24 de abril de 2023

A América ditou seus termos de paz econômica para a China

Ao recusar a negociação sobre a ascensão da China, os Estados Unidos podem estar tornando o conflito inevitável.

Por Adam Tooze, colunista da Foreign Policy e diretor do Instituto Europeu da Universidade de Columbia.

Foreign Policy

A secretária do Tesouro, Janet Yellen, discursa na Escola de Estudos Internacionais Avançados (SAIS) da Universidade Johns Hopkins em 20 de abril de 2023 em Washington. Anna Moneymaker/Getty Images

Tradução / Até que ponto a crescente tensão com a China afetará a política econômica dos EUA? Depois de uma série de sanções e leis abertamente discriminatórias, enquanto medidas estão sendo aplicadas sobre investimentos americanos na China e discursos sobre guerra são cada vez mais comuns nos EUA (confira o artigo de Michael Klare), o governo Biden sabe que precisa esclarecer suas relações econômicas com o país que é o maior parceiro comercial dos EUA além da América do Norte.

Após as reuniões de primavera do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, ocorridas entre 10 e 16 de abril, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, fez sua primeira grande declaração sobre as relações econômicas com a China desde 2021. A julgar pelo tom, sua mensagem visa esclarecer e acalmar especulações e debates sobre as motivações e intenções da Casa Branca. No entanto, na situação atual, está longe de ser óbvio que esse esclarecimento realmente contribua para o apaziguamento.

O cenário que Janet Yellen rejeita é o da chamada armadilha de Tucídides, mas as razões pelas quais ela o faz são reveladoras. A ideia de que um "conflito entre os Estados Unidos e a China" é "cada vez mais inevitável" baseia-se, insiste, numa hipótese falsa. Essa perspectiva é "motivada pelo medo, compartilhado por alguns americanos, de que a América estaria em declínio. E que a China estaria prestes a nos superar como a principal potência econômica do mundo, causando um embate entre os dois Estados."

Nesse caso, os Estados Unidos buscariam o confronto militar para evitar a mudança desfavorável no equilíbrio de poder relacionada ao fenomenal crescimento econômico da China. Isso não faz sentido, garante Janet Yellen, porque a economia dos EUA, graças às suas instituições liberais, à sua cultura de inovação e à sábia governança do governo Biden, está com boa saúde.

"Os Estados Unidos continuam sendo a economia mais dinâmica e próspera do mundo." É por isso que, insiste Janet Yellen, os Estados Unidos não têm razão para tentar "sufocar a modernização econômica e tecnológica da China" ou continuar com a grande dissociação em andamento, mas ainda no início. O poder económico dos Estados Unidos, continua o secretário do Tesouro, "é aumentado" pelas suas relações com "amigos e parceiros próximos em todas as regiões do mundo, incluindo o Indo-Pacífico". Assim, os Estados Unidos "não têm motivos para temer uma competição econômica saudável com qualquer país". E Janet Yellen conclui: "O crescimento econômico da China não é incompatível com a liderança econômica dos EUA".

Vale a pena se debruçar sobre o que isso implica. O conflito não é inevitável porque os Estados Unidos estão indo bem. Isso significa que a China pode se desenvolver sem ameaçar a liderança econômica americana. Mas e se não for assim? Janet Yellen não especifica o que isso implicaria. No entanto, nessa eventualidade, embora Janet Yellen deixe pouca margem para dúvidas, todas as possibilidades permaneceriam em aberto. Ainda hoje, embora o governo Biden diga estar confiante nas perspectivas econômicas dos EUA, Janet Yellen insiste: "Como em todas as nossas relações exteriores, a segurança nacional é de suma importância em nossas relações com a China".

De um certo ponto de vista, é óbvio. Nenhum responsável dirá o contrário. A segurança é a função básica dos Estados. Mas tudo depende da extensão de sua abordagem à segurança nacional e de seu grau de confiança. E se a prioridade da segurança nacional nas relações exteriores deve ser afirmada em voz alta, é porque há um problema.

Para Janet Yellen, é óbvio que os Estados Unidos têm o direito de definir sua segurança nacional globalmente. Afirma, por exemplo, que a defesa da Ucrânia contra a agressão russa está entre as “preocupações de segurança nacional mais urgentes” dos Estados Unidos. Qualquer um que opte por ignorar suas sanções contra a Rússia e se enquadrar sob jurisdição dos EUA está exposto a sérias consequências. Além disso, como os Estados Unidos decidiram negar certas tecnologias aos militares chineses, impõem sanções e restrições comerciais em conformidade.

Assim, os Estados Unidos fortes e autoconfiantes não têm motivos para se opor à modernização econômica e tecnológica da China, exceto em todas as áreas que o establishment de segurança nacional americano, o mais gigantesco do mundo, define como sendo de determinante interesse nacional. Para que isso não passe de hipocrisia, é preciso imaginar que vivemos em um mundo ideal em que a tecnologia, a capacidade industrial e o comércio que são determinantes da segurança nacional são secundários à modernização econômica e tecnológica em geral.

Janet Yellen só reforça essa concepção ao insistir que as medidas tomadas pelos Estados Unidos contra a China serão muito direcionadas. Mas, como todos sabem, essas medidas específicas incluíram até agora: esforços maciços para impedir a líder mundial em tecnologia 5G, a Huawei; sanções contra toda a cadeia de fornecimento de chips eletrônicos (circuitos integrados); e a inclusão da maioria das principais universidades de pesquisa da China na lista de instituições com as quais as agências dos EUA devem limitar estritamente suas relações.

Além disso, para aumentar a perplexidade, enquanto Janet Yellen insiste que as sanções de segurança nacional não nos dizem nada sobre as intenções dos EUA em relação ao crescimento chinês, ela elogia a legislação adotada durante o governo Biden, particularmente a Lei de Redução de Chips e a Lei de Redução da Inflação, que incluem elementos fortemente anti-chineses, como altamente benéficos para a prosperidade futura dos Estados Unidos.

Como resultado, os Estados Unidos saúdam a modernização econômica da China e se recusariam a cair na armadilha de Tucídides, desde que o desenvolvimento da China continue seguindo diretrizes que não afetem a liderança e a segurança nacional dos EUA. A atitude dos Estados Unidos será tanto mais benevolente quanto conseguir assegurar a sua própria prosperidade nacional e, precisamente, a sua preeminência nestas áreas.

O que parece ser uma afirmação razoável e acomodada é, de fato, muito intrigante. A China deve aceitar a delimitação do status quo estabelecida pelos Estados Unidos. Se não respeitar as fronteiras traçadas por Washington entre a prosperidade inofensiva e o desenvolvimento tecnológico historicamente importante, deve esperar sanções maciças.

Deve-se agradecer a Janet Yellen por ter deixado este ponto tão claro. Mas como Washington espera que Pequim reaja? A China não é nem o Japão nem a Alemanha depois de 1945. Em comparação com os Estados Unidos, se a questão da “liderança” for colocada, a paridade é o mínimo que Pequim pode almejar. O status quo que a secretária do Tesouro Janet Yellen dá como certo obviamente não pode ser legítimo a longo prazo. Como Pequim declarou, aspira a uma reorganização fundamental das relações internacionais, para que o discurso americano sobre liderança não permaneça relevante. A China também não é a única grande potência asiática a compartilhar dessa visão. O ponto de vista da Índia não é diferente.

Em Washington, essa posição é recebida com total incompreensão, até mesmo um sentimento de orgulho ferido. Será que a China não entende que deve seu crescimento a uma ordem liderada pelos EUA? Rebelar-se contra essa ordem, diz Janet Yellen, sem rodeios, não é do interesse da China. Janet Yellen tem razão quando diz que um conflito entre a China e os Estados Unidos não é inevitável. Depende das medidas tomadas por ambos os lados.

Mas é difícil ver como sua visão, na qual os Estados Unidos se arrogam o direito de definir qual trajetória de crescimento econômico chinês é aceitável ou não, pode constituir uma base para a paz. Se os Estados Unidos ainda estão interessados na ordem econômica e política mundial, e certamente deveriam estar, devem estar abertos à negociação para uma mudança pacífica. Caso contrário, busca apenas o conflito.

Adam Tooze é colunista da Foreign Policy e professor de história e diretor do Instituto Europeu da Universidade de Columbia. Seu último livro é Crashed: How a Decade of Financial Crises Changed the World, e ele está atualmente trabalhando na história da crise climática. Twitter: @adam_tooze

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