31 de outubro de 2022

Lula terá enorme desafio de dissolver polarização, dizem analistas

Silêncio de Bolsonaro e manifestações questionando eleição sugerem pacificação distante

Uirá Machado

Folha de S.Paulo

É difícil imaginar que a polarização da sociedade brasileira vá se diluir com a eleição deste domingo (30). O longo silêncio de Jair Bolsonaro (PL), as manifestações de caminhoneiros país afora e os episódios de violência antes e depois da votação sugerem que a tensão vai continuar por um bom tempo.

Analistas ouvidos pela Folha consideram que a temperatura pode baixar caso Bolsonaro adote medidas de conciliação, mas, mesmo nesse cenário, a divisão não vai desaparecer de uma hora para a outra.

Manifestantes ateiam fogo para bloquear estrada em Vázea Grande, no Mato Grosso - Rogerio Florentino/Reuters

Os dois polos desse racha podem ser descritos de diferentes maneiras: lulistas X bolsonaristas, petistas X antipetistas, progressistas X conservadores, antibolsonaristas X bolsonaristas, democratas X direita radical.

Pouco importa, pois todo mundo sabe do que se trata. De um lado estão os que, sendo simpatizantes do PT ou não, votaram em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e lhe deram a vitória apertada; do outro figuram os que lutaram pela reeleição de Bolsonaro.

"Essa divisão vai continuar", afirma o cientista político Claudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas).

"A grande dificuldade do próximo governo vai ser atenuar essa divisão porque eliminá-la eu acho que é praticamente impossível. Vai depender muito da habilidade do Lula, dos acordos que ele conseguir fazer no Congresso, mas sobretudo no diálogo com diferentes setores da sociedade", diz Couto.

Para o cientista político, os protestos de bolsonaristas questionando o resultado das urnas e a demora do presidente em reconhecer a derrota, que Couto classifica de "silêncio retumbante", indica a dificuldade que Lula terá pela frente.

Apoiadores de Bolsonaro não só repetem o discurso de fraude nas urnas como começam a falar em atuar pelo impeachment de Lula e de Geraldo Alckmin (PSB).

"Como é que fala em impeachment de um governo que nem sequer tomou posse? Não faz sentido isso se a gente pensar em termos lógicos", diz Couto. "Mas eles não operam segundo a lógica, pelo menos não do ponto de vista da legalidade", completa.

Na sua visão, o tom conciliador de Lula em seu discurso foi um passo importante, mas isso não basta para que as pessoas retomem a capacidade de dialogar. "Vamos ter que esperar um bom tempo para ter uma pacificação", diz ele.

Para Couto, é necessário que os brasileiros voltem a se sentir no campo da democracia, pouco importando as opções em termos de políticas públicas. "Enquanto isso não acontecer, ficaremos nessa situação aflitiva, com chances razoáveis de violência."

Ele concorda com a análise da socióloga Angela Alonso, que aponta uma clivagem na sociedade brasileira.

Professora da USP e colunista da Folha, a lógica do confronto vai permanecer por um bom tempo porque as pessoas passaram a se identificar antes pela sua preferência política do que por seus demais papéis na sociedade.

Essa hipótese ajudaria a entender, para ficar apenas em dois exemplos, por que os papéis de médico e paciente e de patrão e empregado têm sido deixados em segundo plano em alguns casos, com a identidade formada pela preferência política monopolizando a relação social.

O cientista político Felipe Borba acrescenta um fator de instabilidade nessa equação já explosiva: "Nesses grupos radicais, algumas lideranças são autônomas em relação a Bolsonaro", afirma o professor da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e coordenador do Giel (Grupo de Investigação Eleitoral).

Ele se refere sobretudo a caminhoneiros e evangélicos com capacidade de mobilizar as pessoas em torno de uma ideia golpista. Ainda assim, diz ele, o principal gatilho é mesmo Bolsonaro. "Ele diminuindo o tom, os outros apoiadores também vão diminuir", afirma Borba.

Ainda que isso aconteça, o desafio permanecerá para o próximo ano, e por isso Borba descreve a situação em termos superlativos: "Foi a maior vitória de um partido de esquerda no Brasil. E parece ser o maior desafio político que o Lula vai enfrentar na carreira dele".

Não há receita simples para superar esse ódio eleitoral. De acordo com Rodrigo Tavares, colunista da Folha, a lista de atitudes a serem adotadas por Lula inclui reconhecer a divisão e implementar políticas que levem em conta os derrotados nas urnas, a fim de evitar a sensação de que um grupo está sendo excluído da sociedade.

No pior cenário, esse receio de ser ignorado pelo poder público e de não mais fazer parte da democracia pode ser um dos detonadores de um conflito social armado, segundo afirma a cientista política Barbara F. Walter no livro "Como as Guerras Civis Começam" (Zahar, 2022).

Na obra, ela demonstra que o risco de uma guerra civil começar é maior em países que estão saindo de uma autocracia e se tornando democráticos, ou deixando de ser democráticos para virar uma autocracia. O Brasil de Bolsonaro está entre os exemplos que ela cita.

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