25 de dezembro de 1995

Alerta vermelho no ciberespaço!

Paul Virilio

Radical Philosophy

Paul Virilio na Fundação Cartier, em Paris, em 2002. Daniel Janin/AFP

Tradução / Um dos maiores problemas enfrentados atualmente pelos estrategistas políticos e militares é o fenômeno do imediatismo e da instantaneidade. O “tempo real” agora tem precedência sobre o espaço real, dominando o planeta. A primazia do tempo real, do imediatismo, sobre o espaço é um fato consumado, e é um fato inaugural. Um anúncio recente para telefones celulares expressava bem: “A terra nunca foi tão pequena”. Esse desenvolvimento tem as mais graves consequências para nossa relação com o mundo e para nossa visão dele.

Existem três barreiras: som, calor e luz. Nós já cruzamos as duas primeiras — a barreira do som, com aeronaves supersônicas e hipersônicas, e a barreira de calor, com foguetes que podem tirar um homem da atmosfera da terra e colocá-lo na da lua. Nós não cruzamos a terceira barreira, a barreira da luz: nós colidimos com ela. E é essa barreira de tempo que a história enfrenta agora.

O fato de ter atingido a barreira da luz, a velocidade da luz, é um evento histórico, que desorienta a história e também desorienta a relação dos seres humanos com o mundo. Se esse ponto não for salientado, então as pessoas estarão desinformadas e sendo enganadas. Pois isso tem uma enorme importância além de representar uma ameaça para a geopolítica e a geoestratégia. Também representa uma ameaça muito clara à democracia, porque a democracia estava ligada a cidades e a lugares.

Tendo atingido essa velocidade absoluta, nos deparamos com a perspectiva, no século XXI, da invenção de uma perspectiva baseada no tempo real, substituindo a perspectiva espacial, a perspectiva baseada no espaço real, descoberta por artistas italianos do quattrocento. Talvez nos esqueçamos do quanto as cidades, a política, as guerras e as economias do mundo medieval foram transformadas pela invenção da perspectiva.

O ciberespaço é uma nova forma de perspectiva. Não é simplesmente a perspectiva visual e auditiva que conhecemos. É uma nova perspectiva sem um único precedente ou referência: uma perspectiva tátil. Ver à distância, ouvir à distância — tal era a base da perspectiva visual e acústica. Mas tocando à distância e sentindo-se à distância, isso muda a perspectiva para um campo em que nunca antes se aplicava: contato, contato eletrônico, tele-contato.

O desenvolvimento de supervias da informação nos confronta com um novo fenômeno: a desorientação. Uma desorientação fundamental que completa e aperfeiçoa a desregulamentação social e financeira cujas consequências funestas já sabemos. A realidade percebida está sendo dividida em real e virtual, e estamos adquirindo uma espécie de realidade estéreo, na qual a existência perde seus pontos de referência. Ser é estar in situ, aqui e agora, hic et nunc. Mas o ciberespaço e as informações globalizadas e instantâneas estão atirando tudo isso numa total confusão.

O que está acontecendo agora é uma perturbação da percepção do real: um trauma. E precisamos nos concentrar nisso. Porque nenhuma tecnologia foi desenvolvida que não tenha sido necessária lutar contra sua própria negatividade específica. A negatividade específica das supervias de informação é justamente essa desorientação da alteridade, de nossa relação com o outro e com o mundo. É bastante claro que essa desorientação, essa “des-situação”, trará um profundo distúrbio com consequências para a sociedade e, por sua vez, para a democracia.

A tirania da velocidade absoluta entrará em conflito com a democracia representativa. Quando os especialistas celebram ‘democracia cibernética’ e ‘democracia virtual’, e quando outros nos dizem que a ‘democracia de opiniões’ substituirá a democracia dos partidos políticos, o que eles estão realmente defendendo é a desorientação política da qual o golpe estado de mídia de Silvio Berlusconi de março de 1994 nos deu uma antevisão, ao estilo italiano. A ascensão ao poder de classificações e pesquisas de opinião só pode ser encorajada pela disseminação da tecnologia da informação.

O próprio termo “globalização” é uma ilusão. Pois não há globalização, só existe virtualização. O que é “globalizado” pela instantaneidade é o tempo. Tudo se desenrola dentro dessa perspectiva em tempo real, dentro de um tempo que é, doravante, o único momento.

Pela primeira vez, a história se desdobrará em um único período de tempo: a hora mundial. Até agora, a história mudou em tempos locais, espaços locais, regiões, nações. Agora, em certo sentido, a globalização e a virtualização estão introduzindo um tempo mundial que antecipa um novo tipo de tirania. Se a história é rica, é porque é local, porque houve tempos locais que prevaleceram sobre algo que existia apenas na astronomia — o tempo universal. Mas, no futuro, nossa história será vivida no tempo universal da instantaneidade.

Por um lado, o tempo real domina o espaço real; eliminando distâncias e extensão e substituindo-as por duração, uma duração infinitesimal. Por outro lado, o tempo global da multimídia, do ciberespaço, sobrepõe-se aos tempos locais das atividades vivas de determinadas cidades, lugares particulares. De tal forma que foi proposto que o termo “global” seja substituído por “glocal”, contratando juntos o global e o local. O local é considerado necessariamente global, o global é necessariamente local. As relações entre os cidadãos dificilmente permanecerão intocadas por tal desconstrução das relações com o mundo.

Não há ganhos sem perdas. A aquisição de tecnologia da informação e telemática implicará inevitavelmente uma perda. E se não avaliarmos essa perda, o ganho pode não ter valor. Isso foi algo que poderia ser visto durante o desenvolvimento das tecnologias de transporte. Se foi possível produzir trens de alta velocidade, isso aconteceu porque os engenheiros ferroviários do século XIX inventaram o sistema de blocos, ou seja, uma forma de engenharia de tráfego, controle de tráfego que permitia que os trens fossem cada vez mais rápidos, evitando colisões desastrosas. Não há sistema de controle de tráfego para a tecnologia da informação de hoje.
Bomba de informação

Há mais um elemento importante: a informação não pode existir sem desinformação. E um novo tipo de desinformação agora parece possível, uma que não tem nada a ver com censura. É uma espécie de sufocação de significado, uma perda de controle da razão. Introduzido pela tecnologia de computadores e redes multimídia, representa outro grande perigo para a humanidade.

É o que Albert Einstein previu na década de 1950, quando falou de uma “segunda bomba” — a bomba de informação que seguiria a bomba atômica. Uma bomba em que a interatividade em tempo real seria a informação assim como a radioatividade é a energia. A desintegração não se aplicaria apenas a partículas de matéria; Ele se espalharia para os indivíduos que compõem nossas sociedades. Podemos ver algo disso funcionando no desemprego estrutural, no trabalho doméstico eletrônico e em toda a relocalização e difusão da atividade econômica.

Pode-se prever que, assim como o aparecimento da bomba atômica exigiu rapidamente o estabelecimento da dissuasão militar para evitar a catástrofe nuclear, no século XXI a bomba de informações exigirá uma nova dissuasão social para afastar os efeitos destrutivos da explosão da bomba atômica.

Este será o grande acidente do futuro, depois dos acidentes específicos que o precederam, um por um, na era industrial e antes (com a invenção do navio, do trem, do avião, da central nuclear, inventamos simultaneamente o naufrágio, o descarrilamento, o acidente de avião e Chernobyl …) Com a globalização das telecomunicações, podemos esperar um acidente generalizado, um acidente sem precedentes e tão extraordinário quanto aquele tempo sem precedentes, o tempo global. Um acidente generalizado que se assemelharia um pouco ao “acidente de acidentes” de Epicuro. O colapso do mercado de ações era apenas uma pequena amostra do que estava por vir. O acidente generalizado ainda é desconhecido. Mas quando as pessoas falam de “colapso financeiro”, a metáfora é bem escolhida...

Quando especulamos sobre os perigos dos acidentes nas autoestradas da informação, a questão não é a informação, mas a velocidade absoluta de seu processamento pela tecnologia computacional: é a interatividade. E, de fato, não é a própria tecnologia da informação que cria o problema, mas a rede de informações informatizadas flui como um todo, como uma totalidade: telemática, a rede.

Nos Estados Unidos, o Pentágono, criador da Internet, já pode falar em termos de “uma revolução nos assuntos militares”, e até mesmo de uma “guerra de conhecimento” que irá substituir a guerra de movimento, assim como a última substituiu a guerra de cerco da qual Sarajevo representa um vestígio trágico.

Ao deixar a Casa Branca em 1961, o general Eisenhower declarou que o complexo militar industrial era “uma ameaça à democracia”. Ele sabia do que estava falando, tendo configurado tudo em primeiro lugar. Em 1995, com o estabelecimento de um verdadeiro complexo industrial informacional, e com vários políticos dos EUA, notavelmente Ross Perot e Newt Gingrich, falando de “democracia virtual” em um tom que ecoa o misticismo fundamentalista, como podemos deixar escapar as advertências?

Como podemos deixar de ver o perigo de uma verdadeira cibernética da esfera sócio-política?

As tecnologias virtuais possuem um poder incomparável de sugestão. Lado a lado com o narcocapitalismo do tráfico de drogas — um elemento desestabilizador da economia mundial — podemos ver o início de um narcocapitalismo da informatização e eletrônica. Poderia até ser perguntado se o mundo desenvolvido não está introduzindo tecnologias virtuais como um tipo de desafio, e de bloqueio, aos países subdesenvolvidos, particularmente na América Latina, que vivem — ou raspam sua sobrevivência — do tráfico de drogas. Quando vemos que o trabalho das mais avançadas tecnologias eletrônicas está focada no “lúdico” (videogames, jogos de realidade virtual, etc.), como podemos ignorar essa capacidade de criar dependência instantânea usando técnicas cujos precedentes históricos deveriam ser todos óbvios demais?

Estamos diante de algo que está se tornando muito parecido com um “ciberculto”. O fato é que as novas tecnologias eletrônicas só contribuirão para o aperfeiçoamento da democracia se lutarmos, antes de mais nada, contra a caricatura da sociedade mundial criada pelas multinacionais à medida que são lançadas, com velocidade fatal e imprudente, na construção das supervias de informação.

Sobre o autor

Filósofo e urbanista. Autor, entre outros, de La Bombe informatique, Galilée, Paris, 1998.

31 de outubro de 1995

Ernest Mandel, 1923-1995

Robin Blackburn



Tradução / Ernest Mandel, que morreu em 20 de julho, aos 72 anos, destacou-se por seu talento como pensador, orador e dirigente político, em uma combinação de qualidades que se tornou cada vez mais difícil de encontrar à medida que foi progredindo este século. Foi um dos principais economistas marxistas e autor de mais de vinte livros publicados em muitos idiomas, ainda que nunca tenha perseguido uma carreira acadêmica. Foi um grande orador em meia dezena de idiomas e um infatigável organizador e militante. Defendeu com paixão as ideias de Leon Trotsky, quando não era só impopular mas também perigoso e foi um destacado dirigente de uma fração da Quarta Internacional durante décadas. Mas, à diferença de muitos dirigentes de grupúsculos, sua pessoa, arroupada em uma imagem saída de um sótão, soube ganhar o carinho, o respeito e a admiração de amplos setores da esquerda. Talvez mais que ninguém, foi o educador da nova geração ganha para o marxismo e para a política revolucionária na revolta estudantil dos anos setenta, especialmente na Europa e nas Américas. Estados Unidos, França, Alemanha Ocidental, Suíça e Austrália proibiram durante anos a entrada, considerando sua mera presença uma ameaça para sua “segurança nacional”. Sua Introdução à Teoria Econômica Marxista (1968) vendeu meio milhão de exemplares em todo o mundo. Durante trinta anos, Ernest Mandel foi um colaborador regular da New Left Review e a Editorial Verso publicou com orgulho muitos de seus livros. Sentiremos falta de suas rinhas carinhosas e seu irrefreável otimismo.

Ernest Mandel nasceu em uma família belga, de origem judia, que havia emigrado da Polônia no começo do século. Na entrevista com Tariq Ali que publicamos, Mandel descreve seus primeiros contatos com um grupo trotskista, antes de irromper a II Guerra Mundial e suas experiências na Resistência e num campo de prisioneiros alemão. Depois do fim da guerra, estudou na Universidade de Bruxelas na Ecole Practique des Hautes Études em Paris. Sua primeira grande obra foi o Tratado de Economia Marxista, em dois tomos, publicado em francês em 1962 e em inglês em 1967. Mas já era conhecido com um notável polemista e tinha contribuído, utilizando o nome de Ernest Germain, em discussões internas no movimento trotskista e o debate iniciado por Jean-Paul Sartre em Les Temps Modernes sobre “Os Comunistas e a Paz”. O marxismo de Mandel foi atrativo para a nova equipe da New Left Review, no começo dos anos setenta porque abordava os problemas políticos do momento e se sustentava em um amplo conhecimento da antropologia, da história e da economia. Pedimos a Mandel que escrevesse um artigo sobre a Bélgica. O resultado, começava no século XVI com a revolução dos Países Baixos, explicava porque a Bélgica do século XIX havia sido o “típico Estado burguês europeu”, analisava a greve geral belga de 1960-61 e terminava con um esquema das “reformas estruturais” imprescindíveis para o futuro1. Este ensaio se converteu em um modelo para os sucessivos estudos de países publicados pela New Left Review, Seu Tratado foi comentado no número 21 pelo eminente economista H.D. Dickenson.

As duas contribuições mais características e comentadas de Mandel na New Left Reviewdurante os anos sessenta foram uma defesa de Trotsky em um debate com Nicholas Krasso e o muito reproduzido ensaio “Dónde va América?”. Krasso era um antigo discípulo de Lukács que havia desempenhado um papel importante no advento dos Conselhos Operários em Budapeste em 1956. Seu artigo na New Left Review criticava o que acreditava ser o reducionismo “sociologista” do conceito de “revolução permanente” e a análise da natureza dos Estados operários de Trotsky. As duas longas respostas de Mandel mergulhavam nos acontecimentos do século, defendiam a necessidade de construir uma alternativa marxista ao stalinismo e argumentavam que esta não era somente uma teoria equivocada e perigosa, mas também a expressão de uma “casta social autônoma”, a burocracia. Tanto Krasso como Mandel tendiam exageradamente a medir Trotsky com a vara leninista. Krasso, criticando Trotsky por não haver tido a habilidade política de Lenin em sua batalha contra Stalin; Mandel, ao ser extremadamente cauto na hora de diferenciar a herança de Trotsky da ortodoxia leninista. Quando assinalei este ponto, Mandel me remeteu a seu folheto A Teoria Leninista da Organização (1976), no qual era muito mais explícito: “Lenin, em seu primeiro debate com os Mencheviques, subestimou gravemente o perigo de autonomização do aparato e da burocratização dos partidos operários….Trotsky e Luxemburgo se deram conta deste perigo antes e de una maneira mais acertada que Lenin”2.

Muitos notáveis escritores, influenciados por Trotsky, acabaram dedicando-se à Historia, como o própio Trotsky: Isaac Deutscher, C.R.L. James, Daniel Guerin, Pierre Broué. Mas os escritos de Mandel devem mais em sua inspiração à influência de Rosa Luxemburgo, em sua detalhada análise do capitalismo e seu compromisso apaixonado com o universalismo marxista. Apesar de sua devoção pela memória de Lenin, Mandel estava imbuído de uma visão luxemburguista da criatividade do movimento operário em ação. Também poderia se dizer que sua própria criatividade florescia quando menos se preocupava da reação que pudesse causar em setores do movimento trotskista: em uma debate de alguma conferência ou escrevendo para o Frankfurter Rundschau. Quando se relê “Dónde va América?” (1969) resulta surpreendente a precisão com a qual previu as consequências que teria para os Estados Unidos a intensificação da concorrência e a queda da taxa de lucro. O que o futuro reservava era um estancamento dos salários, quando não seu declive, a crescente miséria pública e a especulação financeira alheia a qualquer investimento produtivo3. Mandel escrevia então a que seria sua obra mais importante, O Capitalismo Tardio, uma análise documentada da dinâmica e dos limites do boom do pós-guerra. Naquela época, os principais economistas ortodoxos e a maioria dos comentaristas escreviam como se o capitalismo tivesse finalmente superado para sempre seus ciclos comerciais e criado as condições para seu crescimento constante e o pleno emprego. Na esquerda, os que defendiam a teoria do capitalismo monopolista de estado afirmavam que se havia estabelecido um sistema capitalista regulado sob a hegemonia dos Estados Unidos, no qual a concorrência inter-imperialista perdia importância. O Capitalismo Tardio, publicado em 1972 na Alemanha e em 1975 na Grã-Bretanha, ofereceu uma análise muito diferente e, como o tempo demonstraria, muito mais afortunada. Através de uma original reelaboração da teoria das ondas largas do desenvolvimento capitalista de Kondratiev, Mandel defendeu que o boom do pós-guerra havia perdido seu impulso e que se haviam criado as condições para uma queda da taxa de lucros, a erosão dos salários reais nos Estados Unidos e a reaparição de um desemprego massivo nos países industrializados. Com toda a justiça, pode-se dizer que O Capitalismo Tardio é ainda a principal obra marxista sobre o tema, combinando uma teoria geral das “leis do movimento” capitalista com a análise específica de seu desenvolvimento no pós-guerra.

Ernest Mandel ganhou a vida escrevendo e como ativista político. Assessorou os sindicatos belgas nos temas econômicos e, até o final de sua vida, ministrou algumas aulas na Universidade de Bruxelas. Seus contatos com o mundo acadêmico foram escassos. Mas em 1978 foi convidado pela Universidade de Cambridge para pronunciar as aulas magistrais que levam o nome de Alfred Marshall. O livro que as recompilou, As Ondas Largas no Desenvolvimento Capitalista, foi reeditado recentemente, com dois novos capítulos que analisam o curso da recessão global nas duas últimas décadas e polemizam com outros estudiosos da economia mundial. Mandel analisou as inexoráveis tendências estruturais implícitas no ciclo comercial capitalista, mas ao mesmo tempo sublinhou que as pré-condições para uma nova fase de alta têm todo um caráter político e social. As predições políticas de Mandel foram menos acertadas que seus prognósticos econômicos, e com frequência demasiado otimistas. Como muitos outros, enxergou na greve geral da França de 1968 o arauto de uma nova onda de lutas operárias e estudantis que iriam desafiar a ordem capitalista em toda a Europa Ocidental, confluindo com um renascimento da revolução anti-burocrática no Leste e dos movimentos antiimperialistas no Terceiro Mundo. Tentou explicar a Primavera de Praga, a Ofensiva do Tet e os Acontecimentos de Maio como um todo. Os camaradas franceses de Mandel desempenharam um importante papel na revolta de Maio, em Paris e em outras cidades; com ele se encontrou um jornalista britânico em uma das barricadas, atrás dos restos carbonizados de seu próprio carro, dizendo: “Que maravilha! É a Revolução!”. A grande capacidade de Mandel como orador em francês, alemão, inglês, castelhano e italiano lhe converteu no mensageiro do 68 em toda a Europa e mais além. Recordo o relato de um amigo do incrível espetáculo de como conseguir por de pé, uma estrondosa ovação, a mais de mil fleumáticos finlandês com uma de suas emocionantes tiradas.

Mas Ernest não se limitava a dizer que a gente queria ouvir. Suas intervenções, que duravam uma hora ou mais, eram sempre um convite à reflexão: o cuidado com o qual expunha seus argumentos, a amplitude de seus conhecimentos e sua sabedoria imbuíam de uma grande força moral as conclusões as quais chegava. Sua apertada agenda de conferências em todos os cantos da Europa em que o deixavam chegar, ou aos que ele chegava por outros meios, na América Latina, Japão, Índia, Austrália e América do Norte ganharam novos militantes para a causa e lhe permitiu seguir o desenvolvimento dos acontecimentos em muitas terras, mas seguramente lhe roubou um tempo precioso para escrever, e, finalmente, minou sua saúde. Ainda que Mandel tenha se equivocado quanto ao destino final dos diversos focos de luta que alimentaram 68, incentivou os jovens a comprometer-se com os movimentos emancipatórios. Quer seja na Tchecoslováquia ou na Polônia, no Estado Espanhol ou no México os que seguiram e se inspiraram na visão de Mandel desempenharam um papel modesto, mas não insignificante, na luta contra a ditadura e a opressão. Nestes últimos anos, a turma de Mandel se uniu em sua maioria aos novos partidos da esquerda, como Rifondazione na Itália, Izquierda Unida no Estado espanhol e o Partido dos Trabalhadores no Brasil.

A amplitude da visão de Mandel não era comum em quem se dedica à política. Conheci Mandel em uma conferência organizada pela Organização de Estudantes Trabalhistas, em 1963, em Folkstone. Como secretário do Club Trabalhista de Oxford tive que acompanhar a gente como Harold Wilson e Richard Crossman. O leonino Mandel, com seu desprezo pelos cálculos mesquinhos do dia-a-dia e sua capacidade para pensar em termos históricos, não podia ser mais distinto que aquelas matreiras inteligências. Mandel insistiu que nos escapássemos da conferência para visitar a Catedral de Canterbury; minha reticência, provocada pelo colégio, em entrar em um lugar de culto anglicano se evaporou tão pronto quando Mandel começou a comentar os mais brilhantes aspectos da arquitetura gótica e os detalhes dos artesãos que haviam construído a catedral. Nos detivemos um momento ante a tumba do arcebispo martirizado durante a Revolta Camponesa, ante uma lápide que nos convidava a rezar pela paz social. Mais tarde, tive a sorte e o prazer de acompanha-lo a Tenochtitlan, e aos canais dos arredores da Cidade do México que só recentemente, como nos explicou Mandel, haviam recuperado os níveis de produtividade agrícola alcançados na época dos astecas. No entanto, as diversões de Mandel não eram tão sublimes. Seu vício pelos romances policiais lhe conduziu a escrever um livro sobre a matéria: a única de suas obras traduzidas para o russo antes do colapso da URSS. Não estivemos encantados em publicar na New Left Review suas análises econômicas como também artigos e livros sobre outras matérias. Entre elas, uma elegante resposta à obra de Solzhenitsyn e uma maravilhosa dissertação sobre o papel do indivíduo na história4. Nos anos oitenta, publicou assim mesmo “O significado da II Guerra Mundial”, no qual tentou apreender a complexidade do que interpretou como cinco guerras em uma.

É preciso situar em uma categoria especial “Em defesa da Planificação Socialista”, um artigo escrito para a New Left Review em resposta à Economia do Socialismo Possível de Alee Nove. Mandel havia já abordado estes temas nos sessenta, quando Che Guevara solicitou seu conselho; naquela época havia feito uma assinalada contribuição em apoio da posição de Che: que não podia ser ignorado o mercado mundial nem deixar que impusesse suas prioridades. Como seu mentor, Trotsky, Mandel não acreditava convenientes as tentativas antecipadas de suprimir por completo o mercado, mas menos ainda nas virtudes do “socialismo de mercado”. Seus poderosos argumentos a favor do papel essencial de uma ampla planificação democrática da vida econômica, se se quisesse de verdade superar a desigualdade e o desperdício capitalistas, provocaram muitas discussões, tanto na New Left Review como em outros círculos5 . Ao mesmo tempo que previu os perigos de apoiar-se no mercado, Mandel segui sendo implacável em sua condenação da ditadura burocrática. Depois do colapso da URSS, manteve a esperança de que ressurgisse um novo movimento operário no Leste e predisse que a restauração do capitalismo não seria nem fácil e nem rápida6.

Vi Mandel falar em público pela última vez em dezembro de 1991, em Madri, em um debate com Felipe González sobre o futuro do socialismo. O primeiro-ministro espanhol, pouco inteligente, se permitiu a dar lições para Mandel sobre as virtudes do constitucionalismo e o respeito pelos direitos humanos. Mandel fez uma tétrica descrição da sorte dos trinta milhões de desempregados na Europa e atacou a social-democracia por capitular ante os ditados deflacionistas do Bundesbank. Também ressaltou a contradição que existia entre o discurso de González e o fato de que vários milhares de jovens pacifistas e insubmissos estivessem apodrecendo nos cárceres enquanto eles debatiam. Estou seguro que foram muito poucos os que na sala, ou vendo os encontros pela televisão, não viram no frágil e septuagenário Ernest Mandel o vigoroso e principista defensor do socialismo e em González o miserável e comprometido prisioneiro dos poderosos.

Notas:
1. Ernest Mandel: “The Dialectic of Class and Región ¡n Belgium”, New Left Review n Q 20, Verano de 1963, pp. 5-31.

2. Ernest Mandel: TheLeninist Theory of Organization, en Robín Blackburn, ed., Revolution and Class Struggle: A reader in Marxist Politics, Londres 1977, p. 100. Traducción al español: La Teoría Leninista de la Organización, Ed. Era, México.

3. Ernest Mandel: “Where is America Going?, New Left Review nQ 54, marzo-abril de 1969, pp. 3-17. Traducción al español: ¿Dónde va América?, Ed. Anagrama, Barcelona.

4. Ernest Mandel: “Solzhenitsyn, Stalinism and the October Revolución”, New Left Review ns 86, Verano de 1974; “The Role of the Individual in History, The Case of the Second World War”, New Left Review n° 157, mayo-junio 1986.

5. Ernest Mandel: “In Defense of Socialist Planning”, New Left Review n° 159, setembro-outubro 1986. Nove respondeu a Mandel no número 161, e Mandel voltou a responder com “O Mito do Socialismo de Mercado” no nº 169. Outros participantes no debate foram Auerbach, Desai e Shamsavari, no nº 170, e Diane Elson no nº 179. Os textos de Mandel, Nove e Elson foram publicados em castelhano na Inprecor.

6. Ernest Mandel: Power and Money, Ed. Verso, Londres 1992.

1 de agosto de 1995

O que é a agenda pós-moderna? Uma introdução

Ellen Meiksins Wood

Monthly Review


Tradução / Durante a Primeira Guerra Mundial, Oswald Spengler escreveu seu famoso e detestável livro O declínio do Ocidente, anunciando O fim da civilização ocidental e de seus valores dominantes. Os vínculos e tradições que uniram a sociedade estavam se decompondo, enquanto os laços cotidianos de solidariedade se desagregavam, juntamente com a unidade de pensamento e cultura. Como qualquer outra civilização que tivesse vivido seu ciclo natural, o Ocidente passara inevitavelmente de seu outono (já destrutivo) de "iluminismo" ou "esclarecimento" para um inverno de individualismo e niilismo cultural.

Quatro décadas mais tarde, C. Wright Mills anunciava: "Estamos no final do que se denomina a Idade Moderna". Essa época "está sendo substituída por um período pós-moderno", no qual todas as expectativas históricas que caracterizaram a "cultura ocidental" deixaram de ser relevantes. A fé do Iluminismo no progresso unificado de razão e liberdade, ao lado das duas principais ideologias fundadas nessa fé - o liberalismo e o socialismo "virtualmente faliram como explicações adequadas do mundo e de nós mesmos". J. S. Mill e Karl Marx estavam ultrapassados (1).

Entre esses dois anúncios do declínio de uma época, um de 1918 e o outro de 1959, há certamente grandes diferenças ideológicas - os sentimentos antidemocráticos de Spengler em contraposição ao radicalismo de Mills, a hostilidade (ou no mínimo a ambivalência) de Spengler diante do Iluminismo em contraposição ao apego persistente, embora um pouco sem esperanças, de Mills aos valores do Iluminismo. Mas há no intervalo a catastrófica história de depressão, guerra e genocídio, seguida pela promessa de prosperidade material, uma excedendo os piores temores da humanidade até então e outra suas mais visionárias esperanças. Quando Spengler escreveu O declínio do Ocidente, a Europa estava sem dúvida tumultuada, num tempo de guerra e revolução, para não mencionar a ameaça aparente às classes dominantes, até mesmo em situações não revolucionárias advindas da difusão da democracia de massas.

A perspectiva de Mills era bastante diferente. Desde 1918, o mundo passara por horrores muito maiores do que os imaginados por Spengler e, no entanto, ele escrevia na calma dos anos 50, na maré montante da prosperidade capitalista (a "sociedade afluente") e num clima de apatia política. E ensinava uma geração de estudantes universitários que, embora vivendo à sombra da Guerra Fria e da ameaça nuclear, podia esperar um futuro material particularmente brilhante. Essa "Era de Ouro" do capitalismo (como a chamou Eric Hobsbawm [2]) apenas começava a convencer outros acadêmicos da geração de Mills (a maioria deles aparentemente cega ao que Michael Harrington chamou "a outra América", para não falar do imperialismo dos EUA) de que os problemas da sociedade ocidental tinham sido mais ou menos solucionados, as condições de harmonia social de certa forma preponderavam e a realização do progresso do Iluminismo estava próxima ou concluída. Nada melhor era possível, necessário ou mesmo desejável. Foi isso o que o colega de Mills, Daniel Bell (que, numa edição posterior de seu famoso livro, atacaria Mills com maldade como traidor no caso de Cuba), chamou de o "fim da ideologia".

Desse modo, para Mills, a morte do otimismo iluminista não foi o resultado de alguma catástrofe inevitável. Ao contrário, seu pessimismo nasceu tanto do sucesso como do fracasso. Como ele sugeriu, muitos dos principais objetivos do Iluminismo tinham sido efetivamente alcançados: a "racionalização" da organização social e política; o progresso científico e tecnológico inconcebível ao mais otimista sonhador iluminista; a difusão do ensino universal nas sociedades ocidentais avançadas e assim por diante. Contudo, tais avanços pouco fizeram para aumentar a "racionalidade substantiva" dos seres humanos; e, de qualquer modo, a "racionalização", a burocracia e a tecnologia moderna restringiram mais que aumentaram a liberdade humana. Foram mesmo a fonte de muitos males inesperados. A conseqüência assustadora dessa falta de relação entre "racionalidade" e liberdade foi o advento de seres humanos alienados, ou "robôs felizes", que se adaptaram a condições organizações gigantes e forças avassaladoras- sobre as quais sentiam que não tinham controle e efetivamente não tinham. Pessoas às quais não mais se podia atribuir anseios de liberdade ou desejos de razão.

Alguns desses temas fizeram parte, por muito tempo, da teoria social ocidental - na sociologia de Max Weber ou Karl Mannheim, por exemplo, para não falar das teorias marxistas da alienação. E a ambivalência para com o Iluminismo, ao lado do pessimismo quanto ao progresso, foi um tópico comum da cultura do século XX, na esquerda e na direita, por razões boas e ruins. Mas, no tempo de Mills, havia uma outra dimensão que também tinha menos a ver com fracasso que com sucesso: o florescimento do capitalismo do "bem-estar" e do "consumidor". Este se tomou um fator determinante fundamental no desenvolvimento da teoria social de esquerda. Muitos críticos sociais - Marcuse é um exemplo primordial- afirmaram que esse novo tipo de capitalismo marcara de forma indelével as "massas" e a classe operária em particular. Mills, que convocava a esquerda a abandonar a "metafísica do trabalho", por certo não estava só quando pensou que a classe operária não estava mais disponível como força de oposição. Até mesmo pessoas que se viam como marxistas compartilharam de algum modo essa visão; e este seria um tema dominante nas "revoluções" dos anos 60, no radicalismo estudantil e em formas da teoria marxista que deram crescente relevo aos estudantes e intelectuais como principais agentes de resistência e "revolução cultural (3)".

Hoje, novamente, enquanto alguns à direita proclamam o "fim da história" ou o triunfo final do capitalismo, certos intelectuais de esquerda nos dizem que uma época terminou, que vivemos numa era "pós-moderna": o "projeto do Iluminismo" está morto, todas as antigas verdades e ideologias perderam sua relevância, os velhos princípios de racionalidade não valem mais, e assim por diante. Desta vez, pelo menos para muitos acadêmicos e estudantes universitários, parece que o verdadeiro divisor de águas ocorreu em algum ponto no final dos anos 60, ou mesmo em 1989, com o colapso do muro de Berlim. Contudo, embora muita história tenha passado entre os marcos iniciais dessa época e os eventos mais recentes, o que surpreende no diagnóstico presente da pós-modernidade é que tenha tanto em comum com atestados de óbito passados, nas suas versões progressistas ou reacionárias. Aparentemente, o que terminou não foi uma época diversa ou diferente, mas a mesma época, outra vez.

Outra coisa que vale registrar, porém, é que as análises mais recentes da pós-modernidade, que combinam tantos traços de velhos diagnósticos de declínio da época, mostram-se notavelmente inconscientes de sua própria história. Em sua convicção de que o que dizem representa uma ruptura radical com o passado, elas se esquecem sublimemente de tudo que outrora foi dito tantas vezes. Mesmo o ceticismo epistemológico, o assalto às verdades e aos valores universais, o questionamento da auto-identidade, parte tão importante das modas intelectuais correntes, têm uma história tão antiga quanto a filosofia. Mais particularmente, o senso pós-moderno de novidade de época depende de se ignorar ou negar uma realidade histórica avassaladora: que todas as rupturas do século XX se unificam num todo histórico particular pela lógica e pelas contradições do capitalismo, o sistema das mil mortes.

Isso nos conduz à característica mais específica dos novos pós-modernos: a despeito de sua insistência nas diferenças e especificidades de época, apesar de sua reivindicação de ter exposto a historicidade de todos os valores e "conhecimentos" (ou precisamente devido à sua insistência na "diferença" e na natureza fragmentada da realidade e do conhecimento humano), eles são notavelmente insensíveis à história. Tal insensibilidade revela-se sobretudo na surdez aos ecos reacionários de seus ataques contra os valores do "Iluminismo" e em seu fundamental irracionalismo. Aqui, então, se situa uma diferença crucial entre os anúncios atuais de mudança de época e todos os outros. As teorias anteriores se baseavam - por definição - em alguma concepção particular de história e pressupunham a importância da análise histórica. C. Wright Mills, por exemplo, insistiu que a crise da razão e da liberdade que marcaram o nascimento da era pós-moderna representavam

... problemas estruturais, e localizá-los requer que trabalhemos nos termos clássicos da biografia humana e da história de uma época. Somente nesses termos podem ser hoje traçadas as conexões de estrutura e ambiente que afetam esses valores e ser conduzida sua análise causal.

Mills também tomava como certo, na forma clássica iluminista, que o objetivo central dessa análise histórica era destacar o espaço de liberdade e agência humanas, formular nossas opções e "alargar o escopo das decisões humanas na feitura da história". E apesar de todo seu pessimismo ele assumia que os limites da possibilidade histórica em sua época eram, "na verdade, bastante amplos [4]".

Essa afirmação é em quase tudo antitética às teorias correntes da pós-modernidade, que negam efetivamente a própria existência de estrutura ou de conexões estruturais e a própria possibilidade de "análise causal". Estruturas e causas foram substituídas por fragmentos e contingências. Não existe uma coisa chamada sistema social (por exemplo, o sistema capitalista) com sua própria unidade sistêmica e suas "leis de movimento". Há somente muitos tipos diferentes de poder, opressão, identidade e "discurso". Não apenas temos que rejeitar as antigas "grandes narrativas", como os conceitos iluministas de progresso, mas devemos renunciar a qualquer ideia de processo e causalidade histórica inteligível e, com isso, evidentemente, a toda ideia de "fazer história". Só existem diferenças anárquicas, desconectadas e inexplicáveis. Pela primeira vez, estamos diante de uma contradição em termos: uma teoria de mudança de época histórica, baseada na negação da história.

Há uma outra coisa especialmente curiosa sobre a nova ideia de pós-modernidade, um paradoxo particularmente notável. Por um lado, a negação da história na qual ela se baseia é associada a uma espécie de pessimismo político. Uma vez que não há sistemas ou história suscetíveis de análise causal, não podemos chegar às raízes dos muitos poderes que nos oprimem; e certamente não podemos aspirar a algum tipo de oposição unificada, de emancipação humana geral, ou mesmo de contestação geral do capitalismo, do tipo em que os socialistas costumavam acreditar. O máximo que podemos esperar é um conjunto de resistências particulares e separadas. Por outro lado, esse pessimismo político parece ter suas origens numa visão bastante otimista da prosperidade e das possibilidades capitalistas. Os pós-modernos de hoje (sobreviventes típicos da "geração dos 60" e de seus alunos) parecem ter uma visão do mundo ainda calcada na "Era de Ouro" do capitalismo, cujo traço dominante é o "consumismo", a multiplicidade de padrões de consumo e a proliferação de "estilos de vida". Aqui também eles revelam seu a-historicismo fundamental, uma vez que as crises estruturais do capitalismo desde aquele momento "dourado" parecem ter passado à sua margem, ou, pelo menos, parecem não ter deixado neles nenhuma impressão teórica significativa.

Para alguns, isso quer dizer que as oportunidades de oposição ao capitalismo estão severamente limitadas. Outros parecem dizer que, se não podemos realmente transformar ou sequer entender o sistema (ou mesmo pensar nele enquanto sistema) e se não dispomos ou somos incapazes de dispor de uma perspectiva por meio da qual criticar o sistema, que dirá fazer oposição a ele, é melhor relaxar e aproveitar. Os expoentes dessas tendências intelectuais certamente sabem que nem tudo está bem; mas pouco existe nesses modismos que ajude, por exemplo, a entender a pobreza e a falta de moradia hoje crescentes, a classe de trabalhadores pobres cada vez maior, as novas formas de trabalho inseguro e de tempo parcial, e assim por diante. As duas faces da ambígua história do século XX - tanto seus horrores como suas maravilhas - desempenharam indubitavelmente uma parte na formação da consciência pós-moderna; mas os horrores que minaram a antiga ideia de progresso são menos importantes para definir a natureza peculiar do pós-modernismo atual que as maravilhas da tecnologia moderna e as riquezas do capitalismo de consumo. O pós-modernismo se assemelha por vezes às ambiguidades do capitalismo tal como vistas da perspectiva daqueles que aproveitam seus benefícios e não sofrem seus custos.

Se, para Mills, o problema central de sua época era a impossibilidade de esperar que robôs felizes ansiassem por liberdade ou razão, os novos pós-modernos encaram tais valores ameaçados do Iluminismo como o problema e os rejeitam abertamente como intrinsecamente opressivos. Talvez em sua submissão derrotista a forças aparentemente incontroláveis, combinada com uma rendição ao consumismo e, às vezes, mesmo uma exaltação dele, a corrente pós-moderna atualmente represente uma manifestação intelectual daqueles robôs. Enquanto Mills parece ter sustentado a visão bastante elitista de que os trabalhadores estavam mais sujeitos a virar robôs, deixando aos estudantes e aos intelectuais o papel de se levantarem acima de tal condição, hoje são esses próprios intelectuais que se tomaram, por assim dizer, a consciência teórica do robô feliz.

Robôs felizes ou críticos sociais?

Depois de dizer tudo isso, seria fácil desconsiderar as modas vigentes. Mas, apesar de todas as suas contradições, falta de sensibilidade histórica, aparente repetição inconsciente de velhos temas e derrotismo, elas também respondem a algo real, a condições reais no mundo contemporâneo, nas condições correntes do capitalismo, com as quais a esquerda socialista precisa acertar suas contas.

Primeiro, apresento uma lista dos mais importantes temas da esquerda pós-moderna (uso esse termo genérico para abranger uma variedade de tendências intelectuais e políticas que emergiram nos anos recentes, incluindo o "pós-marxismo" e o "pós-estruturalismo"): ênfase na linguagem, na cultura e no "discurso" (com o argumento de que a linguagem é tudo o que podemos conhecer sobre o mundo e de que não temos acesso a nenhuma outra realidade), em detrimento das preocupações "economicistas" tradicionais da esquerda e das velhas preocupações da economia política; rejeição do conhecimento "totalizante" e dos valores "universalistas" (incluindo as concepções ocidentais de "racionalidade", as ideias gerais de igualdade, liberais ou socialistas, e a concepção marxista da emancipação humana geral), em benefício da ênfase na "diferença", em identidades particulares diversas como gênero, raça, etnicidade, sexualidade e em várias opressões e lutas particulares e separadas; insistência na natureza fluida e fragmentada do eu humano (o "sujeito descentrado"), que toma nossas identidades de tal modo variáveis, incertas e frágeis, que é difícil ver como podemos desenvolver o tipo de consciência capaz de formar a base para a solidariedade e a ação coletivas fundadas numa "identidade" social comum (como a classe), numa experiência e em interesses comuns - uma exaltação do "marginal" -; e repúdio das "grandes narrativas", tais como as idéias ocidentais de progresso, incluindo as teorias marxistas da história.

Todos esses temas tendem a ser agrupados na desconsideração do "essencialismo", em particular do marxismo, que supostamente reduz a variada complexidade da experiência humana a uma visão monolítica do mundo, "privilegiando" o modo de produção como um determinante histórico, bem como a classe, em contraposição a outras "identidades", e os determinantes "econômicos" e "materiais", em contraposição à "construção discursiva" da realidade. Essa denúncia do "essencialismo" tende a recobrir não apenas as explicações do mundo efetivamente monolíticas (como as variantes stalinistas do marxismo) mas toda espécie de análise causal.

O significado desse jargão pós-moderno deve ficar mais claro no curso dos artigos; para o momento, deve parecer óbvio que a principal tendência que perpassa todos esses princípios pós-modernos é a ênfase na natureza fragmentada do mundo e do conhecimento humano, e a impossibilidade de qualquer política emancipatória baseada em algum tipo de visão "totalizante". Mesmo uma política anticapitalista é demasiado "totalizante" ou "universalizante", uma vez que dificilmente se pode dizer que exista o capitalismo como sistema totalizante, num discurso pós-moderno, de tal modo que mesmo uma crítica do capitalismo está excluída. Com efeito, a "política", em qualquer sentido tradicional do termo, em referência aos poderes abrangentes de classes ou Estados ou à oposição a estes, está efetivamente eliminada, dando lugar às lutas fraturadas da "política de identidade" ou do "pessoal enquanto político" embora haja alguns projetos mais universais que mantenham algumas atrações para a esquerda pós-moderna, como a política ambientalista. Em resumo, forte ceticismo epistemológico e profundo derrotismo político.

Contudo, nenhum de nós negaria a importância de alguns desses temas. Por exemplo, a história do século XX dificilmente poderia inspirar confiança nas noções tradicionais de progresso, e aqueles de nós que professam acreditarem algum tipo de política "progressista" devem enfrentar tudo aquilo que conseguiu solapar o otimismo iluminista. E quem negaria a importância de "identidades" diversas da classe, das lutas contra a opressão sexual e racial ou das complexidades da experiência humana num mundo tão móvel e mutável, com solidariedades tão frágeis e mutantes? Ao mesmo tempo, quem pode ignorar o ressurgimento de "identidades" como o nacionalismo, forças históricas tão poderosas e com freqüência destrutivas? Não temos que acertar contas com a reestruturação do capitalismo, hoje mais global e segmentado que nunca? Nesse sentido, quem não percebe as mudanças estruturais que transformaram a natureza da própria classe operária? E que socialista sério alguma vez desprezou as divisões raciais e sexuais no seio da classe operária? Quem subscreveria o tipo de imperialismo ideológico e cultural que suprime a multiplicidade de valores e culturas humanas? E como podemos negar a política da linguagem e da cultura num mundo tão dominado por símbolos, imagens e "comunicação de massas", para não falar da "superestrada da informação"?

Quem negaria essas coisas num mundo de capitalismo global tão dependente da manipulação de símbolos e imagens numa cultura de propaganda, onde os "meios de comunicação" medeiam nossas próprias experiências mais pessoais, às vezes ao ponto em que aquilo que vimos na televisão parece mais real que nossas próprias vidas e em que os termos do debate político são colocados - e estreitamente constrangidos - pelos ditames do capital em sua forma mais direta, na medida em que o conhecimento e a comunicação estão crescentemente nas mãos das corporações gigantes?

Não é preciso aceitar os pressupostos pós-modernos para enxergar todas essas coisas. Ao contrário, esses processos reclamam uma explicação materialista. Nesse sentido, há poucos fenômenos culturais na história humana cujas fundações materiais sejam mais vivamente óbvias que o próprio pós-modernismo. Não há, com efeito, melhor confirmação do materialismo histórico que o vínculo entre cultura pós-moderna e um capitalismo global segmentado, consumista e móvel. Nem tampouco uma abordagem materialista significa que temos que desvalorizar ou denegrir as dimensões culturais da experiência humana. Uma compreensão materialista constitui, ao contrário, passo essencial para liberar a cultura dos grilhões da mercantilização.

Se o pós-modernismo nos diz alguma coisa, de uma maneira distorcida, sobre as condições do capitalismo contemporâneo, a ideia está em descobrir quais são exatamente essas condições, por que o são e qual o caminho a seguir a partir daí. A ideia, em outras palavras, é sugerir explicações históricas para tais condições, ao invés de apenas submeter-se a elas, consentindo em adaptações ideológicas. É identificar os problemas reais para os quais as modas intelectuais vigentes oferecem soluções falsas - ou não - e, ao fazê-lo, desafiar os limites que eles impõem à ação e à resistência. É, portanto, responder às condições do mundo atual não como robôs felizes (ou infelizes), mas como críticos.

Esta edição especial de Monthly Review pretende sugerir algumas das formas pelas quais o materialismo histórico pode lançar luz sobre esses temas, embora evidentemente, num espaço tão limitado, possamos apenas arranhar a superfície. Ao organizar esta edição, John Foster e eu enviamos uma carta aos colaboradores em potencial, explicando o que tínhamos em mente. Assim deixem-me concluir esta introdução com alguns extratos desta carta. Ela começa com uma citação de meu artigo, no número do verão de 1994, que tratava da obra de E. P. Thompson:[5]

A crítica do capitalismo está fora de moda - e há aqui uma curiosa convergência, uma espécie de sagrada aliança entre triunfalismo capitalista e pessimismo socialista. A vitória da direita se reflete na esquerda numa aguda contração das aspirações socialistas. Os intelectuais de esquerda, se não abraçam efetivamente o capitalismo como o melhor dos mundos possíveis, têm pouca esperança em algo mais que um pequeno espaço nos interstícios do capitalismo; e anteveem, na melhor das hipóteses, apenas resistências locais e particulares. E há outro efeito curioso de tudo isso. O capitalismo está se tornando tão universal, tão garantido, que passa a ser invisível. Hoje há certamente muitos motivos para sermos pessimistas. Fatos recentes e atuais fornecem-nos fundamento suficiente. Mas existe algo de curioso na forma como muitos de nós reagem a tudo isso. Se o capitalismo efetivamente triunfou, devíamos pensar que, mais do que nunca, precisamos de uma crítica do capitalismo. Por que seria a hora de acolher modos de pensamento que parecem negar a própria possibilidade não apenas de suplantar o capitalismo mas até mesmo de compreendê-lo criticamente? [...] 
Penso que estamos atualmente numa situação sem precedentes, algo que não presenciamos em toda a história do capitalismo. Vivemos agora não apenas uma carência de ação, ou a ausência dos instrumentais e da organização para a luta (embora estes sejam frágeis, sem dúvida). Não se trata somente de saber como agir contra o capitalismo, mas de esquecer até mesmo como pensar contra ele.

A carta prosseguia, explicitando nossas intenções:

É este o contexto em que planejamos a edição especial. Partimos da ideia de que uma obra histórica como a de E. P. Thompson e a economia política, no que tem de melhor, são essenciais para o projeto crítico da esquerda. [...] O ponto central, contudo, é o seguinte: não podemos hoje tomar como certo que outros intelectuais de esquerda compartilhem nossa visão; e, falando como professores, temos ambos bastante consciência de que muitos, se não a maior parte, de nossos alunos - mesmo aqueles que se vêem como de esquerda - dificilmente concordam seja com nosso entendimento do capitalismo, seja com nossos pressupostos epistemológicos e históricos. E essas discordâncias se expressam numa agenda intelectual, para não dizer política, muito diferente [...]. 
O que propomos, então, é uma coletânea de artigos que oferecerá algumas sugestões sobre como o materialismo histórico pode enfrentar essa outra agenda de maneira mais frutífera, vigorosa e liberadora que a das correntes intelectuais e políticas em voga. Não estamos sugerindo que as pessoas como nós abandonem seu próprio terreno. Ao contrário, parte de nosso objetivo é demonstrar que nosso terreno está onde devia - por exemplo, que as velhas questões triviais da esquerda (como a ligação entre "política" no velho sentido, Estado e poder de classe) estão ainda no centro das coisas, e permanecem importantes para outros projetos emancipatórios, não apenas para as formas tradicionais de política de classe. Mas podemos prender a atenção de nossos alunos e de gente como eles se os confrontarmos em seu terreno favorito.

É isso, portanto, o que pretendemos fazer, de uma forma muito limitada.

Os temas desta edição, e com freqüência o estilo, podem ser diferentes do que os leitores de MR habituaram-se a ter, mas a motivação fundamental e o compromisso político continuam os mesmos. Nossa mensagem principal é que esta pode ser a hora certa de revitalizar a crítica marxista. O mundo está cada vez mais povoado não por robôs felizes, mas por seres humanos muito enraivecidos. Do jeito que estão as coisas, há muito poucos recursos intelectuais disponíveis para compreender esse sentimento, e (pelo menos na esquerda) os recursos políticos para organizá-las são muito raros. O pós-modernismo atual, apesar de todo seu aparente pessimismo derrotista, ainda está calcado no capitalismo da Era de Ouro. Já é tempo de deixar para trás esse legado, a fim de enfrentar as realidades dos anos 90 e do século XXI.

Notas:

1. C. Wright Mills, The. Sociological imagination, Oxford e Nova York, 1959, pp.165-7.

2. Em Era dos extremos: o breve século XX, 1914-1991 de Hobsbawm, a "Era de Ouro" (aproximadamente 1947-73) está espremida entre a "época da catástrofe" e o "desmoronamento" (Ed. brasileira: São Paulo, Companhia das Letras, 1995, tradução de Marcos Santarrita).

3. Discuto alguns desses processos em "A chronology of the new left, or: who's old-fashioned now?", Socialist Register 1995, Nova York e Londres, 1995.

4. Mills, The Sociological Imagination, pp. 173-4.

5. Ver "From opportunity to imperative: the history of the market", Monthly Review 46 (3),julyaug. 1994.

1 de julho de 1995

Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era "pós-socialista"

Nancy Fraser

New Left Review


Tradução / A "luta por reconhecimento" está rapidamente se tornando a forma paradigmática de conflito político no final do século XX. Demandas por "reconhecimento da diferença" dão combustível às lutas de grupos mobilizados sob as bandeiras da nacionalidade, etnicidade, "raça", gênero e sexualidade. Nestes conflitos "pós-socialistas", a identidade de grupo suplanta o interesse de classe como o meio principal da mobilização política. A dominação cultural suplanta a exploração como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural toma o lugar da redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e objetivo da luta política.

Claro que esta não é toda a história. Lutas pelo reconhecimento ocorrem num mundo de exacerbada desigualdade material - desigualdades de renda e propriedade; de acesso a trabalho remunerado, educação, saúde e lazer; e também, mais cruamente, de ingestão calórica e exposição à contaminação ambiental; portanto, de expectativa de vida e de taxas de morbidade e mortalidade. A desigualdade material está em alta na maioria dos países do mundo - nos EUA e na China, na Suécia e na Índia, na Rússia e no Brasil. Ela também aumenta globalmente, de modo mais dramático, do outro lado da linha que divide norte e sul. Como, então, devemos ver o eclipse de um imaginário socialista centrado em termos como “interesse”, “exploração” e “redistribuição”? E o que devemos fazer com a emergência de um novo imaginário político centrado nas noções de “identidade”, “diferença”, “dominação cultural” e “reconhecimento”? Essa virada representa um lapso de “falsa consciência”? Ou seria mais um meio de compensar a cegueira cultural de um paradigma marxista posto em descrédito pelo colapso do comunismo soviético?

Nenhuma das duas posições é adequada, a meu ver. Ambas são demasiado abrangentes e sem nuanças. Ao invés de simplesmente endossar ou rejeitar o que é simplório na política da identidade, devíamos nos dar conta de que temos pela frente uma nova tarefa intelectual e prática: a de desenvolver uma teoria crítica do reconhecimento, que identifique e assuma a defesa somente daquelas versões da política cultural da diferença que possam ser combinadas coerentemente com a política social da igualdade.

Ao formular esse projeto, assumo que a justiça hoje exige tanto redistribuição como reconhecimento. E proponho examinar a relação entre eles. Isso significa, em parte, pensar em como conceituar reconhecimento cultural e igualdade social de forma a que sustentem um ao outro, ao invés de se aniquilarem (pois há muitas concepções concorrentes de ambos!) Significa também teorizar a respeito dos meios pelos quais a privação econômica e o desrespeito cultural se entrelaçam e sustentam simultaneamente. Exige também, portanto, esclarecer os dilemas políticos que surgem quando tentamos combater as duas injustiças ao mesmo tempo.

Meu objetivo maior é ligar duas problemáticas políticas atualmente dissociadas; pois é somente integrando reconhecimento e redistribuição que chegaremos a um quadro conceitual adequado às demandas de nossa era. That, however, is far too much to take on here. In what follows, I shall consider only one aspect of the problem. Under what circumstances can a politics of recognition help support a politics of redistribution? And when is it more likely to undermine it? Which of the many varieties of identity politics best synergize with struggles for social equality? And which tend to interfere with the latter?

In addressing these questions, I shall focus on axes of injustice that are simultaneously cultural and socioeconomic, paradigmatically gender and ‘race’. (I shall not say much, in contrast, about ethnicity or nationality.footnote1) And I must enter one crucial preliminary caveat: in proposing to assess recognition claims from the standpoint of social equality, I assume that varieties of recognition politics that fail to respect human rights are unacceptable even if they promote social equality.footnote2

Finally, a word about method: in what follows, I shall propose a set of analytical distinctions, for example, cultural injustices versus economic injustices, recognition versus redistribution. In the real world, of course, culture and political economy are always imbricated with one another; and virtually every struggle against injustice, when properly understood, implies demands for both redistribution and recognition. Nevertheless, for heuristic purposes, analytical distinctions are indispensable. Only by abstracting from the complexities of the real world can we devise a conceptual schema that can illuminate it. Thus, by distinguishing redistribution and recognition analytically, and by exposing their distinctive logics, I aim to clarify—and begin to resolve—some of the central political dilemmas of our age.

My discussion proceeds in four parts. In section one, I conceptualize redistribution and recognition as two analytically distinct paradigms of justice, and I formulate ‘the redistribution–recognition dilemma’. In section two, I distinguish three ideal-typical modes of social collectivity in order to identify those vulnerable to the dilemma. In section three, I distinguish between ‘affirmative’ and ‘transformative’ remedies for injustice, and I examine their respective logics of collectivity. Lastly, I use these distinctions, in section four, to propose a political strategy for integrating recognition claims with redistribution claims with a minimum of mutual interference.

I. The Redistribution-Recognition Dilemma

Let me begin by noting some complexities of contemporary ‘postsocialist’ political life. With the decentring of class, diverse social movements are mobilized around cross-cutting axes of difference. Contesting a range of injustices, their claims overlap and at times conflict. Demands for cultural change intermingle with demands for economic change, both within and among social movements. Increasingly, however, identity-based claims tend to predominate, as prospects for redistribution appear to recede. The result is a complex political field with little programmatic coherence.
Para ajudar a esclarecer esta situação e as perspectivas políticas que ela apresenta, proponho distinguir analiticamente duas maneiras muito genéricas de compreender a injustiça. A primeira delas é a injustiça econômica, que se radica na estrutura econômico-política da sociedade. Seus exemplos incluem a exploração (ser expropriado do fruto do próprio trabalho em benefício de outros); a marginalização econômica (ser obrigado a um trabalho indesejável e mal pago, como também não ter acesso a trabalho remunerado); e a privação (não ter acesso a um padrão de vida material adequado).

Teóricos igualitários empreenderam grande esforço para conceituar a natureza dessas injustiças socioeconômicas. Suas concepções incluem a teoria de Marx sobre a exploração capitalista; a concepção de justiça de Rawls, como justiça na seleção dos princípios que regem a distribuição dos “bens primários”; a visão de Amartya Sen, de que justiça implica “capacidades de função” iguais; e a de Ronald Dworkin, de que justiça implica “igualdade de recursos”. Para meus propósitos neste trabalho, porém, não precisamos nos comprometer com nenhuma visão teórica em particular. Precisamos apenas subscrever uma compreensão geral e rudimentar da injustiça socioeconômica informada por um compromisso com o igualitarismo.

A segunda maneira de compreender a injustiça é cultural ou simbólica. Aqui a injustiça se radica nos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação. Seus exemplos incluem a dominação cultural (ser submetido a padrões de interpretação e comunicação associados a outra cultura, alheios e/ou hostis à sua própria); o ocultamento (tornar-se invisível por efeito das práticas comunicativas, interpretativas e representacionais autorizadas da própria cultura); e o desrespeito (ser difamado ou desqualificado rotineiramente nas representações culturais públicas estereotipadas e/ou nas interações da vida cotidiana).

Some political theorists have recently sought to conceptualize the nature of these cultural or symbolic injustices. Charles Taylor, for example, has drawn on Hegelian notions to argue that:

Nonrecognition or misrecognition. . .can be a form of oppression, imprisoning someone in a false, distorted, reduced mode of being. Beyond simple lack of respect, it can inflict a grievous wound, saddling people with crippling self-hatred. Due recognition is not just a courtesy but a vital human need.footnote4

Likewise, Axel Honneth has argued that:

we owe our integrity... to the receipt of approval or recognition from other persons. [Negative concepts such as ‘insult’ or ‘degradation’] are related to forms of disrespect, to the denial of recognition. [They] are used to characterize a form of behaviour that does not represent an injustice solely because it constrains the subjects in their freedom for action or does them harm. Rather, such behaviour is injurious because it impairs these persons in their positive understanding of self—an understanding acquired by intersubjective means.[5]

Similar conceptions inform the work of many other critical theorists who do not use the term ‘recognition.’footnote6 Once again, however, it is not necessary here to settle on a particular theoretical account. We need only subscribe to a general and rough understanding of cultural injustice, as distinct from socioeconomic injustice.

Despite the differences between them, both socioeconomic injustice and cultural injustice are pervasive in contemporary societies. Both are rooted in processes and practices that systematically disadvantage some groups of people vis-à-vis others. Both, consequently, should be remedied.footnote7

Of course, this distinction between economic injustice and cultural injustice is analytical. In practice, the two are intertwined. Even the most material economic institutions have a constitutive, irreducible cultural dimension; they are shot through with significations and norms. Conversely, even the most discursive cultural practices have a constitutive, irreducible political-economic dimension; they are underpinned by material supports. Thus, far from occupying two airtight separate spheres, economic injustice and cultural injustice are usually interimbricated so as to reinforce one another dialectically. Cultural norms that are unfairly biased against some are institutionalized in the state and the economy; meanwhile, economic disadvantage impedes equal participation in the making of culture, in public spheres and in everyday life. The result is often a vicious circle of cultural and economic subordination.[8]

Insistirei em distinguir analiticamente injustiça econômica e injustiça cultural, em que pese seu mútuo entrelaçamento. O remédio para a injustiça econômica é alguma espécie de reestruturação político-econômica. Pode envolver redistribuição de renda, reorganização da divisão do trabalho, controles democráticos do investimento ou a transformação de outras estruturas econômicas básicas. Embora esses vários remédios difiram significativamente entre si, doravante vou me referir a todo esse grupo pelo termo genérico “redistribuição”. O remédio para a injustiça cultural, em contraste, é alguma espécie de mudança cultural ou simbólica. Pode envolver a revalorização das identidades desrespeitadas e dos produtos culturais dos grupos difamados. Pode envolver, também, o reconhecimento e a valorização positiva da diversidade cultural. Mais radicalmente ainda, pode envolver uma transformação abrangente dos padrões sociais de representação, interpretação e comunicação, de modo a transformar o sentido do eu de todas as pessoas. Embora esses remédios difiram significativamente entre si, doravante vou me referir a todo esse grupo pelo termo genérico “reconhecimento”.

Once again, this distinction between redistributive remedies and recognition remedies is analytical. Redistributive remedies generally presuppose an underlying conception of recognition. For example, some proponents of egalitarian socioeconomic redistribution ground their claims on the ‘equal moral worth of persons’; thus, they treat economic redistribution as an expression of recognition.footnote11 Conversely, recognition remedies sometimes presuppose an underlying conception of redistribution. For example, some proponents of multicultural recognition ground their claims on the imperative of a just distribution of the ‘primary good’ of an ‘intact cultural structure’; they therefore treat cultural recognition as a species of redistribution.footnote12 Such conceptual entwinements notwith-standing, I shall leave to one side questions such as, do redistribution and recognition constitute two distinct, irreducible, sui generis concepts of justice, or alternatively, can either one of them be reduced to the other?footnote13 Rather, I shall assume that however we account for it metatheoretically, it will be useful to maintain a working, first-order distinction between socioeconomic injustices and their remedies, on the one hand, and cultural injustices and their remedies, on the other.footnote14

Postas estas distinções, posso passar agora à questão seguinte: qual é a relação entre lutas por reconhecimento, voltadas para remediar a injustiça cultural, e lutas por redistribuição, voltadas para compensar a injustiça econômica? E que espécie de interferências mútuas podem brotar quando os dois tipos de reivindicação são feitos simultaneamente?

Existem boas razões para se preocupar com essas interferências mútuas. Lutas de reconhecimento assumem com freqüência a forma de chamar a atenção para a presumida especificidade de algum grupo – ou mesmo de criá-la performativamente – e, portanto, afirmar seu valor. Desse modo, elas tendem a promover a diferenciação do grupo. Lutas de redistribuição, em contraste, buscam com freqüência abolir os arranjos econômicos que embasam a especificidade do grupo (um exemplo seriam as demandas feministas para abolir a divisão do trabalho segundo o gênero). Desse modo, elas tendem a promover a desdiferenciação do grupo. O resultado é que a política do reconhecimento e a política da redistribuição parecem ter com freqüência objetivos mutuamente contraditórios. Enquanto a primeira tende a promover a diferenciação do grupo, a segunda tende a desestabilizá-la. Desse modo, os dois tipos de luta estão em tensão; um pode interferir no outro, ou mesmo agir contra o outro.

Eis, então, um difícil dilema. Doravante vou chamá-lo dilema da redistribuição-reconhecimento. Pessoas sujeitas à injustiça cultural e à injustiça econômica necessitam de reconhecimento e redistribuição. Necessitam de ambos para reivindicar e negar sua especificidade. Como isso é possível?

Before taking up this question, let us consider precisely who faces the recognition–redistribution dilemma.

II. Exploited Classes, Despised Sexualities, and Bivalent Collectivities

Imagine a conceptual spectrum of different kinds of social collectivities. At one extreme are modes of collectivity that fit the redistribution model of justice. At the other extreme are modes of collectivity that fit the recognition model. In between are cases that prove difficult because they fit both models of justice simultaneously.

Consider, first, the redistribution end of the spectrum. At this end let us posit an ideal-typical mode of collectivity whose existence is rooted wholly in the political economy. It will be differentiated as a collectivity, in other words, by virtue of the economic structure, as opposed to the cultural order, of society. Thus any structural injustices its members suffer will be traceable ultimately to the political economy. The root of the injustice, as well as its core, will be socioeconomic maldistribution, while any attendant cultural injustices will derive ultimately from that economic root. At bottom, therefore, the remedy required to redress the injustice will be political-economic redistribution, as opposed to cultural recognition.

In the real world, to be sure, political economy and culture are mutually intertwined, as are injustices of distribution and recognition. Thus we may doubt whether there exist any pure collectivities of this sort. For heuristic purposes, however, it is useful to examine their properties. To do so, let us consider a familiar example that can be interpreted as approximating the ideal type: the Marxian conception of the exploited class, understood in an orthodox and theoretical way.footnote15 And let us bracket the question of whether this view of class fits the actual historical collectivities that have struggled for justice in the real world in the name of the working class.footnote16

In the conception assumed here, class is a mode of social differentiation that is rooted in the political-economic structure of society. A class only exists as a collectivity by virtue of its position in that structure and of its relation to other classes. Thus, the Marxian working class is the body of persons in a capitalist society who must sell their labour-power under arrangements that authorize the capitalist class to appropriate surplus productivity for its private benefit. The injustice of these arrangements, moreover, is quintessentially a matter of distribution. In the capitalist scheme of social reproduction, the proletariat receives an unjustly large share of the burdens and an unjustly small share of the rewards. To be sure, its members also suffer serious cultural injustices, the ‘hidden (and not so hidden) injuries of class’. But far from being rooted directly in an autonomously unjust cultural structure, these derive from the political economy, as ideologies of class inferiority proliferate to justify exploitation.[17] The remedy for the injustice, consequently, is redistribution, not recognition. Overcoming class exploitation requires restructuring the political economy so as to alter the class distribution of social burdens and social benefits. In the Marxian conception, such restructuring takes the radical form of abolishing the class structure as such. The task of the proletariat, therefore, is not simply to cut itself a better deal, but ‘to abolish itself as a class’. The last thing it needs is recognition of its difference. On the contrary, the only way to remedy the injustice is to put the proletariat out of business as a group.

Now consider the other end of the conceptual spectrum. At this end we may posit an ideal-typical mode of collectivity that fits the recognition model of justice. A collectivity of this type is rooted wholly in culture, as opposed to in political economy. It only exists as a collectivity by virtue of the reigning social patterns of interpretation and evaluation, not by virtue of the division of labour. Thus, any structural injustices its members suffer will be traceable ultimately to the cultural-valuational structure. The root of the injustice, as well as its core, will be cultural misrecognition, while any attendant economic injustices will derive ultimately from that cultural root. At bottom, therefore, the remedy required to redress the injustice will be cultural recognition, as opposed to political-economic redistribution.

Once again, we may doubt whether there exist any pure collectivities of this sort, but it is useful to examine their properties for heuristic purposes. An example that can be interpreted as approximating the ideal type is the conception of a despised sexuality, understood in a specific stylized and theoretical way.footnote18 Let us consider this conception, while leaving aside the question of whether this view of sexuality fits the actual historical homosexual collectivities that are struggling for justice in the real world.

Sexuality in this conception is a mode of social differentiation whose roots do not lie in the political economy, as homosexuals are distributed throughout the entire class structure of capitalist society, occupy no distinctive position in the division of labour, and do not constitute an exploited class. Rather, their mode of collectivity is that of a despised sexuality, rooted in the cultural-valuational structure of society. From this perspective, the injustice they suffer is quintessentially a matter of recognition. Gays and lesbians suffer from heterosexism: the authoritative construction of norms that privilege heterosexuality. Along with this goes homophobia: the cultural devaluation of homosexuality. Their sexuality thus disparaged, homosexuals are subject to shaming, harassment, discrimination, and violence, while being denied legal rights and equal protections—all fundamentally denials of recognition. To be sure, gays and lesbians also suffer serious economic injustices; they can be summarily dismissed from work and are denied family-based social-welfare benefits. But far from being rooted directly in the economic structure, these derive instead from an unjust cultural-valuational structure.footnote19 The remedy for the injustice, consequently, is recognition, not redistribution. Overcoming homophobia and heterosexism requires changing the cultural valuations (as well as their legal and practical expressions) that privilege heterosexuality, deny equal respect to gays and lesbians, and refuse to recognize homosexuality as a legitimate way of being sexual. It is to revalue a despised sexuality, to accord positive recognition to gay and lesbian sexual specificity.

As coisas são bem claras nas duas extremidades de nosso espectro conceitual. Quando lidamos com coletividades que se aproximam do tipo ideal da classe trabalhadora explorada, encaramos injustiças distributivas que precisam de remédios redistributivos. Quando lidamos com coletividades que se aproximam do tipo ideal da sexualidade desprezada, em contraste, encaramos injustiças de discriminação negativa que precisam de remédios de reconhecimento. No primeiro caso, a lógica do remédio é acabar com esse negócio de grupo; no segundo caso, ao contrário, trata-se de valorizar o “sentido de grupo” do grupo, reconhecendo sua especificidade.

As coisas ficam mais turvas, porém, à medida que nos afastamos das extremidades. Quando consideramos coletividades localizadas na região intermediária do espectro conceitual, encontramos tipos híbridos que combinam características da classe explorada com características da sexualidade desprezada. Essas coletividades são “bivalentes”. São diferenciadas como coletividades tanto em virtude da estrutura econômico-política quanto da estrutura cultural-valorativa da sociedade. Oprimidas ou subordinadas, portanto, sofrem injustiças que remontam simultaneamente à economia política e à cultura. Coletividades bivalentes, em suma, podem sofrer da má distribuição socioeconômica e da desconsideração cultural de forma que nenhuma dessas injustiças seja um efeito indireto da outra, mas ambas primárias e co-originais. Nesse caso, nem os remédios de redistribuição nem os de reconhecimento, por si sós, são suficientes. Coletividades bivalentes necessitam dos dois.

Gênero e “raça” são paradigmas de coletividades bivalentes. Embora cada qual tenha peculiaridades não compartilhadas pela outra, ambas abarcam dimensões econômicas e dimensões cultural-valorativas. Gênero e “raça”, portanto, implicam tanto redistribuição quanto reconhecimento.

O gênero, por exemplo, tem dimensões econômico-políticas porque é um princípio estruturante básico da economia política. Por um lado, o gênero estrutura a divisão fundamental entre trabalho “produtivo” remunerado e trabalho “reprodutivo” e doméstico não-remunerado, atribuindo às mulheres a responsabilidade primordial por este último. Por outro lado, o gênero também estrutura a divisão interna ao trabalho remunerado entre as ocupações profissionais e manufatureiras de remuneração mais alta, em que predominam os homens, e ocupações de “colarinho rosa” e de serviços domésticos, de baixa remuneração, em que predominam as mulheres. O resultado é uma estrutura econômico-política que engendra modos de exploração, marginalização e privação especificamente marcados pelo gênero. Esta estrutura constitui o gênero como uma diferenciação econômico-política dotada de certas características da classe. Sob esse aspecto, a injustiça de gênero aparece como uma espécie de injustiça distributiva que clama por compensações redistributivas. De modo muito semelhante à classe, a injustiça de gênero exige a transformação da economia política para que se elimine a estruturação de gênero desta. Para eliminar a exploração, marginalização e privação especificamente marcadas pelo gênero é preciso abolir a divisão do trabalho segundo ele – a divisão de gênero entre trabalho remunerado e não-remunerado e dentro do trabalho remunerado. A lógica do remédio é semelhante à lógica relativa à classe: trata-se de acabar com esse negócio de gênero. Se o gênero não é nada mais do que uma diferenciação econômico-política, a justiça exige, em suma, que ele seja abolido.

Isso, no entanto, é apenas uma parte da história. Na verdade, o gênero não é somente uma diferenciação econômico-política, mas também uma diferenciação de valoração cultural. Como tal, ele também abarca elementos que se assemelham mais à sexualidade do que à classe, e isso permite enquadrá-lo na problemática do reconhecimento. Seguramente, uma característica central da injustiça de gênero é o androcentrismo: a construção autorizada de normas que privilegiam os traços associados à masculinidade. Em sua companhia está o sexismo cultural: a desqualificação generalizada das coisas codificadas como “femininas”, paradigmaticamente – mas não só –, as mulheres. Essa desvalorização se expressa numa variedade de danos sofridos pelas mulheres, incluindo a violência e a exploração sexual, a violência doméstica generalizada; as representações banalizantes, objetificadoras e humilhantes na mídia; o assédio e a desqualificação em todas as esferas da vida cotidiana; a sujeição às normas androcêntricas, que fazem com que as mulheres pareçam inferiores ou desviantes e que contribuem para mantê-las em desvantagem, mesmo na ausência de qualquer intenção de discriminar; a discriminação atitudinal; a exclusão ou marginalização das esferas públicas e centros de decisão; e a negação de direitos legais plenos e proteções igualitárias. Esses danos são injustiças de reconhecimento. São relativamente independentes da economia política e não são meramente “superestruturais”. Por isso, não podem ser remediados apenas pela redistribuição econômico-política, mas precisam de medidas independentes e adicionais de reconhecimento. O androcentrismo e sexismo predominantes exigem a mudança dos valores culturais (assim como de suas expressões legais e práticas) que privilegiam a masculinidade e negam respeito às mulheres. Exigem o descentramento das normas androcêntricas e a revalorização de um gênero desprezado. A lógica do remédio é semelhante à lógica relativa à sexualidade: conceder reconhecimento positivo a um grupo especificamente desvalorizado.

O gênero é, em suma, um modo bivalente de coletividade. Ele contém uma face de economia política, que o insere no âmbito da redistribuição. Mas também uma face cultural-valorativa, que simultaneamente o insere no âmbito do reconhecimento. Naturalmente, as duas faces não são claramente separadas uma da outra. Elas se entrelaçam para se reforçarem entre si dialeticamente porque as normas culturais sexistas e androcêntricas estão institucionalizadas no Estado e na economia e a desvantagem econômica das mulheres restringe a “voz” das mulheres, impedindo a participação igualitária na formação da cultura, nas esferas públicas e na vida cotidiana. O resultado é um círculo vicioso de subordinação cultural e econômica. Para compensar a injustiça de gênero, portanto, é preciso mudar a economia política e a cultura.

Mas o caráter bivalente do gênero é a fonte de um dilema. Uma vez que as mulheres sofrem, no mínimo, de dois tipos de injustiça analiticamente distintos, elas necessariamente precisam, no mínimo, de dois tipos de remédios analiticamente distintos: redistribuição e reconhecimento. Os dois remédios pendem para direções opostas, porém, e não é fácil persegui-las ao mesmo tempo. Enquanto a lógica da redistribuição é acabar com esse negócio de gênero, a lógica do reconhecimento é valorizar a especificidade de gênero. Eis, então, a versão feminista do dilema da redistribuição-reconhecimento: como as feministas podem lutar ao mesmo tempo para abolir a diferenciação de gênero e para valorizar a especificidade de gênero?

Um dilema análogo aparece na luta contra o racismo. A “raça”, como o gênero, é um modo bivalente de coletividade. Por um lado, ela se assemelha à classe, sendo um princípio estrutural da economia política. Neste aspecto, a “raça” estrutura a divisão capitalista do trabalho. Ela estrutura a divisão dentro do trabalho remunerado, entre as ocupações de baixa remuneração, baixo status, enfadonhas, sujas e domésticas, mantidas desproporcionalmente pelas pessoas de cor, e as ocupações de remuneração mais elevada, de maior status, de “colarinho branco”, profissionais, técnicas e gerenciais, mantidas desproporcionalmente pelos “brancos”. A divisão racial contemporânea do trabalho remunerado faz parte do legado histórico do colonialismo e da escravidão, que elaborou categorizações raciais para justificar formas novas e brutais de apropriação e exploração, constituindo efetivamente os “negros” como uma casta econômico-política. Atualmente, além disso, a “raça” também estrutura o acesso ao mercado de trabalho formal, constituindo vastos segmentos da população de cor como subploretariado ou subclasse, degradado e “supérfluo” que não vale a pena ser explorado e é totalmente excluído do sistema produtivo. O resultado é uma estrutura econômico-política que engendra modos de exploração, marginalização e privação especificamente marcados pela “raça”. Essa estrutura constitui a raça como uma diferenciação econômico-política dotada de certas características de classe. Sob esse aspecto, a injustiça racial aparece como uma espécie de injustiça distributiva que clama por compensações redistributivas. De modo muito semelhante à classe, a injustiça racial exige a transformação da economia política para que se elimine a racialização desta. Para eliminar a exploração, marginalização e privação especificamente marcadas pela “raça” é preciso abolir a divisão racial do trabalho – a divisão racial entre trabalho explorável e supérfluuo e a divisão racial dentro do trabalho remunerado. A lógica do remédio é semelhante à lógica relativa à classe: trata-se de fazer com que a “raça” fique fora do negócio. Se a “raça” não é nada mais do que uma diferenciação econômico-política, a justiça exige, em suma, que ela seja abolida.

Entretanto, a raça, como o gênero, não é somente econômico-política. Ela também tem dimensões culturais-valorativas, que a inserem no universo do reconhecimento. Assim, a “raça” também abarca elementos mais parecidos com a sexualidade do que com a classe. Um aspecto central do racismo é o eurocentrismo: a construção autorizada de normas que privilegiam os traços associados com o “ser branco”. Em sua companhia está o racismo cultural: a desqualificação generalizada das coisas codificadas como “negras”, “pardas” e “amarelas”, paradigmaticamente – mas não só – as pessoas de cor. Esta depreciação se expressa numa variedade de danos sofridos pelas pessoas de cor, incluindo representações estereotipadas e humilhantes na mídia, como criminosos, brutais, primitivos, estúpidos etc; violência, assédio e difamação em todas as esferas da vida cotidiana; sujeição às normas eurocêntricas que fazem com que as pessoas de cor pareçam inferiores ou desviantes e que contribuem para mantê-las em desvantagem mesmo na ausência de qualquer intenção de discriminar; a discriminação atitudinal; a exclusão e/ou marginalização das esferas públicas e centros de decisão; e a negação de direitos legais plenos e proteções igualitárias. Como no caso do gênero, esses danos são injustiças de reconhecimento. Por isso, a lógica do remédio também é conceder reconhecimento positivo a um grupo especificamente desvalorizado.

A “raça” também é, portanto, um modo bivalente de coletividade com uma face econômico- política e uma face cultural-valorativa. Suas duas faces se entrelaçam para se reforçarem uma à outra, dialeticamente, ainda mais porque as normas culturais racistas e eurocêntricas estão institucionalizadas no Estado e na economia, e a desvantagem econômica sofrida pelas pessoas de cor restringe sua “voz”. Para compensar a injustiça racial, portanto, é preciso mudar a economia política e a cultura. Mas, como ocorre com o gênero, o caráter bivalente da “raça” é a fonte de um dilema. Uma vez que as pessoas de cor sofrem, no mínimo, de dois tipos de injustiça analiticamente distintos, elas necessariamente precisam, no mínimo, de dois tipos de remédios analiticamente distintos: redistribuição e reconhecimento, que não são facilmente conciliáveis. Enquanto a lógica da redistribuição é acabar com esse negócio de “raça”, a lógica do reconhecimento é valorizar a especificidade do grupo. Eis, então, a versão anti-racista do dilema da redistribuição-reconhecimento: como os anti-racistas podem lutar ao mesmo tempo para abolir a “raça” e para valorizar a especificidade cultural dos grupos racializados subordinados?

Gênero e “raça” são, em suma, modos dilemáticos de coletividade. Diferentemente da classe, que ocupa uma das extremidades do espectro conceitual, e da sexualidade, que ocupa a outra, gênero e “raça” são bivalentes, implicados ao mesmo tempo na política de redistribuição e na política do reconhecimento. Ambos, conseqüentemente, enfrentam o dilema da redistribuição- reconhecimento. As feministas devem buscar remédios que dissolvam a diferenciação de gênero, enquanto buscam também remédios culturais que valorizem a especificidade de uma coletividade desprezada. Os anti-racistas, da mesma maneira, devem buscar remédios econômico- políticos que dissolvam a diferenciação “racial”, enquanto buscam também remédios culturais que valorizem a especificidade de coletividades desprezadas. Como podem fazer as duas coisas ao mesmo tempo?

III. Affirmation or Transformation? Revisiting the Question of Remedy

Até aqui, apresentei o dilema da redistribuição-reconhecimento de uma forma que parece completamente intratável. Assumi que os remédios redistributivos para a injustiça econômico- política sempre diferenciam os grupos sociais. Da mesma maneira, assumi que os remédios de reconhecimento para a injustiça cultural-valorativa sempre realçam a diferenciação do grupo social. Diante dessas posições, é difícil ver como feministas e anti-racistas podem buscar redistribuição e reconhecimento ao mesmo tempo.

Agora, porém, quero complicar essas posições. Nesta seção, vou examinar concepções alternativas de redistribuição, de um lado, e concepções alternativas de reconhecimento, de outro. Meu objetivo é distinguir duas grandes abordagens para corrigir a injustiça que atravessam o divisor da redistribuição-reconhecimento. Vou chamá-las de “afirmação” e “transformação”, respectivamente. Após apresentá-las genericamente, mostrarei como cada uma opera em relação à redistribuição e ao reconhecimento. Por fim, a partir dessa base, vou reformular o dilema da redistribuição-reconhecimento para uma forma mais aberta a uma resolução.

Vou começar por uma breve distinção entre afirmação e transformação. Por remédios afirmativos para a injustiça, entendo os remédios voltados para corrigir efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar a estrutura subjacente que os engendra. Por remédios transformativos, em contraste, entendo os remédios voltados para corrigir efeitos desiguais precisamente por meio da remodelação da estrutura gerativa subjacente. O ponto crucial do contraste é efeitos terminais vs. processos que os produzem – e não mudança gradual vs. mudança apocalíptica.

Pode-se aplicar essa distinção, primeiramente, aos remédios para a injustiça cultural. Remédios afirmativos para tais injustiças são presentemente associados ao que vou chamar “multiculturalismo mainstream”. Essa espécie de multiculturalismo propõe compensar o desrespeito por meio da revalorização das identidades grupais injustamente desvalorizadas, enquanto deixa intactos os conteúdos dessas identidades e as diferenciações grupais subjacentes a elas. Remédios transformativos, em contraste, são presentemente associados à desconstrução. Eles compensariam o desrespeito por meio da transformação da estrutura cultural- valorativa subjacente. Desestabilizando as identidades e diferenciações grupais existentes, esses remédios não somente elevariam a autoestima dos membros de grupos presentemente desrespeitados; eles transformariam o sentido do eu de todos.

Para ilustrar a distinção, vamos considerar, mais uma vez, o caso da sexualidade desprezada. Remédios afirmativos para a homofobia e o heterossexismo são presentemente associados com a política de identidade gay, que visa a revalorizar a identidade gay e lésbica. Remédios transformativos, em contraste, são associados à política queer, que se propõe a desconstruir a dicotomia homo-hétero. A política de identidade gay trata a homossexualidade como uma positividade cultural, com seu próprio conteúdo substantivo, muito semelhante à etnicidade (ou à visão de senso comum desta). Assume-se que essa positividade subsiste em si e de si mesma, necessitando somente de reconhecimento adicional. A política queer, em contraste, trata a homossexualidade como um correlato construído e desvalorizado da heterossexualidade; ambas são reificações da ambigüidade sexual e são co-definidas somente uma em relação à outra. O objetivo transformativo não é consolidar uma identidade gay, mas desconstruir a dicotomia homo-hétero de modo a desestabilizar todas as identidades sexuais fixas. A questão não é dissolver toda a diferença sexual numa identidade humana única e universal; mas sim manter um campo sexual de diferenças múltiplas, não-binárias, fluidas, sempre em movimento.

As duas abordagens são de considerável interesse como remédios para a ausência de reconhecimento. Mas há uma diferença considerável entre elas. Enquanto a política de identidade gay tende a realçar a diferenciação de grupo sexual existente, a política queer tende a desestabilizá-la – no mínimo, ostensivamente e no longo prazo. A observação vale para os remédios de reconhecimento, de modo geral. Enquanto os remédios de reconhecimento afirmativos tendem a promover as diferenciações de grupo existentes, os remédios de reconhecimento transformativos tendem, no longo prazo, a desestabilizá-las, a fim de abrir espaço para futuros reagrupamentos. I shall return to this point shortly.

Distinções análogas valem para os remédios para a injustiça econômica. Os remédios afirmativos para essas injustiças estão associados historicamente ao Estado de bem-estar liberal. Eles buscam compensar a má distribuição terminal, enquanto deixam intacta a maior parte da estrutura econômico-política subjacente. Assim, eles aumentariam a parte de consumo dos grupos economicamente desprivilegiados, reestruturar o sistema de produção. Remédios transformativos, em contraste, são associados historicamente ao socialismo. Eles compensariam a distribuição injusta transformando a estrutura econômico-política existente. Reestruturando as relações de produção, esses remédios não somente alterariam a distribuição terminal das partes de consumo; mudariam também a divisão social do trabalho e, assim, as condições de existência de todos.

Para ilustrar a distinção, vamos considerar, mais uma vez, o caso da classe explorada. Remédios de redistribuição afirmativos para as injustiças de classe freqüentemente incluem transferências de renda de dois tipos distintos: programas de seguro social dividem parte dos custos de reprodução social dos empregados formais, os chamados setores primários da classe trabalhadora; programas de assistência pública oferecem auxílios “focalizados” ao “exército de reserva” de desempregados e subempregados. Longe de abolirem a divisão de classes per se, esses remédios afirmativos sustentam-na e moldam-na. Seu efeito geral é desviar a atenção da divisão de classes entre trabalhadores e capitalistas para a divisão entre as frações empregadas e desempregadas da classe trabalhadora. Programas de assistência pública “focalizam” os pobres não só por auxílio, mas por hostilidade. Tais remédios, com certeza, oferecem a ajuda material necessitada. Mas também criam diferenciações de grupo fortemente antagônicas.

A lógica aqui se aplica à redistribuição afirmativa em geral. Embora essa abordagem vise a compensar a injustiça econômica, ela deixa intactas as estruturas profundas que engendram a desvantagem de classe. Assim, é obrigada a fazer realocações superficiais constantemente. O resultado é marcar a classe mais desprivilegiada como inerentemente deficiente e insaciável, sempre necessitando mais e mais. Com o tempo essa classe pode mesmo aparecer como privilegiada, recebedora de tratamento especial e generosidade imerecida. Assim, uma abordagem voltada para compensar injustiças de distribuição pode acabar criando injustiças de reconhecimento.

Em certo sentido, esta abordagem é internamente contraditória. A redistribuição afirmativa, em geral, pressupõe uma concepção universalista de reconhecimento, a igualdade de valor moral das pessoas. Vamos chamar isso seu “compromisso formal de reconhecimento”. Entretanto, a prática da redistribuição afirmativa, reiterada ao longo do tempo, tende a pôr em movimento uma dinâmica secundária de reconhecimento estigmatizante, que contradiz seu compromisso formal com o universalismo. Essa dinâmica secundária, estigmatizante, pode ser entendida como o “efeito de reconhecimento prático” da redistribuição afirmativa. [35] It conflicts with its official recognition commitment.[36]

Vamos, agora, contrastar essa lógica com os remédios transformativos para as injustiças distributivas de classe. Remédios transformativos comumente combinam programas universalistas de bem-estar social, impostos elevados, políticas macroeconômicas voltadas para criar pleno emprego, um vasto setor público não-mercantil, propriedades públicas e/ou coletivas significativas, e decisões democráticas quanto às prioridades socioeconômicas básicas. Eles procuram garantir a todos o acesso ao emprego, enquanto tendem também a desvincular a parte básica de consumo e o emprego. Logo, sua tendência é dissolver a diferenciação de classe. Remédios transformativos reduzem a desigualdade social, porém sem criar classes estigmatizadas de pessoas vulneráveis vistas como beneficiárias de uma generosidade especial. Eles tendem, portanto, a promover reciprocidade e solidariedade nas relações de reconhecimento. Assim, uma abordagem voltada a compensar injustiças de distribuição pode ajudar também a compensar (algumas) injustiças de reconhecimento.

Essa abordagem é internamente consistente. Como a redistribuição afirmativa, a redistribuição transformativa em geral pressupõe uma concepção universalista de reconhecimento, a igualdade de valor moral das pessoas. Diferente da redistribuição afirmativa, contudo, sua prática tende a não dissolver essa concepção. Assim, as duas abordagens engendram diferentes lógicas de diferenciação de grupo. Enquanto os remédios afirmativos podem ter o efeito perverso de promover a diferenciação de classe, os remédios transformativos tendem a embaça-la. Além disso, as duas abordagens engendram diferentes dinâmicas subliminares de reconhecimento. A redistribuição afirmativa pode estigmatizar os desprivilegiados, acrescentando o insulto do menosprezo à injúria da privação. A redistribuição transformativa, em contraste, pode promover a solidariedade, ajudando a compensar algumas formas de não-reconhecimento.

O que devemos concluir, pois, desta discussão? Nesta seção, consideramos somente os casos típico-ideais “puros” nas duas extremidades do espectro conceitual. Contrastamos os efeitos divergentes dos remédios afirmativos e transformativos para as injustiças distributivas de classe, enraizadas economicamente, de um lado, e para as injustiças de reconhecimento da sexualidade, enraizadas culturalmente, de outro. Vimos que remédios afirmativos tendem, em geral, a promover a diferenciação de grupo, enquanto remédios transformativos tendem a desestabilizá-la ou embaçá-la. Vimos também que os remédios de redistribuição afirmativos podem engendrar um protesto de menosprezo, enquanto os remédios de redistribuição transformativos podem ajudar a compensar algumas formas de não-reconhecimento.

Tudo isso sugere um meio de reformular o dilema da redistribuição-reconhecimento. A pergunta que pode ficar é: no que diz respeito aos grupos submetidos aos dois tipos de injustiças, qual será combinação de remédios que funciona melhor para minimizar, senão para eliminar de vez, as interferências mútuas que surgem quando se busca redistribuição e reconhecimento ao mesmo tempo?

IV. Finessing the Dilemma: Revisiting Gender and "Race"

Imagine a four-celled matrix. The horizontal axis comprises the two general kinds of remedy we have just examined, namely, affirmation and transformation. The vertical axis comprises the two aspects of justice we have been considering, namely, redistribution and recognition. On this matrix we can locate the four political orientations just discussed. In the first cell, where redistribution and affirmation intersect, is the project of the liberal welfare state; centered on surface reallocations of distributive shares among existing groups, it tends to support group differentiation; it can also generate backlash misrecognition. In the second cell, where redistribution and transformation intersect, is the project of socialism; aimed at deep restructuring of the relations of production, it tends to blur group differentiation; it can also help redress some forms of misrecognition. In the third cell, where recognition and affirmation intersect, is the project of mainstream multiculturalism; focused on surface reallocations of respect among existing groups, it tends to support group differentiation. In the fourth cell, where recognition and transformation intersect, is the project of deconstruction; aimed at deep restructuring of the relations of recognition, it tends to destabilize group differentiations.


This matrix casts mainstream multiculturalism as the cultural analogue of the liberal welfare state, while casting deconstruction as the cultural analogue of socialism. It thereby it allows us to make some preliminary assessments of the mutual compatibility of various remedial strategies. We can gauge the extent to which pairs of remedies would work at cross-purposes with one another if they were pursued simultaneously. We can identify pairs that seem to land us squarely on the horns of the redistribution-recognition dilemma. We can also identify pairs that hold out the promise of enabling us to finesse it.

Prima facie at least, two pairs of remedies seem especially unpromising. The affirmative redistribution politics of the liberal welfare state seems at odds with the transformative recognition politics of deconstruction; whereas the first tends to promote group differentiation, the second tends rather to destabilize it. Similarly, the transformative redistribution politics of socialism seems at odds with the affirmative recognition politics of mainstream multiculturalism; whereas the first tends to undermine group differentiation, the second tends rather to promote it.

Conversely, two pairs of remedies seem comparatively promising. The affirmative redistribution politics of the liberal welfare state seems compatible with the affirmative recognition politics of mainstream multiculturalism; both tend to promote group differentiation. Similarly, the transformative redistribution politics of socialism seems compatible with the transformative recognition politics of deconstruction; both tend to undermine existing group differentiations.

To test these hypotheses, let us revisit gender and ‘race’. Recall that these are bivalent differentiations, axes of both economic and cultural injustice. Thus people subordinated by gender and/or ‘race’ need both redistribution and recognition. They are the paradigmatic subjects of the redistribution–recognition dilemma. What happens in their cases, then, when various pairs of injustice remedies are pursued simultaneously? Are there pairs of remedies that permit feminists and anti-racists to finesse, if not wholly to dispel, the redistribution–recognition dilemma?

Consider, first, the case of gender.footnote39 Recall that redressing gender injustice requires changing both political economy and culture, so as to undo the vicious circle of economic and cultural subordination. As we saw, the changes in question can take either of two forms, affirmation or transformation.footnote40 Let us consider, first, the prima facie promising case in which affirmative redistribution is combined with affirmative recognition. As the name suggests, affirmative redistribution to redress gender injustice in the economy includes affirmative action, the effort to assure women their fair share of existing jobs and educational places, while leaving unchanged the nature and number of those jobs and places. Affirmative recognition to redress gender injustice in the culture includes cultural feminism, the effort to assure women respect by revaluing femininity, while leaving unchanged the binary gender code that gives the latter its sense. Thus, the scenario in question combines the socioeconomic politics of liberal feminism with the cultural politics of cultural feminism. Does this combination really finesse the redistribution– recognition dilemma?

Despite its initial appearance of promise, this scenario is problematic. Affirmative redistribution fails to engage the deep level at which the political economy is gendered. Aimed primarily at combating attitudinal discrimination, it does not attack the gendered division of paid and unpaid labour, nor the gendered division of masculine and feminine occupations within paid labour. Leaving intact the deep structures that generate gender disadvantage, it must make surface reallocations again and again. The result is not only to underline gender differentiation. It is also to mark women as deficient and insatiable, as always needing more and more. In time women can even come to appear privileged, recipients of special treatment and undeserved largesse. Thus an approach aimed at redressing injustices of distribution can end up fuelling backlash injustices of recognition.

This problem is exacerbated when we add the affirmative recognition strategy of cultural feminism. That approach insistently calls attention to, if it does not performatively create, women’s putative cultural specificity or difference. In some contexts, such an approach can make progress toward decentring androcentric norms. In this context, however, it is more likely to have the effect of pouring oil onto the flames of resentment against affirmative action. Read through that lens, the cultural politics of affirming women’s difference appears as an affront to the liberal welfare state’s official commitment to the equal moral worth of persons.

The other route with a prima facie promise is that which combines transformative redistribution with transformative recognition. Transformative redistribution to redress gender injustice in the economy consists in some form of socialist feminism or feminist social democracy. And transformative recognition to redress gender injustice in the culture consists in feminist deconstruction aimed at dismantling androcentrism by destabilizing gender dichotomies. Thus the scenario in question combines the socioeconomic politics of socialist feminism with the cultural politics of deconstructive feminism. Does this combination really finesse the redistribution–recognition dilemma?

This scenario is far less problematic. The long-term goal of deconstructive feminism is a culture in which hierarchical gender dichotomies are replaced by networks of multiple intersecting differences that are demassified and shifting. This goal is consistent with transformative socialist-feminist redistribution. Deconstruction opposes the sort of sedimentation or congealing of gender difference that occurs in an unjustly gendered political economy. Its utopian image of a culture in which ever new constructions of identity and difference are freely elaborated and then swiftly deconstructed is only possible, after all, on the basis of rough social equality.

As a transitional strategy, moreover, this combination avoids fanning the flames of resentment.footnote41 If it has a drawback, it is rather that both deconstructive-feminist cultural politics and socialist-feminist economic politics are far removed from the immediate interests and identities of most women, as these are currently culturally constructed.

Analogous results arise for ‘race’, where the changes can again take either of two forms, affirmation or transformation.footnote42 In the first prima facie promising case, affirmative action is paired with affirmative recognition. Affirmative redistribution to redress racial injustice in the economy includes affirmative action, the effort to assure people of colour their fair share of existing jobs and educational places, while leaving unchanged the nature and number of those jobs and places. And affirmative recognition to redress racial injustice in the culture includes cultural nationalism, the effort to assure people of colour respect by revaluing ‘blackness’, while leaving unchanged the binary black–white code that gives the latter its sense. The scenario in question thus combines the socioeconomic politics of liberal anti-racism with the cultural politics of black nationalism or black power. Does this combination really finesse the redistribution–recognition dilemma?

Such a scenario is again problematic. As in the case of gender, here affirmative redistribution fails to engage the deep level at which the political economy is racialized. It does not attack the racialized division of exploitable and surplus labour, nor the racialized division of menial and non-menial occupations within paid labour. Leaving intact the deep structures that generate racial disadvantage, it must make surface reallocations again and again. The result is not only to underline racial differentiation. It is also to mark people of colour as deficient and insatiable, as always needing more and more. Thus they too can be cast as privileged recipients of special treatment. The problem is exacerbated when we add the affirmative recognition strategy of cultural nationalism. In some contexts, such an approach can make progress toward decentring Eurocentric norms, but in this context the cultural politics of affirming black difference equally appears as an affront to the liberal welfare state. Fuelling the resentment against affirmative action, it can elicit intense backlash misrecognition.

In the alternative route, transformative redistribution is combined with transformative recognition. Transformative redistribution to redress racial injustice in the economy consists in some form of anti-racist democratic socialism or anti-racist social democracy. And transformative recognition to redress racial injustice in the culture consists in anti-racist deconstruction aimed at dismantling Eurocentrism by destabilizing racial dichotomies. Thus, the scenario in question combines the socioeconomic politics of socialist anti-racism with the cultural politics of deconstructive anti-racism or critical ‘race’ theory. As with the analogous approach to gender, this scenario is far less problematic. The long-term goal of deconstructive anti-racism is a culture in which hierarchical racial dichotomies are replaced by demassified and shifting networks of multiple intersecting differences. This goal, once again, is consistent with transformative socialist redistribution. Even as a transitional strategy, this combination avoids fanning the flames of resentment.footnote43 Its principal drawback, again, is that both deconstructive–anti-racist cultural politics and socialist–anti-racist economic politics are far removed from the immediate interests and identities of most people of colour, as these are currently culturally constructed.[44]

What, then, should we conclude from this discussion? For both gender and ‘race’, the scenario that best finesses the redistribution–recognition dilemma is socialism in the economy plus deconstruction in the culture.footnote45 But for this scenario to be psychologically and politically feasible requires that people be weaned from their attachment to current cultural constructions of their interests and identities.[46]

V. Conclusion

The redistribution–recognition dilemma is real. There is no neat theoretical move by which it can be wholly dissolved or resolved. The best we can do is try to soften the dilemma by finding approaches that minimize conflicts between redistribution and recognition in cases where both must be pursued simultaneously.

I have argued here that socialist economics combined with deconstructive cultural politics works best to finesse the dilemma for the bivalent collectivities of gender and ‘race’—at least when they are considered separately. The next step would be to show that this combination also works for our larger sociocultural configuration. After all, gender and ‘race’ are not neatly cordoned off from one another. Nor are they neatly cordoned off from sexuality and class. Rather, all these axes of injustice intersect one another in ways that affect everyone’s interests and identities. No one is a member of only one such collectivity. And people who are subordinated along one axis of social division may well be dominant along another.[47]

The task then is to figure out how to finesse the redistribution– recognition dilemma when we situate the problem in this larger field of multiple, intersecting struggles against multiple, intersecting injustices. Although I cannot make the full argument task here, I will venture three reasons for expecting that the combination of socialism and deconstruction will again prove superior to the other alternatives.

First, the arguments pursued here for gender and ‘race’ hold for all bivalent collectivities. Thus, insofar as real-world collectivities mobilized under the banners of sexuality and class turn out to be more bivalent than the ideal-typical constructs posited above, they too should prefer socialism plus deconstruction. And that doubly transformative approach should become the orientation of choice for a broad range of disadvantaged groups.

Second, the redistribution–recognition dilemma does not only arise endogenously, as it were, within a single bivalent collectivity. It also arises exogenously, so to speak, across intersecting collectivities. Thus, anyone who is both gay and working-class will face a version of the dilemma, regardless of whether or not we interpret sexuality and class as bivalent. And anyone who is also female and black will encounter it in a multilayered and acute form. In general, then, as soon as we acknowledge that axes of injustice cut across one another, we must acknowledge cross-cutting forms of the redistribution–recognition dilemma. And these forms are, if anything, even more resistant to resolution by combinations of affirmative remedies than the forms we considered above. For affirmative remedies work additively and are often at cross purposes with one another. Thus, the intersection of class, ‘race’, gender, and sexuality intensifies the need for transformative solutions, making the combination of socialism and deconstruction more attractive still.

Third, that combination best promotes the task of coalition building. This task is especially pressing today, given the multiplication of social antagonisms, the fissuring of social movements, and the growing appeal of the Right in the United States. In this context, the project of transforming the deep structures of both political economy and culture appears to be the one over-arching programmatic orientation capable of doing justice to all current struggles against injustice. It alone does not assume a zero-sum game.

If that is right, then, we can begin to see how badly off track is the current us political scene. We are currently stuck in the vicious circles of mutually reinforcing cultural and economic subordination. Our best efforts to redress these injustices via the combination of the liberal welfare state plus mainstream multiculturalism are generating perverse effects. Only by looking to alternative conceptions of redistribution and recognition can we meet the requirements of justice for all.

*This article is a slightly revised version of a lecture presented at the University of Michigan in March 1995 at the Philosophy Department’s symposium on ‘Political Liberalism’. A longer version will appear in my forthcoming book, Justice Interruptus: Rethinking Key Concepts of a ‘Postsocialist’ Age. For generous research support, I thank the Bohen Foundation, the Institut für die Wissenschaften vom Menschen in Vienna, the Humanities Research Institute of the University of California at Irvine, the Center for Urban Affairs and Policy Research at Northwestern University, and the Dean of the Graduate Faculty of the New School for Social Research. For helpful comments, I thank Robin Blackburn, Judith Butler, Angela Harris, Randall Kennedy, Ted Koditschek, Jane Mans-bridge, Mika Manty, Linda Nicholson, Eli Zaretsky, and the members of the ‘Feminism and the Discourses of Power’ work group at the Humanities Research Institute of the University of California, Irvine.

[1] This omission is dictated by reasons of space. I believe that the framework elaborated below can fruitfully address both ethnicity and nationality. Insofar as groups mobilized on these lines do not define themselves as sharing a situation of socioeconomic disadvantage and do not make redistributive claims, they can be understood as struggling primarily for recognition. National struggles are peculiar, however, in that the form of recognition they seek is political autonomy, whether in the form of a sovereign state of their own (e.g. the Palestinians) or in the form of more limited provincial sovereignty within a multinational state (e.g. the majority of Québecois). Struggles for ethnic recognition, in contrast, often seek rights of cultural expression within polyethnic nation-states. These distinctions are insightfully discussed in Will Kymlicka, ‘Three Forms of Group-Differentiated Citizenship in Canada’ (paper presented at the conference on ‘Democracy and Difference’, Yale University, 1993).

2My principal concern in this essay is the relation between the recognition of cultural difference and social equality. I am not directly concerned, therefore, with the relation between recognition of cultural difference and liberalism. However, I assume that no identity politics is acceptable that fails to respect fundamental human rights of the sort usually championed by left-wing liberals.

3Karl Marx, Capital, Volume 1; John Rawls, A Theory of Justice, Cambridge, Mass. 1971 and subsequent papers; Amartya Sen, Commodities and Capabilities, North-Holland, 1985; and Ronald Dworkin, ‘What is Equality? Part 2: Equality of Resources’, Philosophy and Public Affairs, vol. 10, no. 4 (fall 1981). Although I here classify all these writers as theorists of distributive economic justice, it is also true that most of them have some resources for dealing with issues of cultural justice as well. Rawls, for example, treats ‘the social bases of self-respect’ as a primary good to be fairly distributed, while Sen treats a ‘sense of self’ as relevant to the capability to function. (I am indebted to Mika Manty for this point.) Nevertheless, as Iris Marion Young has suggested, the primary thrust of their thought leads in the direction of distributive economic justice. (See her Justice and the Politics of Difference, Princeton 1990.)

4Charles Taylor, Multiculturalism and ‘The Politics of Recognition’, Princeton 1992, p. 25.

5Axel Honneth, ‘Integrity and Disrespect: Principles of a Conception of Morality Based on the Theory of Recognition’, Political Theory, vol. 20, no. 2 (May 1992), pp. 188–9. See also his Kampf um Anerkennung, Frankfurt 1992; English translation forthcoming from The MIT Press under the title Struggle for Recognition. It is no accident that both of the major contemporary theorists of recognition, Honneth and Taylor, are Hegelians.

6See, for example, Patricia J. Williams, The Alchemy of Race and Rights, Cambridge, Mass. 1991; and Young, Justice and the Politics of Difference.

7Responding to an earlier draft of this paper, Mika Manty posed the question of whether/how a schema focused on classifying justice issues as either cultural or political-economic could accommodate ‘primary political concerns’ such as citizenship and political participation (‘Comments on Fraser’, unpublished typescript presented at the Michigan symposium on ‘Political Liberalism’). My inclination is to follow Jürgen Habermas in viewing such issues bifocally. From one perspective, political institutions (in state-regulated capitalist societies) belong with the economy as part of the ‘system’ that produces distributive socioeconomic injustices; in Rawlsian terms, they are part of ‘the basic structure’ of society. From another perspective, however, such institutions belong with ‘the lifeworld’ as part of the cultural structure that produces injustices of recognition; for example, the array of citizenship entitlements and participation rights conveys powerful implicit and explicit messages about the relative moral worth of various persons. ‘Primary political concerns’ could thus be treated as matters either of economic justice or cultural justice, depending on the context and perspective in play.

8For the interimbrication of culture and political economy, see my ‘What’s Critical About Critical Theory? The Case of Habermas and Gender’ in Nancy Fraser, Unruly Practices: Power, Discourse and Gender in Contemporary Social Theory, Oxford 1989; ‘Rethinking the Public Sphere’ in Fraser, Justice Interruptus; and Fraser, ‘Pragmatism, Feminism, and the Linguistic Turn’, in Benhabib, Butler, Cornell and Fraser, Feminist Contentions: A Philosophical Exchange, New York 1995. See also Pierre Bourdieu, Outline of a Theory of Practice, Cambridge 1977. For critiques of the cultural meanings implicit in the current us political economy of work and social welfare, see the last two chapters of Unruly Practices and the essays in Part 3 of justice Interruptus.

9In fact, these remedies stand in some tension with one another, a problem I shall explore in a subsequent section of this paper.

10These various cultural remedies stand in some tension with one another. It is one thing to accord recognition to existing identities that are currently undervalued; it is another to transform symbolic structures and thereby alter people’s identities. I shall explore the tensions among the various remedies in a subsequent section of the paper.

11For a good example of this approach, see Ronald Dworkin, ‘Liberalism’, in his A Matter of Principle, Cambridge, Mass. 1985.

12For a good example of this approach, see Will Kymlicka, Liberalism, Community and Culture, Oxford 1989. The case of Kymlicka suggests that the distinction between socioeconomic justice and cultural justice need not always map onto the distinction between distributive justice and relational or communicative justice.

13Axel Honneth’s Kampf um Anerkennung represents the most thorough and sophisticated attempt at such a reduction. Honneth argues that recognition is the fundamental concept of justice and can encompass distribution.

14Absent such a distinction, we foreclose the possibility of examining conflicts between them. We miss the chance to spot mutual interferences that could arise when redistribution claims and recognition claims are pursued simultaneously.

15In what follows, I conceive class in a highly stylized, orthodox, and theoretical way in order to sharpen the contrast to the other ideal-typical kinds of collectivity discussed below. Of course, this is hardly the only interpretation of the Marxian conception of class. In other contexts and for other purposes, I myself would prefer a less economistic interpretation, one that gives more weight to the cultural, historical and discursive dimensions of class emphasized by such writers as E. P. Thompson and Joan Wallach Scott. See Thompson, The Making of the English Working Class, London 1963; and Scott, Gender and the Politics of History, New York 1988.

16It is doubtful that any collectivities mobilized in the real world today correspond to the notion of class presented below. Certainly, the history of social movements mobilized under the banner of class is more complex than this conception would suggest. Those movements have elaborated class not only as a structural category of political economy but also as a cultural-valuational category of identity—often in forms problematic for women and blacks. Thus, most varieties of socialism have asserted the dignity of labour and the worth of working people, mingling demands for redistribution with demands for recognition. Sometimes, moreover, having failed to abolish capitalism, class movements have adopted reformist strategies of seeking recognition of their ‘difference’ within the system in order to augment their power and support demands for what I below call ‘affirmative redistribution’. In general, then, historical class-based movements may be closer to what I below call ‘bivalent modes of collectivity’ than to the interpretation of class sketched here.

17This assumption does not require us to reject the view that distributive deficits are often (perhaps even always) accompanied by recognition deficits. But it does entail that the recognition deficits of class, in the sense elaborated here, derive from the political economy. Later, I shall consider other sorts of cases in which collectivities suffer from recognition deficits whose roots are not directly political-economic in this way.

18In what follows, I conceive sexuality in a highly stylized theoretical way in order to sharpen the contrast to the other ideal-typical kinds of collectivity discussed here. I treat sexual differentiation as rooted wholly in the cultural structure, as opposed to in the political economy. Of course, this is not the only interpretation of sexuality. Judith Butler (personal communication) has suggested that one might hold that sexuality is inextricable from gender, which, as I argue below, is as much a matter of the division of labour as of the cultural-valuational structure. In that case, sexuality itself might be viewed as a ‘bivalent’ collectivity, rooted simultaneously in culture and political economy. Then the economic harms encountered by homosexuals might appear economically rooted rather than culturally rooted, as they are in the account I offer here. While this bivalent analysis is certainly possible, to my mind it has serious drawbacks. Yoking gender and sexuality together too tightly, it covers over the important distinction between a group that occupies a distinct position in the division of labour (and that owes its existence in large part to this fact), on the one hand, and one that occupies no such distinct position, on the other hand. I discuss this distinction below.

19An example of an economic injustice rooted directly in the economic structure would be a division of labour that relegates homosexuals to a designated disadvantaged position and exploits them as homosexuals. To deny that this is the situation of homosexuals today is not to deny that they face economic injustices. But it is to trace these to another root. In general, I assume that recognition deficits are often (perhaps even always) accompanied by distribution deficits. But I nevertheless hold that the distribution deficits of sexuality, in the sense elaborated here, derive ultimately from the cultural structure. Later, I shall consider other sorts of cases in which collectivities suffer from recognition deficits whose roots are not (only) directly cultural in this sense. I can perhaps further clarify the point by invoking Oliver Cromwell Cox’s contrast between anti-Semitism and white supremacy. Cox suggested that for the anti-Semite, the very existence of the Jew is an abomination; hence the aim is not to exploit the Jew but to eliminate him/her as such, whether by expulsion, forced conversion, or extermination. For the white supremacist, in contrast, the ‘Negro’ is just fine—in his/her place: as an exploitable supply of cheap, menial labour power; here the preferred aim is exploitation, not elimination. (See Cox’s unjustly neglected masterwork, Caste, Class, and Race, New York 1970.) Contemporary homophobia appears in this respect to be more like anti-Semitism than white supremacy: it seeks to eliminate, not exploit, homosexuals. Thus, the economic disadvantages of homosexuality are derived effects of the more fundamental denial of cultural recognition. This makes it the mirror image of class, as just discussed, where the ‘hidden (and not so hidden) injuries’ of misrecognition are derived effects of the more fundamental injustice of exploitation. White supremacy, in contrast, as I shall suggest shortly, is ‘bivalent’, rooted simultaneously in political economy and culture, inflicting co-original and equally fundamental injustices of distribution and recognition. (On this last point, incidentally, I differ from Cox, who treats white supremacy as effectively reducible to class.)

20Gender disparagement can take many forms, of course, including conservative stereotypes that appear to celebrate, rather than demean, ‘femininity’.

21This helps explain why the history of women’s movements records a pattern of oscillation between integrationist equal-rights feminisms and ‘difference’-oriented ‘social’ and ‘cultural’ feminisms. It would be useful to specify the precise temporal logic that leads bivalent collectivities to shift their principal focus back and forth between redistribution and recognition. For a first attempt, see my ‘Rethinking Difference’ in Justice Interruptus.

22In addition, ‘race’ is implicitly implicated in the gender division between paid and unpaid labour. That division relies on a normative contrast between a domestic sphere and a sphere of paid work, associated with women and men respectively. Yet the division in the United States (and elsewhere) has always also been racialized in that domesticity has been implicitly a ‘white’ prerogative. African-Americans especially were never permitted the privilege of domesticity either as a (male) private ‘haven’ or a (female) primary or exclusive focus on nurturing one’s own kin. See Jacqueline Jones, Labor of Love, Labor of Sorrow: Black Women, Work, and the Family from Slavery to the Present, New York 1985; and Evelyn Nakano Glenn, ‘From Servitude to Service Work: Historical Continuities in the Racial Division of Reproductive Labor’: Signs: Journal of Women in Culture and Society, vol. 18, no. 1 (autumn 1992).

23In a previous draft of this paper I used the term ‘denigration’. The ironic consequence was that I unintentionally perpetrated the exact sort of harm I aimed to criticize—in the very act of describing it. ‘Denigration,’ from the Latin nigrare (to blacken), figures disparagement as blackening, a racist valuation. I am grateful to the Saint Louis University student who called my attention to this point.

24Racial disparagement can take many forms, of course, ranging from the stereotypical depiction of African-Americans as intellectually inferior, but musically and athletically gifted, to the stereotypical depiction of Asian-Americans as a ‘model minority’.

25This helps explain why the history of black liberation struggle in the United States records a pattern of oscillation between integration and separatism (or black nationalism). As with gender, it would be useful to specify the dynamics of these alternations.

26Not all versions of multiculturalism fit the model I describe here. The latter is an ideal-typical reconstruction of what I take to be the majority understanding of multiculturalism. It is also mainstream in the sense of being the version that is usually debated in mainstream public spheres. Other versions are discussed in Linda Nicholson, ‘To Be or Not To Be: Charles Taylor on The Politics of Recognition’, Constellations (forthcoming) and in Michael Warner, et al, ‘Critical Multiculturalism’, Critical Inquiry, vol. 18, no. 3 (spring 1992).

27Recall that sexuality is here assumed to be a collectivity rooted wholly in the cultural-valuational structure of society; thus, the issues here are unclouded by issues of political-economic structure, and the need is for recognition, not redistribution.

28An alternative affirmative approach is gay-rights humanism, which would privatize existing sexualities. For reasons of space, I shall not discuss it here.

29For a critical discussion of the tendency in gay-identity politics to tacitly cast sexuality in the mold of ethnicity, see Steven Epstein, ‘Gay Politics, Ethnic Identity: The Limits of Social Constructionism’, Socialist Review no. 93/94 (May-August 1987).

30The technical term for this in Jacques Derrida’s deconstructive philosophy is ‘supplement’.

31Despite its professed long-term deconstructive goal, queer theory’s practical effects may be more ambiguous. Like gay-identity politics, it too seems likely to promote group solidarity in the here and now, even as it sets its sights on the promised land of deconstruction. Perhaps, then, we should distinguish what I below call its ‘official recognition commitment’ of group de-differentiation from its ‘practical recognition effect’ of (transitional) group solidarity and even group solidification. The queer-theory recognition strategy thus contains an internal tension: in order eventually to destabilize the homo–hetero dichotomy, it must first mobilize ‘queers’. Whether this tension becomes fruitful or debilitating depends on factors too complex to discuss here. In either case, however, the recognition politics of queer theory remains distinct from that of gay identity. Whereas gay-identity politics simply and straightforwardly underlines group differentiation, queer theory does so only indirectly, in the undertow of its principal de-differentiating thrust. Accordingly, the two approaches construct qualitatively different kinds of groups. Whereas gay-identity politics mobilizes self-identified homosexuals qua homosexuals to vindicate a putatively determinate sexuality, queer theory mobilizes ‘queers’ to demand liberation from determinate sexual identity. ‘Queers’, of course, are not an identity group in the same sense as gays; they are better understood as an anti-identity group, one that can encompass the entire spectrum of sexual behaviours, from gay to straight to bi. (For a hilarious—and insightful—account of the difference, as well as for a sophisticated rendition of queer politics, see Lisa Duggan, ‘Queering the State’, Social Text, no. 39, Summer 1994.) Complications aside, then, we can and should distinguish the (directly) differentiating effects of affirmative gay recognition from the (more) de-differentiating (albeit complex) effects of transformative queer recognition.

32By ‘liberal welfare state’, I mean the sort of regime established in the us in the aftermath of the New Deal. It has been usefully distinguished from the social-democratic welfare state and the conservative-corporatist welfare state by Gøsta Esping-Andersen in The Three Worlds of Welfare Capitalism, Princeton 1990.

33Today, of course, many specific features of socialism of the ‘really existing’ variety appear problematic. Virtually no one continues to defend a pure ‘command’ economy in which there is little place for markets. Nor is there agreement concerning the place and extent of public ownership in a democratic socialist society. For my purposes here, however, it is not necessary to assign a precise content to the socialist idea. It is sufficient, rather, to invoke the general conception of redressing distributive injustice by deep political-economic restructuring, as opposed to surface reallocations. In this light, incidentally, social democracy appears as a hybrid case that combines affirmative and transformative remedies; it can also be seen as a ‘middle position’, which involves a moderate extent of economic restructuring, more than in the liberal welfare state but less than in socialism.

34Recall that class, in the sense defined above, is a collectivity wholly rooted in the political-economic structure of society; the issues here are thus unclouded by issues of cultural-valuational structure; and the remedies required are those of redistribution, not recognition.

35In some contexts, such as the United States today, the practical recognition-effect of affirmative redistribution can utterly swamp its official recognition commitment.

36My terminology here is inspired by Pierre Bourdieu’s distinction, in Outline of a Theory of Practice, between ‘official kinship’ and ‘practical kinship’.

37I have deliberately sketched a picture that is ambiguous between socialism and robust social democracy. The classic account of the latter remains T. H. Marshall’s ‘Citizenship and Social Class’, in Class, Citizenship, and Social Development: Essays by T. H. Marshall, ed. Martin Lispet, Chicago 1964. There Marshall argues that a universalist social-democratic regime of ‘social citizenship’ undermines class differentiation, even in the absence of full-scale socialism.

38To be more precise: transformative redistribution can help redress those forms of misrecognition that derive from the political-economic structure. Redressing misrecognition rooted in the cultural structure, in contrast, requires additional independent recognition remedies.

39Recall that gender, qua political-economic differentiation, structures the division of labour in ways that give rise to gender-specific forms of exploitation, marginalization, and deprivation. Recall, moreover, that qua cultural-valuational differentiation, gender also structures the relations of recognition in ways that give rise to androcentrism and cultural sexism. Recall, too, that for gender, as for all bivalent group differentiations, economic injustices and cultural injustices are not neatly separated from one another; rather they intertwine to reinforce one another dialectically, as sexist and androcentric cultural norms are institutionalized in the economy, while economic disadvantage impedes equal participation in the making of culture, both in everyday life and in public spheres.
40I shall leave aside the prima facie unpromising cases. Let me simply stipulate that a cultural-feminist recognition politics aimed at revaluing femininity is hard to combine with a socialist-feminist redistributive politics aimed at degendering the political economy. The incompatibility is overt when we treat the recognition of ‘women’s difference’ as a long-term feminist goal. Of course, some feminists conceive the struggle for such recognition not as an end in itself but as a stage in a process they envision as leading eventually to degenderization. Here, perhaps, there is no formal contradiction with socialism. At the same time, however, there remains a practical contradiction, or at least a practical difficulty: can a stress on women’s difference in the here and now really end up dissolving gender difference in the by and by? The converse argument holds for the case of the liberal-feminist welfare state plus deconstructive feminism. Affirmative action for women is usually seen as a transitional remedy aimed at achieving the long-term goal of ‘a sex-blind society’. Here, again, there is perhaps no formal contradiction with deconstruction. But there remains nevertheless a practical contradiction, or at least a practical difficulty: can liberal-feminist affirmative action in the here and now really help lead us to the deconstruction of gender in the by and by?

41Here I am assuming that the internal complexities of transformative recognition remedies, as discussed in note 31 above, do not generate perverse effects. If, however, the practical recognition effect of deconstructive feminist cultural politics is strongly gender-differentiating, despite the latter’s official recognition commitment to gender de-differentiation, perverse effects could indeed arise. In that case, there could be interferences between socialist-feminist redistribution and deconstructive-feminist recognition. But these would probably be less debilitating than those associated with the other scenarios examined here.

42The same can be said about ‘race’ here as about gender in notes 39 and 40.

43See note 31 above on the possible perverse effects of transformative recognition remedies.

44Ted Koditschek (personal communication) has suggested to me that this scenario may have another serious drawback: ‘The deconstructive option may be less available to African-Americans in the current situation. Where the structural exclusion of [many] black people from full economic citizenship pushes “race” more and more into the forefront as a cultural category through which one is attacked, self-respecting people cannot help but aggressively affirm and embrace it as a source of pride.’ Koditschek goes on to suggest that Jews, in contrast, ‘have much more elbow room for negotiating a healthier balance between ethnic affirmation, self-criticism, and cosmopolitan universalism—not because we are better deconstructionists (or more inherently disposed toward socialism) but because we have more space to make these moves’.

45Whether this conclusion holds as well for nationality and ethnicity remains a question. Certainly bivalent collectivities of indigenous peoples do not seek to put themselves out of business as groups.

46This has always been the problem with socialism. Although cognitively compelling, it is experientially remote. The addition of deconstruction seems to exacerbate the problem. It could turn out to be too negative and reactive, i.e. too deconstructive, to inspire struggles on behalf of subordinated collectivities attached to their existing identities.

47Much recent work has been devoted to the ‘intersection’ of the various axes of subordination that I have treated separately in this essay for heuristic purposes. A lot of this work concerns the dimension of recognition; it aims to demonstrate that various collective identifications and identity categories have been mutually co-constituted or co-constructed. Joan Scott, for example, has argued (in Gender and the Politics of History) that French working-class identities have been discursively constructed through gender-coded symbolization; and David R. Roediger has argued (in The Wages of Whiteness: Race and the Making of the American Working Class, Verso, London 1991) that us working-class identities have been racially coded. Meanwhile, many feminists of colour have argued both that gender identities have been racially coded and that racialized identities have been gender-coded. I myself have argued, with Linda Gordon, that gender, ‘race’, and class ideologies have intersected to construct current us understandings of ‘welfare dependency’ and ‘the underclass’. (See Fraser and Gordon, ‘A Genealogy of “Dependency”: Tracing a Keyword of the U.S. Welfare State’, Signs: Journal of Women in Culture and Society, vol. 19, no. 2, winter 1994.)

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