1 de fevereiro de 2007

O modelo agrário neoliberal no Brasil

João Pedro Stédile

Monthly Review

Introdução

Desde a vitória eleitoral de Fernando Collor para presidente da república (1990-1992), seguida dos governos FHC 1 e 2 (1995-1998 e 1999-2002, respectivamente), foram sendo implementadas no Brasil medidas de política econômica que representaram a aliança subordinada das classes dominantes brasileiras com o capital internacional, em sua fase financeira. E, infelizmente, agora durante o governo Lula, esses setores se mantiveram hegemônicos e a política econômica seguiu seus interesses.

Todos sabemos qual foi o resultado disso. Desnacionalização e aumento da dependência da economia brasileira, entrega de nossas melhores e mais lucrativas empresas para as transnacionais. Lucros fantásticos dos bancos. As mais altas taxas de juros do mundo. Redução do papel do estado na economia. E aplicação de políticas que priorizam a transferência de renda através do estado para o sistema financeiro.

Agora, o modelo se generaliza na agricultura. Esse modelo neoliberal tomou conta do setor agrícola, com mais força agora, durante o governo Lula. Selou-se uma aliança subordinada entre os grandes fazendeiros capitalistas, com as empresas transnacionais, que controlam o comercio agrícola internacional, as sementes, a produção de agrotóxicos e a agroindústria.

Esse modelo representa uma proposta de agricultura com as seguintes características: prioridade às grandes fazendas com grandes extensões de terra, que usam intensivamente os agroquímicos e os agrotóxicos. Dedicam-se à monocultura de produtos para exportação. Cultivam apenas 60 milhões, dos 360 milhões de hectares agricultáveis. E da área cultivada, 85% é ocupada pela cana, soja e café. Expulsam mão-de-obra do campo, em busca de alta produtividade do trabalho, e superexploram os poucos empregados que restam, pagando os mais baixos salários do Brasil, e certamente do mundo (ao redor de 150 dólares mensais). Essa é a fórmula de competitividade dos sábios capitalistas agrícolas: grandes extensões de terra para aumentar a escala, combinada com os mais baixos salários da agricultura do mundo. Suas técnicas de produção agridem o meio ambiente, com o uso intensivo de agrotóxicos, destroem a biodiversidade e comprometem os recursos naturais, com elevado passivo para a sociedade e as gerações futuras.

As conseqüências desse modelo agrícola neoliberal

Cerca de 300 mil assalariados rurais perderam o emprego somente em 2005 e foram para a cidade. A concentração da propriedade da terra continua aumentando. As fazendas acima de mil hectares incorporaram, nos últimos anos, de 30 milhões de hectares. Nenhum indicador revela diminuição da pobreza ou da desigualdade social no meio rural brasileiro. Dez empresas transnacionais, como a Monsanto, Bungue, Cargill, ADM, Basf, Bayer, Syngenta, Norvatis, Nestlé e Danone controlam praticamente toda produção agrícola, os agrotóxicos, as sementes transgênicas e o comércio agrícola de exportação.

A indústria de máquinas agrícolas brasileiras vendia na década de 1970 cerca de 65 mil tratores por ano; com a concentração do crédito e das terras, em 2005, foram vendidos apenas 32 mil tratores. Ou seja, esse modelo não serve nem para o desenvolvimento da indústria brasileira.A proposta de um modelo alternativo

Opondo-se a esse modelo, apresenta-se a proposta de um modelo agrícola fundado na agricultura familiar e camponesa - defendida pelos movimentos sociais do campo, pelas pastorais das igrejas, os ambientalistas, as 45 entidades que compõem o Fórum Nacional de reforma agrária, e as mais diferentes representações de trabalhadores rurais e do povo que vive no meio rural. Esse modelo alternativo defende a organização e a ocupação das terras em pequenos e médios estabelecimentos; a viabilização dos cinco milhões de agricultores familiares que possuem pouca terra e a implementação de uma reforma agrária que garanta terra para as quatro milhões de famílias sem terra. Defende a policultura, como forma de aproveitar melhor o potencial do solo, do clima e a preservação da biodiversidade. Prioriza a produção de alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. Defende uma agricultura que absorva mão-de-obra, gere trabalho e garanta renda aos que trabalham no meio rural. Defende o uso de técnicas agrícolas que respeitem o meio-ambiente, adotem as sementes convencionais, já adaptadas a nossa natureza e combate os transgênicos.

Há na sociedade brasileira esse enfrentamento permanente na agricultura. De um lado o modelo do capital internacional e financeiro, que une fazendeiros capitalistas e transnacionais. De outro, os agricultores familiares, camponeses, seus movimentos, unidos aos trabalhadores da cidade.

A importância do agro-negócio e da economia familiar pode ser depreendida da tabela 1, tanto em termos de área total e média, pessoal ocupado, uso de agro-tóxicos e tratores, como de caminhões e adubo. Já a participação da agricultura familiar na produção destinada para o mercado interno e mesmo para a exportação pode ser vista na tabela 2. Muito embora os dados nela apresentados sejam de 1996, são ilustrativos da realidade do campo do Brasil.

Medidas realizadas pelo governo Lula com relação à agricultura camponesa e à reforma agrária.

The fight on the agricultural front never ends in Brazil: on the one hand, there is the international financial capital model that unites capitalist farmers and ranchers with multinationals; on the other, there are family farmers, campesinos, and their movements, united with urban workers. What exactly has the Lula government done with respect to the agricultural sector? Which of the opposing camps have fared better under his government’s policies?

Segundo o Movimento dos Pequenos agricultores (MPA), o Movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), o Movimento dos atingidos por Barragens (MAB), Movimento das mulheres camponesas (MMC), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Associação brasileira de reforma agrária (ABRA), em documento apresentado em março de 2006, durante a conferência daOrganização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação ( FAO), as medidas implementadas durante o governo Lula podem ser divididas entre aquelas que resultaram em avanço para a agricultura camponesa e aquelas que implicaram um retrocesso.

A lista de medidas tomadas em apoio à agricultura camponesa é impressionante. There has been an expansion of employment and income insurance for farmers to protect them against natural disasters. Loans made available to small rural producers have nearly tripled. Subsidized electricity and home construction have greatly expanded in rural areas, and larger budgets for rural education programs have been enacted. The government has begun a biodiesel program that will open new markets for campesino agriculture by requiring that 2 percent of the volume of diesel fuel be produced from vegetable matter. More resources have been allocated for technical aid for rural settlements, though this is given through nongovernmental organizations (NGOs), preventing a democratization of this program. Lula’s government has supported, albeit weakly, the cistern program, which provides family-sized water-capturing cisterns in the arid Northeast. In Roraima, the Raposa Do Sol has been demarcated a native historical area. Of great importance, federal forces have not repressed social movements in rural areas, although military police departments under the control of governors still repress them. (The federal police previously did repress aboriginal movements in several states.)

Unfortunately, however, the government has also supported numerous measures and positions that have impeded the development of campesino agriculture and have explicitly or implicitly advanced the interests of big farmers and financiers.

It is important to note that the overall macroeconomic policies, especially those related to international trade, of the Lula government favor agribusiness, providing a nurturing context for specific rural sector measures. For example, the government has wholeheartedly embraced neoliberal policies and supported international organizations such as the WTO and the World Bank. At the Montreal round of the WTO, the Brazilian government helped to block the initiative to make it mandatory worldwide for transgenic products to be labeled, thus defending the interests of multinational agribusiness companies.

Specific policies biased toward the big farm sector include: the continuation of the tax-exempt status for supplies used for export-oriented agribusiness (a hidden subsidy to the foreign commodity trade); legalization, through a presidential decree, of the use and trade of transgenic soy; ignoring any and all environmental research and the actual infringement of law through the smuggling of banned cotton and corn transgenic seeds; ignoring campesino and environmentalists’ demands in the drafting process of the biohazards law; lack of enforcement of the law ordering the food industry to carry warning labels on all products containing more than 1 percent of transgenics (although over 8 million tons of transgenic soybeans are sold in the domestic market every year, the warning labels are not used for any product); continuation of financial support through public banks for large agribusiness concerns, for a total sum that went from 20 to 42 billion reals per year (21 billion dollars by the latest harvest)—and for the ten largest transnational agricultural companies which, by themselves, got around 8 billion reals (4 billion dollars) from state banks; granting of credits through a federal development bank, the Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), for paper mills and eucalyptus foresting; and taking the initiative to pass a law opening national parks to logging interests.

The government has also served the interests of the rural elite by its inactions. It has failed to fulfill its promises to settle the landless families occupying large estates; implement an encompassing agrarian reform program; modernize the estate-productivity index used for nationalizations, last updated in 1975; pass a law to expropriate estates that use slave labor; stop the creation of the House and Senate Investigative Committee for land matters and to stop the final conclusions that define land occupations as a major felony; push for judicial punishment of rural massacres such as those in Corumbiara (1995), Carajás (1996), and Felisburgo (2004); stop the rise in violence in rural areas; remove older laws and statutes that block agrarian reform; demarcate native land belonging to several ethnic groups, especially the Xavantes, Guaranis, and Pataxós; control the advance of cultivation of soy and cotton in the Amazon and bush areas—a process which could have dire environmental consequences in the future; and create a wide network of cooperative agri-industries among campesinos.

Considerações finais

O estado brasileiro e toda sua estrutura de poder continuam priorizando políticas de apoio ao modelo do agro-negócio. Infelizmente, o governo Lula foi um governo ambíguo, pois, ao mesmo tempo, que seus ministros da reforma agrária e do Meio ambiente apóiam o modelo familiar, seus ministros da economia, da indústria e comércio e da agricultura são promotores do agro-negócio. E nessa disputa permanente, o modelo dos camponeses saiu perdendo. O balanço que fazemos do governo Lula é que ele tomou muito mais medidas favoráveis ao agro-negócio, do que medidas favoráveis à agricultura familiar. De positivo, houve apenas ampliação dos volumes de crédito para a agricultura familiar. Mas os parâmetros gerais da política econômica e agrícola sempre tiveram como prioridade o agro-negócio exportador. E a reforma agrária, principal medida que seria necessária para alterar o modelo vigente, está praticamente paralisada ou restrita a um caráter de compensação social.

Sobre o autor

João Pedro Stedile é membro da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Via Campesina - Brasil.

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