, a democracia brasileira é hoje mais saudável do que a americana", argumentaram Filipe Campante e Steven Levitsky após o veredito. "Em vez de minar o esforço do Brasil para defender sua democracia, os americanos deveriam aprender com ela", concluíram.

Em consonância com o discurso da extrema direita brasileira, o Secretário de Estado Marco Rubio descartou Moraes como um "violador de direitos humanos sancionado". Ecoando comentários anteriores de Trump, ele condenou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) como uma "caça às bruxas" e prometeu que os Estados Unidos responderiam de acordo, sem especificar exatamente como. As autoridades brasileiras aguardam para ver se, quando e como o governo Trump aumentará seu repertório de táticas de intimidação retaliatória.

Lula reagiu preventivamente em um artigo de opinião publicado no New York Times após o veredicto, defendendo vigorosamente a democracia e o sistema judiciário brasileiros. "Quando os Estados Unidos dão as costas a um relacionamento de mais de 200 anos, como o que mantêm com o Brasil, todos perdem", insistiu Lula, acrescentando que "não há diferenças ideológicas que impeçam dois governos de trabalharem juntos em áreas em que têm objetivos comuns".

Uma maneira de entender a nova pressão de Lula para estabelecer um diálogo com Trump é no contexto da Assembleia Geral das Nações Unidas, que será realizada no final deste mês na cidade de Nova York. Por tradição, o presidente brasileiro sempre fala primeiro, seguido pelo chefe do Executivo dos EUA. Este é o ponto mais próximo que Lula e Trump jamais estiveram. Se Trump ainda se recusar a se envolver com Lula, pelo menos o presidente brasileiro terá deixado clara a todos sua disposição de se aproximar.

De olho em 2026

As tentativas de Trump de pressionar o governo Lula produziram claros dividendos políticos para o veterano estadista brasileiro. Ele viu um salto nas pesquisas enquanto se prepara para a reeleição no ano que vem. Não há garantia, no entanto, de que a contínua erosão da relação bilateral continue a beneficiar Lula. Se a crise econômica aumentar, mais brasileiros poderão muito bem colocar a culpa em seus pés. Lula, portanto, tem um incentivo para pelo menos estabelecer uma linha de comunicação aberta.

Os aliados de Bolsonaro estão ansiosos para a corrida presidencial de alto risco do ano que vem, um processo que seu julgamento efetivamente congelou. Há muitos candidatos em busca de sua bênção, todos os quais prometeram ser administradores zelosos do bolsonarismo. Nem todos são particularmente competitivos nas pesquisas, mas eles, em tons mais ou menos sussurrados, insistiram que apoiariam o ex-presidente se ele, de alguma forma, se tornasse elegível para concorrer. Agora, o processo de escolha de um porta-estandarte alternativo para a direita quase certamente se intensificará.

A condenação de Bolsonaro, em suma, não põe fim à sua influência política sobre o contingente mais fervoroso da direita brasileira. De fato, em alguns aspectos, levanta mais perguntas do que respostas. Trump intensificará seus ataques descuidados? Os bolsonaristas no Congresso conseguirão mudar a narrativa a seu favor? Os eleitores continuarão a se opor à anistia? Os índices de aprovação de Lula se manterão estáveis ​​ou continuarão a melhorar? Ainda não se sabe para que lado os ventos sopram após o julgamento histórico do ex-presidente e seus cúmplices. Será uma das questões políticas centrais do próximo ano.

Colaborador

Andre Pagliarini leciona história e estudos internacionais na Universidade Estadual da Louisiana. Seu livro, Lula: Um Presidente do Povo e a Luta pelo Futuro do Brasil, será lançado neste outono pela Polity.

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