9 de julho de 2016

Os meios de comunicação contra Jeremy Corbyn

A mídia britânica lançou uma campanha de desinformação sem precedentes contra Jeremy Corbyn.

Ronan Burtenshaw

Jacobin


Os meios de comunicação social britânicos nunca tiveram muito tempo para Jeremy Corbyn.

Uma semana após ter sido eleito líder do Partido Trabalhista, em setembro, levaram a cabo uma campanha que a Media Reform Coalition qualificou de tentativa de “atacar sistematicamente” a figura de Corbyn. Numa avalanche de informação negativa, 60% de todos os artigos sobre Corbyn, que surgiram nos principais meios de comunicação, eram negativos e só 13% positivos. Este índice é ainda pior quando se analisam as peças estritamente informativas, presumivelmente as mais objetivas: 62% são negativas e só 9% positivas.

A sucessão de ataques deu-se após esses mesmos meios de comunicação terem publicado notícias tremendamente enganosas sobre Corbyn e as suas políticas. A preocupação face às agressões sexuais nos transportes públicos foram interpretadas como uma campanha a favor de vagões só para mulheres. A defesa de políticas monetárias e fiscais keynesianas foi apresentada como um plano para “transformar a Grã-Bretanha no Zimbabué”. Um apelo para reconsiderar o enfoque da política externa da última década interpretou-se como um pacto com a Rússia de Putin.

Durante os meses seguintes continuaram os ataques. Alguns exemplos particularmente atrozes, como as críticas a Corbyn por não “se inclinar o suficiente” ao prestar a sua homenagem no Dia do Veterano de Guerra ficaram gravados na memória. No entanto, é o insidioso mais que o ridículo o que caracteriza melhor o enfoque que os meios de comunicação britânicos oferecem de Corbyn.

Um exemplo disto sucedeu em janeiro quando foi revelado que Laura Kuenssberg, a editora de política da BBC, organizou as coisas de tal forma para que a renúncia de um membro do governo sombra de Corbyn acontecesse ao vivo na televisão. Tudo estava planejado para que ocorresse minutos antes de Corbyn participar num debate com o primeiro-ministro, numa tentativa óbvia de infligir o máximo dano possível à sua liderança.

A parcialidade das emissoras públicas da Grã-Bretanha tornou-se tão ostensiva que foram inclusive alvo de criticas de destacados antigos trabalhadores. O predecessor de Kuenssberg, Nick Robinson, mostrou-se “escandalizado” pela regularidade dos ataques, e o anterior presidente da BBC Trust, Sir Michael Lyons, fez um conjunto de comentários no início do ano a condenar os “surpreendentes ataques ao líder eleito do Partido Trabalhista”.

No entanto, talvez o episódio mais surpreendente tenha sido as acusações de antissemitismo lançadas contra Corbyn e a direção trabalhista durante a campanha das eleições locais de maio. Tal como demonstrou Jamie Stern-Weiner num excelente artigo no OpenDemocracy: “A brecha entre as provas e as condenações unilaterais que apareceram na imprensa é verdadeiramente imensa”.

Na polêmica, que durou uma semana, só se produziu uma acusação de antissemitismo a um deputado. O resto baseava-se em comentários que oito jovens membros do partido fizeram nas redes sociais, numa organização que conta com centenas de milhares. Em alguns casos, como foi o da polêmica de Oxford, ficou demonstrado que era tudo uma invenção. Apesar disso, os artigos dos meios de comunicação social descreveram o Partido Trabalhista como um “lugar inóspito para os judeus”, uma “cloaca” e um “partido racista”.

Um golpe de mestre em colaboração

A parcialidade dos meios de comunicação social britânicos contra Corbyn converteu-se numa ferramenta útil para o golpe de mestre contra a sua liderança orquestrado por deputados trabalhistas de direita.

Nos dias que se seguiram à votação do Brexit, 46 deputados do governo sombra de Corbyn demitiram-se em 48 horas, espaçando estrategicamente os seus comunicados de forma a que se produzissem novas notícias a todas as horas ao vivo na televisão. O texto correspondente a estas renúncias surgiu a 26 de junho num artigo da BBC escrito por Kuenssberg, no qual acusa Corbyn de ter “sabotado deliberadamente” a campanha pela permanência na União Europeia, apesar de não apresentar nenhuma prova sobre o dito complot. Isto foi apenas o início de uma série de inexatidões que se publicaram sobre Corbyn na imprensa de maior difusão.

A 29 de junho, o The Guardian informava que Thomas Piketty se tinha demitido como conselheiro de Corbyn devido à sua “débil” liderança na campanha pela permanência na União Europeia. Isto levou a que Ann Pettifor, também conselheira econômica, tenha tornado público o e-mail enviado por Piketty, duas semanas antes do resultado, em que fundamenta a sua renúncia com “compromissos de agenda”, “deixando claro o seu apoio a Jeremy e à sua tentativa de puxar o Partido Trabalhista mais à esquerda”.

No dia seguinte, o The Guardian provocou um escândalo com a apresentação de um relatório sobre o antissemitismo no Partido Trabalhista em que era afirmado erroneamente que Corbyn tinha comparado Israel com o ISIS. De fato, e, como teve que vir a admitir, Corbyn não tinha feito tal declaração.

Isto deu lugar a que a autora do relatório sobre o antissemitismo no Partido Trabalhista, Shami Chakrabarti, condenasse a “tergiversação deliberada” do discurso de Corbyn, ao mesmo tempo em que o jornalista do Daily Mirror Kevin Maguire afirmava que “os fatos, a imparcialidade, a racionalidade e a proporcionalidade” se tinham “perdido no frenesim por destruir a Corbyn”.

Mas foi demasiado tarde, já se tinha tornado tendência no Twitter, “ISIS Israel”, durante a maior parte do dia.

A 1 de julho, o The Guardian, de novo, informou mal sobre um detalhe crucial relacionado com Corbyn, ao insinuar que John McDonnell, o porta-voz de economia da oposição, se tinha declarado contrário à liberdade de circulação após o Brexit. Isto suscitou críticas por parte de muitos progressistas até McDonnell corrigir a informação.

No dia seguinte, os meios de comunicação social já tinham criado outra polêmica relacionada com Corbyn; neste caso foi o Telegraph que descreveu um “confronto violento” com um jornalista numa concentração antirracista. Os artigos inicialmente informaram que Corbyn tinha “investido” contra uma “jornalista”. No entanto, quando o vídeo foi tornado público, ficou claro que se tinha simplesmente virado e dito: “Se quer solicitar uma entrevista, fale com a minha assessoria de imprensa. Obrigado”. Posteriormente, a jornalista em questão veio a público afirmar de que não tinha sido “agredida”.

O monopólio dos meios de comunicação social

Ao examinar a reação dos meios de comunicação social em relação a Jeremy Corbyn, pode ser tentador olharmos apenas para os absurdos excessos da imprensa de direita, quando lhe elogiam as habilidades para a jardinagem ou o criticam por comer noodles, mas o alcance do problema na imprensa britânica é bem mais profundo.

A aberta predisposição da BBC para disponibilizar as suas emissões ao vivo aos deputados trabalhistas da classe dirigente para que estes exerçam a sua transparente manipulação midiática é um testemunho oportuno da impossibilidade em confiar que a BBC continue a ser um serviço público.

Inclusive os meios de comunicação social tradicionalmente de esquerda - não só o The Guardian e o The Observer, mas também o Daily Mirror - têm estado mais do que predispostos a unir-se ao coro de vozes que pedem que Corbyn abandone o seu posto. Não se trata de uma resposta à situação do mercado, mas de uma decisão política, já que os seus próprios estudos demonstram que os seus leitores não aprovam esta linha editorial.

No momento em que escrevo estas linhas não há um só meio de comunicação social relevante na Grã-Bretanha cuja linha editorial defenda a liderança de Jeremy Corbyn. E tudo isto apesar de, com Corbyn, o Partido Trabalhista ter se convertido no maior partido social-democrata do Ocidente com 600 mil militantes.

Podíamos esperar que um ambiente midiático representativo, inclusive um que respondesse às pressões do mercado, refletisse esta onda de apoios. Mas a Grã-Bretanha carece deste dito panorama.

Aproximadamente 70% dos jornais da Grã-Bretanha são propriedade de três empresas: News UK de Rupert Murdoch, Daily Mail's Geral Trust e Trinity Mirror. Nos meios de radiodifusão e tele-difusão, mais de 80% da quota de audiência nacional recai sobre Murdoch ou BBC. Esta concentração da propriedade dos meios de comunicação social permite que uma diminuta camarilha controle na Grã-Bretanha, de maneira efetiva, o fluxo da informação a 65 milhões de pessoas. O poder que têm para o fazer não presta contas significativas e a sua vontade para aproveitar a sua posição para subverter a ordem democrática não deveria ser posta em causa.

A ascensão de Jeremy Corbyn à direção do Partido Trabalhista foi um terremoto político que refletiu uma profunda desilusão cidadã no sistema político e econômico. A sua permanência no cargo ficou marcada por uma cobertura midiática que nem sequer alude ao dito terremoto.

Colaborador

Ronan Burtenshaw é o editor da Tribune.

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