5 de outubro de 2016

Discurso antipolítico de gestor é puro sofisma

Marta Arretche


O prefeito eleito de São Paulo, João Doria (PSDB), em entrevista nesta terça-feira. Marlene. (Bergamo/Folhapress)

No evento de comemoração de sua eleição em primeiro turno, o futuro prefeito de São Paulo, de mãos dadas com o governador Geraldo Alckmin, apontado como o grande vitorioso do pleito, prestou suas homenagens a Mario Covas e Franco Montoro.

Em entrevista concedida logo a seguir, declarou mais uma vez não ser político e, sim, gestor. A lacuna na lógica foi preenchida por declaração de seu marqueteiro: a credibilidade da imagem de não político seria um ativo a ser explorado nesta campanha, em face da rejeição de parte expressiva do eleitorado aos partidos políticos, em particular ao Partido dos Trabalhadores.

A estratégia não é exatamente inovadora. À esquerda e à direita, candidaturas anti-establishment têm se revelado bem sucedida opção de participação política em vários lugares do mundo, dos Estados Unidos à Grécia passando pela Espanha e Itália.

No caso brasileiro, o sucesso desta estratégia eleitoral se beneficia de diagnóstico bastante difundido acerca das razões do mal-estar em que estamos imersos. Sua causa principal seria a adoção de sucessivas políticas equivocadas, danosas ao país, as quais, por sua vez, teriam sido motivadas pelo propósito exclusivo de ganhar as eleições.

A interpretação contraria as expectativas de longa tradição da teoria democrática, que sustenta que a expectativa de sobrevivência eleitoral levaria os partidos a aproximar seu conteúdo programático das preferências de seus eleitores. Evitar a punição eleitoral conduziria a um alinhamento de preferências entre representantes e representados, resultante da motivação por parte dos primeiros de obter o voto dos segundos.

Decorre da interpretação que criminaliza a pretensão dos partidos de ganhar as eleições uma solução aparentemente lógica: colocar no poder candidatos desprovidos de pretensões (re)eleitorais. Esta operaria como uma espécie de antídoto contra aquele pecado original. O risco do mal-estar estaria, por assim dizer, cortado pela raiz. Gestores, ao contrário dos políticos, teriam a virtude de ser uma espécie de kamikazes da vida política.

Desprovidos de qualquer pretensão de sobrevivência eleitoral, adotariam as melhores políticas.

Puro sofisma. O fato é que as grandes cidades brasileiras apresentam grandes desafios aos governantes. O legado de precariedades e múltiplas formas de exclusão estão na origem de renitentes manifestações de ressentimento derivadas da aguda de que as oportunidades e bens coletivos são muito desigualmente distribuídos.

A expansão dos níveis de escolaridade combinada à difusão de oportunidades de obtenção de informação tornaram o eleitor mais exigente e apto a examinar o conteúdo das políticas.

Ambas têm conduzido à expansão de demandas sobre os governos.

Por outro lado, os recursos para financiar os serviços públicos são limitados e escassos. Logo, os governantes estão condenados a frustrar seus eleitores. Não é possível atender todas as demandas de todos os eleitores no espaço de um mandato.

Não é na ausência de pretensões (re)eleitorais que está o condão de produzir a quadratura do círculo.

Sobre os autores

Professora do Departamento de Ciência Política da USP, cursou doutorado na área no MIT (Massachussets Institute of Technology). Diretora do Centro de Estudos da Metrópole, também da USP, é especializada em estudos sobre desigualdade social.

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