Eloísa Machado de Almeida
Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP
Folha de S.Paulo
Nas últimas semanas, uma série de iniciativas vindas do Legislativo parece afrontar, diretamente, temas que já foram julgados ou estão em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Não é novidade o Legislativo reagir a decisões ou à pauta do Supremo.
Por exemplo, em 2017, meses após o Supremo ter considerado a vaquejada inconstitucional por submeter animais a maus-tratos, o Congresso Nacional aprovou uma emenda para alterar a Constituição e excepcionar a vaquejada como prática cruel. O tema voltou ao Supremo e ainda não há uma decisão.
Em 2018, quando o Supremo pautava debate sobre a limitação da prerrogativa de foro por função, o Congresso pediu a retirada de pauta do tema pois estaria analisando proposta de emenda constitucional com mesmo objeto. Um pouco antes, o Congresso cogitou reinserir o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas no texto da Constituição.
Assim, ora o Legislativo reagia às decisões do Supremo de forma autointeressada, para perpetuar suas dinâmicas, ora agia para agradar sua base eleitoral, mesmo que em questões já consideradas inconstitucionais pelo tribunal.
Ainda assim, como o próprio tribunal não está adstrito às próprias decisões, mudanças de entendimento, vindas de uma nova interpretação ou de mudança de composição do tribunal, podem validar posições antes consideradas inconstitucionais.
Na dúvida, parece que o Legislativo prefere arriscar. Tudo isso faz parte da lógica da relação entre os Poderes.
Este movimento tem sido particularmente intenso nos últimos meses, quando o Legislativo deu andamento a projetos sobre o marco temporal para a proteção de terras indígenas, criminalização das drogas, proibição da união homoafetiva e anistia às penalidades pelo descumprimento de ações afirmativas em âmbito eleitoral, sendo que em alguns desses casos houve um anúncio explícito de ser resposta às deliberações do tribunal.
O parecer do projeto de lei que pretende ver proibida a união entre pessoas do mesmo sexo é um exemplo, com o relator mencionando que "mais uma vez, a corte constitucional brasileira usurpou a competência do Congresso Nacional" e que a decisão do tribunal "pautou-se em propósitos ideológicos, o que distorce a mens legislatoris e a vontade do povo brasileiro, que somente se manifesta através de seus representantes regularmente eleitos".
O mesmo tem sido repetido por senadores inconformados com o voto de Rosa Weber sobre aborto e pelo presidente do Senado em relação ao julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
A diferença é que, agora, essas táticas estão imersas em um contexto no qual o Supremo sai de um longo e desgastante processo de ataques promovidos pela extrema direita que, em parte, segue entrincheirada no Legislativo e que, ao que tudo indica, não abandonou a diretriz de confrontar o tribunal.
Assim, a disputa entre Legislativo e Supremo pode transcender uma divergência de posições para se tornar uma frente de desgaste intencional do tribunal. Inclusive, nesse sentido, já há propostas sobre a possibilidade de o Legislativo sustar decisões do Supremo.
A ideia de que direitos de minorias e garantias democráticas não podem ficar à mercê de maiorias eleitas é preceito básico da Constituição e da lógica, assim como o papel do Supremo em preservar esses direitos, enquanto uma instância que não opera na lógica representativa e que, por vezes, decidirá de forma oposta à vontade de maiorias –e do Legislativo– em defesa de uma democracia qualificada pelo pluralismo. Não há paradoxos.
Em democracias como a nossa, a vontade da população, exercida através do voto para o Legislativo e do Executivo, está limitada pela Constituição, assim como está o poder de decisão do STF.
Quando ambos se afastam da Constituição, temos um problema. É a adesão à Constituição e ao seu projeto plural e democrático que determinará a legitimidade das decisões que, agora, estão em disputa entre o Supremo e o Legislativo.
E quem deve ganhar a disputa entre Legislativo e Supremo? A resposta deveria ser: a Constituição.
Não é novidade o Legislativo reagir a decisões ou à pauta do Supremo.
Por exemplo, em 2017, meses após o Supremo ter considerado a vaquejada inconstitucional por submeter animais a maus-tratos, o Congresso Nacional aprovou uma emenda para alterar a Constituição e excepcionar a vaquejada como prática cruel. O tema voltou ao Supremo e ainda não há uma decisão.
Em 2018, quando o Supremo pautava debate sobre a limitação da prerrogativa de foro por função, o Congresso pediu a retirada de pauta do tema pois estaria analisando proposta de emenda constitucional com mesmo objeto. Um pouco antes, o Congresso cogitou reinserir o financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas no texto da Constituição.
Assim, ora o Legislativo reagia às decisões do Supremo de forma autointeressada, para perpetuar suas dinâmicas, ora agia para agradar sua base eleitoral, mesmo que em questões já consideradas inconstitucionais pelo tribunal.
Vista aérea da sede do Supremo e do Congresso, em Brasília - Pedro Ladeira - 4.mar.20/Folhapress |
Não há nenhuma limitação jurídica ou institucional que impeça o Legislativo de rediscutir temas já votados pelo Supremo, já que as decisões do tribunal não vinculam a atividade legislativa. Porém pode ser uma rediscussão em vão, já que o provável é que novas leis que contrariem decisões judiciais voltem ao tribunal e recebam o mesmo tratamento.
Ainda assim, como o próprio tribunal não está adstrito às próprias decisões, mudanças de entendimento, vindas de uma nova interpretação ou de mudança de composição do tribunal, podem validar posições antes consideradas inconstitucionais.
Na dúvida, parece que o Legislativo prefere arriscar. Tudo isso faz parte da lógica da relação entre os Poderes.
Este movimento tem sido particularmente intenso nos últimos meses, quando o Legislativo deu andamento a projetos sobre o marco temporal para a proteção de terras indígenas, criminalização das drogas, proibição da união homoafetiva e anistia às penalidades pelo descumprimento de ações afirmativas em âmbito eleitoral, sendo que em alguns desses casos houve um anúncio explícito de ser resposta às deliberações do tribunal.
O parecer do projeto de lei que pretende ver proibida a união entre pessoas do mesmo sexo é um exemplo, com o relator mencionando que "mais uma vez, a corte constitucional brasileira usurpou a competência do Congresso Nacional" e que a decisão do tribunal "pautou-se em propósitos ideológicos, o que distorce a mens legislatoris e a vontade do povo brasileiro, que somente se manifesta através de seus representantes regularmente eleitos".
O mesmo tem sido repetido por senadores inconformados com o voto de Rosa Weber sobre aborto e pelo presidente do Senado em relação ao julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.
A diferença é que, agora, essas táticas estão imersas em um contexto no qual o Supremo sai de um longo e desgastante processo de ataques promovidos pela extrema direita que, em parte, segue entrincheirada no Legislativo e que, ao que tudo indica, não abandonou a diretriz de confrontar o tribunal.
Assim, a disputa entre Legislativo e Supremo pode transcender uma divergência de posições para se tornar uma frente de desgaste intencional do tribunal. Inclusive, nesse sentido, já há propostas sobre a possibilidade de o Legislativo sustar decisões do Supremo.
A ideia de que direitos de minorias e garantias democráticas não podem ficar à mercê de maiorias eleitas é preceito básico da Constituição e da lógica, assim como o papel do Supremo em preservar esses direitos, enquanto uma instância que não opera na lógica representativa e que, por vezes, decidirá de forma oposta à vontade de maiorias –e do Legislativo– em defesa de uma democracia qualificada pelo pluralismo. Não há paradoxos.
Em democracias como a nossa, a vontade da população, exercida através do voto para o Legislativo e do Executivo, está limitada pela Constituição, assim como está o poder de decisão do STF.
Quando ambos se afastam da Constituição, temos um problema. É a adesão à Constituição e ao seu projeto plural e democrático que determinará a legitimidade das decisões que, agora, estão em disputa entre o Supremo e o Legislativo.
E quem deve ganhar a disputa entre Legislativo e Supremo? A resposta deveria ser: a Constituição.
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