Por que os Estados Unidos e a China são as únicas grandes potências mundiais
Jennifer Lind
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| Uma bandeira chinesa e uma bandeira americana impressas em papel, janeiro de 2022 Dado Ruvic / Reuters |
A dinâmica da política entre grandes potências molda o mundo e afeta, para o bem ou para o mal, a vida de pessoas em todos os lugares. Guerras entre grandes potências mataram milhões de pessoas; as grandes potências vitoriosas também estabeleceram ordens internacionais cujas normas e regras afetam a paz e a prosperidade globais. As grandes potências também intervêm na política de outros países, de forma secreta e aberta, às vezes violenta. Em outras palavras, as grandes potências importam.
A polaridade — quantas grandes potências existem — também importa. Considere as últimas três décadas de unipolaridade liderada pelos EUA. Livre dos efeitos restritivos de uma grande potência rival, Washington mobilizou suas forças ao redor do mundo e conduziu ações militares em vários países, como Afeganistão, Iraque, Líbia e Sérvia. Os perigos da bipolaridade, no entanto, são diferentes. Superpotências em uma estrutura bipolar competem obsessivamente, criando esferas de influência e zonas de amortecimento ao cultivar protegidos e instalar representantes fantoches. A multipolaridade, por sua vez, caracterizada pela presença de três ou mais grandes potências, é considerada a mais propensa a guerras, pois as alianças são precárias e a fluidez dos alinhamentos dificulta a estimativa do equilíbrio de poder.
Embora o número de grandes potências em um dado momento seja importante, não há consenso sobre como defini-las (e, portanto, contá-las). Também há divergências quanto aos requisitos — o que um país deve fazer ou possuir — para ser considerado uma grande potência. Contudo, o poder relativo entre os países está em constante transformação. Durante a Guerra Fria, o líder soviético Nikita Khrushchev prometeu que seu país "enterraria" os Estados Unidos, e muitos temiam que isso realmente acontecesse. Na década de 1980, os americanos, acompanhando o crescimento econômico do Japão, temiam que os Estados Unidos fossem ultrapassados pelo "sol nascente". Hoje, acadêmicos e formuladores de políticas debatem se a China rivalizará com os Estados Unidos como superpotência ou se já está em declínio. A ascensão da Índia e o ressurgimento da Rússia, por sua vez, levaram muitos a proclamar a chegada da multipolaridade. Opiniões amplamente divergentes sobre o equilíbrio de poder são comuns porque o poder, embora fundamental para a política internacional, permanece um conceito difícil de definir.
Para lidar com esse desafio, desenvolvi uma metodologia para comparar o poder nacional — uma que utiliza métricas comuns (PIB, por exemplo, ou gastos militares) em dados modernos e históricos para determinar um limiar para o status de grande potência. Meu estudo constatou que discutir se a China está alcançando os Estados Unidos é irrelevante. As grandes potências muitas vezes foram muito mais fracas do que o Estado líder — o país mais poderoso no sistema global — mas, mesmo assim, se envolveram em perigosas competições de segurança. Além disso, minha metodologia revelou que a China hoje já é mais poderosa do que a União Soviética durante a Guerra Fria. A China moderna, portanto, não é apenas uma grande potência, mas uma superpotência.
Em resumo, o mundo é bipolar. Muitas potências médias são atores influentes em suas regiões, mas apenas os Estados Unidos e a China ultrapassam o limiar de grande potência. Esse desenvolvimento explica a crescente tensão nas relações sino-americanas e sugere que outros países acharão cada vez mais difícil se manterem fora do fogo cruzado dessa rivalidade. A bipolaridade, por exemplo, ajuda a explicar a recente preocupação dos EUA com a América Latina, onde a China ganhou significativa influência econômica e política. À medida que a dinâmica entre a China e os Estados Unidos se torna cada vez mais competitiva, Washington considerará tais incursões intoleráveis — assim como a China poderá, da mesma forma, recusar-se a aceitar o envolvimento político e militar dos EUA em sua própria área de influência.
GRANDES POTÊNCIAS, GRANDES MENSURABILIDADES
Minha metodologia começou com uma lista, elaborada com a ajuda de historiadores e cientistas políticos, de grandes potências em diferentes sistemas históricos desde 1820. Embora os estudiosos frequentemente debatam as definições de “poder” e “grande potência”, a lista refletiu um consenso e estabeleceu uma “verdade fundamental” sobre o equilíbrio de poder ao longo do tempo. Usando dados históricos, avaliei quais métricas recriavam essa lista com maior precisão. As métricas de cada país foram avaliadas como uma proporção — o poder do país nessa métrica comparado ao poder do Estado líder durante o período analisado. Por exemplo, as métricas mostram que os Estados Unidos ainda não eram uma grande potência no início do século XIX; ainda estavam atrás do Reino Unido em métricas econômicas e militares. Essas mesmas métricas, no entanto, ilustram como os Estados Unidos ultrapassaram o Reino Unido para se tornarem uma grande potência no final do século XIX.
A metodologia mostra que duas métricas econômicas identificam com sucesso as grandes potências: o PIB, bem como uma métrica composta que multiplica o PIB pelo PIB per capita. Estudos anteriores argumentaram que a segunda métrica captura duas dimensões-chave do poder das grandes potências: o tamanho econômico de um Estado versus sua riqueza. Minhas métricas corroboraram esse argumento, distinguindo efetivamente entre grandes potências e outros países. Ou seja, as potências menores obtiveram pontuações baixas em ambas as métricas econômicas, enquanto as grandes potências obtiveram pontuações altas, e houve uma grande disparidade entre as métricas das grandes potências e das potências menores. O PIB per capita, no entanto, mostrou-se um indicador inadequado de poder e não conseguiu separar as grandes potências das potências menores. Muitas potências menores têm um PIB per capita elevado. O PIB per capita também é enganoso porque corre o risco de obscurecer a heterogeneidade regional. A China e a Índia, por exemplo, têm milhões de pessoas com alta renda, bem como regiões com renda muito baixa. Como utiliza a média, o PIB per capita obscurece essa heterogeneidade e pode classificar erroneamente um país como mediano, em vez de um país com regiões ricas e tecnologicamente avançadas — regiões com poder latente e potenciais implicações geopolíticas.
Em geral, este método fornece um limiar quantificável para a identificação de grandes potências. Defino grandes potências “normais” como aquelas que se situam nos 50% centrais da distribuição das grandes potências históricas (excluindo, portanto, os países mais fortes e mais fracos). O PIB das grandes potências normais varia entre 17% e 45% do PIB do principal país, com uma mediana de 27%. Assim, países com um PIB superior a aproximadamente 27% do PIB do principal país possuem capacidades econômicas maiores do que a média das grandes potências ao longo da história. A classificação de um país como uma grande potência depende do seu desempenho em outras métricas, mas este método pode revelar se um país está acima ou abaixo do limiar básico para ser considerado uma grande potência. Ele também identifica as dimensões em que um país é mais forte ou mais fraco. Essas avaliações contribuem para estudos sobre transições de poder na política mundial e criam um meio valioso de avaliar mudanças contemporâneas no equilíbrio de poder — por exemplo, em que medida a China está em declínio ou a Índia em ascensão.
SEGUNDO LUGAR: SOVIÉTICOS
Perguntar se a China pode alcançar ou ultrapassar os Estados Unidos economicamente é a pergunta errada, com base nesse método analítico. Historicamente, o Estado líder competia ferozmente com outras grandes potências muito mais fracas, que frequentemente possuíam apenas um quarto ou um terço do PIB do líder. A China, em outras palavras, não precisa igualar nem ultrapassar os Estados Unidos para ser uma grande potência e concorrente. A União Soviética foi um excelente exemplo dessa realidade.
Durante a Guerra Fria, a União Soviética era amplamente considerada uma superpotência e uma grande concorrente geopolítica dos Estados Unidos. Mas a União Soviética tinha, no máximo, cerca de 40% do PIB dos EUA. Apesar desse grande desequilíbrio, os soviéticos representavam uma ameaça de hegemonia regional na Europa. Moscou administrava complexas operações globais de inteligência, fornecia armas a insurgentes em todo o mundo, reprimia movimentos de libertação nacional na Europa Oriental e nos países bálticos e disseminava a ideologia comunista pelo mundo. Embora estivesse atrás dos Estados Unidos economicamente, a União Soviética ocupou a mente dos EUA por mais de três décadas. Os Estados Unidos e a União Soviética construíram exércitos gigantescos, competiram em uma corrida armamentista nuclear e, durante inúmeras crises, levaram o mundo perigosamente perto de uma guerra nuclear.
A China fica atrás da União Soviética em apenas uma dimensão: gastos militares. Os soviéticos gastavam 100% dos gastos militares dos Estados Unidos, enquanto a China hoje gasta 32%. Para os soviéticos, no entanto, gerar gastos militares tão elevados exigia destinar uma enorme parcela da economia (até 14% do PIB) à defesa, o que acabou se mostrando insustentável. A China, por outro lado, gasta atualmente apenas cerca de 2% do seu PIB em defesa, o que significa que poderia aumentar os gastos com defesa e ainda mantê-los em um nível administrável no geral. Em resumo, minhas métricas sugerem que a China não precisa alcançar os Estados Unidos, mas já é uma grande potência concorrente tanto econômica quanto militarmente — uma potência que supera em muito a do último concorrente bipolar dos Estados Unidos, a União Soviética.
DOIS NO TOPO
Os críticos podem duvidar que Pequim seja de fato capaz de competir, argumentando que o crescimento da China está desacelerando, sua economia sofre com inúmeros problemas e as políticas cada vez mais repressivas do líder chinês Xi Jinping prejudicarão a inovação futura. Essas observações identificam desafios importantes que a economia chinesa enfrenta, mas erram em alguns pontos.
Primeiro, a estagnação do crescimento chinês era um resultado previsível. Economias de rápido crescimento sempre desaceleram por volta do estágio de renda média, e as economias que conseguem sustentar o crescimento normalmente se estabilizam em níveis de cerca de um a dois por cento ao ano. Como já aconteceu no passado com economias de alto crescimento — no Japão, Coreia do Sul e Taiwan, por exemplo — a desaceleração do crescimento pode ser causada por diversos fatores, como demografia cada vez mais desfavorável, aumento dos salários e crises financeiras causadas por anos de investimentos maciços. Assim, o sucesso da China não é uma questão de se ela conseguirá manter suas taxas de crescimento altíssimas da década de 1990, mas sim se sua economia conseguirá se estabilizar em taxas de crescimento mais baixas e maduras.
Nessa transição, a economia chinesa de fato enfrenta grandes desafios, incluindo um setor imobiliário problemático, dívida massiva e o problema do que os estudiosos chamam de “involução” — a hipercompetição entre empresas por margens de lucro cada vez menores. Ninguém pode prever com que eficácia o PCC lidará com esses desafios, mas declarar o “auge da China” é prematuro. Anteriormente, os céticos argumentavam que o regime chinês seria derrubado, ou seu crescimento econômico comprometido, por uma série de problemas — a reação pública em resposta às políticas repressivas da COVID-19, por exemplo, ou os custos de mitigação da devastação ambiental. Essas previsões não se confirmaram. Mais importante ainda, presumir que um concorrente irá ruir, especialmente quando esse concorrente tem uma liderança tão adaptável e capaz quanto a da China, é um guia inadequado para políticas públicas.
Discutir se a China está alcançando os Estados Unidos não vem ao caso.
Outros céticos argumentam que as políticas de Xi Jinping — como o endurecimento do controle sobre a sociedade civil, o aumento da supervisão do setor privado (como visto na repressão à indústria de tecnologia após 2020) e a adoção de diversas outras abordagens “neoautoritárias” — minam a capacidade de inovação da China. A inovação é, de fato, vital para a competitividade geopolítica chinesa, e as grandes potências precisam competir na vanguarda tecnológica. Se Xi Jinping adotar políticas que reprimam a inovação, a China terá dificuldades para acompanhar o ritmo. Mas muitas das políticas de Pequim parecem estar funcionando. Investimentos maciços em capital humano altamente qualificado, bem como em pesquisa e desenvolvimento, criaram uma força de trabalho avançada. Grandes investimentos governamentais em setores-chave, como energia verde, robótica e biotecnologia, ajudaram as empresas chinesas a inovar e se tornarem mais competitivas comercialmente. E o neoautoritarismo de Xi Jinping não impediu o sucesso da China em inteligência artificial, computação e comunicações quânticas, supercomputação e outras áreas tecnológicas. Na verdade, em muitos setores, a China não apenas compete com os Estados Unidos, mas disputa a liderança.
Os críticos da avaliação bipolar também podem argumentar que o mundo é, na verdade, multipolar. Afinal, a Rússia invadiu a vizinha Ucrânia em 2022 e sua aliança com a China tem poderosas consequências geopolíticas. A Alemanha e o Japão são proeminentes nos âmbitos econômico, tecnológico e diplomático, e há um grupo crescente de potências médias influentes que inclui Brasil, Índia, México, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia. De fato, em 1990, as potências médias produziam cerca de 15% do PIB global, enquanto em 2022 esse percentual subiu para cerca de 30%. Militarmente, elas também são mais capazes. Enquanto em 1990 as potências médias representavam cerca de 7% dos gastos militares globais, em 2022 esse número chegou a cerca de 15%.
O papel cada vez mais influente das potências médias, contudo, não deve ser confundido com multipolaridade, já que nenhuma dessas potências médias ultrapassa o patamar das grandes potências em termos de poder econômico e militar. As baixas taxas de mobilização militar da Alemanha e do Japão as mantiveram fora do grupo das grandes potências. Resta incerto se eles cumprirão as promessas de aumentar os gastos com defesa e, consequentemente, ultrapassar o patamar de grande potência. A Rússia também está abaixo desse patamar. Se a Rússia fosse uma grande potência, teria derrotado a Ucrânia e ameaçado a hegemonia regional sobre a Europa Ocidental, como fizeram os soviéticos durante a Guerra Fria. A Índia poderá um dia alcançar o status de grande potência se continuar a crescer economicamente e aumentar seus gastos militares, mas atualmente está abaixo desse patamar. Apenas a China e os Estados Unidos ultrapassam atualmente os patamares econômico e militar para serem considerados grandes potências.
BATALHAS DE QUINTAL
Nestes primeiros anos da era bipolar, a competição entre a China e os Estados Unidos está crescendo em todos os domínios: comércio, finanças, tecnologia, governança global e poder militar. Os reflexos dessa rivalidade são sentidos em todo o mundo, comprovando a afirmação do cientista político Barry Posen de que, em uma ordem bipolar, “as periferias desaparecem”. Os Estados Unidos, por exemplo, estão preocupados com os avanços da China no Oriente Médio, onde Pequim está se tornando um parceiro econômico, tecnológico e de segurança cada vez mais importante, apesar dos muitos relacionamentos de longa data dos Estados Unidos na região.
A primeira regra da bipolaridade, no entanto, é proteger seu quintal. O governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, tem buscado estreitas relações econômicas com a China, e a recente pressão militar dos EUA no Caribe e no Pacífico Oriental é, em parte, um aviso a Caracas e outros governos da região sobre as consequências de se aproximar de Pequim. No início deste ano, o governo Trump sinalizou de forma semelhante ao Panamá que continuar permitindo que empresas chinesas controlem a infraestrutura estratégica do Canal do Panamá provocaria uma ação militar dos EUA. A América Latina sentiu o impacto da bipolaridade durante a Guerra Fria e, na emergente competição entre superpotências, China e Estados Unidos, começa a senti-lo novamente.
No Leste Asiático, a China provavelmente tentará impor sua própria versão da Doutrina Monroe. Pequim continuará a usar táticas graduais e coerção econômica contra seus vizinhos para pressioná-los a se desvincular ou se distanciar de Washington. Nos próximos anos, a extensão em que Pequim tentar expulsar os Estados Unidos de sua região, política e militarmente, provavelmente definirá a principal arena da rivalidade estratégica sino-americana. "Não nos façam escolher" tem sido o mantra de muitos países do Leste Asiático, incluindo alguns aliados dos EUA. Mas, sob a bipolaridade, o luxo da escolha não é concedido a pequenos países na vizinhança de uma superpotência. Os países serão forçados a escolher, e a escolher corretamente de acordo com seus vizinhos, ou correr o risco de sofrer as consequências. O retorno da bipolaridade significa que é hora de lembrar — com pesar e apreensão — a natureza, a intensidade e o alcance global da competição entre superpotências.
A polaridade — quantas grandes potências existem — também importa. Considere as últimas três décadas de unipolaridade liderada pelos EUA. Livre dos efeitos restritivos de uma grande potência rival, Washington mobilizou suas forças ao redor do mundo e conduziu ações militares em vários países, como Afeganistão, Iraque, Líbia e Sérvia. Os perigos da bipolaridade, no entanto, são diferentes. Superpotências em uma estrutura bipolar competem obsessivamente, criando esferas de influência e zonas de amortecimento ao cultivar protegidos e instalar representantes fantoches. A multipolaridade, por sua vez, caracterizada pela presença de três ou mais grandes potências, é considerada a mais propensa a guerras, pois as alianças são precárias e a fluidez dos alinhamentos dificulta a estimativa do equilíbrio de poder.
Embora o número de grandes potências em um dado momento seja importante, não há consenso sobre como defini-las (e, portanto, contá-las). Também há divergências quanto aos requisitos — o que um país deve fazer ou possuir — para ser considerado uma grande potência. Contudo, o poder relativo entre os países está em constante transformação. Durante a Guerra Fria, o líder soviético Nikita Khrushchev prometeu que seu país "enterraria" os Estados Unidos, e muitos temiam que isso realmente acontecesse. Na década de 1980, os americanos, acompanhando o crescimento econômico do Japão, temiam que os Estados Unidos fossem ultrapassados pelo "sol nascente". Hoje, acadêmicos e formuladores de políticas debatem se a China rivalizará com os Estados Unidos como superpotência ou se já está em declínio. A ascensão da Índia e o ressurgimento da Rússia, por sua vez, levaram muitos a proclamar a chegada da multipolaridade. Opiniões amplamente divergentes sobre o equilíbrio de poder são comuns porque o poder, embora fundamental para a política internacional, permanece um conceito difícil de definir.
Para lidar com esse desafio, desenvolvi uma metodologia para comparar o poder nacional — uma que utiliza métricas comuns (PIB, por exemplo, ou gastos militares) em dados modernos e históricos para determinar um limiar para o status de grande potência. Meu estudo constatou que discutir se a China está alcançando os Estados Unidos é irrelevante. As grandes potências muitas vezes foram muito mais fracas do que o Estado líder — o país mais poderoso no sistema global — mas, mesmo assim, se envolveram em perigosas competições de segurança. Além disso, minha metodologia revelou que a China hoje já é mais poderosa do que a União Soviética durante a Guerra Fria. A China moderna, portanto, não é apenas uma grande potência, mas uma superpotência.
Em resumo, o mundo é bipolar. Muitas potências médias são atores influentes em suas regiões, mas apenas os Estados Unidos e a China ultrapassam o limiar de grande potência. Esse desenvolvimento explica a crescente tensão nas relações sino-americanas e sugere que outros países acharão cada vez mais difícil se manterem fora do fogo cruzado dessa rivalidade. A bipolaridade, por exemplo, ajuda a explicar a recente preocupação dos EUA com a América Latina, onde a China ganhou significativa influência econômica e política. À medida que a dinâmica entre a China e os Estados Unidos se torna cada vez mais competitiva, Washington considerará tais incursões intoleráveis — assim como a China poderá, da mesma forma, recusar-se a aceitar o envolvimento político e militar dos EUA em sua própria área de influência.
GRANDES POTÊNCIAS, GRANDES MENSURABILIDADES
Minha metodologia começou com uma lista, elaborada com a ajuda de historiadores e cientistas políticos, de grandes potências em diferentes sistemas históricos desde 1820. Embora os estudiosos frequentemente debatam as definições de “poder” e “grande potência”, a lista refletiu um consenso e estabeleceu uma “verdade fundamental” sobre o equilíbrio de poder ao longo do tempo. Usando dados históricos, avaliei quais métricas recriavam essa lista com maior precisão. As métricas de cada país foram avaliadas como uma proporção — o poder do país nessa métrica comparado ao poder do Estado líder durante o período analisado. Por exemplo, as métricas mostram que os Estados Unidos ainda não eram uma grande potência no início do século XIX; ainda estavam atrás do Reino Unido em métricas econômicas e militares. Essas mesmas métricas, no entanto, ilustram como os Estados Unidos ultrapassaram o Reino Unido para se tornarem uma grande potência no final do século XIX.
A metodologia mostra que duas métricas econômicas identificam com sucesso as grandes potências: o PIB, bem como uma métrica composta que multiplica o PIB pelo PIB per capita. Estudos anteriores argumentaram que a segunda métrica captura duas dimensões-chave do poder das grandes potências: o tamanho econômico de um Estado versus sua riqueza. Minhas métricas corroboraram esse argumento, distinguindo efetivamente entre grandes potências e outros países. Ou seja, as potências menores obtiveram pontuações baixas em ambas as métricas econômicas, enquanto as grandes potências obtiveram pontuações altas, e houve uma grande disparidade entre as métricas das grandes potências e das potências menores. O PIB per capita, no entanto, mostrou-se um indicador inadequado de poder e não conseguiu separar as grandes potências das potências menores. Muitas potências menores têm um PIB per capita elevado. O PIB per capita também é enganoso porque corre o risco de obscurecer a heterogeneidade regional. A China e a Índia, por exemplo, têm milhões de pessoas com alta renda, bem como regiões com renda muito baixa. Como utiliza a média, o PIB per capita obscurece essa heterogeneidade e pode classificar erroneamente um país como mediano, em vez de um país com regiões ricas e tecnologicamente avançadas — regiões com poder latente e potenciais implicações geopolíticas.
Em geral, este método fornece um limiar quantificável para a identificação de grandes potências. Defino grandes potências “normais” como aquelas que se situam nos 50% centrais da distribuição das grandes potências históricas (excluindo, portanto, os países mais fortes e mais fracos). O PIB das grandes potências normais varia entre 17% e 45% do PIB do principal país, com uma mediana de 27%. Assim, países com um PIB superior a aproximadamente 27% do PIB do principal país possuem capacidades econômicas maiores do que a média das grandes potências ao longo da história. A classificação de um país como uma grande potência depende do seu desempenho em outras métricas, mas este método pode revelar se um país está acima ou abaixo do limiar básico para ser considerado uma grande potência. Ele também identifica as dimensões em que um país é mais forte ou mais fraco. Essas avaliações contribuem para estudos sobre transições de poder na política mundial e criam um meio valioso de avaliar mudanças contemporâneas no equilíbrio de poder — por exemplo, em que medida a China está em declínio ou a Índia em ascensão.
SEGUNDO LUGAR: SOVIÉTICOS
Perguntar se a China pode alcançar ou ultrapassar os Estados Unidos economicamente é a pergunta errada, com base nesse método analítico. Historicamente, o Estado líder competia ferozmente com outras grandes potências muito mais fracas, que frequentemente possuíam apenas um quarto ou um terço do PIB do líder. A China, em outras palavras, não precisa igualar nem ultrapassar os Estados Unidos para ser uma grande potência e concorrente. A União Soviética foi um excelente exemplo dessa realidade.
Durante a Guerra Fria, a União Soviética era amplamente considerada uma superpotência e uma grande concorrente geopolítica dos Estados Unidos. Mas a União Soviética tinha, no máximo, cerca de 40% do PIB dos EUA. Apesar desse grande desequilíbrio, os soviéticos representavam uma ameaça de hegemonia regional na Europa. Moscou administrava complexas operações globais de inteligência, fornecia armas a insurgentes em todo o mundo, reprimia movimentos de libertação nacional na Europa Oriental e nos países bálticos e disseminava a ideologia comunista pelo mundo. Embora estivesse atrás dos Estados Unidos economicamente, a União Soviética ocupou a mente dos EUA por mais de três décadas. Os Estados Unidos e a União Soviética construíram exércitos gigantescos, competiram em uma corrida armamentista nuclear e, durante inúmeras crises, levaram o mundo perigosamente perto de uma guerra nuclear.
A China, que hoje supera em muito a União Soviética em termos de poder econômico, tem a capacidade de fazer tudo isso e muito mais. No indicador composto (PIB multiplicado pelo PIB per capita), a faixa normal para as grandes potências fica entre 8% e 28% da pontuação do líder, com uma mediana de 15%. A China hoje, com 36%, tem uma pontuação composta muito maior do que a média das grandes potências ao longo da história. A pontuação da China também supera a da União Soviética, que atingiu apenas 16% em seu auge, em 1970. A força relativa da China também é capturada pelo indicador do PIB: a pontuação da China, de 130%, é muito superior à mediana de 27%. Os céticos podem questionar, com razão, as estatísticas econômicas duvidosas da China, mas mesmo que o PIB real da China seja muito menor do que o divulgado, a margem acima da faixa normal do PIB é tão grande que ainda a classificaria como uma grande potência, bem acima do índice soviético de 44%.
A China fica atrás da União Soviética em apenas uma dimensão: gastos militares. Os soviéticos gastavam 100% dos gastos militares dos Estados Unidos, enquanto a China hoje gasta 32%. Para os soviéticos, no entanto, gerar gastos militares tão elevados exigia destinar uma enorme parcela da economia (até 14% do PIB) à defesa, o que acabou se mostrando insustentável. A China, por outro lado, gasta atualmente apenas cerca de 2% do seu PIB em defesa, o que significa que poderia aumentar os gastos com defesa e ainda mantê-los em um nível administrável no geral. Em resumo, minhas métricas sugerem que a China não precisa alcançar os Estados Unidos, mas já é uma grande potência concorrente tanto econômica quanto militarmente — uma potência que supera em muito a do último concorrente bipolar dos Estados Unidos, a União Soviética.
DOIS NO TOPO
Os críticos podem duvidar que Pequim seja de fato capaz de competir, argumentando que o crescimento da China está desacelerando, sua economia sofre com inúmeros problemas e as políticas cada vez mais repressivas do líder chinês Xi Jinping prejudicarão a inovação futura. Essas observações identificam desafios importantes que a economia chinesa enfrenta, mas erram em alguns pontos.
Primeiro, a estagnação do crescimento chinês era um resultado previsível. Economias de rápido crescimento sempre desaceleram por volta do estágio de renda média, e as economias que conseguem sustentar o crescimento normalmente se estabilizam em níveis de cerca de um a dois por cento ao ano. Como já aconteceu no passado com economias de alto crescimento — no Japão, Coreia do Sul e Taiwan, por exemplo — a desaceleração do crescimento pode ser causada por diversos fatores, como demografia cada vez mais desfavorável, aumento dos salários e crises financeiras causadas por anos de investimentos maciços. Assim, o sucesso da China não é uma questão de se ela conseguirá manter suas taxas de crescimento altíssimas da década de 1990, mas sim se sua economia conseguirá se estabilizar em taxas de crescimento mais baixas e maduras.
Nessa transição, a economia chinesa de fato enfrenta grandes desafios, incluindo um setor imobiliário problemático, dívida massiva e o problema do que os estudiosos chamam de “involução” — a hipercompetição entre empresas por margens de lucro cada vez menores. Ninguém pode prever com que eficácia o PCC lidará com esses desafios, mas declarar o “auge da China” é prematuro. Anteriormente, os céticos argumentavam que o regime chinês seria derrubado, ou seu crescimento econômico comprometido, por uma série de problemas — a reação pública em resposta às políticas repressivas da COVID-19, por exemplo, ou os custos de mitigação da devastação ambiental. Essas previsões não se confirmaram. Mais importante ainda, presumir que um concorrente irá ruir, especialmente quando esse concorrente tem uma liderança tão adaptável e capaz quanto a da China, é um guia inadequado para políticas públicas.
Discutir se a China está alcançando os Estados Unidos não vem ao caso.
Outros céticos argumentam que as políticas de Xi Jinping — como o endurecimento do controle sobre a sociedade civil, o aumento da supervisão do setor privado (como visto na repressão à indústria de tecnologia após 2020) e a adoção de diversas outras abordagens “neoautoritárias” — minam a capacidade de inovação da China. A inovação é, de fato, vital para a competitividade geopolítica chinesa, e as grandes potências precisam competir na vanguarda tecnológica. Se Xi Jinping adotar políticas que reprimam a inovação, a China terá dificuldades para acompanhar o ritmo. Mas muitas das políticas de Pequim parecem estar funcionando. Investimentos maciços em capital humano altamente qualificado, bem como em pesquisa e desenvolvimento, criaram uma força de trabalho avançada. Grandes investimentos governamentais em setores-chave, como energia verde, robótica e biotecnologia, ajudaram as empresas chinesas a inovar e se tornarem mais competitivas comercialmente. E o neoautoritarismo de Xi Jinping não impediu o sucesso da China em inteligência artificial, computação e comunicações quânticas, supercomputação e outras áreas tecnológicas. Na verdade, em muitos setores, a China não apenas compete com os Estados Unidos, mas disputa a liderança.
Os críticos da avaliação bipolar também podem argumentar que o mundo é, na verdade, multipolar. Afinal, a Rússia invadiu a vizinha Ucrânia em 2022 e sua aliança com a China tem poderosas consequências geopolíticas. A Alemanha e o Japão são proeminentes nos âmbitos econômico, tecnológico e diplomático, e há um grupo crescente de potências médias influentes que inclui Brasil, Índia, México, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia. De fato, em 1990, as potências médias produziam cerca de 15% do PIB global, enquanto em 2022 esse percentual subiu para cerca de 30%. Militarmente, elas também são mais capazes. Enquanto em 1990 as potências médias representavam cerca de 7% dos gastos militares globais, em 2022 esse número chegou a cerca de 15%.
O papel cada vez mais influente das potências médias, contudo, não deve ser confundido com multipolaridade, já que nenhuma dessas potências médias ultrapassa o patamar das grandes potências em termos de poder econômico e militar. As baixas taxas de mobilização militar da Alemanha e do Japão as mantiveram fora do grupo das grandes potências. Resta incerto se eles cumprirão as promessas de aumentar os gastos com defesa e, consequentemente, ultrapassar o patamar de grande potência. A Rússia também está abaixo desse patamar. Se a Rússia fosse uma grande potência, teria derrotado a Ucrânia e ameaçado a hegemonia regional sobre a Europa Ocidental, como fizeram os soviéticos durante a Guerra Fria. A Índia poderá um dia alcançar o status de grande potência se continuar a crescer economicamente e aumentar seus gastos militares, mas atualmente está abaixo desse patamar. Apenas a China e os Estados Unidos ultrapassam atualmente os patamares econômico e militar para serem considerados grandes potências.
BATALHAS DE QUINTAL
Nestes primeiros anos da era bipolar, a competição entre a China e os Estados Unidos está crescendo em todos os domínios: comércio, finanças, tecnologia, governança global e poder militar. Os reflexos dessa rivalidade são sentidos em todo o mundo, comprovando a afirmação do cientista político Barry Posen de que, em uma ordem bipolar, “as periferias desaparecem”. Os Estados Unidos, por exemplo, estão preocupados com os avanços da China no Oriente Médio, onde Pequim está se tornando um parceiro econômico, tecnológico e de segurança cada vez mais importante, apesar dos muitos relacionamentos de longa data dos Estados Unidos na região.
A primeira regra da bipolaridade, no entanto, é proteger seu quintal. O governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, tem buscado estreitas relações econômicas com a China, e a recente pressão militar dos EUA no Caribe e no Pacífico Oriental é, em parte, um aviso a Caracas e outros governos da região sobre as consequências de se aproximar de Pequim. No início deste ano, o governo Trump sinalizou de forma semelhante ao Panamá que continuar permitindo que empresas chinesas controlem a infraestrutura estratégica do Canal do Panamá provocaria uma ação militar dos EUA. A América Latina sentiu o impacto da bipolaridade durante a Guerra Fria e, na emergente competição entre superpotências, China e Estados Unidos, começa a senti-lo novamente.
No Leste Asiático, a China provavelmente tentará impor sua própria versão da Doutrina Monroe. Pequim continuará a usar táticas graduais e coerção econômica contra seus vizinhos para pressioná-los a se desvincular ou se distanciar de Washington. Nos próximos anos, a extensão em que Pequim tentar expulsar os Estados Unidos de sua região, política e militarmente, provavelmente definirá a principal arena da rivalidade estratégica sino-americana. "Não nos façam escolher" tem sido o mantra de muitos países do Leste Asiático, incluindo alguns aliados dos EUA. Mas, sob a bipolaridade, o luxo da escolha não é concedido a pequenos países na vizinhança de uma superpotência. Os países serão forçados a escolher, e a escolher corretamente de acordo com seus vizinhos, ou correr o risco de sofrer as consequências. O retorno da bipolaridade significa que é hora de lembrar — com pesar e apreensão — a natureza, a intensidade e o alcance global da competição entre superpotências.


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