7 de setembro de 2022

Bolsonaro mostra força de efeito duvidoso no 7 de Setembro

Presidente sequestra a Independência, mas pode acabar tendo de pagar o resgate sozinho

Igor Gielow

Folha de S.Paulo


Público do desfile do 7 de Setembro em Brasília e apoiadores de Bolsonaro reunidos na Esplanada dos Ministérios - Divulgação/Campanha do PL/Reuters

Que o presidente Jair Bolsonaro (PL) sequestrou com eficácia as celebrações do Bicentenário da Independência, resta pouca dúvida. Havia muita gente na rua nos atos de apoio ao candidato à reeleição.

Sequestrados foram também os militares, que se prestaram a dividir público de um evento tradicional com um ato de campanha que, para todos os efeitos, configurou abuso de poder —noves fora os milhões de reais gastos com organização, mas esperar que o Tribunal Superior Eleitoral vá fazer algo sobre isso é ilusório.

Mais espertos se saíram os presidentes da Câmara (aliadíssimo de Bolsonaro), do Senado (aliado de ocasião) e do Supremo Tribunal Federal (alvo), que não apareceram no ato em Brasília por motivos distintos, ao fim equivalentes.

Nas ruas, os eventos geraram exatamente o que a campanha de Bolsonaro desejava: imagens do dito Datapovo, corruptela para troçar do mais respeitado instituto de pesquisas da praça, o Datafolha. É o que dá para fazer, dada a ineficácia até aqui do Auxílio Brasil e da intervenção na Petrobras em ampliar o apoio ao presidente entre classes menos favorecidas.

Duvidoso, contudo, é o poder desse evento em massa de convertidos ser ampliado em voto. Os fatores limitantes da campanha de Bolsonaro seguem todos colocados, ainda que haja a esperança entre seus aliados de uma injeção extra de antipetismo sabor 2018 na corrida atual.

Simbolicamente, a celebração de aliados do presidente de que ele teria se saído moderado nos discursos do dia depende, claro, do estômago do cliente. É inegável, contudo, que ele esteve um tom abaixo do golpismo aberto esposado no 7 de Setembro passado, quando entre outras coisas disse que não acataria ordens de Alexandre de Moraes.

Claro, o presidente não foi inocente, dando deixas para o público vaiar o Supremo, por exemplo. Para seus padrões, foi um cavalheiro. No mais, portou-se como um cavaleiro, e não na asserção nobre da função.

Conseguiu baixar ainda mais o nível da campanha ao promover uma comparação machista entre a primeira-dama, Michelle, e a mulher de Lula, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja —que também tem sido exposta pelo petista.

Tentou disfarçar dizendo que a sua esposa é uma "mulher de Deus", só para puxar um coro de "imbrochável" na sequência. É evento inaudito com tanta gente junta na história republicana, uma mancha no rodapé desses 200 anos de Brasil separado de Portugal.

A chance de isso reverberar positivamente no eleitorado feminino, salvo talvez alguns estratos que se identificam com uma Michelle colocada como "princesa" que enverga valores cristãos, parece nula. Não é casual que 55% das mulheres rejeitem Bolsonaro.

O fato mais curioso foi que, talvez pela primeira vez em todos esses conturbados anos com Bolsonaro no poder, o presidente tenha seguido mais ou menos à risca a decoreba que lhe foi passada pela área política do governo, leia-se o centrão. Foi mais incisivo, inclusive, na capital federal.

Tanto em Brasília quanto no Rio, fez críticas à esquerda, chamou a nêmesis Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de quadrilheiro e ladrão, defendeu o que vê como pontos positivos de seu governo e apenas insinuou a insatisfação com o Judiciário —deixando os apupos para o público.

Com uma diferença do petista persistentemente acima dos dez pontos percentuais, foi uma tentativa diferente da usual radicalização insinuada no começo do dia, quando evocou o golpe de 1964. Por evidente, é grave demais que um presidente fale o que ele fala, em especial a ideia de trazer quem considera "fora das quatro linhas da Constituição" para dentro, caso reeleito.

O nome disso é ameaça golpista. Foi num tom mais suave do que em outras ocasiões, mas segue lá, e essa aposta na relação passivo-agressiva com as instituições é o que tem mantido Bolsonaro vivo como personagem na política —e, claro, seus mais de 30% de apoiadores no eleitorado, que serão vendidos como 60% com as imagens desta quarta (7).

Numa nota lateral, fica o péssimo papel reservado aos militares no enredo. As reclamações feitas nos bastidores por oficiais-generais sobre seu sequestro sempre são seguidas por um conformismo da subordinação hierárquica.

Restará saber se, na hipótese de 6 de janeiro bolsonarista, à imagem e semelhança daquele nos EUA de Donald Trump, haverá algum general Mark Milley (chefe do Estado-Maior americano) a dizer não a arbítrios.

Por fim, do ponto de vista filosófico, a presença de figuras como Luciano Hang e Daniel Silveira em palanques e as faixas golpistas toleradas como algo normal nas arquibancadas já falam por si acerca do estado das coisas no Brasil.

Bolsonaro sequestrou o feriado, mas o resgate institucional e eleitoral do feito talvez tenha de ser pago por ele mesmo.

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