11 de julho de 2016

O lado bom da globalização

Celso Amorim

Folha de S.Paulo

Em 23 de junho, uma pequena, porém eficiente, organização internacional, que acabara de completar dez anos, trocou, pela primeira vez, de presidente.

A Unitaid é uma entidade internacional autônoma na área da saúde, "hospedada" na Organização Mundial da Saúde (OMS). Seu mandato principal é facilitar o acesso a medicamentos para as três doenças que mais afligem as populações pobres do planeta: Aids, tuberculose e malária. Juntas, são responsáveis por, aproximadamente, 2,8 milhões de mortes por ano.

Embora esse número tenha caído quase pela metade nos últimos 15 anos, o mundo ainda está longe de atingir a meta fixada nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aprovados em 2015: a erradicação total dessas enfermidades até 2030.

A Unitaid nasceu de esforços do governo francês em relação a fontes inovadoras de financiamento, que se conjugaram com a ideia do ex-presidente Lula de levar o Programa Fome Zero ao âmbito internacional. Dos entendimentos entre Lula e o ex-presidente francês Jacques Chirac, à margem de uma reunião do G8 (grupo com os países mais desenvolvidos do mundo), em 2003, resultou a campanha de combate à fome e à pobreza, à qual logo se juntaram ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e o ex-presidente do Chile, Ricardo Lagos.

Por ocasião da 59ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2004, uma reunião de líderes mundiais adotou a Declaração de Nova York sobre a Ação contra a Fome e a Pobreza, que contou com a assinatura de mais de cem países.

A iniciativa enfrentou resistências de nações desenvolvidas, temerosas de que as "formas inovadoras de financiamento" viessem a incluir a chamada "Tobin Tax", concebida com o objetivo de coibir a volatilidade dos fluxos financeiros.

Essa resistência a inviabilizou como um programa da ONU. De outra parte, não havia clareza sobre como desenvolver, no plano global, ações significativas de combate à fome que não viessem a ser redundantes em relação às atividades da FAO (órgão da ONU para a agricultura e alimentação) e do PMA (Programa Mundial de Alimentos).

Esse "enigma" viria a ser superado quando a França, por intermédio de seu então ministro das Relações Exteriores, Philippe Douste-Blazy, sugeriu que se cobrasse pequena taxa sobre passagens aéreas, adotada pioneiramente pelos franceses. Outros países, como o Brasil, assumiriam compromissos de resultado similar. Do lado do emprego dos recursos, o programa se destinaria a facilitar o acesso a medicamentos para populações de países mais pobres, como uma espécie de "clearing house".

Esse objetivo pareceu não somente legítimo em si mesmo mas também perfeitamente compatível com a campanha que vínhamos realizando. Reino Unido e Noruega se juntariam aos esforços para a criação de uma "central de medicamentos", que viria a ser a Unitaid.

Outros países, como Espanha e Coreia do Sul, e entidades privadas, como a Fundação Gates, têm tido importante participação nas atividades. No conselho da entidade estão representadas as diferentes regiões do mundo em desenvolvimento, bem como organizações da sociedade civil e das comunidades das pessoas afetadas pelas três doenças.

A Unitaid tem priorizado projetos que visam a"desbloquear gargalos" e a corrigir "falhas de mercado". Para tanto, estimula pesquisas que buscam atender necessidades que não se traduziriam em demanda efetiva, no sentido econômico.

Assim se encontraram soluções para carências tão importantes como a formulação pediátrica de remédios para Aids, diagnósticos rápidos para tuberculose e combinações de medicamentos para o tratamento da malária.

Sobre o autor
CELSO AMORIM, diplomata, foi ministro das Relações Exteriores (governos Itamar Franco e Lula) e da Defesa (governo Dilma Rousseff). Desde 23/6 preside o conselho da Unitaid (órgão mundial para o combate a doenças como tuberculose, malária e Aids)

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