Fernando Canzian
Folha de S.Paulo
O economista Nouriel Roubini, 66, ganhou fama em meados dos anos 2000 ao alertar o mundo, com dois anos de antecedência em discurso no FMI (Fundo Monetário Internacional), para o risco de estouro de uma bolha no mercado imobiliário norte-americano. Isso de fato ocorreu, em 2008, inaugurando um período chamado de Grande Recessão.
Agora, Roubini adverte para o risco de o endividamento das principais economias, sobretudo nos Estados Unidos, levar o mundo a conviver com taxas de juro altas pelos próximos anos. Ele prevê, por exemplo, que a taxa para papéis do Tesouro dos EUA de dez anos suba a 5% ao ano, o que obrigaria emergentes com contas fiscais desajustadas —como o Brasil— a manter juros elevados por mais tempo.
Agora, Roubini adverte para o risco de o endividamento das principais economias, sobretudo nos Estados Unidos, levar o mundo a conviver com taxas de juro altas pelos próximos anos. Ele prevê, por exemplo, que a taxa para papéis do Tesouro dos EUA de dez anos suba a 5% ao ano, o que obrigaria emergentes com contas fiscais desajustadas —como o Brasil— a manter juros elevados por mais tempo.
O economista Nouriel Roubini, 66, em Nova York. - Peter Lueders /Divulgação |
Em pouco mais de uma década, a dívida pública dos EUA saltou quase 30 pontos percentuais, para 123,3% como proporção do PIB (Produto Interno Bruto). O juro no país serve de referência para muitas economias, que precisam pagar um "prêmio" acima da taxa americana para atrair investidores.
Na semana passada, o banco central da Indonésia anunciou um aumento de juros, tornando-se o primeiro a responder à mudança nas perspectivas para as taxas de juros dos EUA. No Brasil, a previsão do Boletim Focus para a Selic subiu de 9,13% para 9,50% no fim de 2024; e de 8,50% para 9% no de 2025.
"É uma má notícia para países que têm altos níveis de dívida em dólares, mas também em moeda local. Mesmo se você estiver pegando empréstimos em moeda local, taxas de juros mais altas nos EUA implicam que sua taxa de juros deve ser mais elevada. Caso contrário, sua moeda pode se desvalorizar", diz Roubini, que ganhou o apelido de "Doctor Doom" (Doutor Apocalipse) pela previsão da crise de 2008. Ele virá ao Brasil em agosto para conferência na programação do Fronteiras do Pensamento.
No início do ano, havia a expectativa otimista de que a inflação global, sobretudo nos EUA, cairia mais rápido. E que as taxas de juro americanas começassem a ceder no primeiro semestre. Esse cenário se provou equivocado. Qual sua previsão sobre as taxas de juros e as consequências de níveis mais altos, sobretudo nos EUA?
Parece que o crescimento econômico nos EUA neste ano permanecerá acima do potencial, em algum lugar entre 2,5% e 3%. No início de 2024, o Fed disse que provavelmente cortaria os juros três vezes neste ano, começando no meio do ano. Mas, dado que a inflação tem sido mais persistente, acho que eles não começam em junho. Será mais tarde, talvez julho ou setembro, algo a ser analisado com base nos dados.
E, em vez de três cortes neste ano, pode haver apenas dois, talvez até um. Algumas pessoas, eu não estou entre elas, dizem que pode não haver corte. Outras, que no próximo ano podemos até ter que aumentar as taxas. Isso é um pouco distante.
Este é um ponto: taxas mais altas por mais tempo. O outro ponto é que o Fed diz que a taxa de juros terminal [de curto prazo] deve ser eventualmente, após todos os cortes, de 2,5%. Mas muitos economistas, incluindo eu, acreditam que a taxa terminal pode ser de 3,5% ou até mais. As taxas reais de equilíbrio ficarão mais altas.
A inflação [americana] pode não chegar a 2%. Então, não só vão começar mais tarde os cortes e ir mais devagar mas podem acabar em 3,5% em vez de 2,5%. E, na parte longa da curva, é provável que a taxa de equilíbrio [de títulos] do Tesouro dos EUA de dez anos, que é a que importa para o resto do mundo, possa estar mais próxima de 5%. Hoje, já está perto de 4,5%.
Qual será a implicação disso para o mundo e emergentes como o Brasil?
É uma má notícia para países que têm altos níveis de dívida em dólares, mas também em moeda local. Mesmo se você estiver pegando empréstimos em moeda local, taxas de juros mais altas nos EUA implicam que sua taxa de juros deve ser mais elevada. Caso contrário, sua moeda pode se desvalorizar.
Em segundo lugar, taxas de juros mais altas nos EUA podem implicar que o dólar permaneça mais forte. Isso leva ao enfraquecimento das moedas de outros países. A dívida pode se transformar em inflação nesses países. E, terceiro, um dólar mais forte implica um preço ligeiramente mais baixo para as commodities.
As commodities podem estar subindo por causa da geopolítica, é claro, mas, controlando a geopolítica, se o dólar estiver mais forte, o preço das commodities pode cair.
Então, eu diria que as consequências desse cenário seriam ruins para países que têm muita dívida privada e pública em dólares, mas também em moeda local. Para países cuja moeda pode se enfraquecer e causar alguma inflação, e para países que são exportadores de commodities, porque isso suavizaria de alguma forma os preços das commodities. Essas seriam as consequências globais desse cenário.
No Brasil, embora estejamos retornando a inflação para perto da meta após a explosão pós-pandemia, enfrentamos um problema fiscal crônico. O governo está abandonando agora as metas que ele mesmo criou para controlar o aumento da dívida. E exportamos commodities. Como o sr. vê as perspectivas para o país?
O Brasil se saiu razoavelmente bem no ano passado, com crescimento de 3%. Acho que há um consenso de que o [desempenho] deste ano será menor, mais próximo de 2%, como algumas previsões otimistas sugerem. Mas, certamente, eu diria que, se esse cenário de taxas mais altas por mais tempo nos EUA se materializar, será um vento contrário para o Brasil.
O Brasil tem seu próprio conjunto de desafios, mas é claro que não são tão graves quanto outros mercados emergentes que estão muito mais frágeis, incluindo alguns na América do Sul. Claro, a situação da Argentina ainda é desafiadora, mesmo que esteja indo na direção certa.
Outros países têm tido fragilidades econômicas de vários tipos, incluindo países menores, como o Equador. Eu diria que os fundamentos gerais do Brasil não são tão ruins em comparação com alguns mercados emergentes mais frágeis.
Mas, como você apontou, o lado fiscal ainda não está sob controle. O Banco Central se saiu bem ao elevar as taxas cedo para combater a inflação, mas mais pressão sobre a moeda não será algo positivo. Definitivamente, um cenário global mais difícil implica que o Brasil tem que fazer mais ajustes macroeconômicos, especialmente no lado fiscal, para enfrentar ventos contrários.
A dívida global dos governos bateu recorde em 2023, chegando a US$ 88,1 trilhões, e o FMI projeta que poucos países farão superávits para diminuir o endividamento. É esperado que, com isso, os juros fiquem mais altos para atrair financiadores das dívidas. Em 2023, o Brasil gastou US$ 140 bilhões [R$ 718 bilhões] em juros. Nosso principal programa social, o Bolsa Família, consumiu US$ 33 bilhões [R$ 170 bilhões]. Nesse cenário, a desigualdade tende a aumentar, certo?
Se olharmos as taxas de juro globais para países seguros como os EUA, a década antes da Covid foi uma em que as taxas estavam próximas de zero, até negativas, como na Europa e no Japão. E as taxas de juros de longo prazo eram baixas, mais próximas de 1% nos EUA, e de zero ou negativas na Europa e no Japão.
Esse foi o período que as pessoas chamaram de estagnação secular, de crescimento fraco, baixa inflação, alta poupança, baixo investimento e, portanto, com taxas de juro nominais e reais de equilíbrio baixas.
Esse mundo, por muitas razões, acabou. Há uma inflação mais alta, há menos poupança global, talvez mais gastos de capital, e as taxas de endividamento são mais altas. Então, mesmo para países seguros como EUA ou Europa, as taxas nominais e reais de equilíbrio serão mais altas.
E, é claro, se você está em um mercado emergente, suas taxas de juros em dólar têm algum spread em comparação com isso, e sua moeda local depende, novamente, das taxas reais, das condições globais e da sua própria inflação doméstica.
Infelizmente, vivemos em um mundo onde as taxas de juros, independentemente do que outros bancos centrais e o Fed fazem, vão ser mais altas. Portanto, há a necessidade de fazer consolidação fiscal para evitar uma maior ampliação dos spreads, para não pagar juros excessivos sobre sua dívida pública.
E, é claro, fazer ajuste fiscal não é fácil. Não é fácil nos EUA e na Europa. Também não é fácil nos mercados emergentes. Você tem que cortar os gastos do governo. Você pode precisar aumentar impostos de maneiras que não causem tantas distorções. E estamos vendo deslizes nesse ajuste fiscal, não apenas no Brasil, em toda a América Latina, nos EUA, na Europa. Então, é um fenômeno global.
A economia política do ajuste fiscal é difícil de fazer. É claro que os mercados emergentes são mais frágeis, porque os EUA podem se dar ao luxo de pegar emprestado mais e mais barato porque têm a moeda de reserva global. Então, há uma demanda por títulos do Tesouro dos EUA, enquanto economias abertas menores, mesmo a Itália, a Grécia ou o Reino Unido, que são avançadas, podem sentir a pressão do mercado, sem falar, é claro, nos mercados emergentes.
Então, o ajuste fiscal é necessário, mas é difícil. E, se você não fizer, é claro, mais será pago em juros sobre a dívida. Menos estará disponível para programas sociais, incluindo aqueles para pessoas pobres.
O sr. citou o dólar como reserva de valor. Os EUA conseguirão manter esse privilégio por muito tempo, de dominar o mercado global com sua moeda e se financiar a um custo menor?
Há muita conversa sobre algum nível de desdolarização, em parte porque os EUA usam o financiamento em dólares [para seus déficits], mas também porque realizam sanções de comércio em termos de segurança nacional e de políticas internacionais. Certamente, as sanções contra rivais dos EUA, como a Rússia e o Irã, os fizeram se distanciar do dólar.
A China tem um problema, porque tem tantos dólares [em suas reservas] que não é fácil diversificar, especialmente se continuar com superávits nas contas externas. Mas até a China pensa em fazer isso. Mas esse é um processo que vai ocorrer lentamente, não da noite para o dia.
Tecnicamente, talvez gradualmente ao longo do tempo seja possível, mas veremos o que vai acontecer. O ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers [1990-2001] disse que não acredita que haverá desdolarização porque não se pode substituir algo por nada. Ele brincou dizendo: a Europa é um museu; a China, uma prisão; o Japão, um asilo; e o bitcoin, por enquanto, um experimento. Então, não está claro qual será a alternativa ao dólar dos EUA.
RAIO-X | NOURIEL ROUBINI, 66
Nascido na Turquia, é economista com doutorado por Harvard, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York e CEO da Roubini Macro Associates, empresa de consultoria macroeconômica global em Nova York. Atuou no Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca e no Departamento do Tesouro dos EUA. É autor de "A Economia das Crises" (2010) e "Mega-Ameaças" (2023).
Na semana passada, o banco central da Indonésia anunciou um aumento de juros, tornando-se o primeiro a responder à mudança nas perspectivas para as taxas de juros dos EUA. No Brasil, a previsão do Boletim Focus para a Selic subiu de 9,13% para 9,50% no fim de 2024; e de 8,50% para 9% no de 2025.
"É uma má notícia para países que têm altos níveis de dívida em dólares, mas também em moeda local. Mesmo se você estiver pegando empréstimos em moeda local, taxas de juros mais altas nos EUA implicam que sua taxa de juros deve ser mais elevada. Caso contrário, sua moeda pode se desvalorizar", diz Roubini, que ganhou o apelido de "Doctor Doom" (Doutor Apocalipse) pela previsão da crise de 2008. Ele virá ao Brasil em agosto para conferência na programação do Fronteiras do Pensamento.
No início do ano, havia a expectativa otimista de que a inflação global, sobretudo nos EUA, cairia mais rápido. E que as taxas de juro americanas começassem a ceder no primeiro semestre. Esse cenário se provou equivocado. Qual sua previsão sobre as taxas de juros e as consequências de níveis mais altos, sobretudo nos EUA?
Parece que o crescimento econômico nos EUA neste ano permanecerá acima do potencial, em algum lugar entre 2,5% e 3%. No início de 2024, o Fed disse que provavelmente cortaria os juros três vezes neste ano, começando no meio do ano. Mas, dado que a inflação tem sido mais persistente, acho que eles não começam em junho. Será mais tarde, talvez julho ou setembro, algo a ser analisado com base nos dados.
E, em vez de três cortes neste ano, pode haver apenas dois, talvez até um. Algumas pessoas, eu não estou entre elas, dizem que pode não haver corte. Outras, que no próximo ano podemos até ter que aumentar as taxas. Isso é um pouco distante.
Este é um ponto: taxas mais altas por mais tempo. O outro ponto é que o Fed diz que a taxa de juros terminal [de curto prazo] deve ser eventualmente, após todos os cortes, de 2,5%. Mas muitos economistas, incluindo eu, acreditam que a taxa terminal pode ser de 3,5% ou até mais. As taxas reais de equilíbrio ficarão mais altas.
A inflação [americana] pode não chegar a 2%. Então, não só vão começar mais tarde os cortes e ir mais devagar mas podem acabar em 3,5% em vez de 2,5%. E, na parte longa da curva, é provável que a taxa de equilíbrio [de títulos] do Tesouro dos EUA de dez anos, que é a que importa para o resto do mundo, possa estar mais próxima de 5%. Hoje, já está perto de 4,5%.
Qual será a implicação disso para o mundo e emergentes como o Brasil?
É uma má notícia para países que têm altos níveis de dívida em dólares, mas também em moeda local. Mesmo se você estiver pegando empréstimos em moeda local, taxas de juros mais altas nos EUA implicam que sua taxa de juros deve ser mais elevada. Caso contrário, sua moeda pode se desvalorizar.
Em segundo lugar, taxas de juros mais altas nos EUA podem implicar que o dólar permaneça mais forte. Isso leva ao enfraquecimento das moedas de outros países. A dívida pode se transformar em inflação nesses países. E, terceiro, um dólar mais forte implica um preço ligeiramente mais baixo para as commodities.
As commodities podem estar subindo por causa da geopolítica, é claro, mas, controlando a geopolítica, se o dólar estiver mais forte, o preço das commodities pode cair.
Então, eu diria que as consequências desse cenário seriam ruins para países que têm muita dívida privada e pública em dólares, mas também em moeda local. Para países cuja moeda pode se enfraquecer e causar alguma inflação, e para países que são exportadores de commodities, porque isso suavizaria de alguma forma os preços das commodities. Essas seriam as consequências globais desse cenário.
No Brasil, embora estejamos retornando a inflação para perto da meta após a explosão pós-pandemia, enfrentamos um problema fiscal crônico. O governo está abandonando agora as metas que ele mesmo criou para controlar o aumento da dívida. E exportamos commodities. Como o sr. vê as perspectivas para o país?
O Brasil se saiu razoavelmente bem no ano passado, com crescimento de 3%. Acho que há um consenso de que o [desempenho] deste ano será menor, mais próximo de 2%, como algumas previsões otimistas sugerem. Mas, certamente, eu diria que, se esse cenário de taxas mais altas por mais tempo nos EUA se materializar, será um vento contrário para o Brasil.
O Brasil tem seu próprio conjunto de desafios, mas é claro que não são tão graves quanto outros mercados emergentes que estão muito mais frágeis, incluindo alguns na América do Sul. Claro, a situação da Argentina ainda é desafiadora, mesmo que esteja indo na direção certa.
Outros países têm tido fragilidades econômicas de vários tipos, incluindo países menores, como o Equador. Eu diria que os fundamentos gerais do Brasil não são tão ruins em comparação com alguns mercados emergentes mais frágeis.
Mas, como você apontou, o lado fiscal ainda não está sob controle. O Banco Central se saiu bem ao elevar as taxas cedo para combater a inflação, mas mais pressão sobre a moeda não será algo positivo. Definitivamente, um cenário global mais difícil implica que o Brasil tem que fazer mais ajustes macroeconômicos, especialmente no lado fiscal, para enfrentar ventos contrários.
A dívida global dos governos bateu recorde em 2023, chegando a US$ 88,1 trilhões, e o FMI projeta que poucos países farão superávits para diminuir o endividamento. É esperado que, com isso, os juros fiquem mais altos para atrair financiadores das dívidas. Em 2023, o Brasil gastou US$ 140 bilhões [R$ 718 bilhões] em juros. Nosso principal programa social, o Bolsa Família, consumiu US$ 33 bilhões [R$ 170 bilhões]. Nesse cenário, a desigualdade tende a aumentar, certo?
Se olharmos as taxas de juro globais para países seguros como os EUA, a década antes da Covid foi uma em que as taxas estavam próximas de zero, até negativas, como na Europa e no Japão. E as taxas de juros de longo prazo eram baixas, mais próximas de 1% nos EUA, e de zero ou negativas na Europa e no Japão.
Esse foi o período que as pessoas chamaram de estagnação secular, de crescimento fraco, baixa inflação, alta poupança, baixo investimento e, portanto, com taxas de juro nominais e reais de equilíbrio baixas.
Esse mundo, por muitas razões, acabou. Há uma inflação mais alta, há menos poupança global, talvez mais gastos de capital, e as taxas de endividamento são mais altas. Então, mesmo para países seguros como EUA ou Europa, as taxas nominais e reais de equilíbrio serão mais altas.
E, é claro, se você está em um mercado emergente, suas taxas de juros em dólar têm algum spread em comparação com isso, e sua moeda local depende, novamente, das taxas reais, das condições globais e da sua própria inflação doméstica.
Infelizmente, vivemos em um mundo onde as taxas de juros, independentemente do que outros bancos centrais e o Fed fazem, vão ser mais altas. Portanto, há a necessidade de fazer consolidação fiscal para evitar uma maior ampliação dos spreads, para não pagar juros excessivos sobre sua dívida pública.
E, é claro, fazer ajuste fiscal não é fácil. Não é fácil nos EUA e na Europa. Também não é fácil nos mercados emergentes. Você tem que cortar os gastos do governo. Você pode precisar aumentar impostos de maneiras que não causem tantas distorções. E estamos vendo deslizes nesse ajuste fiscal, não apenas no Brasil, em toda a América Latina, nos EUA, na Europa. Então, é um fenômeno global.
A economia política do ajuste fiscal é difícil de fazer. É claro que os mercados emergentes são mais frágeis, porque os EUA podem se dar ao luxo de pegar emprestado mais e mais barato porque têm a moeda de reserva global. Então, há uma demanda por títulos do Tesouro dos EUA, enquanto economias abertas menores, mesmo a Itália, a Grécia ou o Reino Unido, que são avançadas, podem sentir a pressão do mercado, sem falar, é claro, nos mercados emergentes.
Então, o ajuste fiscal é necessário, mas é difícil. E, se você não fizer, é claro, mais será pago em juros sobre a dívida. Menos estará disponível para programas sociais, incluindo aqueles para pessoas pobres.
O sr. citou o dólar como reserva de valor. Os EUA conseguirão manter esse privilégio por muito tempo, de dominar o mercado global com sua moeda e se financiar a um custo menor?
Há muita conversa sobre algum nível de desdolarização, em parte porque os EUA usam o financiamento em dólares [para seus déficits], mas também porque realizam sanções de comércio em termos de segurança nacional e de políticas internacionais. Certamente, as sanções contra rivais dos EUA, como a Rússia e o Irã, os fizeram se distanciar do dólar.
A China tem um problema, porque tem tantos dólares [em suas reservas] que não é fácil diversificar, especialmente se continuar com superávits nas contas externas. Mas até a China pensa em fazer isso. Mas esse é um processo que vai ocorrer lentamente, não da noite para o dia.
Tecnicamente, talvez gradualmente ao longo do tempo seja possível, mas veremos o que vai acontecer. O ex-secretário do Tesouro dos EUA Larry Summers [1990-2001] disse que não acredita que haverá desdolarização porque não se pode substituir algo por nada. Ele brincou dizendo: a Europa é um museu; a China, uma prisão; o Japão, um asilo; e o bitcoin, por enquanto, um experimento. Então, não está claro qual será a alternativa ao dólar dos EUA.
RAIO-X | NOURIEL ROUBINI, 66
Nascido na Turquia, é economista com doutorado por Harvard, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York e CEO da Roubini Macro Associates, empresa de consultoria macroeconômica global em Nova York. Atuou no Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca e no Departamento do Tesouro dos EUA. É autor de "A Economia das Crises" (2010) e "Mega-Ameaças" (2023).
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