4 de janeiro de 2019

Vêm aí a bolha e a fogueira

Devem vir uma bolha no mercado e uma fogueira política para queimar a oposição no debate público

Nelson Barbosa

Bolsonaro recebe a faixa presidencial das mãos do presidente Michel Temer, no Palácio do Planalto Pedro Ladeira/Folhapress

Começou a aventura Bolsonaro. Eleito como liberal na economia e conservador nos costumes, o presidente deveria descer do palanque nos próximos meses, mas acho que isso não acontecerá porque ele precisa entreter seu eleitorado enquanto a economia se recupera.

Os mais recentes dados econômicos indicam que o crescimento da renda e do emprego continua lento, e o cenário internacional e doméstico, bastante incerto, dificultando a retomada rápida do consumo e investimento privados no início de 2019.

Do lado do governo, a restrição imposta pelo teto de gasto impede grande crescimento do investimento público, que já está no seu nível mais baixo da história. Sem mudança das regras fiscais, provavelmente teremos o oposto, outro contingenciamento significativo de gastos em 2019, similar ao que ocorreu em 2017.

O ponto favorável é o cenário de inflação e juros, mas os últimos anos mostraram que a Selic, sozinha, não faz verão. A taxa Selic mais baixa ajuda muito no fiscal, mas não tem grande impacto imediato sobre o crescimento se parte do espaço fiscal aberto por juros menores não for utilizada, como é o caso atual.

Para a expansão do crédito privado, o que importa são as taxas de juro de mercado e a confiança das famílias e empresas. Hoje, mesmo com a Selic baixa, os spreads bancários continuam elevados, a capacidade ociosa das empresas ainda está alta e a geração de emprego ocorre de modo precário, com crescimento da informalidade. Difícil ocorrer um boom por parte de investidores e consumidores nesse quadro.

A agenda de concessões de infraestrutura pode fazer diferença positiva para o investimento neste ano, mas isso depende do fim do “apagão das canetas” trazido pela Operação Lava Jato. Deve acontecer, mas não rapidamente.

Assim, mesmo que sejamos otimistas e acreditemos que a política econômica do novo governo dará certo, seus resultados demorarão a aparecer. Como em política não existe espaço vazio, o novo governo tende a compensar isso com factoides para agradar a sua base de extrema direita.

Trata-se da velha dicotomia entre pão e circo, mas com o circo mudando de acordo com o governante e seu eleitorado. No caso de Bolsonaro, o circo mais provável é uma bolha especulativa no mercado financeiro e uma fogueira política para “queimar” a oposição no debate público.

Do lado econômico, a expectativa de privatização ampla, geral e irrestrita já fez o mercado acionário brasileiro descolar do resto do mundo e subir no último trimestre de 2018.

Para continuar esse movimento, o novo governo provavelmente anunciará um grande feirão de ativos públicos neste semestre. Esse tipo de iniciativa gera ganhos imediatos para alguns agentes financeiros, mas não cria necessariamente mais investimento e emprego no curto prazo.

Do lado da política, tudo indica que viveremos uma guinada conservadora, com risco à liberdade de imprensa, intervenção em escolas e universidades, apologia à repressão e aumento da violência contra minorias (já está acontecendo).

Teremos, também, o aumento da perseguição à esquerda, com o sistema judicial continuando a utilizar dois pesos e duas medidas para analisar cada denúncia, dependendo da posição política dos envolvidos (vide o tratamento dado aos casos Lula e Queiroz).

Diante desse cenário e mesmo sem ainda ter evidências para tanto, torço para que a economia se recupere mais rapidamente neste ano. Talvez só assim seremos poupados dos excessos dos liberais na economia e da paranoia dos conservadores nos costumes.

Sobre os autores

Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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