Volume 32 Issue 1, January 2006 |
Tradução / O Tio Sam renegou e não cumpriu mais de 40% do seu trilhão (10¹²) de dólares de dívida externa, e ninguém disse uma palavra exceto uma linha no The Economist. Em bom inglês isto significa que o Tio Sam frauda o mundo inteiro com o dólar que ele fabrica baseado na confiança pedida e recebida dos outros espalhados por todo o planeta, e é também um caloteiro (deadbeat) pois não honra nem devolve o dinheiro que recebeu. Quanto da nossa aposta em dólar perdemos depende de quanto originalmente pagamos por ele. O Tio Sam deixou o seu dólar cair, ou melhor, através das suas políticas econômicas deliberadas levou-o a cair, em 40%, de 80 centavos por euro para 133 centavos. O dólar está baixo numa proporção semelhante em relação ao yen, ao yuan e a outras divisas. E ainda está a declinar. Na verdade, tende a mergulhar totalmente.
Também houve um dilúvio de desvalorizações competitivas na década de 1930, denominadas "enfraquece a posição do teu vizinho", com a transposição de custos para as costas dos vizinhos. Na verdade, como o dólar tem declinado, também declina o valor real que os estrangeiros pagam pelo serviço da sua dívida ao Tio Sam. Mas isto funciona só se eles próprios puderem ganhar em divisas que aumentaram de valor em relação ao dólar. Caso contrário, os estrangeiros ganham e pagam nos mesmos dólares desvalorizados, e mesmo assim com alguma perda devido à desvalorização entre o momento em que obtiveram os seus dólares e o momento em que tiveram de repagá-los ao Tio Sam. A China e outros países do Extremo Oriente ganham em dólares, ao quais estão ligadas (pegged) as suas respectivas divisas, de modo que eles já perderam uma porção substancial da sua aposta em dólares, de longe a maior do mundo.
E, tal como todo os outros, eles também perderão o resto. Pois a dívida do Tio Sam para com o resto do mundo já monta a mais de um terço da sua produção interna anual e continua a crescer. Isto só por si já faz com que a sua dívida seja economicamente e politicamente impagável, mesmo se ele quisesse — o que não acontece. A dívida interna do Tio Sam, ex.: cartões de crédito, é quase 100% do produto interno bruto (PIB) e do consumo, incluindo o da China. A dívida federal do Tio Sam é agora de US$ 7,5 triliões, dos quais quase US$ 1 trilião foi erguida nas últimas três décadas, os últimos US$ 2 trilhões nos últimos oito anos, e o último US$ 1 trilhão nos últimos dois anos. Infelizmente, isto custa mais de US$ 300 bilhões por ano em juros, o que pode ser comparado com, por exemplo, os US$ 15 bilhões gastos anualmente com a National Aeronautics and Space Administration (NASA). Mas não se preocupem: o Congresso acaba de aumentar o teto da dívida para US$ 8,2 trilhões. Para ajudar-nos a visualizar isto, US$ 1 trilhão atados de forma bem compacta em notas de US$ 1000 formaria uma pilha com 100 km de altura.
Mas cerca da metade é possuída por estrangeiros. Toda a dívida do Tio Sam, incluindo o consumo doméstico privado, os cartões de crédito, as hipotecas, etc de cerca de US$ 10 triliões, mais as corporativa e financeiras, com opções, derivativos e semelhantes, e a do Estado e governos locais chegam a um montante não visualizável, na verdade inimaginável, de US$ 37 triliões, o que corresponde a aproximadamente quatro vezes do PIB do Tio Sam. Somente alguma dela pode ser administrada internamente, mas com perigosas limitações para o Tio Sam como se observa abaixo. Esta é a única razão porque quero apresentá-lo ao Tio Sam, o caloteiro, o qual pode recorda-lo do filme Meet Joe Black¹; mas quando nós o conhecermos melhor, mais abaixo, descobriremos que ele também é um Shylock², além de corrupto.
A Guerra Fria por procuração do Tio Sam
Os Estados Unidos são o país mais privilegiado do mundo por terem o monopólio de imprimir a divisa de reserva mundial à vontade e a um custo nulo excepto quanto ao papel e à tinta de impressão. Além disso, ao fazer isto, o Tio Sam pode exportar para fora a inflação que ele gera através dos dólares extra que imprime, dos quais já há pelo menos mais três vezes a circularem no mundo do que aqueles que Tio Sam tem dentro de casa. Adicionalmente, o seu país é também o único cuja dívida "estrangeira" é denominada principalmente na própria divisa mundial que ele pode imprimir à vontade, ao passo que a maior parte da dívida externa dos estrangeiros também é denominada nos mesmos dólares, mas eles têm de ser comprados ao Tio Sam com a sua própria divisa e bens reais. Assim, ele simplesmente paga aos chineses e aos outros fundamentalmente com estes dólares que já principiam a não ter qualquer valor real além do seu papel e da sua tinta. De modo que, especialmente a pobre China, entrega por nada ao rico Tio Sam centenas de milhares de milhões de dólares em bens reais produzidos internamente e consumidos pelo Tio Sam. A seguir a China volta outra vez a comerciar estes mesmos dólares de papel por mais papeis do Tio Sam, chamados títulos Certificados do Tesouro (Treasury Certificate), os quais são ainda mais sem valor excepto pelo facto de pagarem uma taxa de juros. Pois como notamos, eles nunca poderão ser plenamente ou mesmo parcialmente resgatados, e de qualquer forma já terão perdido muito do seu valor para o Tio Sam.
Num ensaio anterior argumentei que o poder do Tio Sam repousa apenas sobre dois pilares: o dólar de papel e o Pentágono. Um apoia o outro, mas a vulnerabilidade de cada um é também um calcanhar de Aquiles que ameaça a viabilidade do outro. Desde então, o Iraque, para não mencionar o Afeganistão, tem mostrado que a confiança no Pentágono não é inabalável, assim como a confiança na capacidade do Tio Sam para utilizá-lo no financiamento das aventuras estrangeiras do Pentágono (ver Coup d'Etat and Paper Tiger in Washington, Fiery Dragon in the Pacific, que também destaca o crescimento produtivo da China). Adicionalmente, devemos perceber que todos os números do Tio Sam, acima e abaixo, também são literalmente relativos. Até agora as relações com outros países, em particular com a China, ainda favorecem o Tio Sam, mas elas também ajudam a manter uma imagem que é enganadora. Considere-se o seguinte:
Um brinquedo de US$ 2 ao sair de uma fábrica possuída pelos EUA na China é um carregamento de US$ 3 a chegar a San Diego. Quando um consumidor americano compra-o por US$ 10 na cadeia Wal-Mart, a economia americana regista US$ 10 em vendas finais, menos US$ 3 do custo de importação, com uma adição de US$ 7 ao PIB americano (Blaming "undervalued" yuan wins votes, Asia Times Online, 26 de fevereiro de 2004)
Além disso, o sempre esperto Tio Sam arranjou as coisas de modo a ganhar 9% dos seus haveres econômicos e financeiros no exterior, enquanto os estrangeiros podem ganhar apenas 3% sobre os seus, e entre eles sobre os seus Certificados do Tesouro há apenas 1% de retorno real. Note-se que esta diferença de 6 pontos percentuais já é o dobro do que o Tio Sam paga para fora, e o total de 9% que toma é o triplo dos 3% que ele dá de volta. Portanto, embora os haveres estrangeiros e os do Tio Sam sejam agora aproximadamente iguais, o Tio Sam ainda é o grande vencedor líquido, tal como qualquer Shylock, mas nenhum outro fez alguma vez tão grande negócio.
Mas o Tio Sam também ganha bastante bem, obrigado, dos outros haveres no exterior, ex.: pelo pagamentos de serviços da maior parte dos pobres devedores estrangeiros. As somas envolvidas não são amendoins nem mesmo batatinhas. Só dos seus investimentos diretos em propriedade estrangeira os lucros do Tio Sam agora equivalem a 50%, e incluindo as suas receitas dos outros haveres no exterior agora são plenos 100% dos lucros derivados de todas as suas atividades internas próprias combinadas. Estas receitas estrangeiras acrescentam mais de 4% ao produto nacional do Tio Sam. Isto ajuda lindamente a compensar o fracasso dos lucros internos ainda por recuperar do seu nível de 1972, porque o Tio Sam fracassou em promover suficientemente a produtividade dentro de casa.
O alarde sobre a produtividade da "nova economia" do presidente Bill Clinton na década de 1990 estava limitado a computadores e tecnologia da informação (TI), e mesmo isso demonstrou-se ser uma impostura quando estourou a bolha das dot-com. Além disso, não só o aumento aparente dos "lucros" como também o da "produtividade" repousavam, na base, nas costas dos do chão da fábrica, dos escritórios e dos trabalhadores em vendas a laborarem mais arduamente e durante mais horas e, no topo, resultou na contabilidade criativa trapaceada pela Enron e assemelhadas. Tais factores ainda compensam e permite grande parte do défice comercial de US$ 600 mil milhões do Tio Sam, que continua a aumentar, e o excesso de consumo interno em relação ao que ele próprio produz. Foi isto que resultou da dívida multitrilionária. O Tio Sam é relutante em revelar quanto é exatamente esta dívida, mas o que é seguro é que ela é de longe a maior do mundo, mesmo considerando a dívida líquida dos estrangeiros, depois de o seu débito para com ele ser deduzido.
Tio Sam não pode salvar-se por si próprio: está viciado no consumo e em outras drogas
A resposta simples é que o Tio Sam, que está cada vez mais viciado no consumo, sem mencionar o vício nas drogas duras, não poupa mais do que 0,2% do seu próprio rendimento. O guru da Reserva Federal. Alan Greenspan, observou recentemente que isto é assim porque os 20% dos americanos mais ricos, que são os únicos que fazem poupança, reduziram as suas poupanças para 2%. Ainda assim, estas miseráveis poupanças (outros, países mais pobres, poupam e até investem 20%, 30% e mesmo 40% do seu rendimento) são mais do que contra-balançadas pelos 6% de défice gastos pelo governo. É isto que traz a taxa de poupança média para 0,2%. Para manter este défice orçamental de mais de US$ 400 mil milhões (mais de 3% do produto interno nacional), que na realidade é de mais de US$ 600 mil milhões se contarmos, como devemos, os mais de US$ 200 mil milhões que o Tio Sam "empresta" dos excedentes temporários do seu próprio fundo Federal de Segurança Social, que também está em bancarrota. (Mas não importa, o presidente George W. Bush acaba de prometer privatizar muito disto e deixar as pessoas comprarem a sua própria "segurança" para a velhice no mercado cada vez mais inseguro).
Assim, com estes mais de US$ 600 mil milhões de défice orçamental e o défice já mencionado de mais de US$ 600 mil milhões, o rico Tio Sam, e primariamente os seus mais altos ganhadores e maiores consumidores, bem como, naturalmente, o próprio Tio Grande, vivem da gordura das terras do resto do mundo. O Tio Sam absorve as poupanças dos outros que muitas vezes são muito mais pobres, particularmente quando os seus bancos centrais colocam muitas das suas reservas na divisa mundial dos dólares e portanto dentro das mãos do Tio Sam em Washington, e alguns também em dólares internamente. Os seus investidores privados enviam dólares ou compram ativos em dólares na Wall Street, sempre com a confiança de que estão as colocar os seus recursos no paraíso mais seguro do mundo (e isto, naturalmente, faz parte da já mencionada fraude na confiança). Só da parte dos bancos centrais, estamos a olhar para quantias anuais de mais de US$ 100 mil milhões da Europa, mais de US$ 100 mil milhões da pobre China, US$ 140 mil milhões do Japão super-poupador, e muitas dezenas de milhares de milhões de muitos outros por todo o globo, incluindo o Terceiro Mundo. Mas além disso o Tio Sam obriga-os, através dos bons ofícios dos seus próprios estados, a enviar deste modo literalmente poupanças forçadas para o Tio Sam bem como na forma do seu "serviço" da sua dívida predominantemente em dólares para com eles.
Como o Tio Sam cria e recebe a dívida do Terceiro Mundo
Como o Tio Sam cria e recebe a dívida do Terceiro Mundo
O seu secretário do Tesouro e o seu criado Fundo Monetário Internacional (FMI) continuam alegremente a pavonear-se por todo o mundo a insistir em que o Terceiro — e o ex-Segundo, agora também Terceiro — Mundo continuem o serviço das suas dívidas externas, especialmente para com ele. Não importa que com as taxas de juro multiplicadas várias vezes pelo próprio Tio Sam depois do golpe de Paul Volcker em outubro de 1979, a maior parte da qual já foi paga três a cinco vezes em relação ao seu empréstimo original. Para pagar tudo às taxas de juro que Volcker disparou para 20% eles têm de emprestar ainda mais a taxas ainda mais altas até com isso a sua considerável dívida externa ter duplicado e triplicado, sem mencionar a sua dívida interna da qual parte dos pagamentos estrangeiros foram elevados, particularmente no Brasil. A privatização é o nome do jogo ali e por toda a parte, exceto quanto à dívida. A dívida foi socializada depois de ser sido assumida principalmente pelos negócios privados, mas só o Estado tem o poder suficiente para espremer o grande volume de pagamentos atrasados dos esconderijos dos pobres e das camadas médias e transferi-los como "pagamento do serviço de invisíveis" para o Tio Sam.
Quando disseram aos mexicanos para apertarem os cintos mais uma vez, eles responderam que não podiam porque já haviam comido os seus cintos. Só a Argentina e por um momento a Rússia declararam uma moratória efetiva no seu "serviço" da dívida, e isto só depois de políticas econômicas que destruíram as suas sociedades, graças aos conselheiros do Tio Sam e ao braço forte do FMI. Desde então, o próprio Tio Sam tem estado alegremente a incumprir (defaulting) a sua própria dívida externa, tal como já aconteceu várias vezes antes durante o século XIX.
Por falar nisso, é bom recordar pelo menos dois conselhos dados naquele tempo: Lord Cromer, que administrou o Egito para os interesses imperiais britânicos então dominantes, disse que o seu mais importante instrumento para fazer isso foram as dívidas do Egito para com a Grã-Bretanha. Estas haviam-se simplesmente multiplicado quando o Egito foi obrigado a vender as suas ações do Canal de Suez à Grã-Bretanha a fim de pagar as suas dívidas anteriores e o primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli explicou e justificou a compra do mesmo com o argumento de que fortaleceria os interesses imperiais britânicos. Hoje, isto é chamado "debt-for-equity swaps", que é uma das políticas favoritas recentes do Tio Sam: usar a dívida para adquirir recursos reais lucrativos e/ou estrategicamente importantes, tal como era o canal no caminho da joia do Império Britânico, a Índia.
Outra peça de conselho prático veio do primeiro estrategista militar, Carl von Clausewitz: fazer com que as terras que você conquiste paguem a sua própria conquista e administração. É claro que foi exatamente o que fez a Grã-Bretanha na Índia através dos infames "Home Charges" remetidos para Londres como pagamento pela administração britânica na Índia, os quais mesmo os próprios britânicos reconheceram como "tributo" e como responsável por grande parte do "Drenagem" da Índia para a Grã-Bretanha. Torna-se mais eficiente ainda deixar os próprios estados dos países estrangeiros administrarem-se, mas através de um conjunto de regras impostas pelo FMI do Tio Sam e então efetuar um dreno do serviço da dívida. Realmente, também nisto os britânicos estabeleceram no século XIX o precedente de contar com o "imperialismo do livre comércio" com Estados "independentes" tanto quanto possível e por tanto tempo quanto possível, utilizando a diplomacia da canhoneira para fazer tal trabalho (o que o Tio Sam aprendeu a copiar no princípio do século XX); e se isto não fosse suficiente, simplesmente invadir, e se necessário ocupar — e então confiar na regra de Clausewitz.
Observaremos vários exemplos recentes disto, e especialmente o do Iraque, no segundo artigo desta série.
Depois de ter escrito o texto acima, recebi por email um excerto do sítio web Democracy Now! intitulado Confessions of an economic hit man: How the US uses globalization to cheat poor countries out of trillions. (Confissões de um assasino econômico: Como os EUA utilizam a globalização para trapacear países pobre em triliões de dólares).
"Falamos com John Perkins, um antigo e respeitado membro da comunidade bancária internacional. No seu livro "Confissões de um assasino econômico" (Confessions of an economic hit man) ele descreve como na qualidade de profissional muito bem pago ajudou os EUA a trapacearem países pobres por todo o globo em triliões de dólares emprestando-lhes mais dinheiro do que alguma vez poderiam repagar e a seguir tomando o controle das suas economias.
John Perkins: Basicamente aquilo para que somos treinados e aquilo a que o nosso trabalho se destina é construir o império americano. Provocar — criar situações em que a maior parte possível dos recursos convirjam para este país, para as nossas companhias, e para o nosso governo e, na verdade, temos sido muito bem sucedidos. Construímos o maior império da história do mundo. [...] Fui recrutado inicialmente quando estava na business school, no fim da década de 60, pela National Security Agency, a maior e menos entendida organização de espionagem do país; e então eles nos enviaram para trabalhar em empresas privadas de consultoria, firmas de engineering, companhias de construção, de modo que se fossemos capturados não haveria qualquer conexão com o governo.
Tornei-me economista-chefe. Acabei por ter 50 pessoas a trabalharem para mim. Mas o meu trabalho real era fazer negócios. Ela concedia empréstimos a outros países, empréstimos enormes, muito maiores do que eles possivelmente poderiam repagar. Uma das condições do empréstimo — digamos US$ 1000 milhões para um país como a Indonésia ou o Equador — e este país teria então de dar 90% daquele empréstimo de volta a uma companhia americana, ou a companhias americanas — uma Halliburtou ou uma Bechtel. [...] Hoje um país como o Equador dedica mais de 50% do seu orçamento nacional só para pagar a sua dívida. E ele realmente não pode fazê-lo. Assim nós literalmente os temos sobre um barril. De modo que quando queremos mais petróleo vamos ao Equador e dizemos: 'Olhe, você não é capaz de repagar suas dívidas, portanto dê as suas companhias de petróleo, a sua Amazônia, que estão cheias de petróleo'. E hoje estamos a destruir as florestas chuvosas da Amazônia, forçando o Equador a dá-las para nós porque eles acumularam toda esta dívida. [...] [Trabalhamos] muito, muito estreitamente com o Banco Mundial. O Banco Mundial providencia a maior parte do dinheiro que é utilizado pelo pistoleiros econômicos, ele e o FMI."
Tio Sam consome e controla o petróleo
Finalmente mas não menos importante, os produtores de petróleo também colocam as suas poupanças no Tio Sam. Como o "choque" petrolífero que restaurou o seu preço real depois de o valor do dólar ter caído em 1973, o sempre hábil pela metade Henry Kissinger fez um negócio com o maior exportadores de petróleo do mundo, a Arábia Saudita, que continuaria a apreçar o petróleo em dólares, e estes rendimentos seriam depositado com o Tio Sam e parcialmente compensados por equipamento militar. Aquele trato estendeu-se de facto a toda a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e ainda está de pé, excepto que antes da guerra contra o Iraque aquele país subitamente optou por comutar o apreçamento do seu petróleo por euros, e o Irão ameaçou fazer o mesmo. A Coreia do Norte, o terceiro membro do "eixo do mal", não tem petróleo mas comercia inteiramente em euros. (a Venezuela é um grande fornecedor de petróleo do Tio Sam e também fornece algum a taxas preferenciais como comércio de permuta sem dólares a países pobres como Cuba. Assim, Tio Sam patrocionou e financiou comandos militares do seu Plano Colômbia do vizinho, promoveu um golpe ilegal e, quando fracassou, pressionou por um referendo na sua tentativa de uma outra "mudança de regime!, e agora juntamente com o Brasil todos os três estão a ser baptizados como um outro "eixo do mal").
Depois de escrever isto descobri que o bom pistoleiro, o sr. Perkins, também esteve na Arábia Saudita:
"Amy Goodman: No seu livro, fala de como ajudou a implementar um esquema secreto para recambiar para a economia americana bilhões de dólares dos petrodólares da Arábia Saudita, e para posteriormente cimentar a estreita relação entre a Casa de Saud e as sucessivas administrações dos Estados Unidos. Explique isto.
John Perkins: Sim, foi uma época fascinante. Lembro-me bem — o Departamento do Tesouro, contrataram-me a mim e a outros homens de golpe econômico. Fomos para a Arábia Saudita. [...] E trabalhamos nesse negócio segundo o qual a Casa Real de Saud concordava em enviar a maior parte dos seus petrodólares para os Estados Unidos e investi-los nas ações do governo dos Estados Unidos. O Departamento do Tesouro utilizava os juros destas ações para contratar companhias americanas para a construção de novas cidades na Arábia Saudita, de novas infra-estruturas — o que cumprimos. E a Casa de Saud concordava em manter o preço do petróleo dentro de limites aceitáveis para nós, o que eles têm feito durante todos estes anos, e nós concordávamos em manter a Casa de Saud no poder enquanto eles cumprissem isso, o que cumprimos, e que é uma das principais razões por que entramos em guerra com o Iraque. E no Iraque tentamos implementar a mesma política que tinha sido tão bem sucedida na Arábia Saudita, mas Saddam Hussein não foi na conversa. Quando os homens de golpe econômico falham neste cenário, o passo seguinte são os chacais, como lhes chamamos. Os chacais são pessoas sancionadas pela CIA que chegam e tentam fomentar um golpe ou uma revolução. Se isso não resultar, passam aos assassinatos ou tentam fazê-lo. No caso do Iraque, não conseguiram chegar até Saddam Hussein. Ele tinha — Os guarda costas eram bons demais. Ele tinha duplos. Não conseguiram chegar até ele. Então, quando os homens de golpe econômico e os chacais falham, a terceira linha de defesa, a linha de defesa seguinte são os nossos rapazes e raparigas que são enviados para morrer e para matar, que é sem dúvida o que estamos a fazer no Iraque."
O maior esquema ponzi do mundo, a defraudação da confiança
Para retornar à questão principal e chamar as coisas pelo seu nome, todo o acima é parte e parcela do maior esquema de Ponzi [3] do mundo desde sempre, uma fraude. Tal como todos os outros, a sua característica mais essencial é que isto só pode continuar a pagar dólares e ser mantido a flutuar enquanto continuar a receber novos dólares na base, voluntariamente através da confiança se possível e pela força em caso contrário. (Naturalmente, as fórmulas de Clausewitz e Cromer resultam em os mais pobres pagarem a maior parte, uma vez que eles também são os mais indefesos: assim aqueles que se sentam sobre eles passam muito do custo e do sofrimento para baixo, para eles.)
O que acontece se a confiança no dólar se esgotar? As coisas já estão a ficar mais instáveis na Casa do Tio Sam. O declínio do dólar reduz o necessário influxo de dólares, assim Greenspan precisa elevar as taxas de juros para manter alguma atractividade para os dólares estrangeiros de que ele precisa para colmatar a disparidade (gap) comercial. Como compensação por ser renomeado pelo presidente George W. Bush, ele prometeu fazer isto só após a eleição. Este momento chegou agora, mas ao fazer assim ameaça colapsar a bolha interna que foi construída com base em taxas de juros baixas e hipotecas — e rehipotecas.
Mas é nos valores das suas casas que a maior parte dos americanos têm as suas poupanças, se é que eles têm alguma. Eles e este efeito de riqueza imaginária apoiado no sobreconsumo e na dívida aproximadamente tão alta quanto o PIB interno, e um colapso da bolha dos preços imobiliários com taxas de juros e de hipotecas acrescidas não só desvalorizaria os preços das casas, pois através disso teria um efeito dominó sobre as enormes segundas e terceiras rehipotecas dos seus proprietários e dos seu cartões de crédito e outras dívidas, no seu consumo, dívida corporativa e lucro, e no investimento. De facto, tais factores seriam suficientes para mergulhar o Tio Sam dentro de uma recessão profunda, se não uma depressão, e uma outra deflação Big Bear das acções e de facto dos outros preços, tornando o serviço da dívida ainda mais oneroso. (Se o dólar declina, mesmo a inflação interna dos preços é de fato deflacionária contra outras divisas, o que os russos e latino-americanos descobriram à sua própria custa, e que nós observamos abaixo).
Um ainda mais baixo investimento real americano reduziria ainda mais a sua produtividade industrial e a sua competitividade — provavelmente para um grau mais baixo do que pode ser compensado por nova desvalorização do dólar que tornassem as exportações americanas mais baratas, como é a esperança confiante de muitos, provavelmente incluindo o bom Doutor. Até agora, a aparente inflação de preços no exterior e rublos e em pesos e suas consequentes desvalorizações foram de facto deflação em termos do dólar como divisa mundial. O Tio Sam imprimiu então dólares para comprar a preços de pechincha recursos naturais na Rússia (cuja economia era então movimentada com notas de US$ 100), em companhias e até bancos, como na Coreia do Sul. Na verdade, agora Greenspan e o Tio Sam estão a tentar outra vez conseguir que bancos centrais ascendam as suas próprias taxas de juro e mergulhem os seus próprios povos dentro mesmo de uma depressão mais profunda.
Mas mesmo que eles possam, com isso eliminando também a relativa atractividade do seu próprio aumento da taxa de juro, como poderia isto salvar o Tio Sam? Aquilo que permanece a grande incógnita e talvez ainda não possa ser conhecido é como um Tio Sam mais ferido com a perda do esquema Ponzi reagiria com mais actos "patrióticos" internamente, e no exterior com as armas — incluindo as agora quase prontas "pequenas" ogivas nucleares — que ele ainda teria, mesmo que as suas vítimas estrangeiras não pudessem mais pagar por novas. Assim, para compensar por menos pão e menos direitos civis internamente, e mesmo mais patrióticos, mais ainda chauvinista, o circo à custa dos outros lá fora é o perigo real das actuais políticas de "defesa da liberdade e da civilização".
Assim, muito além de Osama bin Laden, da al-Qaeda e de todos os terroristas juntos, a maior ameaça do mundo real para o Tio Sam é que seque o influxo de dólares. Exemplo: bancos centrais estrangeiros e investidores privados (diz-se que os "chineses do ultramar" têm um trilião de dólares limpos) poderiam um dia destes decidir colocar mais do seu dinheiro alhures ao invés do dólar declinante e abandonar o pobre Tio Sam ao seu destino. A China poderia duplicar o seu rendimento per capita muito rapidamente se efectuasse investimentos reais internos ao invés de financeiros com o Tio Sam. Bancos centrais, europeus e outros, podem agora colocar as suas reservas em euros (em ascensão!) ou mesmo no yuan chinês, prestes a ser revalorizado. Não muito adiante na estrada, poderá haver uma divisa do Extremo Oriente, como por exemplo um cabaz dos primeiros da ASEAN + 3 (China, Japão, Coreia do Sul) — e a seguir + 4 (Índia). Enquanto o total das exportações da Índia nos últimos cinco anos aumentou 73%, o da Associação dos Países do Sudeste Asiático (ASEAN) aumentou o dobro daquela taxa e seis vezes para a China. A Índia tornou-se uma parceiro cimeiro da ASEAN e suas ambições estendem-se ainda mais em direcção a uma zona económica que vai desde a Índia até o Japão. Não é por acaso que, na crise de divisas seguida de crise económica plena verificada em 1997 no Leste da Ásia, o Tio Sam advertiu fortemente o Japão para que não aceitasse um fundo de divisas do Leste Asiático que fora proposto e que teria pelos menos evitado o pior da crise. Tio Sam beneficiou-se com isto ao comprar divisas desvalorizadas do Leste Asiático e utilizá-las para comprar recursos reais nestes países, e na Coreia do Sul também bancos, numa base de preços de verdadeira liquidação. Mas agora a China já dá passos em direcção a um tal acordo, só que com muito mais grandeza financeira e agora também com escala económica.
Depois de ter escrito o texto acima li em The Economist (11-17/Dezembro/2004) um relato acerca da cimeira do ASEAN +3 na semana anterior, na Malásia. O primeiro-ministro daquele país anunciou que esta cimeira deveria estabelecer o terreno para uma Comunidade do Leste Asiático (East Asian Community, EAC) que "construiria uma área de livre comércio, cooperaria em finanças e assinaria um pacto de segurança ... o que transformaria o Leste Asiático num bloco económico coeso ... De facto, alguns destes esquemas já estão em movimento ... A China, como a potência económica e militar proeminente da região, irá sem dúvida dominar ... e abrigará a segunda Cimeira do Leste Asiático". O relato avança para recordar que em 1990 o Tio Sam derrubou uma iniciativa semelhante por temer perder influência na região. Agora é um caso de "Ianque fica em casa".
Ou o que aconteceria se, muito antes disto acontecer, os exportadores de petróleo simplesmente cessarem de apreçar em dólares sempre a desvalorizar e, ao invés disso, efectuarem uma mudança comutando para o euro em ascensão e/ou um cabaz de divisas do Leste Asiático? Isto de repente diminuiria muito a procura mundial por dólares e o preço dos dólares ao obrigar quem quisesse comprar petróleo a comprar e a aumentar o preço de procura do euro ou do yen/yuan ao invés do dólar. Isto esmagaria o dólar e derrubaria o Tio Sam numa queda fatal, pois os possuidores estrangeiros -- e mesmo internos -- de dólares venderiam tanto quanto pudessem e tão rápido quanto possível, e bancos centrais de outros países substituiriam as suas reservas em dólares e não mais considerariam o Tio Sam como um abrigo seguro. Isto levaria o dólar a cair ainda mais e, naturalmente, a interromper qualquer influxo de mais dólares para o Tio Sam por parte dos estrangeiros que têm estado a financiar a sua farra de consumo. Uma vez que vender petróleo por dólares em queda ao invés de euros em ascensão é evidentemente um mau negócio, os maiores exportadores de petróleo na Rússia e na OPEP têm estado a considerar exactamente isso. Nesse ínterim, eles apenas aumentaram o preço em dólar do petróleo, de modo que em termos de euros ele tem permanecido aproximadamente estável desde 2000. Até agora, muitos exportadores de petróleo e outros ainda colocam o seu montante acrescido de dólares no Tio Sam, apesar de agora ele oferecer um abrigo cada vez menos atraente e menos seguro, mas a Rússia agora está a comprar mais euros com alguns dos seus dólares.
Assim, bancos centrais de muitos países também começaram a colocar cada vez mais das suas reservas no euro e em outras divisas que não sejam o dólar do Tio Sam. Agora mesmo o Banco Central da China, o maior amigo do Tio Sam em necessidade, começou a comprar alguns euros. A própria China também começou a utilizar alguns dos seus dólares — enquanto eles ainda são aceitos — na compra de bens reais de outros países asiáticos e milhares de toneladas de minério de ferro e aço do Brasil, etc. (o presidente do Brasil levou recentemente uma enorme delegação de negócios à China e uma delegação chinesa acaba de ir à Argentina. Eles estão a ir aos minerais da África do Sul também).
Assim, o que acontecerá aos ricos do topo do esquema Ponzi do Tio Sam quando a confiança dos bancos centrais mais pobres e dos exportadores de petróleo se esgotar, e os mais destituídos em todo o mundo, confiantes ou não, não mais puderem fazer os seus pagamentos na base? A fraude da confiança neste Esquema de Ponzi do Tio Sam levaria — ou levará — ao seu estilhaçamento, tal como todos os esquema como esse antes, só que desta vez com uma explosão em escala mundial. Isto reduziria a atual procura americana por bens de consumo a uma dimensão realista e prejudicaria muitos exportadores e produtores em outras partes do mundo. De facto, isto pode envolver uma reorganização fundamental em grande escala da política mundial agora dirigida pelo Tio Sam.