1 de novembro de 2002

Classes, economia e a segunda Intifada

Adam Hanieh



Tradução / A atual Intifada palestina e a brutal resposta de Israel tem sido objeto de inúmeros artigos de opinião durante os últimos dois anos. No âmbito das análises da esquerda há um vácuo decepcionante, com muito dos escritos tentando explicar o caráter da política israelense através da opinião de direita de Ariel Sharon. Dentro deste esquema, a estratégia de Israel é apresentada como uma extensão racista dos desígnios colonialistas nos Territórios Ocupados incluindo por vezes a expulsão de palestinos da Cisjordânia e Faixa de Gaza (daqui para a frente referidas como C/ FG).

O que está de modo impressionante ausente de, virtualmente, toda a análise de esquerda é qualquer discussão de classe e de economia política tanto em Israel como nos Territórios Ocupados. Embora possa parecer uma acusação estranha a ser feita a textos compreendidos na área da esquerda, acredito que a ausência de uma análise de classe é em si mesmo uma indicação da confusão de muitas das análises de esquerda sobre o Estado de Israel. Para a maior parte da esquerda, a política de Israel é simplesmente entendida como um binômio de opostos entre a direita Likud e a inclinação mais pacífica do Partido Trabalhista. Pretendo mostrar mais à frente que esta visão resulta de uma errada aproximação ao entendimento da formação das classes em Israel e que se não se colocar as classes sociais no centro da nossa análise torna-se difícil desenvolver uma compreensão adequada do que realmente está acontecendo.

No fundamental, argumento que o capitalismo israelense foi trazido à existência pelo movimento trabalhista sionista (hoje representado pelo Partido Trabalhista) e que o processo de Oslo foi um passo chave na sua formação. [1] A guerra de Israel contra o povo palestiniano é, hoje, a extensão lógica deste processo apontando para a criação de um Estado-cantão palestino. Devido ao papel central do movimento trabalhista sionista na construção do capitalismo israelense, os termos “esquerda” e “direita” são frequentemente confundidos no caso israelense.

Além do mais, durante os últimos dez anos, Israel tem-se progressivamente libertado da dependência da mão-de-obra barata palestina enquanto estreita a dependência dos Territórios Ocupados relativamente à economia israelense. O resultado é uma sociedade palestina com uma estrutura de classes fortemente distorcida – uma classe capitalista dependente de relações privilegiadas com o capital israelense e uma classe operária com pouco peso estratégico na luta de libertação.

Classes e Estado na sociedade de Israel

Muitos dos comentários, acadêmicos ou populares sobre Israel, vêem no peso predominante do Estado de Israel nas primeiras quatro décadas desde o estabelecimento do país em 1948 uma evidência de Israel como tendo constituído uma economia socialista. Esta crença encontra suporte na determinação política coletiva – particularmente o movimento Kibbutz – e na força do movimento sindical, o Histadrut, o maior empregador singular durante a maior parte da história de Israel. [2]

Desde os meados de 80, conhecendo uma aceleração durante os anos 90, a política econômica de Israel sofreu uma dramática transformação. Durante os últimos cinquenta anos, a estrutura econômica do país alterou-se significativamente e Israel abraçou a visão em expansão do capitalismo global. Largamente baseado nas receitas do FMI e do BM, o governo israelense privatizou empresas, distendeu o controle governamental sobre o mercado de capitais e reduziu os salários reais.

As abordagens tradicionais relativamente à política econômica de Israel tendem a explicar estas mudanças como resultado de uma alteração ideológica nas elites israelenses. De acordo com essas abordagens os líderes israelenses abraçaram as receitas do capitalismo neoliberal em meados da década de 80 tendo em conta os problemas econômicos de Israel, depois de serem portadores de uma versão da ideologia socialista.

Em contraste, uma nova geração de pensadores israelenses escrevendo sobre as últimas décadas têm argumentado da necessidade de uma nova abordagem relativamente à compreensão das autoridades israelenses. [3] Têm argumentado que o desenvolvimento do movimento sionista é melhor compreendido no contexto do movimento colonizador tentando ganhar controle sobre a terra e o mercado de trabalho. A classe capitalista privada do movimento colonizador inicial era fraca e dividida, e a aproximação coletivista do movimento colonizador liderado pelo movimento trabalhista sionista constituiu a mais eficaz forma de colonização da terra e de expulsão da população árabe. A força do Histadrut e o papel central do movimento trabalhista sionista é melhor entendido através da fragilidade da classe capitalista judaica existente antes de 1948 e da necessidade de fornecer trabalho aos imigrantes judeus em simultâneo com a exclusão dos operários palestinos do mercado de trabalho como antecâmara da expulsão.

Devido à natureza embrionária tanto da classe capitalista como da operária durante o período de colonização, o Estado de Israel desenvolvido após 1948 estava empenhado não apenas na colonização da terra mas na construção da própria estrutura de classes. Esta formação de classes passou por duas fases chaves entre o período de 1948 e 1985:

1. 1948-1973: Este período foi caracterizado por elevados níveis de crescimento financiados por transferências unilaterais de capital provindos das reparações alemãs e de judeus no exterior. Foi um período inicial de formação do Estado e das classes. Deste modo o Estado direcionou virtualmente todas as transferências de capitais para os grupos econômicos considerados aliados no “projeto nacional”. Grupos esses que evoluíram para conglomerados chave dominando a economia israelense nos anos seguintes. A classe operária israelense foi formada através de elevados níveis de imigração de judeus árabes, africanos e asiáticos – que etnicamente se definiram como os “Mizrahim.”

Seguindo a ocupação israelense da C/ FG em 1967, a economia israelense experimentou o chamado boom palestino. A ocupação incrementou de modo significativo o mercado doméstico de Israel e forneceu outra fonte de força de trabalho. [4] Esta força de trabalho era barata e altamente explorada e, por meados da década de 80, os palestinos da C/ FG constituíam cerca de 7% da força de trabalho israelense. Cerca de um terço da força de trabalho da C/ FG trabalhava em Israel em 1985, com 47% deste número a trabalhar na indústria de construção. Esta força de trabalho barata proporcionou um grande impulso à economia israelense preenchendo os mais baixos níveis do mercado de trabalho e cobrindo alguma carência motivada pelo prolongado serviço militar israelense. Permitiu também a alguns trabalhadores Mizrahim subirem a posições de controle e de supervisão, reduzindo assim alguma tensão étnica surgida durante a década de 70 entre os Mizrahim e os judeus europeus.

2. 1974-1985: No final da década de 60, o largo núcleo de conglomerados fundiram-se em cinco grupos – Koor, Hapoalim, Leumi, Clal e IDB. Os primeiros quatro grupos eram controlados pelo Estado, Histadrut e o movimento trabalhista sionista, enquanto o IDB era privado. Começando com a ocupação israelense da C/ FG em 1967 e acelerada com a guerra de 1973, a produção militar passou a ocupar o centro da política econômica de Israel. Estes gastos militares eram contratados pelo Estado a grupos econômicos e levaram a taxas massivas de acumulação para o núcleo central dos grupos econômicos enquanto a economia como um todo sofria de estagflação. [5]

Em meados da década de 80, este sistema começou a ser abalado por um número variado de fatores. Ao nível global, a recessão e a queda de encomendas militares no mercado internacional começaram a limitar os lucros dos grupos. Ao nível local, os primeiros sintomas de hiperinflação começou a estrangular a economia como um todo e tornou o planejamento financeiro difícil.

Em resposta a estas alterações, o Estado – sob a tutela da ala trabalhista do movimento sionista – empreendeu uma significativa mudança de direção que começou com o Plano de Estabilização Econômica de 1985 (PEE). Esta mudança consistiu em quatro processos inter-relacionados:

1. Uma alteração da relação entre o Estado e os grupos econômicos chave. O PEE inaugurou uma nova fase na relação do Estado com a classe capitalista. Os grupos econômicos fundamentais foram separados do aparelho de Estado passando para as mãos da nova classe capitalista. O Estado não mais protegeria estes grupos, sendo que eles tornaram-se locais fundamentais de acumulação de capital para uma verdadeira classe capitalista. Isto foi conseguido através da fratura do império Histadrut, passando as suas componentes para o setor privado, e da privatização de setores governamentais.

2. A coalescência de uma nova classe capitalista. Esta classe capitalista veio de uma fusão de três diferentes fontes: do capital global – frequentemente com ligações ao movimento sionista – como o capitalista americano Ted Arison e o bilionário canadense Charles Bronfman; capital privado local anteriormente suportado pelo Estado, como as famílias Recanati e Ofer; e em terceiro lugar elementos da burocracia estatal que chefiaram a ESP e o processo de privatização.

3. A inserção de Israel na economia global. Começando em meados da década de 80, a economia israelense foi sendo integrada na economia mundial através da redução das taxas aduaneiras e das normas de investimento. A classe capitalista, mencionada no ponto anterior não era homogênea. O terceiro setor da classe capitalista atrás mencionada, anteriormente da burocracia estatal, tendeu a constituir-se em gestores de novas companhias privadas. Seguindo o início das negociações com os palestinos no princípio da década de 1990, um vasto setor de capitalistas oriundos de Israel foram integrados no novo mundo globalizado através de significativos investimentos e ligações financeiras com o capital estrangeiro, em particular nos Estados Unidos e Ásia. Em terceiro lugar, o capital internacional – particularmente o americano – começou a investir de modo muito significativo em Israel, à medida que o país se integrava na ordem mundial capitalista.

4. Reestruturação da relação entre classes. A quebra dos conglomerados e do império Histadrut teve um significativo impacto nas relações entre a classe operária e a classe capitalista. O antigo sistema, onde coexistiu uma camada privilegiada de trabalhadores com um sector altamente explorado foi abaixo através da ruptura da ligação entre o Histadrut e a economia. Houve um largo aumento da taxa de exploração da classe operária reflectida em altas taxas de produtividade excedendo o aumento real de salários. Várias políticas estatais contribuíram para isto, em particular a desvalorização da moeda e o enfraquecimento da ajuda sobre o custo de vida que estava a ser pago para compensar a inflação. Alem do mais, políticas fiscais governamentais tais como o fim ou diminuição dos subsídios a certos bens contribuíram para uma transferência de riqueza dos mais pobres para a nova classe capitalista.

Estas medidas, caracterizadoras da “nova” política econômica de Israel, tiveram reflexos a nível político e cultural. Algumas indicações destas mudanças incluem: (1) o aumento de organizações cívicas e movimentos extra-parlamentares à medida que o governo se retirava da esfera pública, (2) um aumento da “MacDonaldização” da cultura israelense à medida que o capital norte-americano penetrava na economia e, (3) desenvolvimentos políticos como o processo de Oslo que constituiu um passo fundamental no movimento do capital israelense para um patamar global e regional.

Deve ser salientado que a força motriz deste processo foi o Partido Trabalhista. A sua base social de apoio foi tradicionalmente constituída pelos judeus mais abastados da Europa e América, enquanto o rival Likud começou a ganhar apoios entre as camadas mais pobres de judeus vindos de África e do Oriente Médio (Mizrahim) nos anos setenta. O partido Likud ganhou as suas primeiras eleições em 1977, em larga medida devido ao suporte dos mais pobres e da posição de inferioridade dos Mizrahim em simultâneo com a visão de que o partido Trabalhista representava a elite de judeus europeus. Hoje em dia é mínima a diferença entre as politicas econômicas dos Trabalhistas e do Likud – ambos abraçaram sinceramente como sua a política neoliberal dominante. A nível político existe, de igual modo, uma coincidência entre as correntes fundamentais dos Trabalhistas e do Likud relativamente ao conflito palestiniano. É esta convergência entre os trabalhistas e o Likud que explica o colapso do partido Trabalhista como força política em Israel. [6]

Oslo e o capitalismo israelense

No início do processo de Oslo, a classe capitalista emergente encorajava as negociações. Um exemplo típico foi Benny Gaon. Gaon tornou-se presidente da companhia de bandeira da Histadrut, a Koor em 1987, e dirigiu a privatização da companhia. Para Gaon e a nova classe capitalista israelense, Oslo era um passo essencial na abertura de Israel ao mercado global. De acordo com este ponto de vista, seria impossível atrair um significativo investimento estrangeiro enquanto o conflito persistisse. Seria igualmente difícil para as companhias de Israel investir nos Estados Unidos, Europa, ou nos chamados mercados emergentes sem uma resolução política do conflito Israel-palestino. Koor lançou o seu Projeto de Paz pouco após a assinatura da Declaração de Princípios em 1993, e que uniu homens de negócios israelenses, palestinos, árabes e europeus em projetos de investimentos conjuntos na região. Foi também um parceiro importante da Autoridade Palestina em projetos de infra-estrutura e de exportação para a C/ FG.

A razão deste apoio foi largamente sustentada na necessidade de acabar o boicote árabe à economia israelense e no assegurar da estabilidade do ambiente econômico em Israel. Israel apontou como objetivo subcontratar industrias de baixa tecnologia, como as têxteis, no Egito e Jordânia, com uma mão-de-obra muito mais barata do que em Israel. Em larga medida, este foi um objetivo conseguido, com companhias israelenses agora a produzirem em zonas industriais da Jordânia, Egito e nos Territórios Ocupados.

Com início em 1993, Israel começou, planejadamente, a substituir os trabalhadores palestinos que ali trabalhavam desde 1967, por mão-de-obra importada da Ásia e do leste da Europa. Ainda que esta mão-de-obra fosse ligeiramente mais cara e tivessem que ser alojados e trazidos para o país eram altamente explorados e, frequentemente, “ilegais” (ainda que com o conhecimento completo das autoridades israelenses). Eles formaram um exército de reserva de força de trabalho ideal pois facilmente podiam ser deportados para o país de origem com base na acusação de permanecerem no país ilegalmente.

Mais importante, os trabalhadores estrangeiros que chegavam em centenas de milhares após os acordos de Oslo significava que a economia israelense não estava mais dependente de trabalhadores palestinos. Em vez disso, o trabalho palestiniano tornou-se uma “torneira” que podia ser aberta ou fechada dependendo da situação política e econômica. Entre 1992 e 1996, o emprego palestino em Israel desceu de 116.000 trabalhadores (33% da força de trabalho palestiniana) para 28.100 (6% da força de trabalho palestina). Os dividendos provenientes do trabalho em Israel desceram de 25% do PIB palestino em 1992 para 6% em 1996. [7] Entre 1997 e 1999, com uma melhoria na economia israelense houve um aumento de trabalhadores israelenses para níveis anteriores a 1993. No entanto, no seguimento da corrente Intifada, o número de trabalhadores desceu drasticamente devido ao fechamento de fronteiras e recusa de autorização de entrada. Desde setembro de 2000 cerca de 75 a 80.000 palestinos perderam o seu trabalho dentro de Israel ou nos colonatos. Este quadro indicia que a força de trabalho palestina em Israel tornou-se uma segunda reserva de força de trabalho, a par com os trabalhadores estrangeiros.

Relação entre a Autoridade Palestiniana e Israel

O ponto capital da estratégia israelense para com a C/ FG é o controle sobre a população palestina sem uma administração militar direta sobre cidades e vilas. Oslo tentou manter o movimento palestino, economia e fronteiras sob controle israelense ao mesmo tempo que a Autoridade Palestiniana (AP) governava os territórios com um poder assentado no acordo dos governos de Israel e dos Estados Unidos. A primeira responsabilidade da Autoridade Palestina era assegurar a “segurança” de Israel – i.e., agir como uma força policial da autoridade ocupante. No sentido colonialista clássico, os palestinianos deveriam poder ser governados por eles próprios, mas cuidadosamente circunscritos ao contexto de uma dominação e controle israelense.

A economia palestina é completamente integrada e dependente da economia israelense. Aproximadamente 75% de todas as importações para a C/ FG vêm de Israel com 95% das exportações destes territórios a terem como destino Israel. O completo controle das fronteiras por Israel significa a impossibilidade para a economia palestina de desenvolver relações comerciais significativas com um terceiro país. A C/ FG é altamente dependente de bens importados, chegando estes a aproximadamente 80% do PIB. Nesta situação de uma produção local muito fraca e de grande dependência de importações, o poder econômico da classe capitalista palestina não surge da produção industrial local sendo antes de natureza mercantil. Os seus lucros surgem dos direitos exclusivos de importação de bens israelenses e do controle de grandes monopólios concessionados aos leais a Arafat. A relação privilegiada com o capital israelense é a característica definidora da burguesia palestina. Desde 1993 a burguesia fundiu-se com seções da burocracia da Autoridade Palestina, formando um pilar importante da governança palestina.

Desde o início do processo de Oslo, a Autoridade Palestina tem estado completamente dependente de Israel, dos Estados Unidos e da Europa na garantia da sua própria existência. Entre 1995 e 2000, 60% da receita total da Autoridade Palestina advém de taxas indiretas coletadas pelo governo de Israel de bens importados do estrangeiro e destinados aos Territórios Ocupados. Estes dinheiros são recebidos pelo governo israelense e depois transferido todos os meses para a Autoridade Palestiniana de acordo com um processo definido no acordo econômico do Protocolo de Paris em 1995. [8] Significa isto que se o governo israelense decidisse reter esse dinheiro – como acontece desde dezembro de 2000 – a Autoridade Palestina encontrar-se-ia numa grave crise fiscal.

As outras fontes maiores de rendimento da Autoridade Palestina são donativos vindos dos Estados Unidos, Europa e governos árabes. Em 2001, estes fundos cobriram cerca de 75% do orçamento para salários da Autoridade Palestina. Sem ele, 122.000 empregados da Autoridade Palestina não teriam sido pagos. Além disto, doadores estrangeiros suportam programas de emergência como o auxílio alimentar, esquemas de criação de emprego e reconstrução de infra-estruturas destruídas. O défice comercial total da C/ FG representa 45 a 50% do PIB, sendo principalmente financiado por ajuda internacional.

Esta relação entre as áreas palestinas e a economia de Israel assim como a natureza mercantil da classe capitalista palestina deu um caráter distintivo à classe operária palestina. A força de trabalho está dividida em três grandes áreas de emprego – trabalhadores em Israel e nos colonatos que são gravemente afetados pela situação vivida, um largo número de empregados no setor público da Autoridade Palestina, e um setor privado dominado pelo pequeno comércio. Não existe, virtualmente, nenhuma classe operária industrial a mencionar na C/ FG.

Enquanto a força de trabalho palestina em Israel tem diminuído de importância para a economia israelense, ela ainda constitui uma proporção significativa da força de trabalho total. Nos meses que antecederam a Intifada em 2000, mais de 20% da força de trabalho palestina da C/ FG (excluindo Jerusalém) trabalhava em Israel ou nos colonatos.

Em 1998, durante a primeira insurreição nos Territórios Ocupados, a proporção da força de trabalho palestina dentro de Israel ascendia a 50%. Portanto, durante doze anos houve uma quebra de 60% na proporção de trabalhadores palestinos a trabalhar para empregadores israelenses. Para onde foram estes trabalhadores?

O maior setor de emprego desde o processo de Oslo tem sido o setor público da Autoridade Palestina, que dá conta de cerca de 25% do emprego na economia local. A proporção da força de trabalho empregada no setor público quase que duplicou desde meados de 1996. Mais de metade dos gastos da Autoridade Palestina é em salários para o setor público.

O terceiro maior setor de emprego é o setor privado, particularmente na área dos serviços. O que distingue este setor é que é esmagadoramente dominado por pequenos negócios familiares. Do território palestino está ausente qualquer grande indústria significativa devido a 30 anos de políticas anti-desenvolvimentistas de Israel. Para cima de 90% do setor privado palestino emprega menos de dez pessoas.

Implicações políticas

A nível econômico, Oslo sustentou o desenvolvimento de uma classe capitalista parasitária estabelecida na confiança com o capital israelense para obter os seus ganhos. Entretanto Israel acabou com a sua dependência da força de trabalho barata palestina através de um fluxo maciço de altamente explorados trabalhadores estrangeiros. Como alternativa, os trabalhadores palestinos tornaram-se um exército de reserva usados ou deitados fora arbitrariamente.

Décadas de políticas anti-desenvolvimentistas e o completo controle sobre o território significa para os trabalhadores palestinianos ou a dependência de um setor público pago pela ajuda internacional, ou a concentração em empresas pequenas e familiares.

Esta estrutura da classe operária palestiniana é altamente significativa em termos de estratégia política. Ainda que a classe operária palestina seja numerosa, não há nenhum setor com peso econômico no sentido de organizar uma estratégia de classe no centro do movimento nacional de libertação palestiniana. Situação que difere, talvez, do exemplo do movimento anti-apartheid na África do Sul, na qual a classe operária organizada – e particularmente os mineiros – foram capazes de desempenhar um papel central no movimento.

A realidade desta estrutura de classes tem uma clara expressão no terreno. Desde abril deste ano, cerca de 700.000 pessoas na Cijordânia têm vivido sob recolher obrigatório na maior parte do tempo. Recolher obrigatório – de fato, prisão domiciliar –, significa que ninguém que viva numa cidade palestina importante possa deixar a sua casa sem a ameaça de ser morto pelo exército israelense. Os dias em que o recolher obrigatório é levantado por algumas horas dão aos residentes tempo suficiente para comprar comida e ver amigos, mas não para manter qualquer atividade produtiva. Num tal contexto o planejamento básico da vida torna-se uma impossibilidade. É impossível saber, de um dia para o outro, se se está em condições de ir trabalhar, de ir à escola ou universidade. O resultado é uma população cuja vida foi colocada em pausa.

A realidade do recolher obrigatório ilustra perfeitamente as mudanças na estrutura de classes tanto israelenses como palestinas, desde Oslo. Numa sociedade capitalista funcionando normalmente, este tipo de situação seria impossível pois levaria à paralisação de todo o setor produtivo em alguns meses. Durante a primeira Intifada, começada em 1988, Israel impôs também toques de recolher obrigatórios regulares em algumas cidades e vilas, mas nunca por um período e à escala atual. Estas medidas, assim como a não ida ao trabalho durante a primeira Intifada causada por greves gerais, levou o chefe do Serviço de Emprego de Israel a apelidar a situação de “traumática” para a economia israelense. Hoje, todos os líderes políticos israelenses apoiam a permanência do recolher obrigatório e defendem a separação econômica.

A estrutura da classe operária palestina afeta profundamente a estratégia política da Intifada. Os conceitos de greves ou outras ações laborais não existem, pois não têm qualquer efeito sobre a economia de Israel e só afetaria os trabalhadores palestinos e suas famílias. Outra sugestão de ação política regularmente levantada durante a Intifada é o boicote aos produtos israelenses. Apesar de algumas tentativas simbólicas, a relação econômica entre as economias israelenses e palestinas torna estas ações virtualmente impossíveis pois a maioria dos produtos são importados de Israel. Não há nenhuma fonte local de produtos diariamente necessários, como cimento, carne, muitos frutos e vegetais ou produtos elétricos. Eletricidade, linhas telefônicas, água e mesmo a Internet palestina é, em última instância, controlada pelo governo israelense.

Está Oslo morto?

Um comentário comum que se ouve nos principais meios de comunicação assim como em meios da Autoridade Palestina e do governo israelense é que a atual Intifada representa o fim do processo de Oslo. Alguns comentadores palestinos acusam Israel de querer destruir a Autoridade Palestina e voltar à chamada Administração Civil israelense que governou a C/ FG até 1993.

O problema com estas afirmações é que, numa análise mais fina, elas têm pouca semelhança com o que está realmente a acontecer no terreno. É importante aqui distinguir entre o que Oslo pretendeu representar e o que foi planejado para atingir.

Se o processo de Oslo é compreendido como uma estratégia para a criação de um estado cantão — pouco importando os apertos de mão nos jardins da Casa Branca —, então é claro que Oslo está longe de estar morto. Durante o último mês, o governo israelense tem levado a cabo um plano com o propósito de expropriar terras na Cijordânia forçando os palestinos a moverem-se para esses cantões. Este plano assemelha-se às reservas edificadas pelo governo sul-africano para a população negra durante os tempos do apartheid. Um muro de nove metros de altura estendendo-se por centenas de quilômetros está sendo construído em torno das cidades do nordeste da Cijordânia de Nablus, Jenin, Qalqilya e Tulkarem. Um muro similar está a ser construído à volta de Jerusalém. Em conjugação com isto, um novo sistema de passagem está a ser implementado, requerendo que cada palestino que deseje ir de uma cidade palestina a outra deva obter uma autorização semanal especial fornecida pelo comandante militar israelense na Cijordânia. Todas as mercadorias para as áreas palestinas têm que passar por um dos três pontos de trânsito sob controle militar israelense. No essencial, a Cijordânia foi dividida em três cantões – norte, centro e sul da Cijordânia – com todos os movimentos de mercadorias ou pessoas entre essas áreas sob controle dos militares israelenses.

Esses três cantões na Cijordânia estão separados por grandes blocos de colonatos e grandes rodovias indisponível aos palestinianos. Placas especiais distinguem condutores israelenses e palestinianos, constituindo outro pilar do sistema de apartheid emergente na Cijordânia.

A população palestina na Faixa de Gaza foi efetivamente separada de qualquer conexão com a Cijordânia durante mais de uma década, constituindo de fato o quarto cantão nos planos israelenses. A Faixa de Gaza está vedada por uma barreira desde há muitos anos e é agora uma das zonas do planeta mais densamente povoadas – com um milhão de pessoas literalmente fechadas em alguns quilômetros quadrados. São mesmo requeridas autorizações dos militares israelenses para os pescadores palestinos que vão ao mar para o ganha-pão.

Para além deste processo estão as alterações econômicas acima delineadas: uma tentativa do capitalismo israelense de impor uma solução política para o conflito que ajudasse a integração de Israel no mercado global; permitisse a liberalização da economia israelense, a redução das despesas militares e a abertura dos mercados de trabalho e de consumidores do Oriente Médio à economia israelense.

O maior impedimento a este processo é constituído pelas massas palestinas, não a AP. O objetivo da atual estratégia israelense não é a destruição da AP mas exatamente o oposto, fortalecendo-a a fim de melhor reprimir a população. Alguns membros da AP irão neste processo, mas não são os indivíduos que são importantes, antes a estrutura como um todo e o seu papel.

É difícil hoje falar de uma “Intifada” no sentido de um movimento popular e de massas. Pelas razões acima mencionadas, há pouca participação das massas no atual levantamento. Há no entanto um forte espírito de resistência reunida na expressão árabe “samideen” – ou inabalável. É por isso que a forma de repressão adotada pelo governo israelense é caracterizada por punições coletivas da população – tácticas destinadas a desmoralizar e a matar à fome a população até levá-la à submissão.

Notas

1. The Declaration of Principles (DOP), commonly called the Oslo Agreement, was signed between the government of Israel and the Palestine Liberation Organization on September 13, 1993. It was the product of secret negotiations between the Israeli government and Palestinian negotiators. Despite the widespread illusion that Oslo was an agreement intended to achieve peace and establish a Palestinian state in the West Bank and Gaza Strip, it was a highly flawed agreement that gave the illusion of Palestinian sovereignty but perpetuated Israeli dominance in all areas as I shall demonstrate later in the article.

2. The Histadrut (General Federation of Workers in Eretz Israel) was the administrative backbone of the pre-state settlement, controlling the colonization effort, economic production and marketing, labor employment, and defense. The Histadrut was not a trade union in the classical sense, instead, its priorities were defined by “national” objectives not the interests of workers. Indeed, in 1960, the General Secretary of the Histadrut Pinhas Lavon characterized the organization, The General Federation of Workers was founded forty years ago by several thousand young people wanting to work in an under-developed country where labor was cheap, a country which rejected its inhabitants and which was inhospitable to new comers. Under these conditions, the foundation of the Histadrut was a central event in the process of the rebirth of the Hebrew People in its father-land. Our Histadrut is a general organization to its core. It is not a worker’s trade union.” Quoted in Haim Hanegbi, Moshe Machover, and Akiva Orr, “The Class Nature of Israel,” in New Left Review 65 (January–February, 1971).

3. For some examples of this analysis, see Gershon Shafir, Land, Labor and the Origins of the Israeli-Palestinian Conflict, 1882–1914 (Cambridge: Cambridge University Press, 1989); Zeev Sternhell, The Founding Myths of Israel: Nationalism, Socialism and the Making of the Jewish State (Princeton University Press, 1998) and Ilan Pappe ed., The Israel/Palestine Question: Rewriting Histories (London: Routledge, 1999).

4. Lewin-Epstein, Noah and Moshe Semyonov, “Occupational Change in Israel: Bringing the Labor Market Back,” Israel Social Science Research 2, no. 2, (1984): 3–18.

5. For detailed discussion on this issue see the work of Jonathan Nitzan and Shimson Bichler, particularly, “From War Profits to Peace Dividends: The New Political Economy of Israel,” Capital and Class, vol. 60 (Autumn 1996).

6. There are recent signs that Israeli big business may be attempting to rebuild the Labor Party as a political force with considerable business support shifting to Haifa’s Labor Mayor Amram Mitzna as a candidate for Labor Party leadership against Ben Eliezer in recent months.

7. World Bank, Trade Options for the Palestinian Economy—Working Paper No. 21 (English), March 2001.

8. The Paris Protocol was an economic agreement signed in 1995 as part of the Oslo process. It gave precise expectations of which goods Palestinians were allowed to export and import, as well as tax regulations and other economic issues.

Adam Hanieh é pesquisador e assistente em organizações de direitos humanos em Ramallah, Palestina.

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