Eloísa Machado de Almeida
Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP
Folha de S.Paulo
A recente decisão do ministro Dias Toffoli sobre o acordo de leniência da Odebrecht traz implicações que vão além do impacto em investigações e processos criminais, afetando também interesses da empresa e o comportamento das instituições.
Apesar do destaque dado à decisão, ela não é uma surpresa. Com a declaração de incompetência e suspeição de Sergio Moro em 2021, a invalidação de provas e de atos processuais praticados no âmbito da operação era inevitável, já que havia um reconhecimento de que foram produzidos com parcialidade.
Uma vez reconhecida parcialidade, era apenas uma questão de tempo que essa contaminação atingisse não só as ações penais contra políticos, mas também outros atos nos quais participaram Moro e a equipe da Operação Lava Jato, dentre eles os acordos de leniência.
Sede em São Paulo da Odebrecht, que posteriormente foi rebatizada de Novonor - Nelson Almeida - 4.dez.12/AFP |
E, de fato, pelo menos desde 2020 o Supremo tem se debruçado sobre os termos do acordo de leniência celebrado pela força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal e a Odebrecht. Os questionamentos iniciais foram feitos pela defesa de Lula, representada por Cristiano Zanin, agora ministro do tribunal. A defesa pedia acesso ao acordo de leniência e as provas dele decorrentes, como, por exemplo, os documentos sobre a cooperação internacional e as informações sobre os sistemas Drousys e MyWebDay.
Em resposta a esses pedidos, o Supremo determinou que fosse franqueado acesso à defesa de Lula aos dados do acordo de leniência, seus anexos e os documentos sobre a cooperação internacional, bem como as informações sobre os sistemas Drousys e MyWebDay. Segundo relato do ministro Ricardo Lewandowski, a decisão foi descumprida reiteradamente.
É diante desse descumprimento que é tomada a decisão por Dias Toffoli, reiterando a necessidade de conferir acesso à defesa de Lula a esses documentos. A decisão de Toffoli, entretanto, vai além e declara que qualquer prova decorrente do acordo de leniência seria imprestável dada a parcialidade do juízo e o enviesamento político da força-tarefa. E mais: determina que sejam apuradas as responsabilidades dos envolvidos na elaboração do acordo fora dos parâmetros legais.
A invalidade das provas decorrentes do acordo de leniência da Odebrecht já vinha sendo reconhecida, em vários casos concretos, desde 2021, com o Supremo negando a instauração de ações penais baseadas em provas oriundos dessa leniência da Odebrecht. Foram arquivadas ações penais contra Lula, o deputado federal Pedro Paulo Teixeira, o prefeito Eduardo Paes, o ex-ministro Paulo Bernardo, Geraldo Alckmin, Paulo Okamotto, ex-senador Edison Lobão, Márcio Lobão (seu filho) e Marta Lobão (sua nora), bem como as ações contra o almirante Othon Pinheiro da Silva, contra Jorge Atherino e contra Rodrigo Tacla Duran. A decisão de Toffoli se aplica agora a todos os casos na mesma circunstância.
Além do impacto nas ações penais e eventual responsabilização dos envolvidos, ainda não estão claros os desdobramentos dessa decisão em relação às obrigações assumidas nos acordos.
De toda forma, o tema deve voltar em breve à agenda do tribunal. Isto porque, ainda que a decisão de Dias Toffoli não mencione a anulação de multas estipuladas nesses acordos com o Ministério Público Federal, está pendente de julgamento uma arguição de descumprimento de preceito fundamental que pede exatamente isso: a suspensão do pagamento de multas desses acordos de leniência e o reconhecimento de que foram celebrados sob um estado de perseguição ilegal promovido pela Lava Jato.
Segundo Toffoli, além do argumento da parcialidade, a ilegalidade do acordo se daria pela inobservância de procedimentos para cooperação internacional para obtenção das provas. O Ministério Público contesta e diz que as provas tiveram duas origens: uma via entrega espontânea feita pela Odebrecht e outra decorrente do acordo internacional. Também nesse ponto, o tribunal deverá voltar a deliberar.
Mesmo sem ter anulado o acordo em si, a decisão de Toffoli aponta expressamente como ilegal uma cláusula que define a obrigação de pagamento, pela Odebrecht, de bilhões de dólares a instâncias de investigação suíças, americanas e brasileiras. Não há informações, no processo, se os valores foram pagos. A decisão determina ciência à Odebrecht para se manifestar, caso queira.
Diante desses indícios, não é difícil cogitar que os acordos sejam revistos pelo Judiciário e, eventualmente, anulados, impondo obrigações eventuais de devolução de valores pagos pelas empresas.
Já sepultada definitivamente a frente política da Operação Lava Jato, dada a revelação e reconhecimento de seu enviesamento, a sinalização é de que agora a frente empresarial pode também desmoronar pelos mesmos motivos.
Isso não significa nem promoção da impunidade, nem negação da existência de crimes. Significa que o sistema de Justiça brasileiro foi incapaz de fazer seu trabalho de acordo com a lei.
É um fato interessante perceber que a anulação das frentes da Operação Lava Jato venha por decisões do Supremo Tribunal Federal. O tribunal passou anos chancelando más decisões da Lava Jato e adotando medidas excepcionais. O caminho para a reversão do entendimento não foi fácil e enfrentou grandes resistências.
Uma agenda de combate à corrupção, para se livrar de marcas da Lava Jato, precisa abandonar a estratégia de espetacularização da Justiça sem cair no campo da omissão. As instituições do sistema de Justiça repensariam então suas atuações para não repetir esse erro.
Em resposta a esses pedidos, o Supremo determinou que fosse franqueado acesso à defesa de Lula aos dados do acordo de leniência, seus anexos e os documentos sobre a cooperação internacional, bem como as informações sobre os sistemas Drousys e MyWebDay. Segundo relato do ministro Ricardo Lewandowski, a decisão foi descumprida reiteradamente.
É diante desse descumprimento que é tomada a decisão por Dias Toffoli, reiterando a necessidade de conferir acesso à defesa de Lula a esses documentos. A decisão de Toffoli, entretanto, vai além e declara que qualquer prova decorrente do acordo de leniência seria imprestável dada a parcialidade do juízo e o enviesamento político da força-tarefa. E mais: determina que sejam apuradas as responsabilidades dos envolvidos na elaboração do acordo fora dos parâmetros legais.
A invalidade das provas decorrentes do acordo de leniência da Odebrecht já vinha sendo reconhecida, em vários casos concretos, desde 2021, com o Supremo negando a instauração de ações penais baseadas em provas oriundos dessa leniência da Odebrecht. Foram arquivadas ações penais contra Lula, o deputado federal Pedro Paulo Teixeira, o prefeito Eduardo Paes, o ex-ministro Paulo Bernardo, Geraldo Alckmin, Paulo Okamotto, ex-senador Edison Lobão, Márcio Lobão (seu filho) e Marta Lobão (sua nora), bem como as ações contra o almirante Othon Pinheiro da Silva, contra Jorge Atherino e contra Rodrigo Tacla Duran. A decisão de Toffoli se aplica agora a todos os casos na mesma circunstância.
Além do impacto nas ações penais e eventual responsabilização dos envolvidos, ainda não estão claros os desdobramentos dessa decisão em relação às obrigações assumidas nos acordos.
De toda forma, o tema deve voltar em breve à agenda do tribunal. Isto porque, ainda que a decisão de Dias Toffoli não mencione a anulação de multas estipuladas nesses acordos com o Ministério Público Federal, está pendente de julgamento uma arguição de descumprimento de preceito fundamental que pede exatamente isso: a suspensão do pagamento de multas desses acordos de leniência e o reconhecimento de que foram celebrados sob um estado de perseguição ilegal promovido pela Lava Jato.
Segundo Toffoli, além do argumento da parcialidade, a ilegalidade do acordo se daria pela inobservância de procedimentos para cooperação internacional para obtenção das provas. O Ministério Público contesta e diz que as provas tiveram duas origens: uma via entrega espontânea feita pela Odebrecht e outra decorrente do acordo internacional. Também nesse ponto, o tribunal deverá voltar a deliberar.
Mesmo sem ter anulado o acordo em si, a decisão de Toffoli aponta expressamente como ilegal uma cláusula que define a obrigação de pagamento, pela Odebrecht, de bilhões de dólares a instâncias de investigação suíças, americanas e brasileiras. Não há informações, no processo, se os valores foram pagos. A decisão determina ciência à Odebrecht para se manifestar, caso queira.
Diante desses indícios, não é difícil cogitar que os acordos sejam revistos pelo Judiciário e, eventualmente, anulados, impondo obrigações eventuais de devolução de valores pagos pelas empresas.
Já sepultada definitivamente a frente política da Operação Lava Jato, dada a revelação e reconhecimento de seu enviesamento, a sinalização é de que agora a frente empresarial pode também desmoronar pelos mesmos motivos.
Isso não significa nem promoção da impunidade, nem negação da existência de crimes. Significa que o sistema de Justiça brasileiro foi incapaz de fazer seu trabalho de acordo com a lei.
É um fato interessante perceber que a anulação das frentes da Operação Lava Jato venha por decisões do Supremo Tribunal Federal. O tribunal passou anos chancelando más decisões da Lava Jato e adotando medidas excepcionais. O caminho para a reversão do entendimento não foi fácil e enfrentou grandes resistências.
Uma agenda de combate à corrupção, para se livrar de marcas da Lava Jato, precisa abandonar a estratégia de espetacularização da Justiça sem cair no campo da omissão. As instituições do sistema de Justiça repensariam então suas atuações para não repetir esse erro.
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