Wlodek Goldkorn
Créditos: Anne Katrin Purkiss/Rex Features |
Tradução / A notícia da morte do capitalismo é pelo menos prematura, o sistema econômico social que desde faz em alguns séculos governa o mundo não está nem sequer doente, e basta olhar a China para se convencer disso e para ler o futuro. Em Oriente, massas de camponeses estão entrando ao universo do trabalho assalariado, abandonam o mundo rural e convertem-se em proletários. Nasceu um fenômeno novo, inédito na história: o capitalismo de Estado, onde a velha burguesia intelectual, criativa e, se calhar, rapaz -como a descrevia Marx no Manifesto Comunista-, é substituída pelas instituições públicas. Em soma, isto não é o fim do mundo, e nenhuma revolução está à volta do canto, simplesmente o capitalismo está mudando a pele.
Eric Hobsbawm desce com uma espécie de montacargas pela íngreme escada de sua casa de Highgate, em Londres, não bem longe, precisamente, do local onde descansa seu grande maestro e inspirador, Karl Marx. foi submetido a uma operação, e por isso caminha com dificuldade. Tem 95 anos, mas se o corpo mostra as marcas da idade, a cabeça deste senhor, considerado o máximo historiador contemporâneo, é a de um jovem. Está escrevendo um ensaio sobre Tony Judt, um intelectual britânico falecido prematuramente, faz dois anos. Fala na BBC, está mais ativo que nunca. E nunca deixou de ser marxista. E, se para esta entrevista com L'Expresso , uma das poquísimas que oferece, pediu que lhe mandassem as perguntas por e-mail, e embora começasse segundo o esquema lembrado, após poucos minutos passa a um acelerado e espontâneo diálogo com o interlocutor.
"Pergunta-me se é possível o capitalismo sem crise", começa. "Não. A partir de Marx sabemos que o capitalismo funciona precisamente através de crise, e restructuraciones. O problema é que não podemos conhecer a gravidade da crise atual porque ainda estamos dentro dela".
A crise atual é diferente das anteriores?
Sim. Porque está unida a uma deslocação do centro de gravidade do planeta: desde os velhos países capitalistas para as nações emergentes. Do Atlântico para o Oceano Índico e o Pacífico. Se nos anos trinta todo mundo estava em crises, a exceção da URSS, hoje a situação é diferente. O impacto na Europa é diferente em relação aos países BRIC: Brasil, Rússia, Índia, China. Outra diferença com o passado é que, apesar da gravidade da crise, a economia mundial segue crescendo. Embora seja só nas zonas que estão fora do que chamamos Ocidente.
Mudarão os relacionamentos de força, também as militares e políticas?
Pelo momento, estão mudando as econômicas. Os grandes agregados de capital de investimento são hoje em dia as que pertencem ao Estado e às empresas públicas na China. E, deste modo, enquanto nos países do velho capitalismo o desafio é manter os níveis de bem-estar existentes -embora eu ache que estas nações se encontram em um rápido declínio-, para os novos países, os emergentes, o problema é como manter o ritmo de crescimento sem criar problemas sociais gigantescos. Está claro, por exemplo, que Chinesa se deu a uma espécie de capitalismo no que a pressão da marca ocidental do Welfare , o Bem-estar, é completamente inexistente. foi substituída em seu local pela velocíssima incorporação das massas de camponeses ao mundo do trabalho assalariado. É um fenômeno que teve efeitos positivos. Fica a questão de se este mecanismo que pode funcionar no longo prazo.
O que está dizendo nos leva à questão do capitalismo de Estado. O capitalismo como o conhecemos significava uma aposta pessoal, criatividade individualismo, capacidade de invenção por parte da burguesia. Pode o Estado ser tão criativo?
Faz em umas semanas, The Economist versava sobre o capitalismo de Estado. Nele se propunha a tese de que este sistema poderia ser ótimo para a criação das infraestrutura e relativo aos investimentos em massa, mas não tão conveniente no referente à esfera da criatividade. Mas há mais: não é seguro que o capitalismo possa funcionar sem instituições como o Bem-estar. O Bem-estar por norma é gerenciado pelo Estado. Portanto, acho que o capitalismo de Estado tem um grande futuro.
E quanto à inovação?
A inovação está orientada para o consumidor. Mas o capitalismo do século XXI não deve pensar necessariamente no consumidor. E por outro lado, o Estado funciona bem quando se trata da inovação no âmbito militar. Além disso, o capitalismo de Estado não tem a obrigação de garantir um crescimento ilimitado, o qual é uma vantagem. Ao dizer isto, deduzimos que o capitalismo de Estado significa o fim da economia liberal como a conhecemos nos últimos quarenta anos. Mas é a consequência da derrota histórica daquilo que eu chamo "a teologia do livre mercado", a crença, realmente religiosa, segundo a qual o mercado se regula por si mesmo e não precisa de nenhuma intervenção externa.
Durante gerações a palavra capitalismo rimava com liberdade, democracia, com a ideia de que os indivíduos forjam seu próprio destino.
Estamos seguros disso? Em minha opinião, não é em modo algum evidente a associação dos valores que acaba você de mencionar com determinadas políticas. O capitalismo de mercado puro não está obrigatoriamente vinculado à democracia. O mercado não funciona como teorizavam os pensadores liberais: desde Hayek a Friedmann. Simplificámo-lo demasiado.
A que se refere?
Faz algum tempo escrevi que vivemos com a ideia de duas vias alternativas: o capitalismo de aqui e o socialismo de lá. Mas essa é uma ideia estrambótica. Marx nunca a teve. Pelo contrário, ele explicava que este sistema, o capitalismo, um dia ficaria superado. Se observamos a realidade, Estados Unidos, Holanda, Reino Unido, Suíça, Japão, podemos chegar à conclusão de que não se trata de um sistema único e coerente. Há muitas variantes do capitalismo.
No entanto, os financeiros prevalecem. Há quem diga que o capitalismo poderia existir sem a burguesia. Acha que é acertado?
Emergiu com força uma elite global composta por pessoas que o decidem tudo no campo da economia e que se conhecem entre eles e trabalham juntos. Mas a burguesia não desapareceu: existe na Alemanha, quiçá na Itália, menos nos Estados Unidos e Reino Unido. Não obstante, mudou o modo em que se acede a fazer parte dela.
E daí?
A informação é hoje em dia um fator de produção.
Isso não é nada novo. Os Rothschild fizeram-se ricos porque foram os primeiros a saber da derrota de Napoleão em Waterloo, o que lhes permitiu desbancar a Bolsa?
Eu vejo isso doutro modo. Hoje você faz dinheiro porque controla a informação. E este é um argumento forte em mãos dos reacionários que propõem combater as elites educadas. As pessoas que leem e que têm uma avançada formação universitária são as que conseguem os empregos mais lucrativos. A gente bem formada é identificada com os ricos, com os exploradores, e isso é um verdadeiro problema político.
Hoje faz-se dinheiro sem produzir bens materiais, com derivados, especulando em Bolsa.
Mas segue-se fazendo dinheiro também, e sobretudo, produzindo bens materiais. Só mudou o modo em que se produz aquilo que Marx chamava o valor acrescentado (a parte do trabalho do operário da qual se apropria o proprietário [ Nota do redator] ). Hoje este valor acrescentado já não o produzem os trabalhadores, mas os consumidores. Quando compra um bilhete de avião on-line, você com seu trabalho gratuito, está pagando pela automatização do serviço. Portanto, é você que cria a maisvalía que gera o lucro dos proprietários. Isto é uma consequência caraterística da sociedade digitalizada.
Quem é hoje o proprietário? Em certo tempo existiu a luta de classes.
O velho proletariado seguiu um processo de externalização; dos antigos países para os novos. É ali onde deveria ser dado a luta de classes. Mas os chineses não sabem o que é isso. Falando a sério, quiçá tenham luta de classes, mas ainda não a vimos. E acrescento: as finanças são uma condição necessária para que o capitalismo caminhe para adiante, mas não indispensável. Não pode ser dito que o motor que move a China seja só o afã de lucro.
É uma tese surpreendente, pode explicá-la?
O mecanismo que está por trás da economia chinesa é o desejo de restaurar a grandeza de uma cultura e de uma civilização. É o contrário ao que acontece na França. O maior sucesso francês das últimas décadas foi Astérix. E não é por acaso. Astérix é a volta ao remoto povoado celta que resiste o assalto do resto do mundo, um povoado que perde mas que sobrevive. Os franceses estão perdendo, e sabem-no.
Entretanto, em Ocidente temos os bancos centrais que nos dizem que temos que fazer. Fala-se em contas, em números, mas não em desejos dos humanos, nem do seu futuro. Pode se avançar assim?
Em longo prazo não. Mas estou convencido de que o verdadeiro problema é outro: a assimetria da globalização. Algumas coisas estão globalizadas, outras súper globalizadas, e outras não foram globalizadas. E uma das coisas que não o foi é a política. As instituições que decidem sobre política são os Estados territoriais. Portanto, fica aberta a questão de como tratar problemas globais sem um Estado global, sem uma unidade global. E isso afeta não só a economia, mas também o maior desafio atual, o ambiente. Um das feições de nossa vida que Marx não soube ver é o esgotamento dos recursos naturais. E não me refiro ao ouro ou ao petróleo. Ponhamos como exemplo a água. Se os chineses tivessem que usar metade da água per capita utilizada pelos estadunidenses, não teria água suficiente no mundo. Trata-se de desafios nos que as soluções locais são inúteis, salvo do ponto de vista simbólico.
Há alguma solução?
Sim, sempre que se compreenda que a economia não é um fim em si mesma, mas que faz parte da vida dos seres humanos. Isto se percebe observando a trajetória da crise atual. Segundo as crenças antiquadas da esquerda, a crise deveria gerar revoluções. Mas estas não se veem (excetuando os protestos dos indignados). E, já que não sabemos também não quais são os problemas que vão surgir, não podemos sequer saber quais serão as soluções.
Pode fazer ao menos algumas previsões?
É extremamente pouco provável que a China chegue a ser uma democracia parlamentar. É pouco provável que os militares percam todo o poder na maioria dos Estados islâmicos.
Você defendeu a necessidade de chegar a uma espécie de economia mista, entre o público e o privado.
Volte a vista atrás à história. A URSS tentou eliminar o setor privado. E resultou um sonoro falhanço. Por outro lado, a tentativa ultraliberal também falhou miseravelmente. Portanto, a questão não é como será a combinação do público com o privado, mas qual é o objeto desta combinação. Ou melhor, qual seu objetivo. E o objetivo não pode ser simplesmente o crescimento da economia. Não é verdadeiro que o bem-estar esteja unido ao aumento do produto total mundial.
O objetivo da economia é a felicidade?
Certamente.
No entanto, as desigualdades seguem crescendo.
E estão destinadas a aumentar ainda mais; com segurança aumentarão dentro dos Estados, e provavelmente entre uns países e outros. Não temos nenhuma obrigação moral de tentar construir uma sociedade mais igualitária. Um país onde há mais equidade é provavelmente um país melhor, mas não está em absoluto claro o grau de igualdade que uma nação é capaz de manter.
Que fica de Marx? Você, ao longo de toda esta conversa, não falou nem de socialismo, nem de comunismo...
Entretanto, em Ocidente temos os bancos centrais que nos dizem que temos que fazer. Fala-se em contas, em números, mas não em desejos dos humanos, nem do seu futuro. Pode se avançar assim?
Em longo prazo não. Mas estou convencido de que o verdadeiro problema é outro: a assimetria da globalização. Algumas coisas estão globalizadas, outras súper globalizadas, e outras não foram globalizadas. E uma das coisas que não o foi é a política. As instituições que decidem sobre política são os Estados territoriais. Portanto, fica aberta a questão de como tratar problemas globais sem um Estado global, sem uma unidade global. E isso afeta não só a economia, mas também o maior desafio atual, o ambiente. Um das feições de nossa vida que Marx não soube ver é o esgotamento dos recursos naturais. E não me refiro ao ouro ou ao petróleo. Ponhamos como exemplo a água. Se os chineses tivessem que usar metade da água per capita utilizada pelos estadunidenses, não teria água suficiente no mundo. Trata-se de desafios nos que as soluções locais são inúteis, salvo do ponto de vista simbólico.
Há alguma solução?
Sim, sempre que se compreenda que a economia não é um fim em si mesma, mas que faz parte da vida dos seres humanos. Isto se percebe observando a trajetória da crise atual. Segundo as crenças antiquadas da esquerda, a crise deveria gerar revoluções. Mas estas não se veem (excetuando os protestos dos indignados). E, já que não sabemos também não quais são os problemas que vão surgir, não podemos sequer saber quais serão as soluções.
Pode fazer ao menos algumas previsões?
É extremamente pouco provável que a China chegue a ser uma democracia parlamentar. É pouco provável que os militares percam todo o poder na maioria dos Estados islâmicos.
Você defendeu a necessidade de chegar a uma espécie de economia mista, entre o público e o privado.
Volte a vista atrás à história. A URSS tentou eliminar o setor privado. E resultou um sonoro falhanço. Por outro lado, a tentativa ultraliberal também falhou miseravelmente. Portanto, a questão não é como será a combinação do público com o privado, mas qual é o objeto desta combinação. Ou melhor, qual seu objetivo. E o objetivo não pode ser simplesmente o crescimento da economia. Não é verdadeiro que o bem-estar esteja unido ao aumento do produto total mundial.
O objetivo da economia é a felicidade?
Certamente.
No entanto, as desigualdades seguem crescendo.
E estão destinadas a aumentar ainda mais; com segurança aumentarão dentro dos Estados, e provavelmente entre uns países e outros. Não temos nenhuma obrigação moral de tentar construir uma sociedade mais igualitária. Um país onde há mais equidade é provavelmente um país melhor, mas não está em absoluto claro o grau de igualdade que uma nação é capaz de manter.
Que fica de Marx? Você, ao longo de toda esta conversa, não falou nem de socialismo, nem de comunismo...
O fato é que nem sequer Marx falou muito de socialismo nem de comunismo, mas também não de capitalismo. Escrevia sobre a sociedade burguesa. Permanece sua visão, sua análise da sociedade. Fica o entendimento do fato de que o capitalismo funciona gerando crise. E por outro lado, Marx fez algumas previsões acertadas em médio prazo. A principal: que os trabalhadores devem se organizar como partido de classe.
Em Ocidente fala-se a cada vez menos de política e a cada vez mais de técnica. Por quê?
Porque a esquerda já não tem nada mais que dizer, não tem um programa para propor. O que fica dela representa os interesses da classe média formada, e claramente não estão no centro da sociedade.
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