26 de março de 2009

O Lobby vacila: Charles Freeman fala abertamente

Muitas pessoas em Washington ficaram surpresas quando o governo Obama escolheu Charles Freeman para presidir o National Intelligence Council, o órgão que supervisiona a produção do National ...

John Mearsheimer

London Review of Books

Vol. 31 No. 6 · 26 March 2009

Muitas pessoas em Washington ficaram surpresas quando o governo Obama escolheu Charles Freeman para presidir o National Intelligence Council, o órgão que supervisiona a produção das National Intelligence Estimates: Freeman teve uma distinta carreira de 30 anos como diplomata e funcionário do Departamento de Defesa, mas criticou publicamente a política israelense e o relacionamento especial dos Estados Unidos com Israel, dizendo, por exemplo, em um discurso em 2005, que "enquanto os Estados Unidos continuarem a fornecer incondicionalmente os subsídios e a proteção política que tornam possível a ocupação israelense e as políticas autoritárias e autodestrutivas que ela engendra, há pouca, se houver, razão para esperar que algo parecido com o antigo processo de paz possa ser ressuscitado". Palavras como essas raramente são ditas em público em Washington, e qualquer um que as use quase certamente não obterá uma posição governamental de alto nível. Mas o almirante Dennis Blair, o novo diretor de inteligência nacional, admira muito Freeman: exatamente o tipo de pessoa, ele pensou, para revitalizar a comunidade de inteligência, que havia sido muito politizada nos anos Bush.

Previsivelmente alarmado, o lobby israelense lançou uma campanha de difamação contra Freeman, esperando que ele renunciasse ou fosse demitido por Obama. A salva de abertura veio em uma postagem de blog de Steven Rosen, um ex-funcionário do Aipac, o Comitê de Assuntos Públicos Americano-Israelense, agora sob indiciamento por passar segredos para Israel. As visões de Freeman sobre o Oriente Médio, ele disse, "são o que você esperaria do Ministério das Relações Exteriores saudita, com o qual ele mantém um relacionamento extremamente próximo". Jornalistas pró-Israel proeminentes, como Jonathan Chait e Martin Peretz da New Republic, e Jeffrey Goldberg da Atlantic, rapidamente se juntaram à briga e Freeman foi bombardeado em publicações que consistentemente defendem Israel, como a National Review, o Wall Street Journal e o Weekly Standard.

O verdadeiro calor, no entanto, veio do Congresso, onde o Aipac (que se descreve como "Lobby pró-Israel da América") exerce enorme poder. Todos os membros republicanos do Comitê de Inteligência do Senado se manifestaram contra Freeman, assim como os principais democratas do Senado, como Joseph Lieberman e Charles Schumer. "Eu repetidamente pedi à Casa Branca que o rejeitasse", disse Schumer, "e estou feliz que eles fizeram a coisa certa". Foi a mesma história na Câmara, onde a acusação foi liderada pelo republicano Mark Kirk e pelo democrata Steve Israel, que pressionaram Blair a iniciar uma investigação formal das finanças de Freeman. No final, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, declarou que a nomeação de Freeman "além do aceitável". Freeman poderia ter sobrevivido a esse ataque se a Casa Branca o tivesse apoiado. Mas a bajulação de Barack Obama ao lobby de Israel durante a campanha e seu silêncio durante a Guerra de Gaza mostram que este é um oponente que ele não está disposto a desafiar. Fiel à sua forma, ele permaneceu em silêncio e Freeman teve pouca escolha a não ser se retirar.

Desde então, o lobby fez grandes esforços para negar seu papel na renúncia de Freeman. O porta-voz da Aipac, Josh Block, disse que sua organização "não tomou posição sobre esse assunto e não fez lobby no Congresso sobre isso". O Washington Post, cuja página editorial é administrada por Fred Hiatt, um homem firmemente comprometido com o relacionamento especial, publicou um editorial que afirmava que culpar o lobby pela renúncia de Freeman era algo inventado pelo "Sr. Freeman e teóricos da conspiração com ideias semelhantes".

Na verdade, há evidências abundantes de que a Aipac e outros apoiadores linha-dura de Israel estavam profundamente envolvidos na campanha. Block admitiu que havia falado com repórteres e blogueiros sobre Freeman e fornecido informações a eles, sempre no entendimento de que seus comentários não seriam atribuídos a ele ou à Aipac. Jonathan Chait, que negou que Israel estivesse na raiz da controvérsia antes de Freeman ser derrubado, escreveu depois: "É claro que reconheço que o lobby israelense é poderoso e foi um elemento-chave na resistência contra Freeman, e que nem sempre é uma força para o bem". Daniel Pipes, que dirige o Middle East Forum, onde Steven Rosen agora trabalha, rapidamente enviou um boletim informativo por e-mail se gabando do papel de Rosen na derrubada de Freeman.

Em 12 de março, o dia em que o Washington Post publicou seu editorial contra qualquer um que sugerisse que o lobby israelense havia ajudado a derrubar Freeman, o jornal também publicou uma matéria de primeira página descrevendo o papel central que o lobby havia desempenhado no caso. Houve também um artigo de opinião do veterano jornalista David Broder, que começou com as palavras: "O governo Obama acaba de sofrer uma derrota embaraçosa nas mãos dos lobistas que o presidente prometeu manter em seus lugares".

Os críticos de Freeman sustentam que suas opiniões sobre Israel não eram seu único problema. Dizem que ele tem laços especialmente próximos — talvez até impróprios — com a Arábia Saudita, onde serviu anteriormente como embaixador americano. A acusação não pegou, no entanto, porque não há evidências para isso. Os apoiadores de Israel também disseram que ele fez comentários insensíveis sobre o que aconteceu com os manifestantes chineses na Praça da Paz Celestial, mas essa acusação, que seus defensores contestam, só surgiu porque os críticos pró-Israel de Freeman estavam procurando qualquer argumento que pudessem reunir para prejudicar sua reputação.

Por que o lobby se importa tanto com uma nomeação para uma posição importante, mas não de liderança? Aqui está um motivo: Freeman teria sido responsável pela produção das Estimativas Nacionais de Inteligência. Israel e seus apoiadores americanos ficaram indignados quando o Conselho Nacional de Inteligência concluiu em novembro de 2007 que o Irã não estava construindo armas nucleares, e eles têm trabalhado assiduamente para minar esse relatório desde então. O lobby quer ter certeza de que a próxima estimativa das capacidades nucleares do Irã chegue à conclusão oposta, e isso teria sido muito menos provável de acontecer com Freeman no comando. Melhor ter alguém examinado pela Aipac comandando o show.

Um motivo ainda mais importante para o lobby tirar Freeman de seu trabalho é a fraqueza do caso para a política atual dos Estados Unidos em relação a Israel, o que torna imperativo silenciar ou marginalizar qualquer um que critique o relacionamento especial. Se Freeman não tivesse sido punido, outros veriam que alguém poderia falar criticamente sobre Israel e ainda ter uma carreira de sucesso em Washington. E uma vez que você tenha uma discussão aberta e livre sobre Israel, o relacionamento especial estará em sérios apuros.

Um dos aspectos mais notáveis ​​do caso Freeman foi que a grande mídia deu pouca atenção a ele — o New York Times, por exemplo, não publicou uma única história sobre Freeman até o dia seguinte à sua renúncia — enquanto uma batalha feroz sobre a nomeação ocorreu na blogosfera. Os oponentes de Freeman usaram a internet a seu favor; foi aí que Rosen lançou a campanha. Mas algo aconteceu lá que nunca teria acontecido na grande mídia: o lobby enfrentou oposição real. De fato, uma série vigorosa, bem informada e altamente respeitada de blogueiros defendeu Freeman a cada momento e provavelmente teria vencido se o Congresso não tivesse inclinado a balança contra eles. Em suma, a internet permitiu um debate sério nos Estados Unidos sobre uma questão envolvendo Israel. O lobby nunca teve muita dificuldade em manter o New York Times e o Washington Post na linha, mas tem poucas maneiras de silenciar os críticos na internet.

Quando forças pró-Israel entraram em choque com uma figura política importante no passado, essa pessoa geralmente recuava. Jimmy Carter, que foi difamado pelo lobby depois de publicar Palestina: Paz, Não Apartheid, foi o primeiro americano proeminente a se manter firme e revidar. O lobby não conseguiu silenciá-lo, e não foi por falta de tentativa. Freeman está seguindo os passos de Carter, mas com cotoveladas mais afiadas. Depois de renunciar, ele emitiu uma denúncia contundente de "pessoas inescrupulosas com um apego apaixonado às visões de uma facção política em um país estrangeiro", cujo objetivo é "impedir que qualquer visão diferente da sua seja transmitida". "Há", ele continuou, "uma ironia especial em ter sido acusado de consideração imprópria pelas opiniões de governos e sociedades estrangeiras por um grupo tão claramente decidido a impor a adesão às políticas de um governo estrangeiro".

A declaração notável de Freeman foi divulgada em todo o mundo e lida por inúmeras pessoas. Isso não é bom para o lobby, que teria preferido matar a nomeação de Freeman sem deixar nenhuma impressão digital. Mas Freeman continuará a falar sobre Israel e o lobby, e talvez alguns de seus aliados naturais dentro do Beltway eventualmente se juntem a ele. Lentamente, mas firmemente, o espaço está sendo aberto nos Estados Unidos para falar honestamente sobre Israel.

13 de março de 2009

Uma esquerda invertebrada

Perry Anderson sobre a herança desperdiçada da Itália

Perry Anderson



A esquerda italiana foi em tempos o maior e mais impressionante movimento popular para a mudança social na Europa Ocidental. Compreendendo dois partidos de massas, cada um com a sua própria história e cultura e cada um comprometido não em melhorar mas em superar o capitalismo, a aliança do pós guerra entre Socialistas e Comunistas, PSI e PCI, não sobreviveu ao crescimento explosivo dos anos 50. Em 1963, Pietro Nenni levou os Socialistas para o governo pela primeira vez como associados juniores dos Democratas Cristãos, por um caminho que levaria por fim a Bettino Craxi, deixando o Comunismo italiano no comando indisputado da oposição ao regime Democrata Cristão. Desde o início o PCI tinha sido organizativa e ideologicamente o mais forte dos dois, com uma mais ampla base de massas – mais de dois milhões de membros em meados dos anos 50 – indo de camponeses no Sul, a artesãos e professores no meio do país, a trabalhadores industriais no Norte. Tinha também uma herança intelectual mais rica, nos Cadernos da Prisão de Gramsci recentemente publicados, cujo significado foi imediatamente reconhecido bem para além do partido. No seu auge, o PCI pôde atrair uma extraordinária variedade de energias sociais e morais, combinando raízes populares mais profundas e uma influência intelectual mais ampla do que qualquer outra força no país.

Confinado pela Guerra Fria a quarenta anos de oposição nacional, o partido entrincheirou se em administrações regionais locais e mais tarde em regionais e nas comissões parlamentares pelas quais a legislação italiana tem de passar, entrelaçando-se com a ordem dominante em muitos níveis secundários. Mas a sua estratégia subjacente permaneceu mais ou menos estável até ao fim. Depois de 1948 os despojos da Libertação foram divididos. O poder caiu para a DC; a cultura para o PCI. A Democracia Cristã controlou as alavancas do estado, o Comunismo atraiu os talentos da sociedade civil. A capacidade do PCI de polarizar a vida intelectual italiana em sua volta, não só num amplo arco de eruditos, escritores, pensadores e artistas mas num clima geral da opinião progressista, não teve paralelo em mais nenhum lugar da Europa. Graças em parte à sociologia da sua liderança, que diferentemente da dos Partidos Comunistas franceses, alemães, britânicos ou espanhóis, era na sua maioria altamente instruída, e em parte a um manejo relativamente tolerante e flexível da ‘luta de ideias’, o seu domínio nesta esfera foi o ativo realmente distintivo do Comunismo italiano. Mas com um preço duplo em relação ao qual o partido permaneceu persistentemente cego.

Já que a extensão da influência do PCI através do mundo do pensamento e da arte era também uma função do grau com o qual ele assimilou e reproduziu a tensão dominante numa cultura italiana pré existente desde há muito. Este era o idealismo que encontrara a sua mais poderosa expressão, mas de forma nenhuma a expressão moderna única, na filosofia de Benedetto Croce, figura que ao longo dos anos adquirira uma posição quase do tipo da de Goethe na vida intelectual do país. Foi o sistema historicista de Croce, com um prestígio subscrito pela atenção que lhe foi dada na prisão por Gramsci, que ficou naturalizado como o éter circum ambiente de muita da cultura italiana do pós guerra à qual o PCI, direta ou indiretamente, presidiu. Mas por trás dele residem tradições muito mais antigas que concederam preeminência ao reino das ideias, concebidas como vontade ou compreensão, na política. Entre a queda do Império Romano e a conclusão do Risorgimento, a Itália nunca conheceu um estado ou uma aristocracia peninsulares e a maior parte do tempo esteve sujeita a um leque de poderes estrangeiros em conflito. O resultado, por longos períodos, foi a criação duma esmagadora sensação de fosso entre a glória passada e a desgraça presente no meio das suas elites instruídas. De Dante para cá, desenvolveu se aí uma tradição de intelectuais com um forte sentido de vocação para recuperar e transmitir a cultura elevada da antiguidade clássica e embebidos da convicção de que o país podia ser endireitado apenas pelo cunho de ideias revivificadoras, das quais só eles poderiam ser os artífices, nas realidades em que caíram. A cultura não era uma esfera distinta do poder: haveria de ser o passaporte para ela.

Em boa medida, o Comunismo italiano herdou este hábito da mente. A nova forma que deu a uma predisposição nacional, se não fiel a Gramsci, foi retirada dele. Nesta versão, ‘hegemonia’ era uma ascendência cultural e moral a ser ganha consensualmente dentro da sociedade civil, como a fundação real da existência social que poderia assegurar por fim a posse pacífica do estado, uma expressão mais externa e superficial da vida coletiva. Nesta visão, a posição de comando que o partido tinha ganho na arena intelectual mostrava que estava no rumo para a vitória política final. Isto não era aquilo em que Gramsci acreditara. Revolucionário da Terceira Internacional, nunca pensara que o capital pudesse ser quebrado sem a força das armas, por mais importante que fosse a necessidade de ganhar o consentimento popular para a derrubada da ordem dominante. Mas isto ajustava se ao molde idealista da cultura em geral. Dentro da própria esfera intelectual, para além disso, o PCI reproduziu o viés humanista das elites tradicionais para quem a filosofia, a história e a literatura sempre tinham sido campos de eleição. Ausentes do portfolio do partido estavam as disciplinas mais modernas da economia e da sociologia e os métodos que tentaram pedir emprestados, para melhor ou pior, às ciências naturais. Por formidáveis que as suas posições parecessem do auge duma hierarquia cultural consagrada, eram mais fracas cá em baixo, com sérias consequências em devido tempo.

Porque quando as duas grandes mudanças que alterariam a ecologia do PCI na Itália do pós guerra atingem o partido, ele estava bastante impreparado. A primeira foi a chegada duma cultura de massas completamente comercializada, duma espécie ainda inimaginável no mundo de Togliatti, quanto mais de Gramsci. Mesmo no seu apogeu, tinha havido certos limites óbvios à influência do PCI e, mais geralmente, da esquerda italiana na cena cultural, uma vez que a Igreja ocupava um tão grande espaço na crença popular e na imaginação. Abaixo do nível das universidades, editores, estúdios ou jornais nos quais os movimentos do partido eram tão comuns e distintos dos baluartes da ordem estabelecida burguesa liberal na imprensa, um matagal de revistas conformistas ou espectáculos talhados para os gostos meio sérios ou incultos dos eleitores da DC sempre houvera florescido. Dos seus posicionamentos de vantagem na cultura de elite, o PCI podia ver este universo com uma condescendência tolerante, como expressões do legado dum passado clerical cuja importância Gramsci há muito vincara. Não era ameaçado por ele.

O influxo duma cultura de massas completamente secular, totalmente Americanizada, foi outra questão. Apanhados impreparados, o aparelho do partido e os intelectuais que se tinham formado em volta dele foram atirados para o lado. Embora um compromisso crítico com revistas populares não faltasse em Itália – Umberto Eco foi pioneiro – o PCI não conseguiu estabelecer a ligação. Nenhuma dialéctica criativa, capaz de resistir às ventanias do novo transformando as relações entre sério e popular, se materializou. O caso do cinema, em que a Itália tinha primado sobretudo depois da guerra, pode ser tomado como simbólico. Não houve revezamento da geração de grandes realizadores – Rossellini, Visconti, Antonioni – que se tinham iniciado nos anos 40 ou no princípio dos 50 e cujos últimos trabalhos importantes se agrupam no início dos 60. Em falta a partir daí esteve qualquer cruzamento combustível entre vanguardismo e formas populares que se comparasse com Godard em França ou com Fassbinder na Alemanha; mais tarde, apenas a bebida fraca que foi Nanni Moretti. O resultado foi um fosso tão grande entre a sensibilidade instruída e popular que o país foi deixado mais ou menos indefeso face à contra revolução cultural do império televisivo de Berlusconi, saturando o imaginário popular com a vaga duma maré dos mais crassos idiotismo e fantasias – lixarada tão baixa que o próprio termo seria demasiado simpático. Incapaz de confrontar ou de inverter a mudança, durante uma década o PCI procurou resistir lhe. O verdadeiro último líder do partido, Enrico Berlinguer, personificou o desprezo austero da auto indulgência e o infantilismo do novo universo de consumo cultural e material. Depois de ele partir, da recusa inflexível à capitulação efusiva foi um curto passo – vindo Walter Veltroni a parecer se com um cromo resplandecente saído dos álbuns dos meninos de escola cujo nome fez ao distribuí los com exemplares do Unità quando se tornou editor do jornal. Se o idealismo do PCI o impediu de agarrar as pulsões materiais do mercado e dos meios de comunicação que transformaram o lazer na Itália, a mesma falta de antenas económicas ou sociológicas impediu o de descobrir mudanças não menos decisivas no local de trabalho. Já no virar dos anos 60 lhes prestava menos atenção do que ao recrutamento de jovens radicais que continuariam a produzir o fenómeno peculiarmente italiano dooperaismo, uma das mais estranhas aventuras intelectuais da esquerda europeia desse período [*]. Diferentemente do PCI, o PSI do pós guerra tinha possuído pelo menos uma figura principal, Rodolfo Morandi, cujo Marxismo era dum molde menos idealista, que se concentrou nas estruturas da indústria italiana, da qual foi autor de um estudo famoso. Dentro da geração seguinte encontrou em Raniero Panzieri um sucessor dotado, um militante do PSI que, tendo se deslocado para Turim, começou a investigar a condição de trabalhadores fabris nas fábricas da Fiat, reunindo em volta da sua empresa um grupo de intelectuais mais jovens, muitos (Antonio Negri entre eles) mas não todos a partir originalmente de organizações juvenis Socialistas. Durante a próxima década, o operaismo evolui para uma força proteica, lançando uma sucessão de jornais seminais, ainda que de vida curta –Quaderni rossi, Classe operaia, Gatto selvaggio, Contropiano – explorando as transformações do trabalho e do capital industrial na Itália contemporânea. O PCI não tinha nada de comparável para mostrar e prestou escassa atenção a esta ebulição, embora nesta fase o mais influente dos novos teorizadores fosse um jovem das suas próprias fileiras de Roma, Mario Tronti. Este era um meio cuja cultura era essencialmente alheia ao partido, de facto declaradamente hostil a Gramsci, acusado de espiritualismo e populismo.

O impacto do operaismo vinha não apenas das interrogações ou das ideias dos seus pensadores, mas da sua conexão com a revolta de novos contingentes das classes trabalhadoras: imigrantes jovens do Sul, em revolta contra salários baixos e condições opressivas nas fábricas do Norte – para não falar dos sindicatos liderados por comunistas desconcertados pelas erupções espontâneas de militância ou pelas formas inesperadas de luta. Ter antecipado esta turbulência deu ao operaismo um poderoso vento contrário intelectual. Mas também o fixou no momento do seu discernimento original, levando a uma romanticização da revolta proletária como um fluxo mais ou menos contínuo de lava vindo do chão da fábrica. Em meados dos 70, conscientes de que a indústria italiana se modificava mais uma vez e de que a militância das oficinas estava em declínio, Negri e os outros recorreriam à figura do ‘trabalho social’ em geral – virtualmente qualquer um, empregado ou desempregado pelo capital, onde quer que fosse – como portador da revolução imanente. A abstracção desta noção foi um sinal do desespero e a política apocalíptica que o acompanhou levou esta ala do operaismo a um beco sem saída nos finais dos 70. O PCI, contudo, depois de falhar a mutação dos 60, não tinha aprendido com isso e não ofereceu nada de melhor através duma sociologia industrial. Portanto foi isso que, quando a economia italiana sofreu modificações novas e críticas nos anos 80, com o surgimento de pequenas firmas de exportação e duma economia negra – o ‘segundo milagre italiano’, como foi esperançosamente referido naquele tempo – o partido estava impreparado de novo e desta vez o golpe na sua posição como representante político do trabalhador colectivo revelou se fatal. Vinte anos depois, tal como o triunfo de Forza Italia dramatizaria a sua falha em reagir a tempo de intervir na massificação da cultura popular, assim as vitórias da Liga do Norte revelariam a sua incapacidade em responder a tempo à fragmentação do trabalho pós moderno.

Esses foram défices duma mentalité com fontes mais profundas do que o Marxismo do partido, um sentido clássico de valores intelectuais que, com todas as suas limitações, era à sua própria maneira raramente menos que honroso e muitas vezes admirável. Houve outro lado e um lado mais danoso para o mesmo idealismo, contudo, específico do Comunismo italiano e pelo qual carregava uma responsabilidade política consciente. Foi um reflexo estratégico que nunca realmente se alterou da Libertação em diante e cujas pós convulsões continuam hoje. Quando Togliatti voltou de Moscovo para Salerno na Primavera de 1944, deixou bem claro ao seu partido que não podia haver nenhuma tentativa de fazer uma revolução socialista na Itália logo a seguir à expulsão da Wehrmacht, já previsível. A Resistência no Norte, na qual o PCI desempenhava um papel principal, podia complementar mas não substituir os exércitos anglo americanos no Sul como força principal para expulsar os Alemães do país e o Alto Comando Aliado é que ditaria as regras uma vez a paz restaurada. Depois de vinte anos de repressão e exílio, a tarefa do PCI era construir um partido de massas e desempenhar um papel central numa assembleia eleita para pôr a Itália numa nova base democrática.

Esta era uma leitura realista do equilíbrio de forças na península e da determinação de Washington e de Londres em não permitirem qualquer assalto à capital no seguimento da derrota alemã. Uma insurreição pós guerra não estava na agenda. Togliatti, contudo, foi muito além disto. Na Itália, a monarquia que ajudou a instalar o Fascismo e logo confortavelmente com ele coabitou, tinha desalojado Mussolini no Verão de 1943, receosa de soçobrar com ele depois dos Aliados aterrarem na Sicília. Depois de um breve intervalo, o rei fugiu com Badoglio, o conquistador da Etiópia, para o Sul, onde os Aliados os colocam no topo duma administração regional inalterada, enquanto no Norte os Alemães instalam Mussolini à cabeça dum regime fantoche em Salò. Quando a guerra acabou, a Itália não foi assim tratada como a Alemanha, como um poder derrotado, mas como um “co beligerante” punido. Uma vez que as tropas Aliadas se foram, um governo de coligação, compreendendo o Partito d’Azione liberal de esquerda, os Socialistas, Comunistas e Democratas Cristãos, enfrentou o legado do Fascismo e a monarquia que colaborara com ele. Os Democratas Cristãos, conscientes que os seus potenciais eleitores permaneciam leais à monarquia e reconhecendo que os seus apoios naturais no aparelho de estado tinham sido os instrumentos de rotina do Fascismo, estavam determinados em a prevenir algo comparável à des Nazificação alemã. Mas estavam em minoria no gabinete, onde a esquerda secular detinha mais postos.

Nesta conjuntura o PCI, em vez de pôr a DC na defensiva exigindo uma purga inflexível do estado – limpando todos os funcionários colaboracionistas seniores na burocracia, poder judiciário, exército e polícia – convidou a a encabeçar o governo e mal levantou um dedo para desmantelar o aparelho tradicional do poder de Mussolini. Ao invés de isolar a Democracia Cristã, Togliatti manobrou para pôr na chefia do governo o seu líder, de Gasperi, e depois juntou se à DC – para indignação dos Socialistas – na confirmação do Tratado de Latrão que Mussolini selara com o Vaticano. Os prefeitos, juízes e polícias que tinham servido o Duce foram deixados virtualmente intocados. Ainda em 1960, 62 dos 64 prefeitos tinham sido serviçais do Fascismo e todos os 135 chefes de polícia do país o foram. Quanto a juízes e funcionários, os tribunais por reconstruir absolveram os torturadores do regime e condenaram os resistentes que tinham lutado contra eles, retrospectivamente declarando os combatentes da República Fascista de Salò beligerantes legítimos, e os da Resistência ilegítimos – os últimos sujeitos como tal a execução sumária depois de 1943, sem sanções penais depois de 1945 para os primeiros. Essas enormidades foram uma consequência directa das acções do PCI. Foi o próprio Togliatti que, enquanto ministro da justiça, promulgou em Junho de 1946 a amnistia que os tornou aptos. Um ano depois, o partido foi recompensado com uma ejecção do governo sem cerimónias por de Gasperi, que já não precisava disso.

A história da Itália do pós guerra ia assim ser inteiramente diferentemente da da Alemanha, onde não houve qualquer Resistência popular. O nazismo foi destruído tanto pelo extremo da derrota militar como pelo extermínio com as ocupações Aliadas subsequentes. Na República Federal, o Fascismo não pôde mais voltar a levantar a cabeça. Na Itália, em contraste, a Resistência deixou para a posteridade uma ideologia de anti fascismo – patriótico – cuja retórica oficial ubíqua, no que o PCI tomou a dianteira, cobriu as continuidades reais do Fascismo, quer como aparelho de leis e funcionários herdado, quer como credo abertamente proclamado e movimento. Reconstituído como MSI, o partido Fascista ia sentar se em breve novamente no Parlamento e acabar por ser recebido na ordem estabelecida sob o seu líder, Giorgio Almirante. Exaltando as leis anti semíticas de Mussolini, esta figura tinha dito aos seus compatriotas em 1938 que ‘o racismo é o mais amplo e valente reconhecimento de si que a Itália alguma vez tentou’ e em 1944, depois de Mussolini ter sido levado via aérea para o Norte pelos Alemães, que se não se alistassem como combatentes pela República de Salò seriam alvejados pelas costas. Quando Almirante morreu nos anos 80, a viúva de Togliatti esteve entre os que o choraram a sua morte no funeral. Hoje Gianfranco Fini, o seu herdeiro designado, é orador na Câmara de Deputados, e sucessor provável de Berlusconi como primeiro ministro.

Para além das repreensões óbvias a esta trajectória, o que há de mais condenável pela parte do PCI nisso é a sua futilidade auto destrutiva. Quando teve uma oportunidade de enfraquecer a Democracia Cristã mergulhando a espada de um anti fascismo intransigente nos seus flancos, cortando o dos eleitorados reaccionários que tinham sustentado o regime de Mussolini, fez precisamente o oposto, ajudando a DC a estabelecer se como a força dominante no país, ao passar uma esponja suavizante sobre a colaboração com o regime. Ao fazê lo simplesmente consolidou o bloco conservador sob comando clerical que o viria a deixar do lado de fora do poder até ao dia da sua morte. Neste fracasso, a conduta do partido não teve desculpas ao nível internacional. A revolução pode ter sido excluída na Itália do pós guerra, mas antes de 1946 os Aliados tinham basicamente deixado o país e não estavam em posição de deter uma purificação do Fascismo. A ingenuidade de Togliatti em ser tão completamente manobrado por de Gasperi com superioridade teve pouco a ver com influências externas. Enraizava se num conceito estratégico que tinha obtido de Gramsci, interpretado pela neblina de Croce e seus antepassados. A persecução do poder político, escrevera Gramsci, tinha requerido dois tipos de estratégia, cujos termos tomou da teoria militar, guerra de posição e guerra de manobra: guerra de trincheira ou de cerco, por oposição a assalto móvel. A Revolução Russa tinha exemplificado a segunda; uma revolução no Ocidente necessitaria da primeira, durante um período considerável, antes de passar por fim à última. Tal como diluíra a noção de hegemonia de Gramsci tão só no seu momento consensual, fixando a essencialmente na sociedade civil, também sob Togliatti o PCI reduziu o seu conceito de estratégia política a uma guerra de posição apenas, à aquisição lenta de influência na sociedade civil, como se nenhuma guerra de manobra – emboscada, carga súbita, rapidamente desviar o ataque para todo o terreno, apanhar de surpresa inimigos de classe ou o estado – fosse já necessária no Ocidente. Em 1946 47 de Gasperi e os seus colegas não cometeram o mesmo erro.

Por volta de 1948 o élan popular da Libertação quebrou se. O ataque da Guerra Fria trouxe a derrota eleitoral e foram precisos vinte anos até que outra onda de revolta política formasse crista na Itália. Quando chegou, a rebelião geracional do final dos 60, abraçando tanto estudantes como trabalhadores jovens, foi mais ao fundo e durou mais do que em qualquer outro sítio da Europa. Sob o sucessor de Togliatti, Luigi Longo, que tinha um pouco mais de lutador do que de diplomata, o PCI não reagiu tão negativamente à revolta juvenil como o PCF em França. Mas também não respondeu criativamente, não conseguindo ligar se a uma cultura de rua em que sério e popular – os clássicos do passado Marxista e Bolchevique, os graffitti de lata de spray do presente – durante um tempo interagiram dinamicamente, nem renovar o seu stock cada vez mais estacionário de conceitos estratégicos. Quando emergiu dentro do partido a oposição crítica à sua inércia sob a forma do grupo Manifesto – de aspecto mais genuinamente gramsciano e com uma inteligência política muito maior do que os operaisti fora dele – a liderança do PCI não perdeu tempo na sua expulsão.

A excomunhão veio a propósito da invasão soviética da Checoslováquia que o Manifestocondenou sem reservas. Aqui, a par do idealismo nativo da sua formação, reside a segunda razão para a paralisia estratégica perdurante do Comunismo italiano. Por mais flexível que fosse noutros aspectos, o PCI permanecia estalinista tanto nas suas estruturas internas como nos laços externos com o estado soviético. Desesperando com a ordem unipartidária duma Democracia Cristã entorpecida, os admiradores liberais do partido – dois quais haveria muitos ao longo dos anos – exprimiriam repetidamente admiração pela moderação interna sensata do PCI, mas exasperação por comprometer um registo, afora isso excelente, de conexões à URSS e às normas organizativas que se seguiram. Na realidade as duas estavam estruturalmente relacionadas. De Salerno em diante, a moderação do partido foi uma compensação pelas relações com Moscovo, não uma contradição com elas. Só porque podia ser sempre reprovado por um parentesco suspeito com a terra da Revolução de Outubro, tinha de se exceder a comprovar a inocência em relação a qualquer desejo de emular aquele modelo de mudança demasiado famoso. O peso duma culpa imputada e a busca duma respeitabilidade exoneradora andavam de mãos dadas. O mais abertamente direitista do partido, o aterrorizante Giorgio Amendola, que fazia avisos contra qualquer tolerância para com a revolta estudantil enquanto regularmente se refugiava na Bulgária para as férias com a família, personificou os mecanismos desta dualidade.

Incapaz de assumir ou desenvolver as revoltas dos finais dos 60 e princípios dos anos 70, o PCI virou se antes e uma vez mais para a Democracia Cristã, na esperança saudosa que a DC tivesse mudado os seus modos e estivesse agora preparada para colaborar com ele no governação do país – Catolicismo e Comunismo unindo se num ‘compromisso histórico’ para defender a democracia italiana dos perigos da subversão e das tentações do consumismo. Propondo este pacto em 1973, logo depois se se tornar o novo líder do partido, Berlinguer invocou o exemplo do Chile, onde Allende tinha acabado de ser derrubado, como aviso duma guerra civil em risco de estourar, se a esquerda – Comunistas e Socialistas combinados – alguma vez tentasse governar o país com base numa mera maioria aritmética do eleitorado. Poucos argumentos poderiam ter sido mais obviamente especiosos. Não havia a menor perspectiva de guerra civil na Itália, onde mesmo erupções de violência como as que tinham ocorrido – a bomba colocada por terroristas direitistas na Piazza Fontana em Milão em 1969 fora o pior caso – tiveram pouca incidência na vida política do país no seu conjunto. Mas, uma vez que o PCI se movimentara para abraçar a DC, os grupos revolucionários à sua esquerda, saídos da rebelião juvenil, previram a emergência duma ordem estabelecida parlamentar monolítica, não tendo o governo oposição, e deslocaram se para a acção directa contra ele. Os primeiros ataques letais das Brigadas Vermelhas começaram no ano seguinte.

Mas o sistema político não estava em perigo. As eleições de 1976, em que o PCI se portou bem, foram perfeitamente tranquilas. Na sua sequência, a DC aceitou cortesmente o apoio comunista aos governos da assim chamada ‘solidariedade nacional’ sob Giulio Andreotti, sem alterar a sua política ou conceder qualquer ministério ao PCI. A legislação repressiva, restringindo liberdades civis de forma gratuita, teve uma escalada. Dois anos depois as Brigadas Vermelhas detiveram o líder mais influente da DC, Aldo Moro, em Roma, exigindo a entrega dos seus presos em troca de o libertarem. Durante os 55 dias do cativeiro, temendo ser abandonado pelo seu próprio partido, Moro escreveu cartas cada vez mais amargas aos seus colegas, colocando uma ameaça clara a Andreotti caso viesse a ser libertado. Nesta crise o PCI mais uma vez não mostrou nem humanidade nem senso comum, denunciando qualquer negociação para assegurar a entrega de Moro mais veementemente do que a própria liderança da DC que ficou compreensivelmente dilacerada.

Moro foi devidamente deixado ao seu destino. Se lhe tivessem permitido viver, o seu regresso teria certamente divido a Democracia Cristã e provavelmente terminado a carreira de Andreotti. O preço da sua salvação era desprezível. As Brigadas Vermelhas, pequeno grupo que em nenhum sentido objectivo era ameaça significativa à democracia italiana, dificilmente seria fortalecido pela libertação de uns poucos membros, que teriam ficado sob vigilância policial contínua mal saíssem da cadeia. A noção de que o prestígio do estado não sobreviveria a tal rendição ou de que milhares de novos terroristas teriam irrompido na sua sequência, não foi mais do que uma histeria interessada. Os Socialistas compreenderam isto e defenderam negociações. Plus royalistes que le roi 1, os Comunistas, na sua ansiedade em provar que eram os mais firmes dos bastiões do estado, sacrificaram uma vida e salvaram a sua nemesis 2 em vão. A DC não mostrou gratidão alguma. Depois de os usar, Andreotti – um mestre em sentido de oportunidade superior ao próprio de Gasperi – rebaixou os. Quando chegaram as eleições, em 1979, o PCI perdeu um milhão e meio de votos e foi novamente deixado de fora. O ‘compromisso histórico’ não lhe tinha rendido nada para além da desilusão dos seus eleitores e dum enfraquecimento da sua base. Quando Berlinguer no ano seguinte apelou aos funcionários da Fiat, ameaçados com despedimentos em massa, para ocuparem as suas fábricas, o apelo caiu em orelhas moucas. A última grande acção industrial na qual o partido alguma vez se ocuparia foi rapidamente esmagada.

Há cinco anos, reflectindo amargamente sobre a política do seu país, Giovanni Sartori fez notar que Gramsci tivera razão ao distinguir entre guerra de posição e guerra de manobra. Grandes líderes – Churchill ou de Gaulle – entenderam a necessidade de guerras da manobra. Em Itália, os políticos conheciam apenas guerras da posição. Ele próprio sempre achara que o título do livro famoso de Ortega y Gasset, España Invertebrada, seria ainda mais adequado na Itália em que a Contra Reforma tinha criado hábitos profundos de conformismo e invasões estrangeiras e conquistas contínuas tinham tornado os Italianos em especialistas em sobrevivência ao curvarem se até ao chão. Na falta de quaisquer elites de fibra, esta era uma nação sem um só osso no corpo. Sartori não falava ao acaso. Os destinatários eram a classe política que descreveu. Por esta altura o PCI desaparecera, Berlusconi estava no poder e os seus objectivos centrais eram claros: proteger sea si e ao seu império da lei. As medidas ad personam 3 para defender ambos, com adopção forçada no Parlamento, aterraram na secretária do presidente. A presidência italiana não é um posto puramente honorífico. O Quirinale não só nomeia o primeiro ministro, que tem de ser ratificado pelo Parlamento, como pode também reter a aprovação de ministros e recusar se a assinar a legislação. Em 2003 o beneficiado foi o antigo banqueiro central Carlo Azeglio Ciampi, um ornamento do centro esquerda que havia encabeçado o governo final da Primeira República, servido como ministro das finanças sob Prodi e que é hoje senador do Partido Democrático.

Imperturbavelmente, Ciampi assinou a legislação excepcional não só para consolidar a mão de Berlusconi na televisão, mas para lhe garantir imunidade processual – imunidade da qual o próprio Ciampi, como presidente, foi também beneficiário, ao apender a sua assinatura. Fora do Quirinale, apelos angustiados na rua, à luz de velas, pediram lhe que não o fizesse. Mas os herdeiros do Comunismo não apresentaram objecção alguma. De facto tinha sido das fileiras do próprio centro esquerda que o primeiro esboço de lei da imunidade tinha vindo. Se houve torcer de mãos na imprensa a propósito da lei, o presidente – supostamente super partes do ponto de vista constitucional e tratado com a devida reverência – não foi posto em questão. Só uma voz nacional significativa se levantou, não em lamento, mas com severidade contra Ciampi. Ela veio de Sartori, um liberal conservador, que publicamente perguntou a Ciampi se ele realmente existia, desdenhosamente alcunhando o de coelho pela sua covardia.

Nos dias de hoje é um antigo Comunista – Giorgio Napolitano – o líder da facção mais direitista do PCI depois da morte de Amendola – quem se senta no Quirinale. No momento em que foi eleito, a primeira lei de imunidade tinha sido derrubada pelo Tribunal Constitucional. Mas quando lhe deram uma nova embalagem – à moda de Lisboa, poder se ia dizer – e a substância da mesma lei foi aceite por votação novamente pela maioria de Berlusconi no Parlamento, o líder da bancada pós comunista no Senado, longe de se lhe opor, explicou que o Partido Democrático não tinha qualquer objecção de princípio, embora talvez devesse entrar em vigor apenas na legislatura seguinte. Napolitano não teve tempo para taispoints d’honneur 4, assinando a passagem a lei no dia em que a recebeu. Mais uma vez, as únicas vozes a denunciar esta ignomínia foram liberais ou apolíticas, Sartori e um punhado de espíritos livres – imediatamente reprovados na imprensa não só de obediência Democrática, como da Rifondazione, por falta de respeito ao chefe de estado. Tal é a sinistra invertebrata 5da Itália hoje.

Forças históricas poderosas – o fim da experiência soviética; a contracção ou desintegração da classe trabalhadora tradicional; o enfraquecimento do estado de bem estar; a expansão da videosfera; o declínio de partidos – pesaram muito na esquerda em todo o lado na Europa, não deixando ninguém em forma particularmente boa. A queda do Comunismo Italiano é nesse sentido uma parte duma história mais comprida, para além da censura. Contudo em mais nenhuma parte foi uma herança tão imponente assim completamente desperdiçada. O partido que de Gasperi e Andreotti superaram em esperteza, que não conseguiu purgar o Fascismo ou quebrar o clericalismo, era ainda uma força em expansão com notável vitalidade, qualquer que fosse a sua inocência estratégica. Os seus descendentes conspiraram com Berlusconi, sem sombra qualquer de desculpa, totalmente conscientes de quem ele era e do que estavam a fazer. Há agora uma literatura abundante expondo Berlusconi, dentro e fora da Itália, inclusive pelo menos três estudos de primeira categoria em inglês. Mas é patente como muito disto se torna amaneirado quando toca no papel do centro esquerda em ajudá lo a limpar a folha e a entrincheirar se no poder. A cumplicidade dos seus presidentes em ofertas sucessivas para o pôr – e a si mesmos – acima da lei não é anomalia alguma, faz parte dum padrão coerente que viu os herdeiros do Comunismo italiano permitirem lhe conservar e estender o seu império de meios de comunicação, desafiando o que foi em tempos lei; não levantando um dedo para lidar com os seus conflitos do interesse; fazendo saltar da cadeia o seu braço direito e não poucos outros criminosos milionários; e repetidamente procurando fazer acordos eleitorais com ele, à custa de todos os princípios democráticos, para tirar benefício. No fim de tudo isto, ficaram não só de mãos tão vazias como os seus predecessores, como mais terminalmente vazios de mente e consciência.

O que acontecera pela sua parte à grande catedral da cultura de esquerda na Itália? Tinha começado a esmigalhar se muito antes, com as fundações minadas pela antiga fortaleza do próprio partido de massas. Como na Alemanha, a viragem à direita deu se inicialmente no campo da história, com uma reavaliação da ditadura entre guerras no país. O primeiro volume da biografia de Mussolini por Renzo de Felice, cobrindo o período até ao fim da Primeira Guerra Mundial, foi publicado em 1965. Mas só depois do quarto ter aparecido em 1974, cobrindo o período da Grande Depressão até à invasão da Etiópia – seguido um ano depois por uma entrevista com o tamanho dum livro com o neo conservador americano Michael Ledeen, posteriormente proeminente na questão Irão Contras – é que este enorme empreendimento teve um impacto importante na esfera pública, atraindo uma barragem de crítica à esquerda por ser uma reabilitação do Fascismo. No momento em que o seu quinto volume saiu, no início dos anos 80, de Felice tinha se tornado uma autoridade aceite, gozando de acesso imediato aos meios de comunicação – apareceria cada vez mais na televisão – encontrando um decrescente desafio dentro do país. Em breve estava a pedir o fim do anti fascismo como ideologia oficial na Itália. Em meados dos 90 explicava que o papel da Resistência no que foi de facto uma guerra civil no Norte, na qual as lealdades à República de Salò tinham sido subestimadas, tinha de ser desmistificado. O seu oitavo e último volume, incompleto à sua morte, saiu em 1997. No total, de Felice dedicou 6500 páginas à vida de Mussolini, mais do triplo da extensão da biografia de Hitler por Ian Kershaw e proporcionalmente mais longas até do que a vida autorizada de Churchill por Martin Gilbert: o maior monumento singular a um líder do século 20.

A escala da obra, mal escrita e muitas vezes arbitrariamente construída, não foi igualada nunca pela sua qualidade. A sua força reside na pesquisa infatigável em arquivos por de Felice e na sua insistência numas poucas verdades irrepreensíveis, principalmente em que os militantes do Fascismo como movimento tinham vindo na maior parte da classe média baixa, que o Fascismo como sistema atraiu o apoio de homens de negócios, de burocratas e das mais altas classes sociais em geral e que no seu apogeu o regime comandou um largo consenso popular. Estes achados, nenhum particularmente original, quedavam na companhia incoerente das afirmações de que o Fascismo brotara do Iluminismo, que não teve nada a ver com o Nazismo, que o seu colapso assistiu à morte da nação italiana, e não menos, de um retrato do próprio Mussolini com dimensões desesperadamente exageradas, indulgente, como um grande político realista- ainda que com falhas. Intelectualmente falando, de Felice teve pouco do equipamento conceptual ou da amplitude do interesse de Ernst Nolte, cujo primeiro livro tinha precedido o seu. Mas o seu impacto foi muito maior, não só por força do peso absoluto da sua erudição, ou até do facto – fundamental por muito que seja óbvio – de que na Alemanha o Fascismo tinha sido desacreditado de forma muito mais absoluta do que na Itália, mas também por no fim da sua carreira haver tão pouca vida na cultura oficial do pós guerra a que ele se tinha pretendido opor. Significativamente, as demolições mais radicais do seu edifício vieram de Denis Mack Smith em Inglaterra e não de qualquer historiador italiano.

Mas se não houve nenhum verdadeiro equivalente ao Historikerstreit na Itália, em que de Felice poderia sentir que tinha realizado a maior parte dos seus objectivos, houve também uma viragem à direita das energias intelectuais em geral com contornos menos nítidos do que na Alemanha. O sucessor principal a de Felice, Emilio Gentile, dedicou se a amplificar o tema familiar de que as políticas de massas do século 20 foram versões secularizadas da fé sobrenatural, dividindo as em marcas malignas – Comunismo, Nazismo, nacionalismo – incluindo de religiões ‘políticas’ fanáticas e formas mais aceitáveis, nomeadamente o patriotismo americano, que constituem religiões ‘civis’: totalitarismo versus democracia em roupagens sagradas. Isto é uma construção que ganhou mais seguimento nos EUA ou no Reino Unido do que na própria Itália. O mesmo, paradoxalmente, poderia dizer se dos últimos frutos à esquerda do operaismo. Aí, o espírito sóbrio da enquête ouvrière 6 tinha falecido com a morte prematura de Panzieri em meados dos 60, e com a impulsão de Tronti e do jovem crítico literário – então igualmente incendiário – Alberto Asor Rosa, a sua perspectiva sofreu duas voltas drásticas.

De Tronti veio a convicção de que a classe trabalhadora, longe de ter de suportar transformações econômicas sucessivas às mãos da capital, era o seu demiurgo, impondo a empregadores e ao estado as mudanças estruturais de cada fase de acumulação. O segredo do desenvolvimento não residia nos requisitos econômicos impessoais da rentabilidade vinda de cima, mas na pressão condutora da lutas de classes vinda de baixo. De Asor Rosa veio o argumento de que ‘a literatura comprometida’ era um delírio populista, dado que a classe trabalhadora nunca poderia esperar beneficiar com as artes ou as letras dum mundo moderno no qual a cultura como tal era, por definição, irremediavelmente burguesa. Não se seguiu nenhum filistinismo cru, nem tolstoyanismo pobre de espírito. Pelo contrário, era apenas o Alto Modernismo de Mann ou Proust, Kafka ou Svevo, e o vanguardismo radical até, mas não depois, de Brecht que contavam como literatura – mas enquanto testemunhos tantos, de incomparável invenção formal, das contradições internas da existência burguesa, não enquanto legado de uso algum para o mundo do trabalho. A divisória entre os dois não podia ser ligada até pelas melhores intenções revolucionárias de um Mayakovsky: era da sua constituição.

Para fazer boa literatura, o socialismo não foi essencial. Para fazer a revolução, os escritores não serão essenciais. A luta de classes toma um caminho diferente. Tem outras vozes para se exprimir, se fazer entender. E a poesia não pode estar por trás dela. Porque a poesia, quando é grande, fala numa língua na qual as coisas – as coisas difíceis de luta e da existência diárias – assumiram já o valor exclusivo de um símbolo, de uma metáfora gigantesca do mundo: e o preço, muitas vezes trágico, da sua grandeza é que o que diz escapa à prática, para não regressar mais a ela.

Quando isto foi escrito, o objetivo era a linha oficial do PCI, e por trás dela Gramsci, que tinha acreditado que o movimento comunista era o legítimo herdeiro da cultura europeia mais elevada, da Renascença, Reforma e Iluminismo em diante e que entre os problemas ele tinha de resolver na Itália estava a ausência duma literatura popular nacional. Mas como os motins do fim dos 60 se desenrolavam, primeiro Tronti e logo Asor Rosa decidiram que fazia mais sentido trabalhar dentro do PCI, onde se podia encontrar a classe trabalhadora organizada no fim de contas, do que fora dele. Ao dar este passo, Tronti transpôs a sua visão da primazia das lutas na fábrica às atividades do partido na sociedade, radicalizando a numa teoria da autonomia da produção da política. Mais jovem do que Asor Rosa ou Tronti, e o mais intelectualmente ambicioso do trio, Massimo Cacciari concluiu então o que eles tinham começado, não meramente separando cultura e economia da política revolucionária, mas propondo uma dissociação sistemática de todas as esferas da vida e do pensamento modernos umas das outras como outros tantos domínios técnicos, cada um intraduzível num outro. Em comum estava apenas a sua crise, igualmente visível na física, economia neoclássica, epistemologia canônica, política liberal do virar de século para não falar da divisão do trabalho, das operações do mercado e da organização do estado. Apenas o ‘pensamento negativo’ tinha sido capaz de agarrar a profundidade desta crise – Schopenhauer, Nietzsche, Wittgenstein, Heidegger. O que Hegel tinha juntado, eles recusaram: síntese dialética de qualquer espécie.

O operaismo sempre fora anti historicista, ele era também anti humanista. Na Krisis de Cacciari (1976), encontrou agora inspiração na linha de pensadores niilistas, dos quais Nietzsche foi inicialmente o mais importante pela sua narrativa da vontade de poder, cuja encarnação contemporânea só podia ser o PCI. Mas não devia haver qualquer irracionalismo. O que a ‘cultura da crise’ exigia eram ordens e formas da racionalidade novas, específicas de cada prática. Assim ao guiar o partido em direcção aos seus objectivos, Weber e Schmitt – não Gramsci – foram os conselheiros indicados, cada um especialista em política como técnica lúcida, fria. Intelectualmente falando, uma rejeição mais meticulosa do Marxismo reverenciado no PCI, impregnado dum espírito hegeliano de síntese, seria difícil de imaginar. Mas, politicamente, a viragem nietzschiana do operaismo provou ser perfeitamente compatível com a linha oficial do partido no princípio dos anos 70. Porque o que poderia a vontade de poder querer dizer na Itália desse tempo? A resposta, argumentou Tronti, era clara: era a vocação do PCI para governar o país como o arquitecto duma aliança entre o trabalho organizado e o grande capital para modernizar a economia e a sociedade, de forma não diversa do New Deal na América, que ele sempre admirara – um pacto de salários e lucros contra o parasitismo das rendas.

O PCI, que sempre fora tolerante com as diferenças teóricas contanto que não ameaçassem com perturbação política, acomodou os defensores do pensamento negativo sem dificuldade – por esta altura não era já capaz de se comprometer criticamente com tais afloramentos exóticos de qualquer modo. Sensível ao prestígio de que estes viriam a gozar, na devida ocasião assegurou lhes honras na esfera política cuja autonomia tinham sustentado. Cacciari tornou se deputado do PCI antes de prosseguir fazendo carreira como prefeito de Veneza, onde está agora colocado; Tronti e Asor Rosa acabaram por ser feitos senadores. Inevitavelmente, o preço de tal integração num partido que tão conspicuamente falhou no terreno do poder em que eles o tinham nomeado, foi o desvanecer do operaismo como um paradigma coerente. Vinte anos depois, o PCI feito agora apenas memória, Asor Rosa comporia um melancólico balanço da esquerda italiana, ao qual ele e Tronti permaneceram fiéis à seu próprio estilo, enquanto Cacciari é hoje um ornamento da direita do Partido Democrático, combinando misticismo e tecnicismo – de forma nada desajustada para um admirador de Wittgenstein – numa política de outro modo muito semelhante à do New Labour. O legado intelectual do pensamento negativo foi pouco mais do que um culto árido de especialização e concomitante despoliticização, para quem veio depois.

Na encruzilhada do final dos 60, Negri seguiu na direcção contrária, defendendo não um compacto entre capital e trabalho organizado, para a modernidade, sob a égide do PCI, mas uma escalada no conflito entre trabalho não organizado – ou desempregado – e o estado, em direcção à luta armada e à guerra civil. Depois do esmagamento da Autonomia da qual tinha sido o teórico, e da sua detenção por um magistrado comunista por acusações fraudulentas de ter idealizado a morte de Moro, o exílio em França produziu uma corrente constante de publicações, a mais notável sobre Spinoza. Aqui se preparou a metamorfose do trabalhador não fabril do fim do século 20 da Autonomia Operaia na figura do século 17 da ‘multidão’ noImpério, escrito com Michael Hardt, aparecendo nos Estados Unidos muito antes de se ver impresso em Itália. Desde que famoso, o impacto internacional de Negri foi mais vasto do que a sua influência nacional, embora exista um público seguidor mais jovem. O mesmo é verdade para Giorgio Agamben, uma chegada tardia à constelação, compartilhando muitos pontos de referência com Cacciari – Heidegger, Benjamin, Schmitt – mas com uma inflexão política, pô los à parte.

Vistas comparativamente, as semelhanças do operaismo com filamentos do gauchisme que floria em França na década de meados dos 60 a meados dos 70, são notáveis – ainda mais pela falta de qualquer contacto directo entre eles. Parece ter sido uma concordância objectiva que levou pensadores em volta do Socialisme ou barbarie quase pelo mesmo caminho dos em volta de Contropiano, dum obreirismo 7 radical a um subjectivismo anti fundacional – embora nos Negri ou Agamben mais tardios, com as suas dívidas a Deleuze ou Foucault, correntes franceses e italianas fluíssem directamente para dentro um do outro. O resultado contrastante das duas experiências deverá ser largamente explicado por diferenças na situação nacional. Em França o PCF não oferecia nenhuma tentação e a revolta de Maio Junho de 1968 foi tão breve quanto espectacular. Em Itália, onde a rebelião popular durou muito mais tempo, o comunismo era menos fechado e os pensadores eram significativamente mais jovens, a vida após a morte do operaismo permanece maior, se bem que confinada às margens.

A recuperação do Fascismo à direita, o eclipse do obreirismo à esquerda, mudaram o espaço do centro, no qual as versões seculares e clericais do juste milieu 8 têm tradicionalmente coexistido. Aí, paradoxalmente, o colapso da Democracia Cristã, terminando o domínio dum partido político abertamente Católico, em vez de diminuir o papel da religião na vida pública, redistribuiu o mais equilibradamente através do espectro político do que alguma vez no passado. Pois os votantes da DC não só muitas vezes se dividiram equilibradamente entre o centro direita e o centro esquerda, como também se revelaram o sector singular mais volátil do eleitorado, tornando os um ‘factor de oscilação’ ainda mais ansiosamente prezado pelos blocos em competição. Correndo atrás deles, antigos líderes do PCI, para não falar de ex radicais, caíram no fracasso ao explicar a sua sensibilidade religiosa privada, a assistência à missa desde tenra idade, a vocação espiritual oculta e outros requisitos de uma política pós secular. Com efeito, o que a Igreja perdeu com a passagem dum partido de massas de obediência estrita, ganhou com a difusão de uma influência, se porventura de temperatura mais branda, mais penetrante no conjunto da sociedade. Com isto houve uma descida a níveis da superstição não vistos há muitos anos: o fruto da ocupação por Wojtyla do trono papal, quando mais beatificações foram pronunciadas (798) e mais santos foram feitos (280) do que nos de cinco séculos anteriores todos somados, o número de milagres necessários para a santificação se cortou para metade e o culto grotesco do Padre Pio – um Capuchinho divinamente visitado por estigmas em 1918, autor dum qualquer número de feitos sobrenaturais – subiu pelos ares, chegando ao ponto da imprensa dominante poder com toda a seriedade discutir a veracidade dos seus triunfos sobre as meras leis da ciência.

Uma cultura secular capaz deste grau da complacência em relação à crença não será provavelmente mais combativa em relação ao poder. Sob a Segunda República, a opinião nos órgãos centrais da cultura editorial italiana desviou se raramente da doxa 9 neoliberal do seu período. A maior parte da sua produção neste período não se distinguia do que se pode encontrar nos jornais neo tablóides da Espanha, França, Alemanha, Inglaterra ou doutro lugar. Nenhum comentarista com auto respeito deixou de pedir reformas que curassem os males de sociedade, para os quais o remédio era sempre a necessidade de mais competição nos serviços e no ensino, mais liberdade para o mercado na produção e consumo e um estado mais disciplinado e simplificado, com variações girando apenas quanto aos adoçantes a serem oferecidos a quem estivesse no extremo da recepção dos ajustamentos necessários. Uma conformidade deste tipo tem sido tão universal que não teria sido razoável ter esperado que colunistas e jornalistas italianos mostrassem mais independência de espírito. A atitude da imprensa em relação à a lei é outra questão. Na vanguarda dos matizes e gritos contra a classe política da Primeira República- depois dos magistrados terem lançado ataque à sua corrupção – a imprensa revelou se notavelmente submissa desde que Berlusconi se estabeleceu como peça central da nova ordem, limitando se na sua maioria a críticas proforma, sem uma ponta da guerre à l’outrance 10 que lhe poderia realmente ter causado danos ou expulso de cena.

Para isso, o seu fogo teria tido de ser dirigido não apenas contra o próprio Berlusconi, mas também contra os juízes que regularmente o absolveram, o estatuto de limitações que esvaziou as acusações contra ele, as presidências que lhe asseguraram imunidade e os partidos de centro esquerda que o tornaram num interlocutor de facto prezado e aceite. Nada pode estar mais longe do sentido geral da imprensa nesses anos, onde as queixas por negligência são regularmente tingidas de medo e servilismo. A debilidade deste registo é realçada pelas raras excepções. Dessas, uma destaca se acima de todas, a do repórter Marco Travaglio, cujas acusações implacáveis não somente das criminalidades de Berlusconi ou Previti, mas do sistema inteiro de conivências que os protegeu, e não somenos as da própria imprensa, têm pouco paralelo no mundo amansado do jornalismo europeu desses anos. Sem surpresa, Travaglio, cujos livros se venderam às centenas de milhares, é uma figura da direita liberal, exprimindo se com uma ferocidade e uma liberdade de tom quase desconhecidos à esquerda [†].

Na Europa – isto não é verdadeiro, pelo menos do mesmo modo que na América – o mundo dos meios de comunicação por via de regra reflecte mais do que cria a condição duma cultura, cuja qualidade depende, no final de contas, muito mais do estado das universidades. Em Itália, notoriamente, estas permaneceram arcaicas e subfinanciadas, muitas reservatórios da intriga burocrática e da clientela baronial dos departamentos. O resultado foi uma perda constante das melhores mentes do país para postos no estrangeiro. Virtualmente cada uma das disciplinas foi afectada, como demonstra o rol de eruditos principais baseados ou a trabalhar por longos períodos nos Estados Unidos: Luca Cavalli Sforza na genética, Giovanni Sartori na ciência política, Franco Modigliani na economia, Carlo Ginzburg na história, Giovanni Arrighi na sociologia, Franco Moretti na literatura, a quem nomes mais jovens poderiam ser acrescentados. Não uma diáspora num sentido forte, uma vez que quase todos mantiveram as suas ligações à Itáia, a maior parte ainda participando dum modo ou doutro na sua vida intelectual, a sua ausêcia contudo enfraqueceu obviamente a cultura que os produziu.

Se é provável algum recrutamento comparável provir das circunstâncias dos últimos anos, está para se ver. A julgar pela aparência, as possibilidades pareceriam fracas. Mas seria um erro subestimar a profundidade das reservas das quais o país pode sacar. Um relance pela Espanha, cuja modernização é agora muitas vezes apoiada por Italianos autocríticos como modelo do que perderam, é uma lembrança delas. Embora o seu crescimento económico fosse mais alto, o sistema de transportes mais rápido, as instituições políticas mais funcionais, o crime organizado menos espalhado e o desenvolvimento regional mais igual – todos os ganhos reais em relação à Itália – a Espanha permanece em comparação uma cultura provinciana, com uma vida intelectual muito mais estreita e mais derivada, cujo relativo atraso é sublinhado pelas modernidades que a rodeiam. Com todo o mau estado do país, a contribuição italiana para as letras contemporâneas é duma ordem diferente. Nenhum país na Europa, de facto, produziu recentemente um monumento de erudição global que iguale os cinco volumes da história internacional e da morfologia do romance editados por Moretti, e publicados pela Einaudi – uma empresa de magnificência peculiarmente italiana, de cuja escala o leitor anglófono tem só um vislumbre na versão de segunda mão, parcimoniosa em compaixão e espírito, editada por Princeton. Nem é tão pouco difícil encontrar exemplos duma capacidade italiana incessante para abanar no estrangeiro os paradigmas recebidos. As ‘Pistas’ de Ginzburg, para não falar do seu ensaio que reconstrói Dumézil, que nenhum historiador francês tentou, seriam um caso; o livro recente do classicista eminente Luciano Canfora sobre a democracia, censurado pelo seu editor indignado na Alemanha, seria outro; a demolição da ‘justiça internacional’ do cientista político Danilo Zolo, um terceiro. Tais tradições não morrem facilmente.

O que há de oposição política, além da ordem estabelecida inter partidos? De meados dos anos 60 em diante, o Comunismo italiano teve outro filamento, nem oficial nem operaista, que permaneceu mais autenticamente gramsciano que qualquer coisa que a sua liderança pudesse oferecer, ou por fim tolerar. Expulso em 1969, o grupo do Manifesto em torno de Lucio Magri, Rossana Rossanda e Luciana Castellina continuou a criar o jornal com aquele nome que permanece, até hoje, o diário genuinamente radical da Europa. Ao longo dos anos, foi esta corrente que produziu de longe a análise estratégica mais coerente e incisiva dos problemas que a esquerda e o país no seu conjunto enfrentam – descendente de Hegel, sem surpresa, fornecendo melhor equipamento para a tarefa do que a fascinação com Heidegger. Hoje o seu legado está no equilíbrio, as suas três figuras principais compondo memoriais da sua experiência, cada um dos quais será significativo. O primeiro a aparecer, a Ragazza del secolo scorso cuidadosamente elegante de Rossanda, tem sido um sucesso de vendas nacional. Mas em 2005 o seu jornal foi fechado, e o diário está agora, no meio do aperto do crédito, em risco de desaparecer. MicroMega, o espesso bimensal editado pelo filósofo Paolo Flores d’Arcais, não está em semelhante perigo, sendo parte do império editorial cujas peças de exibição são o diário romano La repubblica e a revista de notícias semanal L’espresso. Sob a Segunda República, Flores tornou o seu jornal o organizador da frente mais inflexível e eficaz da hostilidade a Berlusconi na Itália, desempenhando um papel político único na UE para uma publicação intelectual deste tipo. Um ano depois da vitória do centro direita em 2001, foi daí que uma onda de protestos de massas contra Berlusconi impressionante foi lançada, de fora e contra a passividade do centro esquerda.

Entre esses, duas outras figuras desempenharam um papel central. Uma foi Nanni Moretti, o actor/realizador mais popular do país, cujo cinema tem seguido a pista da dissolução do PCI e das suas partículas por mais duma década de modo crítico, se bem que muitas vezes encantador. O outro foi o historiador Paul Ginsborg, autor de duas das mais preponderantes histórias da Itália do pós guerra, um Inglês a dar aulas na Florença distinguido não só como erudito mas agora como cidadão no seu país adoptivo. Na segunda das suas histórias, cobrindo o período de 1980 a 1996, publicada em inglês com o nome Italy and Its Discontents(e nesta edição chegando apenas em 2001), Ginsborg avançou a hipótese de que, com todo o egoísmo e ganância do seu estrato yuppy – os ceti rampanti que floresceram sob Craxi – existia a seu par na classe média italiana um sector de profissionais mais atenciosos, com consciência cívica e de empregados públicos (ceti medi riflessivi) quem eram capazes de acções altruístas e que formaram uma fonte potencial de renovação da democracia italiana. A proposta encontrou algum cepticismo quando a desenvolveu. Mas em 2002 tornou se realidade. Uma vez que foi a camada que ele identificara que essencialmente forneceu as tropas para as manifestações contra Berlusconi desse ano.

Nisso, contudo, também residia a sua limitação. A forma distintiva que assumiam – manifestantes dando se as mãos em volta de edifícios públicos – foi rapidamente alcunhada como girotondi na imprensa, ou canção de vai de roda ‘O Anel’. Pretendendo simbolizar o espírito pacífico, defensivo do movimento, o resultado foi dar lhe o ar demasiado fácil dum jogo de crianças. Os partidos de centro esquerda, não só não gostando da repreensão que lhes era feita, mas temendo a competição política, fizeram pouco para esconder a sua hostilidade. Os girotondini não responderam na mesma moeda. Determinados em evitar qualquer acções tempestuosas do tipo da que fora ao encontro do G7 em Génova e esperando em vão por uma aliança com líderes sindicais penhorados ao centro esquerda, o movimento viu se inibido de montar qualquer ofensiva mais dura contra o governo, menos ainda contra os seus cúmplices da oposição e, por fim, desfeito pela sua auto imagem de bon enfant, não se pôde sustentar.

Quando, para fúria de Veltroni, o MicroMega corajosamente apelou a outra manifestação de massas contra o regresso de Berlusconi ao poder na Piazza Navona no Verão passado, as contradições subjacentes dos girotondini irromperam de forma visível, Moretti e metade da plataforma dissociando se dos oradores mais radicais, que esta vez não pouparam Napolitano, o PD ou a Rifondazione Comunista. Tal como as circunlocuções impenetráveis da Primeira República tardia produziram como reacção as cruezas calculadas da Liga do Norte, também nesta ocasião o puritanismo da maior parte da retórica dos girotondi, mais dados a implorar do que atacar ferozmente, fez detonar o seu contrário, uma rudeza exibicionista em imagem e idioma – as gabarolices de quarto de Berlusconi virtualmente convidam a isso – desde comediantes famosos por detestarem a classe política, ao embaraço agudo dos que pareciam os mais bem comportados da praça, mas aparentemente não, a ajuizar pelas sondagens de opinião, até à maior parte do próprio eleitorado de centro esquerda. Politicamente falando, o episódio pode ser lido como uma micro versão da polarização dos anos 70, ansiosas propiciações de cima mais uma vez provocando explosões iradas a partir de baixo. No Outono, tais tensões dissolveram se na torrente de protestos estudantis contra os cortes no financiamento do ensino e a compressão da escolaridade, aprovada pela votação do centro direita e uma – mais limitada – mobilização de sindicatos contra a resposta económica do governo à recessão global. As concessões ganhas são de menos significado do que a escala dos próprios movimentos. Mas esse padrão de retiradas tácticas de Berlusconi e de vagas temporárias de ira popular contra ele não é novo. Como isto se poderia alterar, à medida que pioram as condições económicas, está para se ver. Deixando para trás os perigosos instrumentos do carpinteiro e do agricultor, a esquerda italiana adoptou um símbolo após outro, do reino vegetal ou saído do nada – a rosa, o carvalho, a oliveira, a margarida, o arco íris. Sem algum lampejo de metalurgia, parece pouco provável que faça muito progresso.

[*] o termo italiano não tem a conotação anti intelectual de workerism em inglês, ou ouvriérisme em francês.

[†] L’odore dei soldi, de Marco Travaglio e Elio Veltri (Editori Riuniti, 2001); La scomparsa dei fatti (Il Saggiatore, 2006); Mani sporche, de Marco Travaglio, Gianni Barbacetto e Peter Gomez (Chiarelettere, 914 p., €19.60, 2007, 978 88 6190 002 8); Il bavaglio, de Marco Travaglio, Peter Gomez e Marco Lillo (Chiarelettere, 240 p., €12, 2008, 978 88 6190 062 2).

11 de março de 2009

Obama em Manassas

A vitória de Obama sinaliza uma virada política comparável a 1980 ou 1932? Mike Davis mapeia as mudanças no nível do condado, de baixo para cima - minoria-maioria demográfica, subúrbios subprime, preocupações financeiras do colarinho branco - catalisadas pela campanha de 2008. De cima, realinhamento do capital americano atrás do presidente do silício.

Mike Davis


56 • Mar/Abr 2009

Tradução / Na véspera da eleição de novembro, a pequena cidade de Manassas, no estado da Vírgina se tornou o improvável Woodstock da geração Obama quando milhares de pessoas se reuniram para ouvir seu candidato chegar ao fim de sua longa campanha de quase dois anos com um apelo final pela “Mudança na América”. Foi um grand finale orquestrado com considerável autoconfiança e ironia. Enquanto Manassas (população de 37000) se mantém uma fortaleza azul, o resto do condado de Prince William (38000) resume a ganância que se esbaldou na era Bush: uma paisagem urbana desorganizada de velhas casas, novas McMansões, shoppings falsamente históricos, centros de negócios de alta tecnologia, mega-igrejas evangélicas, ilhas de casas-apartamento párias e vestígios melancólicos de um lado gracioso da Virgínia. Costeado a sudeste pela Base de Quântico da Marinha e do Centro Nacional de Treinamento do FBI, o condado assegura a condição de uma proeminente nota de rodapé numa novela de Tom Clancy (1).

Como a parte ao sul do [Rio] Potomac, em Los Angeles, e a sétima região mais rica nos EUA, Prince Williams é exatamente o tipo “externo” ou “emergente” de subúrbios famosos pela mobilização que Karl Rove fez para reelegerem George W. Bush em 2004 (2). Na verdade, desde a vitória de Nixon sobre Hubert Humphrey em 1968, o Partido Republicano tem contado com subúrbios dos estados do sul e do sudeste que têm clima ameno e são conservadores [sunbelt], como o condado de Prince William, para ampliar as margens de vitórias nas eleições nacionais. Reaganomics [a política econômica do governo Reagan], é claro, foi incubada nas famosas revoltas contra impostos que sacudiram a Califórnia suburbana no fim dos anos 70, enquanto o "Contrato de Newt Gingrich de 1994 com a América" era principalmente uma carta magna para eleitores afluentes nos interiores do Oeste americano e em cidades da periferia do Novo Sul (3). Mesmo em subúrbios desenvolvidos e densos os Republicanos obtiveram vantagens da "contradição dos americanos pós-suburbanos permanecerem resolutamente anti-urbanos, mesmo com seu mundo tendo sido progressivamente urbanizado" (4).

Com efeito, Obama assinalou o começo de uma nova época quando escolheu como ponto máximo de sua campanha o que tem sido o lado errado do subúrbio Mason-Dixon-Line para a maioria dos Democratas, desde os anos 60 (com as exceções parciais de Jimmy Carter e Bill Clinton). Mesmo que o comício não estivesse marcado para as nove da noite, a multidão já estava pronta para a festa do Condado de Prince William no pôr do sol, e a rodovia interestadual sul 66 estava tomada de gente pela metade no sentido de volta a Washington DC até 26 milhas a nordeste. Um blogueiro do Washington Post maravilhou-se com a quantidade de fãs pelevermelha [índios] vestidos com a camisa do time, que haviam optado por ouvir Obama em vez de acompanharem o jogo clássico do sábado à noite contra o Pittsburgh Steelers. Segundo a polícia estadual havia mais de 80 mil pessoas, mas a campanha de Obama estava certa de que seu candidato falou para mais de 100 mil – talvez a maior audiência de uma multidão em um discurso eleitoral da história americana.

A última vez que uma multidão tão vasta reuniu-se em Manassas foi no fim de agosto de 1862, quando o exército da Virgínia, comandado por Robert E. Lee colidiu violentamente com o exército maior e dirigido pelo incompetente John Pope de Potomac. Vinte mil soldados mortos e feridos derramaram seu sangue no solo já manchado de vermelho com a abertura da maior batalha da Guerra Civil, no ano anterior. (O costume sulista que nomeou as batalhas com base na cidade mais próxima, glorificou esse massacre chamando-o de “A Segunda Batalha de Manassas”, enquanto para o Norte, onde as batalhas eram batizadas com o nome do rio ou riacho mais próximo, era “O Segundo Bull Run”.)

Obama, que lançou sua campanha eleitoral em Prince William, estava bastante consciente que falava sobre um solo consagrado pela antiga guerra ainda incompletamente redimida do legado da escravidão. Quando, depois de um longo atraso no trânsito do lado de fora do Aeroporto Dulles, ele finalmente subiu ao palco em passos largos às 10 e meia da noite. Estava cansado mas exultante. Como tinha feito várias vezes antes, prometeu aos seus apoiadores que o “o sentido de responsabilidade seriamente trabalhado” que lhes era comum definiria seu novo governo, não a “ganância e a incompetência” que haviam caracterizado a era de Bush. Jovens apoiadores começaram a cantar a assinatura da campanha, emprestada da batalha dos campesinos da Califórina nos anos 60: “Yes, we can!” (Si se puede, no original). Quase tão alto como Lincoln, e às vezes tão eloquente quanto, Obama levantou a multidão ao final, como que lhe assegurando, quando disse: “Virgínia, you can change the world” (5).

Obama supera Lee

Em 2004, George. W. Bush venceu na Virgínia com 53,1% dos votos e no Condado de Prince William com 52,8%. Desde 1948, só Lyndon Johnson (1964) tinha conseguido manter o velho domínio para os democratas, e John McCain era o favorito para preservar a tradição republicana num estado com uma famosa maioria de votos conservadores, militares e cristãos. O condado de Prince William, controlado pelos republicanos, era notório por sua delegação de direita na legislatura Richmond, bem como na recente perseguição a imigrantes ilegais latinos, “orgulhoso de ser o último reduto republicano no norte da Virgínia” (6).

Nesse evento, os eleitores da Virgínia, inclusive os bons burgueses de Prince William, deram a Barack Obama 52,7% da vitória no estado e 57,6% da margem em todo o país (um crescimento enorme de 12 pontos percentuais, em relação a 2004). enquanto Kerry venceu apenas em uma das quatro maiores regiões da Virgínia (norte da Virgínia), Obama venceu facilmente três (acrescentando a região da capital e Hampton Roads, no leste da Virgínia); ao passo que McCain obteve a pobre consolação dos votos no sudeste dos Montes Apalaches (7). Foi um resultado impressionante. Um democrata negro e com nome muçulmano chegou a Manassas e, com feito, bateu os fantasmas de Robert E. Lee e Jim Crow. O mundo está então mudando? As placas tectônicas paralisadas da política eleitoral americana finalmente está se movendo para a esquerda?

A psefologia (a análise estatística de eleições) é uma obsessão americana inescrutável, como mastigar tabaco e caçar com rifle. Ainda que Margaret Thatcher, Tony Blair e Ehud Barak tenham todos flertado com a escuridão, um ditado britânico cunhado do termo grego correlato nos anos 50 diz que só os nativos dos pântanos da Louisiana ou num escritório de advocacia de Washington podem possuir o instinto perfeito para obter estratégias vitoriosas de um pequeno fragmento de voto. Alguns compararam a análise do voto à habilidade sutil de um sommelier, mas é na verdade mais parecido (para estender a analogia francesa) com a atenção acurada dos médicos de Louis XIV aos conteúdos das panelas reais. Com a eleição nacional recente [de 2000] tendo sido decidida pelos “hanging chads” (8) na Flórida e com poucas abstenções em Ohio, a menor diferença estatística de uma tendência atrai intenso escrutínio desde os epígonos de Lee Atwater e James Carville. Na sua contagem de alguns poucos votos decisivos, a campanha de "boiler rooms" (9) dedicou-se monasticamente ao rastreamento de modismos obscuros no YouTube e de vegetarianos do Nebraska.

Desde esse ponto de vista as vitórias de Obama na Virgínia e em outros estados oscilantes, como Colorado, Flórida e Carolina do Norte constituem um ponto de virada: a aceleração de uma mudança de atitude no eleitorado que acontece uma vez a cada geração. Analistas conservadores estão especialmente preocupados com que a eleição possa prefigurar uma transformação política comparável à vitória epocal de Roosevelt em 1932 ou à de Reagan em 1980. De fato, com Wall Street e Detroit repentinamente em ruínas, e com o medo corroendo a alma da classe média suburbana, o Partido Republicano parece estar se dissolvendo numa amargura sem fim de facções sectárias e cultuando lideranças com limitado apelo nacional, como Sarah Palin. Em contraste, Obama abriu generosamente as portas da Casa Branca para os Clinton e republicanos, reforçando sua imagem de centrista pragmático focado num governo competente e na unidade nacional.

A maioria dos analistas políticos e estrategistas partidários atribuem o significado dessa eleição à teoria do realinhamento eleitoral proposta primeiramente em 1955 pelo legendário cientista político da Universidade Harvard, V. O. Key Jr – mais tarde desenvolvida em detalhe por seu protegido no M.I.T., Walter Dean. Para explicar a ascensão e queda de sucessivos sistemas partidários, de Andrew Jackson a Ronald Reagan, eles postularam uma causalidade análoga à do paradigma paleontológico do“equilíbrio pontuado”, de Eldredge e Gould, segundo a qual a evolução eleitoral é espremida em reorganizações episódicas que estão sincronizadas com grandes crises econômicas (1896, 1932 e 1980). Ainda que muitos intelectuais acadêmicos permaneçam céticos, a tese de Key e Burham da “eleição decisiva” (critical election) do realinhamento durável de blocos de interesse e de lealdades partidárias permanece sendo o santo graal da atual campanha presidencial. (10)

No seu Critical Elections and the Mainsprings of American Politics [A Decisão Eleitoral e o Motor da Política Americana] (1970), Burnham apresenta uma definição canônica razoável:

“O realinhamento crítico é caracteristicamente ligado a disrupções curtas mas muito intensas dos padrões tradicionais de comportamento dos eleitores. Partidos majoritários se tornam minoritários; a política que já foi competitiva se torna não-competitiva ou, alternativamente, áreas que até agora eram de um só partido se tornam arenas de intensa competição partidária; e grandes blocos de eleitorado ativo – minorias, para ser claro, mas talvez chegando a um quinto ou a um terço dos votantes – mudam seu vínculo partidário”. (11)

Mesmo que a maioria de 53% dos votos populares de Obama não tenha alcançado a marca da vitória esmagadora de FDR [Franklin Delano Roosevelt] em 1932 (57%), ela é maior que a obtida pela performance de Reagan em 1980 (51%) e, é claro, eclipsa a pluralidade fortuita de Clinton (43% no colégio eleitoral, contra os outros dois candidatos, George H.W.Bush e Ross Perot) (12). Exceto as quatro vitórias de FDR e a aniquilação de Lyndon Johnson sobre Barry Godwater em 1968, Obama saiu-se melhor do que qualquer candidato democrata desde a Guerra Civil, e sua campanha jogou lenha na fogueira do critério de Burnham da abertura do terreno inimigo à intensa competição, enquanto se galvanizam novos eleitores e grupos de interesses em nome do novo movimento insurgente.

A campanha democrata de 2008 foi o que Marshall McLuhan chama de salto de um universo midiático a outro.

Mais ainda, sua vitória forjou-se numa nova estratégia de comunicação política operando em redes baseadas na internet, que dificilmente existiu em 2000 e ainda é pobremente entendida pelos velhos políticos. Ainda que tanto nas campanhas presidenciais de 1932 como na de 1960 também tenham sido introduzidas grandes inovações na tecnologia da política (rádio e televisão, respectivamente), a campanha democrata de 2008 foi o que Marshall McLuhan chama de salto de um universo midiático a outro.

Construída sob o modelo “choque e pavor” de Howard Dean na internet nas primárias de 2004 (e mantendo a habilidade da perspicácia de Dean como presidente nacional dos Democratas), a campanha de Obama usou a especialidade do Vale do Silício para extrair um Eldorado de pequenas doações através de uma rede social e de sites da campanha (13). Como disse admiravelmente Joshua Green no Atlantic, "durante o mês de fevereiro.... sua campanha levantou 55 milhões de dólares - sendo 45 milhões só na internet - sem que o próprio candidato tivesse aberto um só fundo de arrecadação (14). Enquanto tentava competir com esse "Fanático" [Juggernaut] (15), a campanha de Hillary Clinton caminhou para a bancarrota no verão, e McCain já tinha ultrapassado seu orçamento em 154 milhões de dólares no outono - um revés dramático para a vantagem financeira habitual dos republicanos nas eleições presidenciais. (16)

Uma intensa arrecadação permitiu à campanha de Obama intensificar os esforços para os registros de votação ao longo do país e montar uma blitz midiática num número sem precedentes de estados. Os democratas também fizeram um uso brilhante dos votos novos e das abstenções (quase um terço do total dos votos), para assegurar o voto dos trabalhadores, idosos caseiros, e do residentes inertes – todos esses tradicionalmente tiveram problemas para conseguir tempo livre para votar ou enfrentavam longas filas de espera. Novas armas, como o blog do candidato (uma versão digital dos firesides chats (17)) e marketing viral em mensagens destinadas a mobilizar um imenso exército de voluntários (5000 só no Condado de Prince William), enquanto a saturação de propagandas nas tevês, nos telefonemas automáticos e na arregimentação de estrelas de rock desarmavam as posições inimigas.

A campanha de Obama explorou todas as oportunidades para tornar a eleição um conflito epocal tecno-geracional, contrapondo várias redes de diversas expressões da juventude ao ódio obeso dos fãs de rádios AM e às congregações evangélicas robóticas. Com as multi-tarefas em seus amados Blackberrys ou em Ipods plugados nas suas manhãs de ginástica, Obama facilmente se lançou como a personficação das competências do século 21, algo que alguns psicólogos podem representar como um salto evolutivo, ao passo que McCain, com sua fobia confessa a computadores e locuções arcaicas (“Meus amigos....”), está pronto para a caricatura de um paciente de Alzheimer desorientado.

Porém, revoluções na comunicação política não tornam realinhamentos automáticos, e novas eras vastamente aclamadas na história política americana tornaram-se algumas vezes miragens de vida curta. Na cuidadosa construção de Burnham, uma “eleição de realinhamento” só pode ser ratificada como divisor de águas depois que o sistema político tiver começado, sem ambiguidade, a consolidar seus resultados. Então, a vitória de Carter em 1968, que alguns democratas celebraram como um renascimento democrático no Sul, levou um partido dividido a um beco sem saída, sem esperanças, enquanto a vitória de Bill Clinton sobre Bush pai em 1992 foi uma conquista partilhada com o bilionário aventureiro Ross Perot (que tomou 19% dos votos, a maioria de Bush) e rapidamente posto em xeque pela varredura republicana do Congresso em 1994. (Como nos lembra Matt Bai, “os exuberantes anos 90 foram, na verdade, a pior festa da década desde os vibrantes anos 20”) (18).

Obama, que será o primeiro presidente da história a enfrentar os dois desafios de uma guerra no exterior e uma depressão econômica, pode indubitavelmente implicar o ressurgimento republicano em 2010 ou 2012. Mais ainda, sua popularidade, como a de Bill Clinton, excede a do seu partido e um nada formidável contingente de democratas pegou carona na sua vitória de Novembro. (Os democratas esperavam ganhar 10 novos assentos no Senado e 30 a mais no Congresso; na eleição chegaram a 7 e 21, respectivamente.). Os psefologistas, porém, provavelmente darão a Obama chances melhores para fazer um realinhamento partidário do que deram a Clinton e a Carter. Já nas análises preliminares do voto da eleição presidencial de 2008 se revelam novas alianças e mudanças de vínculos de lealdade; coisa que uma crise econômica em aprofundamento pode ter cimentado: uma maioria democrática e durável, senão liberal.

Essas tendências potenciais de realinhamento incluem o desaparecimento do “1896 invertido” no mapa eleitoral do país; provavelmente o ápice do voto evangélico e da estratégia republicana da cultura da guerra. As vitórias de Obama nos redutos de Karl Rove, o reaparecimento de uma coalizão de arco-íris no eleitorado; uma revanche latina contra o nativismo; e o triunfo político da Nova Economia sobre a Velha.

A dissolução da América vermelha
Na famosa “eleição dramática” de 1896, William McKinley, de Ohio, uma estrela paradigmática dos republicanos venceu o pleito com a esmagadora maioria do eleitorado dos estados do Nordeste e dos Grandes Lagos, mais os votos da Califórnia e do Oregon. De outra parte, seu oponente, William Jennings Bryan, uma estrela menor dentre os democratas, oriundo do Nebraska, obteve os votos no oeste da região das Montanhas Rochosas, nos Great Plans [sudoeste de Oklahoma] e a primeira Confederação Republicana pró-taxação, em outras palavras, os dirigentes do centro industrial, enquanto os democratas do dinheiro barato eram a voz dos descontentes das minas e das fazendas nas periferias do Oeste e do Sul.

Pois na última década o exato inverso do voto de 1896 definiu a distribuição dos assim chamados estados azuis e vermelhos. Assim, o Maquiavel de Bush, Karl Rove, baseou diretamente as estratégias da campanha presidencial de 2000 e 2004 em maiorias republicanas impregnáveis no que uma vez já foi o reduto interiorano de Bryan, no Oeste e no Sul, enquanto Gore e Kerry contaram com a sólida democracia no antigo núcleo de McKinley. Os maiores estados em que houve mudanças ao longo da era dos 60 aos 80, a Califórnia e o Texas, foram capturados, respectivamente, por liberais democratas e republicanos conservadores nos anos 90. Assim, o que permaneceu em jogo numa era de votos populares extremamente fechados foi um punhado de “estados púrpura”: mais especificamente, o voto dos ricos do Colorado, do Missouri, Ohio e Flórida.

Ainda que (como podemos ver) uma mudança simples na perspectiva analítica forneça um olhar diferente dessa guerra requentada entre estados como uma luta complexa entre eleitorados em cores e periferias dos sistemas metropolitanos e corredores urbanos, o conceito de uma divisão regional principal na política presidencial ficou mais uma vez marcado no imaginário da era Bush. Com efeito, grande parte do papel desempenhado por Sarah Palin na chapa com McCain era fazer os eleitores da “América verdadeira” se lembrarem disso incessante e odiosamente – um papel cuja apoteose reside no subúrbio deprimente de onde ela vem -, bem como de seu Outro, o estranho.

Em tese, contudo, um candidato a presidente não precisa dirigir uma nação vermelha ou azul, nem mesmo ter a maioria dos estados: os votos de onze dos estados mais populosos será suficiente. Obama venceu em nove – perdendo apenas no Texas e na Georgia. Ao subtrair três dos maiores estados do Sul e três dos mais populosos dos estados da Região das Rochosas, vê-se que ele destruiu os mitos de Rover relativos ao (novo) Sul Sólido e à América Estado Vermelho.

Nos antigos Estados Confederados (com algo em torno de um terço da população norte-americana), McCain perdeu na Virgínia, na Carolina do Norte e na Flórida: grandes estados com economias avançadas e bem-educados rapidamente aumentaram seu eleitorado. Em ambos, Virgínia e Carolina do Norte, a vitória de Obama foi construída com base na aliança com os afro-descendentes [African-Americans] e profissionais liberais brancos, reforçada por imigrantes e estudantes dos primeiros anos da universidade [colleges] (19). Enquanto isso, na Geórgia, Obama ganhou grande parte dos votos (47%) que qualquer democrata desde Jimmy Carter, trazendo o "estado do pêssego" de volta à categoria dos oscilantes.

Os estrategistas republicanos deveriam estar especialmente preocupados com a forte demonstração (45%) na região metropolitana de Atlanta - as regiões de Cobb e Guinnett, com uma população de quase 1,5 milhões de pessoas - onde uma crescente classe média negra e uma significativa migração latina está erodindo um dos blocos mais conservadores no país. Ainda que McCain tenha vencido no Texas por quase um milhão de votos, ele perdeu tanto em Dallas como na região de Harris (região metropolitana de Houston), estimulando desse modo as esperanças democratas de pôr um fim na supremacia republicana no próximo ciclo eleitoral (20).

No Oeste, o senador do Illinois levou os votos cruciais do Colorado, Nevada e Novo México. Pela primeira vez os democratas se tornaram maioria, por apenas uma fatia da soma dos votos presidenciais dos cinco “mega” estados a Oeste da Região das Rochosas, a região de crescimento mais rápido do país. Esses novos estados “Los Angeleses” (habitados em peso por “fugitivos” da Califórnia) se tornaram a primeira divisão do campo de batalha eleitoral e ganharão ao menos três assentos a mais no Câmara dos Deputados na próxima redistribuição baseada no Censo do decênio 21. (22) Nesse sentido, esses estados figuram fortemente nas esperanças dos democratas de obterem um duradouro realinhamento.

Em outro lugar do Oeste, em Montana, Obama alcançou um progresso impressionante sobre Kerry, dadas as razões dos democratas para viver em Idaho, aumentando sua maioria em Tucson, tomando Omaha (vencendo pela primeira vez em Nebraska desde 1964), e ficou a apenas 2000 votos da conquista da Região de Salt Lake (na qual Bush tinha vencido com a diferença de 80 000 votos em 2004). (23) De sua parte, os republicanos mantiveram milhõs de acres imóveis inabitados no Alaska, Wyoming e nos estados do meio-oeste e com a ajuda de seus dois mais importantes eleitorados do Oeste - mórmons e aposentados - evitou o que algumas pesquisas estavam prevendo, como a zebra no seu estado natal, o Arizona.

Mais ainda, ao longo do Sunbelt [os estados do sul dos EUA: Alabama, Arizona, Califórnia, Flórida, Geórgia, Luisiana, Arkansas, Colorado e Utah], Obama foi particularmente bem sucedido em todos os “corredores tecnológicos” que comandam o crescimento regional: os subúrbios do norte da Virgínia D.C., o assim chamado Crescente Chesapeake, o Triângulo da Pesquisa na Carolina do Norte, a Costa Espacial da Flórida, as regiões mais populosas do Colorado [“Front Range” cities of Colorado], o corredor Albuquerque-Santa Fé no Novo México, e o Vale do Silício, além de todos os seus vizinhos na Costa Oeste. Enquanto Kerry perdeu 97 de 100 nas regiões de crescimento mais rápido, Obama ganhou 15, inclusive as três maiores, e trouxe para os democratas ao menos 8 pontos em 67 outras regiões.

Tampouco os republicanos encontraram consolo no patriotismo e nos valores familiares do velho centro industrial. No começo McCain tinha altas esperanças de disputar a maioria católica da região, a classe trabalhadora branca que tinha participado nas prévias da impersonificação de Hillary Clinton como Rosie the Riveter (24).

Mas, na sombra de um colapso da indústria automobilística, da queda dos valores dos imóveis e o encolhimento das aposentadorias, a imensa maioria dos apoiadores de Clinton desdenharam o anúncio do “encanador Joe” do McCain, em favor da vaga promessa repetida por Obama de que iria salvar os empregos na indústria EUA (25).

A vitória democrata menos esperada na região foi em Indiana, um reduto fortemente azul, mas um estado culturalmente conservador que deu a Bush mais votos em 2004 (60%) do que o Mississippi, e por isso foi considerado um terreno muito pouco competitivo. Ao longo da última década de fechamento de fábricas e de retração econômica, os hoosiers (26) provavelmente deram um melhor exemplo do que os cidadãos do Kansas, para o famoso argumento de Thomas Frank em Qual o Problema com o Kansas? (2004) (27), que levou à enganação da classe trabalhadora branca a votar contra seus próprios interesses econômicos. Em Indiana, ao menos, a consciência de classe submeteu-se a um revival.

De fato, a vitória de Obama deveu-se majoritariamente ao dramático aumento do apoio dentre os brancos (45% versus 34% para Kerry), especialmente nos centros industriais menores e populosos, como Evansville, Kokomo e Muncie (a “Middletown” original dos famosos estudos de Lynd nos anos 20 e 30) (28) que tinham sido maciçamente pró-Bush em 2004. Como disse James Barnes no National Journal, "essa é a parte que já foi brilhante na linha de montagem automobilística, mas muito dessa indústria se foi, e os eleitores que no passado votavam em questões sociais (a cidade de Anderson, em Indiana, é o lar da Igreja de Deus) ou na segurança nacional podem ser ganhados com um tom econômico forte) (29).

Esse foi exatamente o tom que a bem preparada campanha de Obama deu aos milhares de voluntários apaixonados para falarem de empregos e aflição econômica, enquanto McCain confiou num impotente esforço da igrejas evangélicas vociferantes e de câmaras de comércio desanimadas (30).

O sucesso democrata em Indiana repetiu-se na vizinhança do noroeste de Ohio, onde as forças de Obama foram altamente energizadas pelo enferrujado mas ainda orgulhoso sindicato de Toledo, que já foi um baluarte da campanha de Bush nos exúrbios e cidades industriais da região. Como resultado os democratas têm, agora, toda a margem dos Grandes Lagos, pela primeira vez desde Lyndon Johnson.

Obama também foi surpreendentemente bem no país do Lake Wobegone: o reduto luterano do norte do Meio-Oeste, a prova histórica da insurgência política, onde 50 condados rurais brancos no Wiscounsin, Minnesota e Iowa, que tinham votado em Bush em 2004 mudaram de voto em seu favor. Ainda que ele tenha perdido Dakota do Norte, diminuiu a margem de vantagem dos republicanos dos largos 19 pontos de 2004. No Missouri, onde Obama marcou vitórias em vários subúrbios tradicionalmente conservadores de St. Louis, a eleição produziu um empate virtual, com McCain chegando ao final com uma vitória por menos de 4000 votos da zona rural (31).

Enquanto isso, no Nordeste a aleição foi um evento de quase-extinção para o Partido Republicano, em que este perdeu seu último membro na Câmara dos Deputados para a Nova Inglaterra. O condado de Duchess em Nova York – notório nos anos 30 e 40 como um pântano de odiadores de Roosevelt – silenciosamente passou para o lado de Obama, como o fizeram os últimos redutos suburbanos do partido republicano na Grande Nova York: o bairro de Staten Island e o Condado de Suffolk a leste de Long Island.

Os magros progressos de McCain sobre Bush em 2004 ficaram confinados às paróquias cajun (32) da Luisiana e ao planalto sul, a 400 longas milhas de uma zona de condados de maioria branca evangélica que vai das montanhas do Leste de Oklahoma até as montanhas do West-Virgínia (um estado que, ao contráio, permanece solidamente democrata, não tendo eleito sequer um republicano para o Senado desde 1956). Aqui, aparentemente, raça e/ou fundamentalismo religioso determinaram os resultados. Uma piada local dizia que Bill Clinton tinha sido popular nessa região muito pobre, mas isso era uma consolação pequena para "William Jennings" McCain, ao vencer em Jonesboro e Hazard, quando estava perdendo em termos demográficos em Charlote e Orlando (33).

A perda da vantagem republicana

Se a estratégia sagaz da equipe de Obama no período das primárias foi tirar vantagem do “Fanático” (34) de Clinton ao atrair democratas frequentemente ignorados nas "convenções estaduais" de maioria republicana, o seu movimento enfático depois da convenção foi concentrar recursos sem precedentes para mudar a tendência de grandes redutos suburbanos que, até então, tinham sido considerados unilateralmente republicanos. Kerry e Gore, com pouco dinheiro e menos audácia, tinham evitado grandes ataques nos centros "Roverianos" (35) e preferido mobilizar mais votos em centros metropolitanos e em subúrbios do interior indubitavelmente democratas. Mas a campanha de Obama abraçou o "nós-podemos-virar-os-subúrbios", estratégia testada com sucesso nas recentes eleições da Virgínia pelo grande articulador democrata Mike Henry. Eles, assim, insolentemente fincaram a bandeira em regiões demograficamente dinâmicas, como o Condado de Prince William, onde calcularam que gerentes de franquias, contadores e servidores públicos estavam mais preocupados em sacar os seus fundos 401(k) (36) e com o fato de estarem devendo em seus contratos de home equity (37) do que com o espectro da monogamia gay. Ainda que o tema da raça permaneça sendo um formidável obstáculo para o convencimento total dos eleitores nos antigos bastiões suburbanos de grupos brancos, a campanha acreditava que isso não evitaria mais a possibilidade de vitórias democratas.

Contudo, essa estratégia suburbana teve seu preço: uma retórica de campanha que privilegiou obsessivamente as necessidades da “classe média” mas raramente focou no desemprego estrutural ou em questões de igualdade que afetam milhões de cidadãos das cidades e eleitores não-brancos de Obama. Mais ainda, muitos democratas concorrendo em subúrbios distantes (como a turma anterior, em 2006) estavam competindo com plataformas conservadoras – frequentemente pró-armas, anti-impostos e anti-imigrantes -, o que demandou uma mudança ideológica mínima dos eleitores. Conforme Chris Cillizza, o principal analista político do The Washington Post alertou aos liberais depois da eleição: “O fato de que aproximadamente um terço da maioria democrata na Câmara dos Deputados senta em assentos com republicanos fundamentalistas (ao menos no nível presidencial) é quase suficiente para manter o sonho da agenda liberal parada no Congresso. A primeira regra da política é a sobrevivência, e se esses novos desembarques em Washington pretendem ficar nas redondezas, eles devem construir uma base centrista desde agora até 2010” (38).

Porém, muitos liberais ficaram cegos com a luz das grandes vitórias de Obama nas regiões suburbanas que haviam sido cruciais para Bush em 2004: Jefferson e Araphoe (região metropolitana de Denver) no Colorado, Hillsborough (Tampa) na Flórida, Wake (Raleigh) na Carolina do Norte, Washoe (Reno), em Nevada, Berks e Chester (Filadélfia), na Pensilvânia, Hamilton (Cincinati), em Ohio, Macomb (Detroit), em Michigan e Riverside, no sul da Califórina (39). Com efeito, ele venceu nove de doze subúrbios "virados" (que mudaram de voto) em 12 estados também "virados" segundo o Metropolitan Institute (Kerry tinha conseguido vitórias estreitas em apenas 3 deles) (40). Ele também conquistou duas de três regiões ícones dos republicanos, chamadas Orange (na Flórida e em Nova York), e deu ao campo de McCain um susto ruim no terceiro (Califórnia).

No entanto, “suburbano” é uma caracterização obsoleta e quase obscurantista da localização sócio-espacial desses eleitores oscilantes. Geógrafos urbanistas e cientistas políticos têm proposto tipologias competitivas para descrever as metrópoles “pós-suburbanas”, mas tem havido pouco consenso quanto ao modo de definir ou como se deve chamar o novo mundo, além de Levitttown (41). Análises eleitorais recentes, contudo, favoreceram o esquema das regiões desenvolvido por Robert Lang e Thomas Sanchez no Metropolitan Institute, na Virgínia Tech:

"Regiões Limítrofes são cidades centrais densamente populosas. Subúrbios do Interior são áreas suburbanas aproximadas que são densamente construídas (90% dos residentes vivem em área urbana) e ao menos metade dos trabalhadores trabalham na cidade central. Subúrbios desenvolvidos são densos (75% dos residentes vivem em área urbana), regiões bem-estabelecidas cujas populações não está mais crescendo. Nos Subúrbios Emergentes ao menos 25% da população vive em área urbana, e ao menos 5% trabalha na área central. A maior parte do crescimento dessas regiões ocorreu recentemente. Em regiões exurbanas pode-se ler que a suburbanização de larga-escala está só começando a tomar lugar e está muito mais distantes do centro (42).

A tendência eleitoral de larga escala da última geração tem sido um crescimento da maioria democrata nos subúrbios do interior que estão envelhecendo (o primeiro, frequentemente desapontando os níveis na mobilidade geográfica e social não-branca), o impasse político nos subúrbios desenvolvidos mais estáveis e segregados, e muitos votos certos nos republicanos nos subúrbios exteriores e exúrbios. “Seja o estado vermelho ou azul”, escrevem Lang e Sanchez,

“O padrão permanece o mesmo. Há uma gradação política metropolitana nas grandes áreas metropolitanas dos EUA: o centro se inclina para os democratas e a periferia para os republicanos. Entre esses extremos, o voto desliza paralelo a um contínuo, chegando à metade majoritariamente nos subúrbios desenvolvidos (43).

A bolha imobiliária e o frenesi da construção suburbana dos anos 2000, contudo, coincidiram com a maturação dos mercados de emprego nas “cidades-limítrofes” agora com 20 ou 30 anos (agrupamentos de alta densidade de escritórios e espaços comerciais usualmente localizados nas interseções de freeways radiais e circunferenciais), mudaram tanto o cálculo do custo habitacional das famílias como o do financiamento das hipotecas, induzindo às famílias das minorias e de imigrantes a saltarem de padrão, indo para os subúrbios emergentes, frequentemente com a ajuda de empréstimos não-tradicionais. Como resultado, orçamentos familiares não-brancos pela primeira vez passaram a ser o segmento de mais rápido crescimento nas periferias suburbanas em inúmeras áreas metropolitanas. O desafio para a campanha de Obama era usar esses novos dados demográficos como uma alavanca arquimediana (44) para mudar os subúrbios mesmo no Sul, em direção aos democratas.

O Condado de Prince William mais uma vez é um reduto. Um estudo feito no ano passado pela Comissão Regional do Norte da Virgínia revelou que as minorias, especialmente latinos e asiáticos têm contribuído com um formidável crescimento de 94% da população do Condado de Prince William desde 2000. Desde que Bill Clinton se tornou presidente, a população não-branca do Condado cresceu de menos de um quinto para quase a metade, e Prince William em breve vai se tornar a primeira região do norte da Virgínia de uma “minoria-maioria”. Uma “mudança sísmica na população”, escreveu o repórter, “vem ocorrendo em toda a parte sul do norte da Virgínia, onde os preços das casas é mais acessível, como um ímã poderoso, vem atraindo famílias [aos subúrbios externos] – predominantemente imigrantes e minorias, que acham muito caro viver próximo ao centro e miram adiante um lugar que podem comprar (45).

Só que hipotecas “acessíveis” tornaram-se abruptamente saldos negativos e então arrestos, durante a longa campanha presidencial. O que o Goldmann Sachs tinha previso em 2006 que seria uma “desaceleração feliz” virou uma aniquilação geral do patrimônio e dos valores das casas das pessoas (46). Na véspera do comício final de Manassas, o Condado de Prince William tinha se tornado o epicentro da crise das hipotecas na região metropolitana de Washington DC, com aproximadamente 8000 execuções. Alguns bens de família perderam mais de 30% do seu valor; casas na cidade, ao menos 40%. Entre as primárias e a vitória de Obama, dezenas de negócios tinham fechado as portas no centro de Manassas, companhias de tecnologia tinham feito cortes profundos no seu pessoal, e um novo site apareceu alegremente documentando o crescimento do número de McMansões abandonadas na região. (47)

Ainda que nenhum estrato da sociedade e Prince William tenha ficado isento do massacre da crise das hipotecas subprime, ele foi mais letal para as minorias novas proprietárias da casa própria. Numa série de artigos, o Washington Independent relatou o destino do Sul de Georgetown, uma subdivisão de centenas de casas urbanas em Manassas onde xerifes militavam arduamente para despejar residentes democratas da região, muitos deles imigrantes da América Central, postos contra a parede, entre os custos explosivos de suas hipotecas e o colapso do mercado de emprego local. Um caso tipicamente triste foi o de um salvadorenho pintor de casas que ganhava 500 dólares por semana e a quem foi oferecido uma hipoteca “Alt-A” (48) sem sinal de entrada, por uma subsidiária do (agora falecido) Lehman Brothers em 2005, para financiar uma casa no valor de 280 000 dólares. Nos últimos meses sua casa perdeu mais de 50 000 dóares do seu valor, e as prestações mensais da hipoteca saltaram de 1.400 dólares para 2.600 dólares. Seus inquilinos foram forçados a fugir da repressão do condado sobre latinos sem documentos e a trabalhar na evaporada construção civil (49).

Projetadas em escala nacional, essas histórias explicam como os confortáveis 48% de McCain sobre 42% de Obama nos subúrbios no período logo após as convenções erodiu-se em gerações após a quebradeira do outono (50). As pesquisas mostraram que mais de 70% dos apoiadores de Obama dos sub侔bios tinham perdido recentemente seus home equity, empregos ou ambos - um contraste radical ao mero um sexto dos suburbanos apoiadores de McCain que reportaram prejuízos nas finanças familiares. Com efeito, a campanha de Obama se tornou tanto parte do sofrimento pessoal como da diversidade étnica (51). Como resultado, a eleição geral consolidou uma maioria democrata nos subúrbios desenvolvidos, enquanto diminuiu a distância dos apoiadores nas periferias e mobilizou votos brancos o suficiente para vencer em muitos subúrbios emergentes.

O apoio do arco-íris

É claro que essa mudança eleitoral nos subúrbios reflete mudanças ainda mais fundamentais no universo dos votos estadunidenses. Em 1976, quando Jimmy Carter derrotou Gerald Ford, 90% do eleitorado ativo era branco não-hispânico. No último novembro, a parcela de brancos caiu para 74%; uma transição para a diversidade cujo futuro está assegurado pelo impulso demográfico. Quase a metade dos bebês nascidos nos EUA nos últimos anos ganharam sobrenomes hispânicos, por exemplo, e as “minorias” estadunidenses, tomadas em separado, passaram a constituir, no último período, a décima segunda mais populosa nação do planeta (100.7 milhões de pessoas) (52). Ao longo da administração Bush, o número de eleitores latinos idosos da Virgínia cresceu cinco vezes mais rápido que a totalidade da população, 11 vezes mais rápido em Ohio e quase 15 vezes mais rápido na Pensilvânia (53). Como Karl Rove e outros estrategistas republicanos nervosos entenderam bem, os republicanos já tinham alcançado o máximo de apoio dentre os votos evangélicos brancos e seriam cultural e politicamente marginalizados a não ser que estabelecessem novas conexões dentre os imigrantes e a "minoria-maioria" que está se formando (54).

Na verdade, o verdadeiro drama do último novembro não foi a medida relativa voto (só um pouco maior a quantidade do quem em 2004), mas sua demografia profética (55). Profetas eleitorais prestaram particular atenção aos eleitores da "geração do milênio"(18-29 anos) - supostamente desmamada da internet, confortável com a diversidade, mas raivosa diante do declínio das oportunidades econômicas - como uma força potente para o realinhamento (56). A geração do milênio chegou rapidamente, na primeira ocasião, com Obama vencendo dois terços do voto jovem (com um comparecimento na casa dos 53%). Mas tendências internas ao sub-universo desse eleitorado (58-60 milhões de indivíduos) reflete a dramática variação em região e classes sociais.

A diferença geracional dentre os eleitores brancos, por exemplo, foi grande em estados como Califórnia, Nova York e Massachusetts, onde os “milênios” deram a Obama 10 a 15% a mais de votos do que o fizeram outros eleitores, mais velhos, mas a diferença era negligenciável ou mesmo negativa (Carolina do Sul) em alguns estados do Sul e do Meio. Classes, enquanto isso, permanecem sendo fortemente determinante para o voto dos “milênios”: em 2000 e em 2004, mais de dois terços dos que tinham terminado o básico na universidade votaram, enquanto menos de um quarto deles, com apenas o ensino médio completo foram à cabine de votação. Mas a diferença desses “milênios” não-universitários que votaram em 2008 é formidável, especialmente dentre os brancos (57). Comparado com o voto em Kerry em 2004, o apoio a Obama na juventude branca da classe trabalhadora cresceu 30 pontos dentre as mulheres e 14 pontos dentre os homens. Um recente relatório do Partido Democrata enfatiza a urgência estratégica de consolidar essa tendência do apoio de jovens brancos trabalhadores nas Burger Kings e no auxílio de enfermagem: "isso afastaria qualquer expectativa dos republicanos de reconstruir uma coalização nos termos da de Reagan e eventualmente asseguraria uma maioria democrata estável e de longo prazo (58).

Mas o último suporte da eleição não foi tanto do “fator milênio” como o foi a unidade no dia da votação de negros e latinos numa renovação da “coalizão arco-íris” (59). Nacionalmente, os brancos deram 700 000 votos a menos que em 2004, mas os afro-americanos deram quase três milhões a mais, dando então a Obama um terço de sua margem de vitória. Considerando a hostilidade inicial à era dos direitos civis em direção a Obama e a sua "ausência de raízes" a mobilização dos eleitores afro-americanos nos campos de batalha dos estados foi excepcional e em nada menos que no Missouri e em Nevada, onde houve um crescimento no apoio de 74% e 68% (60).

Do ponto de vista de uma maioria eleitoral durável, o ganho mais importante dos democratas em 2008 foi o apoio massivo que Obama recebeu do rapidamente crescente e muito jovem eleitorado latino.

Mas a proporção dos votos nacionais afro-americanos, como dos brancos evangélicos, crescerá muito vagarosamente, se crescer, nas próximas décadas. Do ponto de vista de uma maioria eleitoral durável, o ganho mais importante dos democratas em 2008 foi o apoio massivo que Obama recebeu do rapidamente crescente e muito jovem eleitorado latino (agora 12% do total dos registrados para votar) (61). Os eleitores de origem mexicana, por exemplo, deram suas importantes vitórias no Colorado e em Nevada, enquanto os americanos do Meio reforçaram sua maioria no norte da Virgínia. No Texas, o voto Tejano (ou, especialmente, o Tejana) foi decisivo para varrer as grandes cidades e o Vale do Rio Grande, a despeito dos anátemas usuais dos bispos católicos pró-vida. Obama venceu na Flórida graças especialmente ao espetacular comparecimento dos porto-riquenhos e dos imigrantes latinos no centro da Flórida, reforçado pela maioria dos jovens eleitores cubano-americanos contra o exílio geriátrico dos líderes que tem sido há muito guardiões do autoritarismo do poder republicano no sul da Flórida (62).

Assim como na análise das causas da imigração, é importante distinguir entre os fatores “empurre” e “puxe” do comparecimento latino. A despeito da grande preocupação nos últimos anos quanto ao aumento da população das relações intergrupais de minorias, a sensacional popularidade de Obama dentre os jovens eleitores latinos (76% na Flórida e 84% na Califórnia) atesta a importância crescente da identidade não-branca ou misturada como norma cultural (como vem há muito sendo o caso no estado de origem de Obama, o Havaí), assim como o crescimento da integração cultural e social de afro-americanos, latinos, asiáticos e imigrantes de todos os tipos nas vizinhanças das grandes cidades e nos velhos subúrbios (63). Obama estava claramente sendo visto como abrindo os portões da oportunidade para a maior parte da nação hip-hop, inclusive para a possibilidade de um futuro presidente latino ou asiático.

Dois fatores “empurre” também foram decisivos. Primeiro, a quantidade de latinos e hispânicos no agregado das perdas de fundos da bolha econômica de Bush. Como o Instituto de Política Econômica acabou de reportar, “a mudança econômica mais significativa [desde 2000] foi uma perda de 2.2% na renda familiar real hispânica. Essa estagnação econômica para os hispânicos ocorreu durante um período em que a renda bruta doméstica cresceu 18% e a produtividade dos trabalhadores, 19%. Ainda assim, a despeito desses ganhos, a população hispânica não se beneficiou da riqueza que ajudou a criar na economia norte-americana ao longo dos anos 2000. A situação para as economias familiares de hispânicos nascidos no exterior tem sido mais calamitosa: entre 2000 e 2007 sua renda média caiu 9.1% e agora elas se encontram na linha de frente do desemprego gerado pelo colapso da indústria da construção civil (64).

Segundo, a comunidade de imigrantes latinos (e portanto de qualquer um que tenha a pele marrom) tem sido aterrorizada pela insurgência nativista no Partido Republicano – um reino de preconceito que tem sido imitado ou acomodado por muitos democratas fora das maiorias-minorias das cidades centrais (como Kirsten Gillibrand, a apontada como substituta de Hilary Clinton no Senado). Embora os vigilantes “minutemens” (65) que originalmente incendiaram as redes conservadoras sejam pouco mais que poucas frações de grupúsculos, sua agenda central - a construção de uma literal Cortina de Ferro na fronteira mexicana, a legislação local de normas anti-imigrantes e a repressão deles pela polícia local - tornou-se política nacional republicana na estratégia Bush-Rove de pesada rejeição da reforma da imigração e do cultivo do voto latino. Em alguns condados suburbanos e em pequenas cidades, experimentos urbanos de controle de imigração se tornaram de fato campanhas de limpeza étnica.

Mais uma vez, o Condado de Prince William é um paradigma. Como a população latina explodiu com a bolha imobiliária do começo dos anos 2000, grupos como o “Help Save Manassas” [Ajude a salvar Manassas] (que descrevia os latinos como um “flagelo que está infestando as vizinhanças”) estava mobilizado para expulsar latinos sem papel do país (66). No verão de 2007, enquanto o mercado imobiliário azedava e a demanda pelo trabalho na construção civil decrescia, os vereadores (county supervisors) votaram por unanimidade o corte dos serviços públicos aos trabalhadores sem documentos. Eles também recomendaram à polícia que trabalha com o serviço federal de imigração que checasse o status de todos os presos. As escolas, de sua parte, acrescentaram a recomendação que os pais devem apresentar comprovantes legais de residência para poderem pegar seus filhos depois da aula. "A mensagem estava sendo enviada", gabava-se o presidente da câmara de vereadores sob aplausos dos minutemens e de seus apoiadores patriotas em todo o país: "se você é um estrangeiro ilegal, não é bem vindo no Condado de Prince William" (67).

Enquanto a turma do Help Save Manassas debatia “se os estrangeiros ilegais tinham ou não uma temporada de acasalamento preferida”, o Washington Post reportou que a “antes vibrante subcultura latina construída no Condado de Prince William por mais de uma década [tinha começado] a decair em questão de meses...Com os latinos sentindo os efeitos combinados da queda na construção civil, da crise das hipotecas e das novas leis locais que visam a capturar imigrantes ilegais, as lojas de latinos estão à beira da bancarrota, os grupos de igrejas estão perdendo membros, vizinhos estão recebendo placas de “à venda” nas suas casas, e os shopping centers que já foram movimentados estão se transformando em cidades-fantasmas” (68).

Regras da Evasão

Mas, se os imigrantes eram onipresentes na combustão local da campanha, no debate presidencial eram pessoas desaparecidas. Através do que certamente foi um acordo negociado, os candidatos evitaram o mútuo embaraço de discutir quais as concessões que cada um faria no que concerne ao tema dos direitos dos imigrantes. McCain, inacreditavelmente, abandonou seu próprio projeto maior de lei de reforma da política de imigração (cujo co-autor, em 2007, era Teddy Kennedy), enquanto Obama, como observou o The New York Times, tinha “engrossado o tom com os imigrantes ilegais”, de acordo com a “nova lei e ordem da linguagem adotada na plataforma do Partido Democrata na convenção” (69). À medida que ambos os candidatos estavam competindo em mídias em espanhol se dizendo os melhores amigos dos imigrantes, eles não tinham muitas razões para expor essa mútua hipocrisia.

Um polêmico balanço similar do terror comandou o debate sobre o colapso financeiro e a ajuda federal aos bancos. Enquanto a pirâmide de débitos colapsava, ambos os candidatos competiam na denúncia dos vândalos de Wall Street, mas então votaram obedientemente pela catastrófica política classista do plano Paulson, o qual (como Jeffrey Sachs reconhece) assegurou “uma massiva transferência da riqueza dos pagadores de impostos aos dirigentes e proprietários de instituições financeiras bem-relacionadas” (70). Pesquisas no início de outubro mostraram uma grande maioria de americanos ferozmente contra a sem precedentes abdicação de poder do Congresso aos amigos de Wall Street e uma improvável coalização de republicanos rurais conservadores e democratas progressistas urbanos (inclusive muitos membros do Black Caucus fizeram uma breve tentativa de construir uma barricada legislativa ao longo da Avenida Pensilvânia. Eles não receberam apoio de nenhuma das campanhas.

Na verdade, o segundo debate presidencial com participação do público em Nashville, poucos dias depois da aprovação do plano de resgate foi notável por sua evasão das perguntas angustiadas do público sobre desemprego e arrestos de casas (71). Nenhum candidato estava pronto para pegar a lança e liderar os sans-culottes; em vez disso, ambos se restringiram caninamente aos seus velhos pontos de fala como se o céu não tivesse desabado. O debate amplia diferenças políticas que raramente transcendem o níve ordinário dos debates entre a centro-direita e a centro-esquerda, enquanto ambas as campanhas escrupulosamente evitaram os botões nucleares vermelhos marcando "moratória hipotecária", "imigração", "nacionalização", "Nafta" e por aí vai. Poucas campanhas presidenciais na história estadunidense fugiram tão completamente do engajamento em seus problemas atuais.

A profunda impopularidade de Bush, é claro, exigiu do senador do Arizona que ele agisse como uma partícula quântica, ocupando vários espaços ideológicos simultaneamente. Ainda que tenha chamado Teddy Roosevelt, o imperialista progressista, de seu herói, McCain deu guinadas inclassificáveis entre o centrismo ecumênico e o contorcionista-lutador fundamentalista, com a investida dócil no populismo econômico que rapidamente foi seguido de sermões sobre a prioridade do corte de impostos para as pessoas ricas, como ele mesmo, que não sabe quantos carros próprios tem. Seus discursos sobre o sofrimento dos encanadores e dos pequenos negociantes era contraditado por sua própria dependência da maior parte do coração de Manhattan (Lower Manhattan), do executivo da Merrill Lynch John Thain como o maior “empacotado” de seus colaboradores corporativos de campanha. Além disso, McCain tinha muitos opositores – fora Obama e Bush, ele também estava concorrendo contra si mesmo (como no caso da política de imigração). No final, o bombeiro de Hanói não tinha deixado nada para gastar, senão suas histórias da prisão, as insinuações racistas, e o espectro de Bill Ayers (72).

Em contraste, Obama não foi perturbado pelos fanáticos quanto às suas raízes, de modo que pôde deslizar sobre platitudes hipnóticas e posições de caráter, em vez de representações desesperadas e de truques publicitários. A especificidade de idéias e políticas não constituiu prática comum na campanha, que foi principalmente engrenada para a produção de carisma, com uma narrativa que raramente se desvia para longe dos slogans dos bons sentimentos que têm caracterizado a maior parte das campanhas democratas no último período. A despeito de seu currículo, Obama não tinha plano para combater a pobreza urbana, ainda que tenha feito fracas promessas pró-trabalhadores às centrais sindicais, e foi deliberadamente vago a respeito do comércio exterior, da política urbana, da moradia, da educação e do um milhão de prisioneiros na Guerra contra as Drogas.

Hilary Clinton “voltou-se para a classe trabalhadora” na primária da Pensilvânia (na verdade, uma tentativa mais sutil do que a de McCain de passar uma mensagem racial) jogando a campanha de Obama para fora dos trilhos por um mês ou dois, mas ela retomou o curso apenas com uma modesta mudança de rumo na sua navegação dada a enormidade da crise. Assim como Roosevelt em 1932, Obama usou eloquência e compaixão (dentre o merengue denso dos Pais Fundadores e do Nós Somos Um) para forjar um vínculo emocional arrebatador nos eleitores “azuis”, enquanto oferecia poucas novas idéias ou planos concretos.

A esse respeito, contudo, ele estava próximo da maior parte dos planos democratas. Matt Bai, um repórter do The Washington Post que escreveu sobre o papel dos milionários “pontocom”, das fundações liberais e blogueiros no redesenho da imagem dos partidos, argumenta que os líderes democratas, como Harry Reid e Nancy Pelosi têm deliberadamente adotado “slogans insípidos” para apresentar uma pequena meta à direita. “No outorno de 2005”, Bai escreve:

“Os índices de aprovação de Bush tinham despencado abaixo dos 40%, então, líderes partidários decidiram que seria melhor deixar o colapso dos republicanos nas suas próprias costas, no lugar de oferecerem uma agenda verdadeira e correr o risco da possibilidade de que alguns eleitores possam não gostar... 'Conte-nos o que você quer escutar', o partido parece dizer, 'e nós nos comprometemos a introduzi-lo no nosso panfleto” (73).

Contudo, a agenda de Obama se tornou menos opaca em junho, quando ele desapontou os apoiadores sindicalistas ao escolher Jason Furman, o diretor do Brookings Institute (74) - afiliado ao Hamilton Project (75) - como o dirigente de sua equipe de política econômica (76). O Projeto, fundado pelo ex-secretário do Tesouro Robert Rubin em 2006, tem sido parte da rede institucional que elaborou o legado da administração Clinton: neste caso, como um megafone para políticas econômicas centristas que misturavam conservadorismo fiscal e desregulação financeira com investimentos públicos mais inteligentes. A indicação de Furman foi seguida pelo desembarque no círculo interno do sucessor de Rubin no Tesouro de Clinton, Lawrence Summers, um devoto de Milton Friedman ("qualquer democrata honesto deve agora admitir que agora somos todos friedmanistas"), com quem Rubin, Alan Greenspan e Phil Gramm tinham desmantelado os últimos "firewalls" do New Deal (o Ato Glass-Steagal) entre os brancos tradicionais e os esquemas-Ponzi (77) de derivativos. Ao fazer do Hamilton Project seu gabinete econômico secreto e depois elevar o radioativo Summers à diretoria do Conselho Nacional de Economia, Obama restaurou ao poder os autores da catástrofe e incluiu a si mesmo, de bom grado, na esquálida história dos "Rubinics" e na notória porta de trás entre a Casa Branca de Clinton e os grandes investimentos bancários e fundos financeiros (78).

A eleição contra-factual

Seria portanto difícil caracterizar a campanha de 2008 como uma confrontação epocal ideológica, a não ser no sentido limitado de que ambos os candidatos (McCain algumas vezes mais claramente que Obama) repudiaram os horrores da Casa Branca de Bush e advogaram o retorno ao “centro vital” de Arthur Schlesinger (79). Essa perspectiva se aproxima muito do critério que Burnham estabelece para uma "eleição decisiva" (80).

Na campanha ou nas campanhas que se seguiram a rupturas, o estilo político da insurgência é excepcionalmente ideológico para os padrões norte-americanos. É algo que produz um sentido de grave ameaça dentre os defensores da ordem estabelecida, os quais, por sua vez, desenvolvem posições ideológicas opostas (81).

De fato, a nova administração parece determinada a prever a todo custo uma polarização ideológica desse tipo, ao reunir tantos defensores moderados da “ordem estabelecida” quanto é possível. Com a administração da crise firmemente nas mãos dos bacharéis do Citigroup e do Goldman Sachs, a política externa delegada à sub-presidente Hilary Clinton e seu esposo, e a doutrina da “tempestade” de Gates e Petraus preservada no Pentágono, Obama construiu um time que delicia a The Economist e a Foreign Affairs no mesmo grau em que preocupa a The Nation. Assim como na era Clinton, trabalho e meio ambiente têm sido postos em segundo plano, com importantes mas secundários postos que carecem de peso na linha da Administração (82).

Certamente o novo presidente e sua maioria no Congresso estão comprometidos com políticas de assistência humanistas que distinguem o centrismo democrata do barbarismo spenceriano dos republicanos do Sul, mas por si só isso dificilmente é causa da celebração de uma nova era. Pertencendo ou não seu coração à esquerda, como muitos admiradores acreditam, as indicações de Obama afirmam uma impressionante continuidade com a era Clinton, assim como com o bipartidarismo realista nos assuntos estrangeiros. Poucos observadores políticos anteciparam que um mandato de “mudança” seria imediatamente conduzido para uma fusão dos campos de Clinton e de Obama, com o pessoal do primeiro outorgando primazia (83). (Isso é uma pancada num acordo pré-convenção democrata que previu uma imensa partição de poder entre os Clinton e seus amigos) (84).

Esse triunfo do centrismo veterano diante dessa crise escancarada de complexidade inimaginável atesta a falência do eleitorado progressista do Partido Democrata, especialmente o dividido movimento operário, em exercer uma influência comensurável com sua imensa lista de contribuintes financeiros para as vitórias do partido. (O New York Times estimou que os trabalhadores gastaram 450 milhões apoiando os democratas e que mobilizaram 250 000 voluntários.) (85). Os trabalhadores teriam tido mais influência sobre a linha final da campanha - especialmente sobre a resposta de Obama ao derretimento das hipotecas e dos bancos e do resgate das ind俍trias automobil﨎ticas - se tivessem sido capazes de avaliar seu voto ou de controlar o equilíbrio de forças numa convenção em disputa. Nenhum cenário, em minha opinião, teria sido implausível se o apoio da maioria dos sindicatos tivesse sido dado ao impressionante impulso inicial da campanha de John Edwards.

Embora se possa ressentir do caráter de Edwards (como exposto em mais um escândalo de cama descoberto por blogueiros da direita), ele era o único grande candidato a ir ao encontro do parâmetro do realinhamento decisivo de Burnham de uma insurgência com uma plataforma ideológica distinta – no caso dele, populismo econômico raivoso. O ex-senador da Carolina do Norte (filho de um operário da indústria têxtil do Piedmont [Alabama] que se tornou um advogado milionário) apresentou um espaço programático que estava vago desde a insurgência de Jessie Jackson nos anos 80: a prioridade da justiça econômica para as pessoas pobres e trabalhadores (86). Deixando de lado os eufemismos banais de sua campanha a vice de 2004, ele falou diretamente da exploração e da urgência da sindicalização, propôs uma nova guerra contra a pobreza, denunciou "executivos Benedict Arnold" (87) que exportaram empregos e, num debate com Obama e Clinton em Iwoa, argumentou que era uma "completa fantasia" acreditar que uma agenda progressista poderia ser alcançada via negociação com os republicanos e com os lobies corporativos. Só uma "luta éica" poderia assegurar reforma na assistência em saúde e nos salários míimos. (A resposta de Obama foi uma típica evasão eloquente: “Nós não precisamos de mais calor; precisamos de mais luz") (88).

Na ocasião, Edwards obteve o apoio caloroso em peso da antiga CIO (89) (mineiros e trabalhadores do setor do aço), carpinteiros e alguns conselheiros estaduais independentes do serviço de empregos e trabalhadores do setor hoteleiro. Sua campanha ruiu devido à recusa de duas centrais sindicais (a AFL-CIO e a Change to Win) e das suas grandes maiorias de eleitores internacionais a endossar o que seria, contudo, a maior candidatura quimicamente pura pró-trabalhadores de uma geração. As grandes centrais sindicais, em vez disso, lutaram entre si (e algumas vezes dentre seus próprios membros), num embaralhado caótico para apostar no último minuto num candidato que eles acreditavam seria o vencedor com certeza. Em alguns estados, os operários desafiaram seus líderes a votarem em Hilary (trabalhadores do setor da culinária em Nevada), e em outros estados, em Barack (trabalhadores do setor público da Califórnia). No momento da convenção em Denver, o colunista veterano Harold Meyerson (escrevendo na Dissent) alertava aos progressistas democratas: “O que incomoda é o quão miseravelmente se comportaram as centrais sindicais durante as primárias democratas e o quanto estão divididas chegando no outono” (90). Embora os voluntários das sindicais tenham em última instância feito um trabalho épico derrotando McCain, especialmente em estados como Indiana e Wisconsin, o movimento sindical, engajado numa verdadeira luta de vida e morte no setor privado, perdeu sua melhor chance de impor assistência em saúde, leis trabalhistas e reformas na negociação, como plataforma de uma Casa Branca restaurada.

A presidência do silício e seus limites

No final das contas, a própria crise e não a eleição estabeleceu o levante pesado, levando pânico à opinião da elite do avental de proteção da Velha Mãe Keynes. (Talvez não o Keynes real que lutou com paradoxos de armadilhas de liquidez e sinais perversos do mercado, mas o Keynes que supostamente ria quando quer que governos imprimissem moeda para salvar bancos). Ironicamente, nenhum dos proeminentes keynesianos contemporâneos ou dos pós-keynesianos, como Paul Krugman, Joseph Stiglitz ou James Galbraith passaram no exame de qualificação para a nova administração. Em contraste com Os Cem Dias de FDR, quando o presidente aproximou-se de conselheiros, inclusive alguns críticos entrincheirados do poder das corporações e das prerrogativas gerenciais como Guy Rexford Tugwell, Gardiner Means e Adolf Berle, o cérebro da política econômica de Obama partilha um conceito definido da administração Hoover: os arquitetos da crise (então Andrew Mellon; Timothy Geithner e Larry Summers agora) consideravam a si mesmos os doutores mais competentes (91).

Mas, se os principais banqueiros e coveiros financistas ainda estão renunciando a ceder o reinado sobre as ruínas de Wall Street, Obama aliou-se com ícones da tecnologia para estabelecer as pedras angulares de um renascimento econômico baseado no investimento público massivo em “infraestrutura verde”. Enquanto for a idéia principal da nova administração será a que menos deve aos precedentes dos Clinton e a que ressoa mais próximo do idealismo dos voluntários e dos apoiadores oriundos dos grandes centros de tecnologia. A presença constante mais próxima do fundador do Google, Eric Schmidt ao lado de Obama (e no interior de sua equipe de transição) tem sido um símbolo cuidadosamente escolhido do vínculo que está estabelecido entre o Vale do Silício e a Presidência. (O dote inclui a imensa maioria dos contribuintes da campanha presidencial de executivos e empregados de Cisco, Apple, Oracle, Hewlett-Packard, Yahoo e Ebay). Mas a promessa poderosa do keynesianismo verde pode vir a se realizar diferentemente do imaginado pelos economistas radicais e ativistas ambientais. Uma mudança fundamental de poder parece estar ganhando espaço na infraestrutura dos negócios de Washington, com corporações da “Nova Economia” ganhando rapidamente influência entre Obama e os democratas, enquanto os leviatãs da Velha Economia, como General Motors lutam contra perdas e aposentadorias de funcionários e gigantes da energia temporariamente escondidos nas cavernas. A unidade sem precedentes de empresas de tecnologia por trás de Obama tanto ajudou a definir como foi definida por sua campanha. Através de sua vitória, elas adquiriram crédito para assegurar que qualquer infraestrutura verde também será boa política industrial, exceto para a dinâmica envelhecida do dinheiro de curto prazo das corporações.

Há uma óbvia analogia histórica. Assim como Gerard Swope da General Electric (o Steven Job daquele tempo) e um bloco avançado de corporações de capital intensivo e bancos de investimentos apoiaram entusiasticamente a parceria com Roosevelt para criar a mal-fadada Administração da Recuperação Nacional (NRA, em inglês) em 1933, que também tinha Schmidt e seus companheiros ligados com fio metálico (juntos à ainda mais poderosa delegação da Califórnia) se tornaram os principais entusiastas da promessa de Obama de lançar um programa Apollo de energia renovável e de novas tecnologias (92).

Devemos anotar que esse realinhamento da política pela economia se encaixa desajeitadamente no paradigma Keys-Burnham, que concede primazia à opinião pública e à durabilidade dos blocos eleitorais.

Uma “presidência do silício”, por outro lado, está perfeitamente acomodada na teoria de “investimento” de Thomas Ferguson da mudança política que privilegia a economia política e a luta de classes no interior do capital enquanto modos de explicação. Analisando estudos de casos New-Deal no seu livro de 1995, Ferguson – um descendente intelectualmente sobrecarregado de Charles Beard – conclui que as elites dos negócios, não os eleitores, geralmente determinam tanto a natureza como o curso dos realinhamentos eleitorais (93).

O verdadeiro produto de mercado dos partidos políticos é definido por grandes investidores, que geralmente têm boas e claras razões para investir no controle do estado.

O produto fundamental de mercado dos partidos políticos geralmente não são eleitores. Como um número recente de análises documentaram, muitos dos eleitores possuem recursos desesperadamente limitados e – especialmente nos Estados Unidos – exíguas informações e interesse em política. O verdadeiro produto de mercado dos partidos políticos é definido por grandes investidores, que geralmente têm boas e claras razões para investir no controle do estado. Enquanto as mudanças básicas do realinhamento ganham espaço nos blocos centrais de investimentos que constituem os partidos políticos. Mais especificamente, realinhamentos ocorrem quando mudanças cumulativas de longo prazo nas estruturas industriais (comumente interagindo com uma variedade de fatores de curto prazo, notavelmente quedas bruscas na economia) polarizam a comunidade de negócios, de modo que reúne um novo bloco poderoso de investidores com interesses duráveis. Quando esse processo começa, a competição partidária esquenta e ao menos algumas diferenças entre partidos emergem mais claramente (94).

Mas o que repentinamente mobilizou a auto-idenficada Nova Economia como um “bloco de investidores” no sentido que Ferguson atribui? E por que Obama?

Uma resposta é francamente cultural: Obama “saca” e gosta da tecnologia e dos seus empreendedores. Como anotou Joshua Green no Atlantic no ano passado, o jovem candidato exemplifica o legendário outsider que reinventa a política americana na sua própria garagem e então lança uma mudança histórica como Oferta Inicial de Ações (IPO), com a ajuda de capitalistas visionários venturosos. Além do mais, Obama, ao contrário de Hilary Clinton (que parecia mais à vontade em Holywood), chegou à montanha (ou melhor, à perspectiva da montanha) e escutou. Ele descobriu um vulcão à beira da erupção. Nenhum setor da força de trabalho corporativa, seja de patrões ou de empregados ficou mais ultrajado com a carnificina sem fim no Iraque, a brutalidade incendiária da cultura de guerra de Rove, o ataque contra os imigrantes e os confrontos republicanos contra o avanço da ciência (95).

Há obviamente, porém, prioridades profundas, mais egoístas. Mesmo antes do crash, videntes venerados como Andy Grove (ex-executivo da Intel) expressavam medo do declínio do investimento e da inovação no coração da terra da tecnologia. Como a Business Week apresentou numa reportagem especial (“O que há de errado com o Vale do Silício?”): “Os fundos federais para a ciência avançada da computação e da engenharia elétrica têm caído velozmente desde o final dos anos 90, assim como o número de estadunidenses interessados em cursar ciência da computação. E grandes companhias de tecnologia estão dando menos ênfase à pesquisa básica e priorizando os trabalhos de retorno rápido” (96).

Os pessimistas se preocupam com que o Vale do Silício esteja embretado no primeiro estágio da síndrome do ciclo do produto de Detroit: a era heróica de Henry Ford seguida pelo design do rabo de peixe e pela esclerose corporativa. (Então a Web 2.0 tem sido criticada como um mero desenvolvimento de produto no lugar de ser uma inovação tecnológica). A presidência de Obama, desse ponto de vista, pode resgatar a escala de compromissos de Kennedy com a ciência básica, assim como com subsídios estáveis para o mercado de energia renovável, de produtos de tecnologia verde (smart utilities) e banda larga universal, que seriam maneiras de resolver de vez o problema dos preços voláteis da energia. (97)

A Nova Economia, assim como a Velha, também reconhece que a sobrevivência, na atual tormenta econômica depende da presença na corte: ao menos no curto prazo, Obama e as lideranças democratas terão influência extraordinária sobre a seleção dos vencedores e perdedores. Os destinos contrastantes do Lehman Brothers e da AIG (uma deixada sangrando até a morte e a outra que recebeu socorro governamental) causaram tremores na espinha de todo executivo e grande acionista nos Estados Unidos. Mais ainda do que no estudo de caso de Ferguson nos anos 30, o futuro de toda corporação ou setor depende de investimentos sensatos para “controlar o estado”, o que explica por que K Street (o maior dos lobistas de Wall Street outrora obediente ao Partido Republicano) tem se tornado tão azul no último ano. Mas, de todos os novos investidores democratas, só as indústrias de tecnologia, com seus universitários cativos e a vasta lista de fãs na internet, ainda mantém legitimidade pública suficiente (doméstica e internacional) e autoconfiança interna para agir hipoteticamente como um bloco hegemônico construtivo em vez de como um movimento de lobistas desesperados.

Mas então, de novo, as indústrias de tecnologia podem simplesmente ser engolidas com todo mundo, na Götterdämmerung (98) de Wall Street, enquanto Larry Summers e Ben Bernanke lutam nos bunkers até que a última fatura de impostos seja gasta. (A eufórica unidade nacional de Roosevelt e o National Recovery Industry de Swope deveria ser relembrada; ela foi rapidamente dissolvida em batalhas, bombas de gás lacrimogênio e baionetas). O pacote de estímulo de quase um trilhão de dólares de Obama oferece pouca ajuda financeira à infraestrutura verde, mas poucos economistas parecem dispostos a acreditar que isso realmente pode interromper a débâcle interna, menos ainda gerar "vazamento" através da importação para estimular a Ásia e a Europa. O sistema financeiro norte-americano (nos últimos anos o gerador de 40% dos lucros corporativos) está morto - um cadáver colossal escondido da opinião pública pelos ruidosos debates da campanha presidencial do outono. Os centristas orientados pelo mercado e desreguladores reformados que Obama restaurou ou manteve no poder tem tanta chance de trazer os bancos de volta à vida como seus generais tem de vencer a guerra contra os Pashtuns no Afeganistão. E nenhum contemporâneo de Walter Rathenau ou Guy Rexford Tugwell emergiu ainda com um esquema de reconstrução, a partir dos escombros, de alguma forma plausível de estado capitalista.

Enquanto isso, a imprensa financeira alerta que trilhões serão necessários, em último caso, para fazer um “mau banco” ou a nacionalização dos bancos funcionar. Mas se os gastos domésticos de Obama fracassarem em produzir benefícios colaterais significativos para os parceiros comerciais norte-americanos, eles podem pensar duas vezes em comprar a dívida de Washington, e decidir impor algumas condições de sua parte. (Por trás do dogma de que os chineses são escravos de seu superávit comercial e da subvalorização da moeda e não têm alternativa senão subsidiar o nosso Tesouro).

Em Davos, Putin e Jiabao lembraram ao novo presidente que não há mais o senhor da sua própria casa da mesma maneira que o foram Roosevelt ou Reagan. O dólar corre o risco de se tornar a coleira do cachorro num novo New Deal. Em todo caso, a bolha mundial do consumismo estadunidense, como existiu até o início da candidatura formal de Obama em 2007 nunca mais será restaurada, e o prolongamento da estagnação, não a recuperação do protagonismo tecnológico parece o cenário mais realista para a era que talvez algum dia venha ser chamada pelo seu nome.

Notas:
(1) Tom Clancy é um escritor norte-americano que ficou famoso pelas adaptações de suas obras para videogames.Para entender a referência que o autor faz às novelas de Clancy, é o caso notar que o escritor ficou conhecido pelo gênero techno-thriller, que mescla intriga política com novas tecnologias militares, em plena guerra fria. O sucesso de Clancy veio com o elogio do mais poderoso dos fãs, o então presidente Ronald Reagan. N.deT.

(2) Adequando-se à capital de um império, Washington DC tem a mais afluente margem suburbana do país. Como mostra Thomas Frank em The Wrecking Crew: How Conservatives Rule [Grupo de Destruição: Como os conservadores mandam](Nova York, 2008), cinco das sete regiões mais ricas com população acima de 250 000 habitantes estão nos subúrbios de Washington DC, nas vizinhanças de Maryland e Virgínia (pp. 11 e 277). Sobre o papel estratégico dos subúrbios emergentes em 2004, ver Ronald Brownstein e Richard Rainey, gop Plants Flag on New Voting Frontier [Republicanos fincam bandeiras em novas fronteiras eleitorais], Los Angeles Times, 22 de novembro de 2004, e Gregory Giroux, A Line in the Suburban Sand [Um traço na areia do Subúrbio], cq Weekly, 27 de junho de 2005.

(3) Como o antigo sul escravista dos EUA é conhecido. Novo Sul é uma maneira de denominar a região depois da Guerra de Secessão. N.deT.

(4) Jon Teaford, Pos-Suburbia: Government and Politics in the Edge Cities [Pós-Subúrbio: Governo e Política nas Cidades fronteiriças], Baltimore, 1997, p. 6

(5) O comício de Manassas pode ser visto no YouTube.

(6) Kristen Mack, “Prince William, the State's Bellwether”[Condado de Prince Williams: o Reduto eleitoral do estado], Washington Post, 12 de novembro de 2008.

(7) “Blue Virgínia”, 2008 Election Brief, Metropolitan Institute, Virginia Tech.

(8) Hanging chads é o nome do imbróglio em que se converteu o resultado da eleição para presidente na Flórida, em 2000. Os furinhos da cartela eleitoral não teriam “acertado” no nome do então candidato Al Gore, prejudicando assim a contagem de votos do democrata e viabilizando a “eleição”, com uma mínima e contestada diferença de votos, de George W. Bush. Com efeito, Bush venceu na Flórida por 537 votos, obtendo 271 votos de delegados, um a mais para ser eleito presidente dos EUA.

(9) “Boiler Room” é um tipo de fraude financeira, que consiste na indução de compra de valores mobiliários a preços superiores ao seu valor real, num mercado de baixa liquidez e transparência. Durante algum tempo, os vendedores desses títulos sobrevalorizados sustentam esses valores fictícios via manipulação de investidores menos informados qusão convencidos a comprá-los a preços inflacionados. O autor se refere a essa fraude para expressar ironicamente o tipo de guerra por votos que os republicanos travaram, em antigos redutos eleitorais (N.deT).

(10) V. O. Key, “A Theory of Critical Elections”, Jounal of Politics, 17 (1955), pp. 3-18; e Walter Dean Burnham, Critical Elections and the Mainsprings of American Politics, New York, 1970. Para uma crítica intelectual, ver David Mayhew, Electoral Realignments, New Haven, 2004.

(11) Burnham, p. 6.

(12) O comparecimento nacional (em proporção ao universo de votos registrados) não quebrou recordes históricos, em parte por causa de um declínio relativo dos votos da Costa Oeste e de Nova York, onde a vitória de Obama era certa. Por outro lado, houve um dramático crescimento na participação do eleitorado no Sul profundo (tanto de brancos como de negros), nos estados das Montanhas Rochosas [Idaho, Utah, Nevada, Arizona e partes do leste do Oregon e de Washington e noroeste do Novo México, oeste do Colorado, sudoeste de Wyoming e noroeste de Montana], regiões latinas e pequenas cidades industriais do Meio-Oeste. Ver “Novos Eleitores, Novas Bases de Poder”, com mapa, New York Times, 6 de novembro de 2008.

(13) O momento da concepção da política da internet, contudo, foi a criação do www.MoveOn.org”, Carl Cannon, in: “Movin' On” National Journal,, 2 de dezembro de 2006, pp. 57-9

(14) Joshua Green, “The Amazing Money Machine” [A Impressionante Máquina de Dinheiro], The Atlantic, Junho de 2008.

(15) Personagem da Marvel Comics, ligado principalmente às histórias dos X-Men. “Fanático” é como ficou conhecido na tradução do quadrinho para o português. N.deT.

(16) Fonte: Federal Election Commission (www.fec.gov)

(17) Fireside chats foram séries de trinta programas de rádio do Presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, entre 1933 e 1944. N.deT. Com Wikipedia http://en.wikipedia.org/wiki/Fireside.

(18) Matt Bai, The Argument: Billionaires, Bloggers, and the Battle to Remake Democratic Politics, [O Argumento: Bilionários, Blogueiros e a Batalha para Reconstruir a Democracia Política] Nova York, 2007, p. 7

(19) Obama venceu com 39% dos votos dos brancos da Virgínia em comparação aos 32% de Kerry; e com 5% na Carolina do Norte, em comparação com os 27%. Ver Charles Franklin, “White Vote for Obama in the States, Part. 2”, [O Voto Branco em Obama, Parte 2]Pollster.com, 15 de novembro de 2008.

(20) Dave Mann, “Turning Houston Blue” [Tornando o Texas Azul], The Texas Observer, 17 de Outubro de 2008.

(21)“Reappointnment”, a expressão utilizada no original, é o processo de redistribuição de assentos na Câmara dos Deputados dos EUA dentre os estados da federação, como reflexo das mudanças populacionais registradas no censo decenal. N.deT.

(22) Michael Teitelbaum, “Census Estimates Show Clout Again Likely to Go West and South”[Senso estima apresentar mais uma vez a influência da ida para o Oeste e para o Sul], Congressional Quartely Today Online News, 23 de dezembro de 2008.

(23) A despeito da pequena margem da vantagem de McCain, os democratas – inclusive dos americanos-japoneses – tomaram o controle do Conselho Eleitoral da Região de Salt Lake. As consequências provavelmente incluirão benefícios na área da saúde para os cônjuges, barganhas coletivas para que se tenha emprego na região e uma comissão independente para avaliar as mudanças de fronteiras geográficas com base no censo. A capital do estado de Deseret, de Brigham Young então continua sua recente evolução em direção da esquerda. (Ver Jeremiah Stettler, “In Salt Lake County, election shifted power swings to Dems” [Em Salt Lake a eleição mudou a relação de poder em direção aos democratas], The Salt Lake Tribune, 6 de novembro de 2008).

(24) “Rose the Riveter – Rose a Rebitadeira em português - é o ícone cultural da representação feminista nos EUA, construído em função do trabalho feminino nas fábricas durante a Segunda Guerra Mundial. As mulheres que substituíram homens porque estes estavam na guerra veio a simbolizar o poder econômico das mulheres e a tornar-se também um ícone do feminismo. N.deT.

(25) A maior exceção foi a antiga região do aço, nos arredores de Pittsburgh no oeste da Pensilvânia, mas Obama facilmente ganhou espaço com a ajuda das mudanças de voto nos antigos subúrbios republicanos da Filadélfia.

(26) Como se chamam os cidadãos de Indiana. N.deT.

(27) What's the Matter with Kansas?

(28) Robert Staughton Lynd (1892-1970) foi um sociólogo norte-americano nascido em New Albany, Indiana. Foi professor de sociologia na Universidade Columbia e na Universidade de Nova York. Junto com Helen Lynd produziu o estudo “Middletown: A Study in Contemporary American Culture (1929) e Middletown in Transition (1937), que são clássicos da sociologia norte-americana. N.deT.

(29) James Barnes, “Obama Pulls Off a Hat Trick of Outreach”,[Obama deu um hat-trick no outro lado] National Journal, 8 de novembro de 2008. Bem inacreditavelmente, as pesquisas de boca-de-urna em Indiana incidavam um pequeno declínio na preferência dos eleitores negros por Obama, em comparação com Kerry.

(30) Pesquisas de opinião mostram que quase um quarto dos eleitores entrevistados disseram ter sido contatados pela campanha de Obama para irem votar, em comparação com meros 8% da campanha de McCain. Desses contatados como parte do esforço de campanha de Obama, quase três quartos votaram nele. “State by State”, New York Times, 6 de novembro de 2008.

(31) Mesmo que a campanha de Nader tenha sido ignorada pela mídia nacional, seus 17000 votos certamente incomodaram as esperanças de democratas locais.

(32) Cajun: habitantes da Luisiana de origem acadiana, francófonos originários do Canadá, que reivindicam uma cultura própria. N.deT.

(33) A política nacional e a estadual não são eleitoralmente conversíveis nos EUA. Por exemplo, cinco dos estados em vencidos confortavelmente por Bush em 2004 e por McCain em 2008 tiveram sólidas maiorias democratas em seus parlamentos estaduais (Arkansas, Alabama, Kentucky, Mississippi e West-Virginia).

(34) Ver N.deT. 12

(35) Ver p.6 N.deT.

(36) 401(k) é o nome de um tipo de plano de aposentadoria patrocinado pelo empregador, adotado nos EUA e em outros países e que recebe este nome com base no código fiscal norte-americano que o prevê. Trata-se da aplicação do imposto de renda que deveria estar retido na fonte. O empregado tem o valor descontado não para o pagamento do IR mas para aplicar no mercado financeiro sem pagar taxas, salvo em caso de saque. N.deT. Com Wikipedia, http://pt.wikipedia.org/wiki/401_(k)

(37) Contratos de alienação fiduciária com o imóvel como garantia, inclusive o que no Brasil se chama Bem de Família, conforme a lei. N.deT.

(38) Chris Cillizza, “Five Myths About an Election of Mythic Proportions” [Cinco mitos sobre uma eleição de proporções míticas], The Washington Post, 16 de novembro de 2008. Ver também Richard Cohen e Brien Friel, “The New Centre”, National Journal, 7 de março de 2008.

(39) Alec MacGillis e Jon Cohen, “Democrats Add Suburbs to Their Growing Coalition” [Democratas incluem subúrbios na sua coalização em crescimento], The Washington Post, 6 de novembro de 2008.

(40) A lista dos subúrbios virados feita por Robert Long, et all., “The New Suburban Swingers: How America's Most Contested Suburban Counties Could Decide the Next President”[O novos subúrbios virados: como as regiões suburbanas mais competitivas puderam escolher o próximo presidente], 2008 Election Brief, Metropolitan Institute, Virginia Tech, Blacksburg 2008, p. 5

(41) Robert Lang e Patrick Simmons, “Boomburbs” Fast-Growing Suburban Cities [“Boombúrbios”: o crescimento acelerado das cidades suburbanas], In: Bruce Katz e Rober Lang (eds.), Redefining Urban and Suburban America: Evidence from Census 2000 [Redefinindo a América Urbana e Suburbana: evidência a partir do Censo 2000], Brookings Institution, Washington DC 2003. p. 10.4

(42) Lang, et al., p. 2.

(43) Robert Lang e Thomaz Sanchez, The New Metro Politics: Interpreting Recent Presidential Elections Using a County-Based Regional Typology[A Nova Política Metropolitana: Interpretando a Eleição Presidencial Recente usando uma base tipológica regional], Metropolitan Institute, Virgina Tech, Blacksburg 2006, p. 5

(44) A referência feita pelo autor parece ser esta: “Arquimedes foi um matemático, físico e inventor grego. Um dos maiores cientistas e matemáticos de todos os tempos. Ele descobriu o princípio da alavanca. E em função dessa descoberta lhe é atribuída a máxima “Dêem-me uma alavanca e um ponto e moverei o mundo”. N.deT. Com Wikipedia.

(45) Ken Billingsley citado por Nick Miroff, “Divesity Blooms in Outer Suburbs” [A diversidade do progresso nos subúrbios externos], The Washington Post, 3 de novembro de 2008.

(46) “A Happy Slowdown?”, CEO Confidential, Goldmann Sachs, 4 de setembro de 2006.

(47) David Sherfinski, “Sick Suburb” [Subúrbio Doente], The Examiner, 10 de dezembro de 2008; e Mary Kane, “At the frontline of the Foreclosure Crisis, Counties Go It Alone” [Na linha de frente da crise dos arrendamentos, os subúrbios estão por sí sós], The Washington Independent, 24 de novembro de 2008

(48) É um tipo de hipoteca – abreviação para a expressão Alternative-A paper – mais arriscado que as de tipo A-paper e com menor risco do que as “subprime”, a categoria mais arriscada. N.deT.

(49) Mary Kane, “Foreclosure Machine Grinds On Through Holiday Season” [A máquina de arrendamento varre a estação de férias], The Washington Independent, 4 de dezembro de 2008

(50) Estatísticas das pesquisas via Dallas News, 5 de outubro de 2008.

(51) Informe do “Comunicado do Centro Nacional para Estudos Suburbanos de que somente nas pesquisas eleitorais da campanha presidencial de 2008 as enquetes focaram exclusivamente nos eleitores dos subúrbios”, da Universidade Hofstra, 29 de setembro de 2008.

(52) Os dados são do US Census Bureau News: “Minority Population Tops 100 Million”[População de Minoria chega a 100 Milhões], em 17 de maio de 2007.

(53) Kevin Pollard, “Swing, Bellwether, and Red and Blue States: Demographics and the 2008 US Presidential Election”[Variações, Tendências dominantes e os Estados Vermelho e Azul: a demografia e a eleição presidencial norte-americana de 2008], Population Reference Bureau (www.prb.org/Articles/2008/electiondemographics).

(54) No total, a parte [branca evangélica] do total do eleitorado cresceu de 23% a 26% (entusiasmados com Palin?), mas onde Kerry obteve apenas 21% desses votos, Obama conseguiu 24% (dado o efeito Palin, eu acho).

(55) Com efeito, a participação do eleitorado nos EUA permanece extremamente baixa em parâmetros mundiais. Aproximadamente 100 milhões de cidadãos estadunidenses elegíveis não votaram no ano passado, apesar do gasto de 1,6 bilhões de dólares em propaganda política de ambos os partidos.

(56) Scott Keeter, 'The Aging of the Boomers and the Rise of the Millennials [O envelhecimento dos boomers e o levante da geração do Milênio]', in Ruy Teixeira, Red, Blue and Purple America: The Future of Election Demographics [América Vermelha, Azul e púrpura: o futuro da demografia das eleições] Brookings Institution, Washington DC 2008, pp. 225-57

(57) Karlo Barrios e Emily Hoban, “Quick facts about us Young Voters: The Presidential Election Year 2008” [Breves fatos sobre nossos eleitores jovens: o ano eleitoral da eleição presidencial de 2008], circle Fact Sheet, Tufts University, Boston www.civicyouth.org

(58) Andrew Levison, How Democrats Can Keep and Expand the Support of the Younger White Working-Class Voters Who Voted for Obama in 2008 , [Como os democratas podem manter e expandir o apoio dos jovens brancos da classe trabalhadora que votaram em Obama em 2008],The Democratic Strategist, White Paper, 2008 (disponível em PDF: www.thedemocraticstrategist.org), pp. 1-2.

(59) Quase mas não bastante verdadeira foi a asserção de Stephen Ansolabehere e Charles Stewart: “Se os negros e hispânicos tivessem votado nos democratas nos níveis de 2004 McCain teria vencido” (“Amazing Race: How Post-Racial Was Obama's Victory?”[Raça Impressionante: quanto pós-racial foi a vitoria de Obama?]

(60) Jody Herman e Lorraine Minnite, “The Demographics of Voters in America's 2008 General Election: a Preliminary Assessment” [A Demografia eleitoral da eleição geral estadunidense de 2008: um balanço preliminar], memorando de pesquisa do Project Vote, 18 de novembro de 2008.

(61) A idade média da população hispânica em 2006 era 27,4, em contraste com os 36, 4 da população geral, segundo o Census Bureau News, “Minority Population Tops 100 Million”, 17 de maio de 2007.

(62) James Barnes, “Obama Pulls Off a Hat Trick of Outreach”[Obama consegue estender a goleada], National Journal, 8 de novembro de 2008.

(63) Ver William Frey, “Melting Pot Suburbs”,[Liquefazendo os subúrbios] in Katz e Lang, pp. 155-79

(64) Algernon Austin e Marie Mora, “Hispanics and the Economy”[Os Hispânicos e a Economia], EP Briefing Paper 225, Washington DC, 31 de outubro de 2008, p.1.

(65) Minutemen é como eram chamados os membros da milícia colonial americana durante a guerra revolucionária de independência. Eles se mobilizavam rapidamente para permitir às colônias deslocarem forças a fim de resistirem às ameaças de soldados obedientes à coroa. Considera-se que os minutemen foram os primeiros a lutar pela independência norte-americana. Mike Davis parece usar a expressão para designar aqueles conservadores que se reivindicam patriotas com referência mitíca na figura dos minutemen, espécie conveniente de patriotismo originário. N.deT.

(66) Kristen Mack, “Activists Want Answers on Panel Choice”[Ativistas exigem respostas a algo como a câmara de vereadores], The Washington Post, 23 de setembro de 2008.

(67) Nick Miroff, “Prince William Immigration, Housing Ills Seen as Linked” [Imigração em Prince William, abrigar o mal será tomado como conivência], The Washington Post, 5 de outubro de 2005 (reimpresso com júbilo em vários sites de minutemens)

(68) N.Aizenman, “In Northern Virginia, a Latino Community Unravels”[No norte da Virgínia uma comunidade latina se descostura], The Washington Post, 27 de março de 2008.

(69) Julia Preston, “Immigration Cools as Campaign Issue”[Novos Imigrantes como Questão Eleitoral] , New York Times, 29 de outubro de 2008.

(70) Jeffrey Sachs, “The Tarp is a fiscal straitjacket”[O Tarp (Troubled Assets Relief Program) é uma camisa-de-força fiscal], Financial Times, 28 de janeiro de 2009.

(71) O debate presidencial pode ser visto em www.youdecide2008.com/video

(72) William Charles Ayers (nascido em 26 de Dezembro de 1944) é um professor norte-americano de educação fundamental e também um teórico da pedagogia que se tornou ativista anti-guerra nos anos 60 do século passado. Ele é conhecido pela radicalidade de seu ativismo nos anos 60 e 70, bem como por seu trabalho pela reforma da educação, do currículo e da formação. Em 1969 ele conduziu uma campanha de bombardeios de prédios públicos que durou de 69 a 70. Hoje em dia, Ayers é professor do College na Universidade de Illinois em Chicago. A referência irônica do autor a Ayers repousa tanto na militância anti-guerra como no fato de Ayers dar aulas em Chicago. Ambas as coisas seriam espectros a açoitarem a imaginação de McCain. N.deT.

(73) Bai, p. 177.

(74) The Brooking Institute: http://www.brookings.edu/ N.deT.

(75) The Hamilton Project: http://www.brookings.edu/projects/hamiltonproject.aspx N.deT.

(76) O jornalista David Leonhardt passou quase um ano entrevistando Obama e seus conselheiros econômicos originais da Universidade de Chicago, tentando decifrar sua filosofia econômica. Ele ficou impressionado com o modesto tratamento dado por eles à desigualdade econômica e à reforma fiscal, em contraste com suas propostas enfatizadas a respeito da racionalização da assistência em saúde, reconstrução de infraestrutura, e condução de uma transição à energia renovável. “Por mais ambiciosas que as propostas de Obama possam ser, elas ainda deixam a diferença entre ricos e pobres muito longe do que era há 15 ou 30 anos atrás. Essa diferença simplesmente não seria grande o suficiente como é agora”. (“A Free Market Loving, Big-Spending, Fiscally Conservative, Wealth Redistributionist”[Um amável livre-mercado, grande gastador, fiscalmente conservador, redistribucionista da riqueza], New York Times Magazine, 24 de agosto de 2008).

(77) Um esquema-Ponzi é uma operação de investimento fraudulenta que remunera os retornos aos investidores com o próprio dinheiro destes ou com dinheiro pago por investidores posteriores, no lugar de remunerar com algum lucro obtido com a operação. O termo “esquema-Ponzi” é usado nos países de língua inglesa, por conta do caso do imigrante italiano Charles Ponzi que se tornou famoso nos Estados Unidos em 1903, e no Brasil se conhece como Pirâmide. Trata-se de um esquema fadado ao colapso, visto que os ganhos sempre são menores que os investimentos aplicados. N.deT.

(78) Até o New York Times editorializou os perigos inerentes à religação de Obama a banqueiros investidores para a sabedoria econômica diante da crise: “Outra questão obscurecendo a agenda dos trabalhadores é se o Senhor Obama dará o mesmo peso às preocupações dos trabalhadores – da reforma da assistência em saúde ao aumento do salário mínimo – enquanto a crise financeira ainda está em pleno vigor. Muitos membros de sua equipe econômica são veteranos da administração Clinton alinhados com Wall Street. Na era Clinton, questões financeiras rotineiramente ultrapassaram as preocupações dos trabalhadores. Se as promessas de campanha do Senhor Obama forem mantidas, essa mentalidade não pode prevalecer de novo”. (29 de dezembro de 2008)

(79) Arthur Sclesinger Jr. foi um historiador e crítico social norte-americano que se tornou um dos maiores pensadores do liberalismo contemporâneo dos EUA. Foi conselheiro do presidente Kennedy de 1961 a 1963. Nos anos 50 publicou o livro The Vital Center, no qual defendia a tese de que a política estadunidense é sobretudo uma política de centro, como alternativa à polarização característica da Guerra Fria. N.deT.

(80) Walter Dean Burnham é um cientista político especialista em análise de eleições, cf notas 10 e 11 da página 4 deste texto. Em 1970 ele lançou o livro Critical Elections and the Mainsprings of American Politics [Eleições Decisivas e o Motor da Política Americana], no qual apresenta uma teoria do desenvolvimento da política norte-americana cujo argumento é o de que o papel dos partidos políticos não determinou o resultado de eleições nas décadas anteriores à publicação do seu livro. Novos compromissos, ideologias e políticas públicas passariam ao largo das agendas partidárias, em processos eleitorais que envolveram uma ruptura com o quadro político antecedente. Os exemplos de eleições decisivas de Burnham são a de 1860 e a de 1932. N.deT.

(81) Walter Dean Burnham, The Current Crisis in American Politcs [A crise atual na Política Americana], New York, 1982, p. 101.

(82) Hilda Solas, a nova secretária de Obama, já está sendo comparada a sua grande predecessora no gabinete de Roosevelt, Frances Pekins. Mas Perkins tem sido dotada da mais liberal das hagiografias, com poderes que ela [Solas] não possui. Se em momentos críticos na última luta de classes em 1930, ela fosse uma soberba advogada dos sindicatos no interior da Administração, sua vocação ordinária era a de pacificadora: encarregada de manter os trabalhadores insurgentes na linha, por trás da agenda de FDR [Franklin Delano Roosevelt] de movimentos lentos e reformas pacíficas. As experiências frustradas de Robert Reich como secretário do trabalho de Clinton são cautelosas sob os mesmos aspectos.

(83) Obama também deixou as portas da Casa Branca abertas a neo-conservadores determinados. Nenhum candidato democrata moderno teve tantos admiradores na direita, para nomear só alguns: o colunista David Brooks, o senador Chuck Hagel, o ex-embaixador na ONU Ken Adelman e Cristopher, o filho de William F. Buckley.

(84) Clinton tinha bases legítimas para lutar. Se os resultados da Flórida e do Michigan (desqualificados pelo comitê democrata por violaram as regras de agenda) fossem contados, ela venceria a primária no voto popular por mais de 100 000 votos.

(85) Steven Greenhouse, “After push Obama, Union Seek New Rules”[Depois do Apoio a Obama, centrais sindicais buscam novas regras], New York Times, 9 de novembro de 2008.

(86) Peço desculpas aos apoiadores de Dennis Kucinich e Ralph Nader, mas o homem do congresso de Cleveland não tinha chance de vencer a grande primária e Nader, embora admirável, nunca foi um populista efetivo. Só a campanha de Edward, em minha opinião, tinha a possibilidade de forçar programaticamente Clinton e Obama para a esquerda.

(87) A referência a Benedict Arnold é à de um traidor do país, visto que Arnold foi um general estadunidense que passou para o lado dos britânicos durante a guerra de independência. N.deT.

(88) Citado por Ronald Brownstein, “Style & Substance Among The Dem's Big Three” [Estilo & Substância dentre os grandes três democratas], NationalJournal.com, 2 de Janeiro de 2008

(89) Congresso de Organizações Industriais, em inglês, que depois veio a compor a AFL-CIO. N.deT.

(90) Harold Meyerson, “For Labour, Armaggedon” [Para os Trabalhadores, o Armagedon], outono 2008.

(91) Considerações sobre a política externa de Obama ultrapassam o escopo deste ensaio, ainda que suas indicações para o Pentágono e o Departamento de Estado sinalizem claramente mais continuidade que mudança.

(92) Para uma reflexão fascinante da teoria econômica do New-Deal da nova era, inclusive uma síntese possível das idéias de Keynes, Hanse e Schumpeter, ver Theodore Rosenof, Economics in the Long Run [A economia no longo prazo] , Chapel Hill, 1997.

(93) An Economic Interpretation of the Constitution (1913) [Uma interpretação Econômica da Constituição], de Charles Beard, que argumenta que o fato de os Pais Fundadores da Política serem aproximadamente a soma dos seus interesses materiais ainda é uma tese que valia à pena ser considerada, mesmo se historiadores políticos e econômicos tratassem dela como um determinismo econômico vulgar.

(94) Thomas Ferguson, Golden rule: The Investment Theory of Party Competition and the logic of Money-Drive Political Systems [A Regra de Ouro: Teoria do Investimento da Competição Partidária e a Lógica do Comando do Dinheiro nos Sistemas Políticos], Chicago, 1995, pp. 22-3. Ferguson, é claro, reconhece que os eleitores também se tornam mais ativos, mas “apenas se o grau de organização efetiva cresce significativamente, embora não receba por isso mais do que migalhas”.

(95) A contribuição financeira dos republicanos no Vale do Silício caiu de 43% em 2000 para meros 4% em 2006, enquanto os democratas apoiaram benefícios fiscais para a “Agenda da Inovação” da R & D [http://www.rndsystems.com], a duplicação do financiamento para a Fundação Nacional de Ciência e por aí vai. Ver www.beltwayblogroll.nationaljournal.com/archives/2006/08/silicon_valley.php; e Jim Puzzanghera, “Pelosi likely to Speak up for tech industry” [Nancy Pelosi provável porta-voz da indústria de tecnologia], Los Angeles Times, 13 de novembro de 2006. A história referida acima do Vale do Silício foi escrita por Sara Miles em How to Hack a Party Line [Como estabelecer uma linha partidária](New York, 2000).

(96) Steve Hamm, “Whatever Happened to Silicon Valley Innovation?”[O que aconteceu com a inovação no Vale do Silício?], Business Week, 31 de dezembro de 2008

(97) A grande exceção ao declínio do apoio federal à inovação, é claro, tem sido o imenso investimento da guerra contra o terrorismo na sobrevivência das tecnologias avançadas de guerra – um setor que provavelmente Obama não negligenciará.

(98) Trata-se da última das quatro óperas do O Anel dos Nibelungos, de Richard Wagner e a tradução é O Crepúsculo dos Deuses. N.deT

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