Fabio Serapião
Folha de S.Paulo
Da busca por informações sem lastro utilizadas por Jair Bolsonaro (PL) para atacar o sistema eleitoral eletrônico em suas lives, passando pela atuação inédita na testagem das urnas nas eleições, até o relatório final e as subsequentes notas públicas que tentam manter acesa a suspeita infundada de fraude em bolsonaristas mais radicais.
Todas as investidas contra o sistema eleitoral no governo Bolsonaro têm ou tiveram alguma participação de integrantes da ativa ou reserva das Forças Armadas.
A constatação é possível ao analisar capítulo a capítulo da escalada de ataque às urnas patrocinada pelo presidente derrotado nas eleições deste ano.
O presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e o comandante do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, durante cerimônia do Dia do Soldado - Xinhua/Lucio Tavora |
Como mostrou a Folha, dados obtidos via Lei de Acesso à Informação com o próprio Ministério da Defesa e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) mostram que os militares só começaram a questionar o sistema eletrônico de votação sob Bolsonaro.
Foram 25 anos de silêncio e concordância com o modelo, que é exemplo no mundo todo, até o despertar para supostas fragilidades que culminaram em questionamentos ao TSE antes da eleição e, depois, no relatório e nas notas em que supostos técnicos das Forças dizem não descartar possibilidade de fraude.
O envolvimento dos militares nas investidas bolsonaristas se deu em dois momentos.
O primeiro deles com a participação de militares integrantes do governo.
Diante do fracasso dessa primeira etapa e da proximidade do período eleitoral —e também com a entrada de Bolsonaro e de seus aliados na mira na Justiça, em especial dos inquéritos relatados por Alexandre de Moraes—, as próprias Forças Armadas e o Ministério da Defesa passaram a atuar diretamente.
Os detalhes dessa atuação inicial dos militares com cargos na gestão federal só foram descobertos devido a investigação ordenada por Moraes para apurar a realização da live de 29 de julho de 2021 em que Bolsonaro fez o até então maior ataque sem provas ao sistema eletrônico de votação.
Naquele momento, Bolsonaro estava com popularidade baixa por causa da pandemia, pressionado pelas investigações de Moraes e com o prazo a estourar para explicar ao TSE quais eram as alegadas provas de suas acusações sobre fraude eleitoral.
Os depoimentos tomados pela Polícia Federal com os envolvidos na live mostram como, desde o primeiro ano de governo, ao menos dois generais do círculo mais próximo de Bolsonaro se valeram de suas posições para buscar informações contras as urnas.
Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria-Geral mas com passagem por Casa Civil e Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, este por meio da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), agiram para golpear o sistema eleitoral, apontam os dados da PF.
Um dos maiores especialistas em urnas da PF, o perito Ivo Peixinho, que foi levado pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, para uma reunião no Palácio do Planalto durante a busca por informações sobre possíveis fraudes, disse em depoimento que a Abin pediu dados sobre o tema ainda em 2019.
Segundo ele, sob o comando de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro e chefiado por Heleno, a agência pediu "informações sobre ocorrências ou atividades envolvendo urnas eletrônicas nas eleições".
Ramos, por sua vez, acionou ainda em 2019 o técnico em eletrônica Marcelo Abrileri, que dizia ter indícios de fraude na disputa de 2014 entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
Abrileri foi chamado a depor e contou ter sido procurado e participado de uma apresentação com integrante do alto escalão do governo sobre o tema numa primeira ocasião em 2019.
Após esse primeiro contato, ele afirmou ter sido novamente acionado pelo general Ramos, entre junho e julho de 2021, por meio de uma ligação que teve participação do próprio Bolsonaro.
Abrileri afirma também que, em seguida, outro militar, o coronel Eduardo Gomes da Silva, responsável por apresentar as suspeitas de fraudes na live, informou estar trabalhando com Ramos "na coletânea das informações" sobre as urnas.
Outro militar que participou da organização da live e, também, de outra realizada dias depois, em 4 de agosto de 2021, foi o coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro. Atualmente ele é investigado por Moraes, entre outros fatos, por transações suspeitas encontradas pela PF.
Após a PF expor o formato da organização da live e a falta de critério das informações utilizadas, o caso entrou na mira da investigação das milícias digitais e, sem conseguir ampliar as suspeitas de fraude, os militares do governo e Bolsonaro recuaram.
A partir desse momento, e já no ano eleitoral de 2022, as Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, chefiado pelo general Paulo Sergio Nogueira, entraram no circuito para produzir os elementos necessários para os bolsonaristas continuarem com os ataques e a disseminação de desinformação.
Antes da eleição, os mais de 80 questionamentos enviados ao TSE e o debate sobre a participação das Forças numa auditoria paralela serviram para pavimentar o caminho até a produção do relatório sobre a segurança do pleito.
Nesse capítulo, a sequência de fatos mostra como a Defesa passou a fazer as vezes desempenhadas até então por Ramos, pela Abin de Heleno e por outros integrantes do governo.
No dia 9 de novembro, após a eleição, o relatório do Ministério da Defesa sobre o processo eleitoral foi divulgado sem apontar nenhuma fraude concreta ou prova de irregularidade. A falta de algo mais assertivo fez os bolsonaristas decepcionados com a derrota continuarem o discurso golpista e atacarem as Forças.
Diante do desgaste com os apoiadores do presidente, uma nota foi publicada pelo general Paulo Sergio Nogueira no dia seguinte, 10 de novembro. O texto tentava se explicar e dizia que o relatório "não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022".
Novamente com suas posições desprezadas pela Justiça Eleitoral e outras instituições, os militares se manifestaram de novo no dia 11. Dessa vez, um texto assinado pelo comando das três Forças, mandava recados, em especial a Moraes, e cobrava atuação do Legislativo para impedir interferência do Judiciário.
Foram 25 anos de silêncio e concordância com o modelo, que é exemplo no mundo todo, até o despertar para supostas fragilidades que culminaram em questionamentos ao TSE antes da eleição e, depois, no relatório e nas notas em que supostos técnicos das Forças dizem não descartar possibilidade de fraude.
O envolvimento dos militares nas investidas bolsonaristas se deu em dois momentos.
O primeiro deles com a participação de militares integrantes do governo.
Diante do fracasso dessa primeira etapa e da proximidade do período eleitoral —e também com a entrada de Bolsonaro e de seus aliados na mira na Justiça, em especial dos inquéritos relatados por Alexandre de Moraes—, as próprias Forças Armadas e o Ministério da Defesa passaram a atuar diretamente.
Os detalhes dessa atuação inicial dos militares com cargos na gestão federal só foram descobertos devido a investigação ordenada por Moraes para apurar a realização da live de 29 de julho de 2021 em que Bolsonaro fez o até então maior ataque sem provas ao sistema eletrônico de votação.
Naquele momento, Bolsonaro estava com popularidade baixa por causa da pandemia, pressionado pelas investigações de Moraes e com o prazo a estourar para explicar ao TSE quais eram as alegadas provas de suas acusações sobre fraude eleitoral.
Os depoimentos tomados pela Polícia Federal com os envolvidos na live mostram como, desde o primeiro ano de governo, ao menos dois generais do círculo mais próximo de Bolsonaro se valeram de suas posições para buscar informações contras as urnas.
Luiz Eduardo Ramos, atual ministro da Secretaria-Geral mas com passagem por Casa Civil e Secretaria de Governo, e Augusto Heleno, este por meio da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), agiram para golpear o sistema eleitoral, apontam os dados da PF.
Um dos maiores especialistas em urnas da PF, o perito Ivo Peixinho, que foi levado pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, para uma reunião no Palácio do Planalto durante a busca por informações sobre possíveis fraudes, disse em depoimento que a Abin pediu dados sobre o tema ainda em 2019.
Segundo ele, sob o comando de Alexandre Ramagem, amigo da família Bolsonaro e chefiado por Heleno, a agência pediu "informações sobre ocorrências ou atividades envolvendo urnas eletrônicas nas eleições".
Ramos, por sua vez, acionou ainda em 2019 o técnico em eletrônica Marcelo Abrileri, que dizia ter indícios de fraude na disputa de 2014 entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB).
Abrileri foi chamado a depor e contou ter sido procurado e participado de uma apresentação com integrante do alto escalão do governo sobre o tema numa primeira ocasião em 2019.
Após esse primeiro contato, ele afirmou ter sido novamente acionado pelo general Ramos, entre junho e julho de 2021, por meio de uma ligação que teve participação do próprio Bolsonaro.
Abrileri afirma também que, em seguida, outro militar, o coronel Eduardo Gomes da Silva, responsável por apresentar as suspeitas de fraudes na live, informou estar trabalhando com Ramos "na coletânea das informações" sobre as urnas.
Outro militar que participou da organização da live e, também, de outra realizada dias depois, em 4 de agosto de 2021, foi o coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro. Atualmente ele é investigado por Moraes, entre outros fatos, por transações suspeitas encontradas pela PF.
Após a PF expor o formato da organização da live e a falta de critério das informações utilizadas, o caso entrou na mira da investigação das milícias digitais e, sem conseguir ampliar as suspeitas de fraude, os militares do governo e Bolsonaro recuaram.
A partir desse momento, e já no ano eleitoral de 2022, as Forças Armadas, por meio do Ministério da Defesa, chefiado pelo general Paulo Sergio Nogueira, entraram no circuito para produzir os elementos necessários para os bolsonaristas continuarem com os ataques e a disseminação de desinformação.
Antes da eleição, os mais de 80 questionamentos enviados ao TSE e o debate sobre a participação das Forças numa auditoria paralela serviram para pavimentar o caminho até a produção do relatório sobre a segurança do pleito.
Nesse capítulo, a sequência de fatos mostra como a Defesa passou a fazer as vezes desempenhadas até então por Ramos, pela Abin de Heleno e por outros integrantes do governo.
No dia 9 de novembro, após a eleição, o relatório do Ministério da Defesa sobre o processo eleitoral foi divulgado sem apontar nenhuma fraude concreta ou prova de irregularidade. A falta de algo mais assertivo fez os bolsonaristas decepcionados com a derrota continuarem o discurso golpista e atacarem as Forças.
Diante do desgaste com os apoiadores do presidente, uma nota foi publicada pelo general Paulo Sergio Nogueira no dia seguinte, 10 de novembro. O texto tentava se explicar e dizia que o relatório "não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022".
Novamente com suas posições desprezadas pela Justiça Eleitoral e outras instituições, os militares se manifestaram de novo no dia 11. Dessa vez, um texto assinado pelo comando das três Forças, mandava recados, em especial a Moraes, e cobrava atuação do Legislativo para impedir interferência do Judiciário.
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