1 de dezembro de 2025

A classe dominante é inalcançável

Se a reabilitação de Dick Cheney, um crítico ferrenho de Trump, serve de exemplo, a carreira pública de Larry Summers está longe de terminar — apesar não só de suas ligações com Jeffrey Epstein, mas também de seu papel fundamental na devastação da classe trabalhadora americana.

David Sirota

Jacobin

Larry Summers conseguiu devastar a classe trabalhadora americana e ainda manter todas as suas credenciais acadêmicas, midiáticas, corporativas e políticas de prestígio, o que lhe dava poucos motivos para acreditar que enfrentaria consequências por sua amizade com Jeffrey Epstein. (Andrew Harrer / Bloomberg via Getty Images)

O sistema de impunidade das elites americanas é mais complexo do que a velha piada de George Carlin sobre um clube com benefícios para membros. O sistema tem regras não escritas que aprendemos muito recentemente, graças à (momentânea) morte política do ex-secretário do Tesouro Larry Summers e à morte real do ex-vice-presidente Dick Cheney.

Como secretário do Tesouro do presidente Bill Clinton, Summers arquitetou a desregulamentação que criou a crise financeira de 2008 e, posteriormente, como conselheiro econômico do presidente Barack Obama, garantiu que o plano de resgate pós-crise priorizasse os banqueiros que despejavam milhões de americanos de suas casas.

Essas decisões deveriam ter encerrado a carreira pública de Summers, mas não o fizeram. Em vez disso, ele foi recompensado com a presidência da Universidade Harvard; espaços no New York Times e na Bloomberg; cargos em um fundo de hedge, uma gigante da inteligência artificial e uma empresa de criptomoedas; e uma distinta bolsa de pesquisa sênior no Center for American Progress, onde estava previsto que ele moldaria a agenda dos democratas.

Summers só agora renunciou a alguns desses cargos após as últimas revelações sobre seus vínculos com o criminoso sexual condenado Jeffrey Epstein.

Sua queda nos mostra que o sistema de impunidade das elites americanas adotou pelo menos uma nova regra para seus membros: por enquanto, provavelmente não é possível permanecer no clube e ter um registro escrito pedindo conselhos ao dono da Ilha do Estupro sobre como conseguir sexo extraconjugal. Essa é uma mudança significativa, considerando que, há apenas alguns meses, o jornal oficial do clube ainda insistia que Epstein "tinha muitos amigos poderosos, era um predador e um pedófilo, e que esses lados de sua vida eram, em sua maioria, separados".

Mas a situação de Summers também nos lembra que, nos Estados Unidos, as elites conseguem manter sua filiação ao clube mesmo que tenham praticado formas mais polidas e lucrativas de destruição social — coisas como execuções hipotecárias em massa e a pilhagem da classe trabalhadora. E é justo suspeitar que a cultura da impunidade das elites possa até ter incentivado a amizade de Summers com Epstein. Afinal, Summers conseguiu devastar a classe trabalhadora americana e ainda manter todas as suas credenciais acadêmicas, midiáticas, corporativas e políticas de prestígio, o que lhe dava poucos motivos para acreditar que enfrentaria consequências por se associar a um criminoso sexual condenado e bem relacionado.

Cheney oferece uma lição semelhante sobre a impunidade da elite, do outro lado do espectro político. Durante grande parte das quase duas décadas desde que deixou o cargo, sua participação no clube pareceu estar em risco. Depois de enganar os Estados Unidos para a Guerra do Iraque e orquestrar as usurpações de poder do Executivo que agora estão sendo utilizadas pelo presidente Donald Trump, ele passou os primeiros anos de seu mandato pós-vice-presidência fomentando a extrema direita e elogiando o precursor do movimento "Make America Great Again" de Trump. Depois disso, ele meio que desapareceu. Por um tempo, pareceu que até mesmo a sociedade educada havia perdido o interesse por um supervilão que gostava de ser comparado a Darth Vader.

Mas quando, perto do fim da vida, Cheney emergiu do exílio político para defender a vaga de sua filha no Congresso e criticar Trump, foi calorosamente recebido de volta ao clube. Sua corrupção, crimes de guerra e legado autoritário foram em grande parte perdoados, ele recebeu todos os direitos e privilégios de um membro em dia com suas obrigações e foi homenageado postumamente pelos líderes do clube como um “servidor público devotado”.

Ele percorreu o ciclo de vida de Vader: após comandar um projeto imperial banhado em sangue, seu gesto heroico de última hora lhe garantiu honra eterna.

Enquanto o fantasma de Cheney agora brilha como Anakin Skywalker, os Estados Unidos veem os dois níveis de sua própria sociedade. Em um país cujos líderes bradam sobre “lei e ordem” e não demonstram misericórdia para as pequenas indiscrições dos cidadãos comuns, o sistema à parte de impunidade da elite garante que a ficha possa sempre ser zerada para os antigos membros do clube. Independentemente de suas transgressões, membros do passado são sempre potenciais membros futuros, cujas chances de beatificação são como um zumbi de filme B: nunca mortos, apenas adormecidos.

Essa verdade provavelmente conforta Summers neste momento. Se o passado é prelúdio, ele pode olhar para o futuro e ver o inevitável perfil do New York Times mais uma vez reabilitando um membro do clube em desgraça, preparando o terreno para um retorno inevitável.

O artigo elogioso de Summers provavelmente o retratará como um espectador injustiçado no caso Epstein. É uma narrativa que já está sendo preparada hoje por David Brooks, do New York Times. Ele insiste que a pressão para expor o escândalo Epstein — e não a rede de predadores sexuais e a subsequente tentativa de encobrimento — está "minando a confiança pública e semeando o cinismo". Brooks declara que os ataques à "classe Epstein" de elites são "imprecisos, injustos e irresponsáveis".

Esse tipo de propaganda elitista só ficará mais forte à medida que nos aproximamos de uma apuração completa do escândalo Epstein. Isso pode acabar retratando Summers como uma vítima e, em última análise, garantir a ele seu próprio momento Cheney, permitindo que ele retorne à sociedade civilizada.

Mas nós, os demais, sabemos que as vítimas não são Summers nem ninguém mais no clube — as verdadeiras vítimas somos nós, os demais, ainda governados por uma elite que não enfrenta dissuasão ou consequências por seus piores comportamentos.

Este artigo foi publicado originalmente pelo Lever, uma premiada redação investigativa independente.

Colaborador

David Sirota é editor-chefe da Jacobin. Ele edita a seção Lever e anteriormente atuou como consultor sênior e redator de discursos na campanha presidencial de Bernie Sanders em 2020.

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