Uma histórica cidade havaiana que já foi o lar de 13.000 pessoas agora é uma ruína desolada. Com o aumento do número de mortos, o verdadeiro escopo da tragédia ainda está se desenrolando.
Mike Baker
Mike Baker e Philip Cheung relataram de Lahaina, Havaí, depois que a maior parte foi destruída pelo fogo.
The New York Times
Philip Cheung |
Tradução / Nas ruas vazias de Lahaina, cidade devastada por incêndios florestais no Havaí, carcaças retorcidas de veículos parecem congeladas no tempo. Algumas ainda estão no meio da rua, sugerindo tentativas de fuga interrompidas. Outras estão nas entradas de casas agora reduzidas a montes de cinzas, algumas ainda emitindo fumaça.
Mainás piam, agitando-se sobre poleiros apoiados em palmeiras reduzidas a palitos de fósforos. Cadáveres de outras aves e mais animais estão espalhados na rua abaixo deles.
Por toda parte da cidade que antes tinha 13 mil habitantes, moradores voltam pouco a pouco para o que restou de suas casas. Não encontram quase nada que possa ser salvo. Alguns choram enquanto vasculham os escombros.
Em um bairro na encosta do morro queimado em que se vê toda a cidade, Shelly e Avi Ronen remexiam os escombros que restaram de seu lar à procura de um cofre que continha suas economias de US$ 50 mil (R$ 245 mil), abandonado junto com seus demais pertences quando eles fugiram das chamas. Eles se consideram pessoas de sorte por terem conseguido escapar com vida: um homem que morava logo acima deles na encosta não sobreviveu, e vizinhos contaram a eles que várias crianças que saíram para a rua quando o fogo se aproximava agora estão desaparecidas.
"Muita gente morreu", diz Shelly Ronen, com a voz embargada. "As pessoas não conseguiram sair."
Enquanto ela falava, seu marido emergiu dos escombros da casa com o cofre nas mãos, muito chamuscado, mas intacto. Sem ter ideia de onde estava a chave, ele usou uma pedra para esmurrar a porta da caixa até ela se abrir.
Dentro, havia apenas uma pilha de cinzas.
Tudo aconteceu rápido demais, contam os moradores. Um incêndio na mata na manhã da terça-feira (8) foi contido, mas reapareceu à tarde. Alimentado por rajadas de ventos equiparados àqueles de um furacão, o fogo correu morro abaixo e varreu a cidade, atravessando a paisagem ressecada pela falta de chuvas sem que nada o freasse até ele chegar ao mar.
Na praia, onde o fogo finalmente se viu sem espaço para continuar, as ondas lambiam propriedades localizadas em frente ao mar. Poucos elementos permitiam distingui-las como casas, aliás: uma caixa de correio chamuscada, um portão de metal retorcido, um aquecedor de água avistado em meio aos escombros. Um gato cor de laranja que sai de trás da carcaça de um veículo e foge correndo.
Um homem é visto pedalando sua bicicleta pelo bairro, checando as casas daqueles que conhecia. Sem energia elétrica e com cobertura de celular limitada, ele não sabe quantas pessoas morreram. Quando soube que eram dezenas, olhou para o alto e piscou para tentar conter as lágrimas.
Algumas quadras ao norte, passando por prédios escolares eviscerados pelas chamas, a venerável figueira-de-bengala de Lahaina estava ferida, suas folhas chamuscadas e enroladas. Sentado sob sua sombra agora insuficiente estava um idoso chamado Anthony Garcia.
Quando o incêndio chegou, algumas pessoas tiveram só alguns minutos para fugir, correndo em direção a seus carros ou simplesmente o mais rapidamente que conseguiam, enquanto o fogo cuspia brasas sobre suas nucas.
Garcia, 80, conta que estava em um restaurante local, beliscando tortillas e tomando uma cerveja, quando de repente nuvens de fumaça tomaram conta da cidade. Ele voltou para seu apartamento para buscar os remédios, mas percebeu que o tempo não seria o suficiente. Foi se refugiar num campo de beisebol próximo. Por um tempo que lhe pareceu horas, ficou deitado no chão, de barriga para baixo, com a garganta ardendo e sentindo que sua pele estava assando. "Foi como uma tempestade de areia feita de calor intenso e brasas", descreveu.
O fogo o poupou, de alguma maneira. Mas com seu apartamento e todos os seus pertences destruídos, ele está dormindo ao relento, sem saber como prosseguir.
Após o incêndio que se alastrou com velocidade impressionante por Lahaina esta semana, matando pelo menos 67 pessoas, grande parte da pequena e histórica cidade ficou isolada por dias do resto da ilha de Maui devido a queda de linhas de energia e postos de controle da polícia. Sentou-se em desolação solitária, as casas inabitáveis, a busca por vítimas retardada pela falta de pessoal e uma convicção crescente de que ninguém seria encontrado vivo.
Durante séculos, Lahaina tem sido um ponto focal da história e da cultura havaiana, uma antiga capital do reino havaiano e um centro em expansão do turismo moderno que conseguiu preservar seu charme do velho mundo. Era o lar de relíquias vitais que conectavam as pessoas à história indígena da ilha e de um centro de lojas de arte chiques e restaurantes com vistas deslumbrantes.
Agora esses tesouros se foram, substituídos por cenas que moradores e autoridades repetidamente compararam a uma zona de guerra. À medida que os moradores voltam para suas casas, alguns fazem planos relutantes, mas inevitáveis, para uma vida em outro lugar. Com a probabilidade de mais corpos serem encontrados à medida que as buscas continuam, sua cidade se tornou o cenário de um dos incêndios florestais mais mortais do século passado.
Na praia, onde o fogo finalmente se viu sem espaço para continuar, as ondas lambiam propriedades localizadas em frente ao mar. Poucos elementos permitiam distingui-las como casas, aliás: uma caixa de correio chamuscada, um portão de metal retorcido, um aquecedor de água avistado em meio aos escombros. Um gato cor de laranja que sai de trás da carcaça de um veículo e foge correndo.
Um homem é visto pedalando sua bicicleta pelo bairro, checando as casas daqueles que conhecia. Sem energia elétrica e com cobertura de celular limitada, ele não sabe quantas pessoas morreram. Quando soube que eram dezenas, olhou para o alto e piscou para tentar conter as lágrimas.
Algumas quadras ao norte, passando por prédios escolares eviscerados pelas chamas, a venerável figueira-de-bengala de Lahaina estava ferida, suas folhas chamuscadas e enroladas. Sentado sob sua sombra agora insuficiente estava um idoso chamado Anthony Garcia.
Quando o incêndio chegou, algumas pessoas tiveram só alguns minutos para fugir, correndo em direção a seus carros ou simplesmente o mais rapidamente que conseguiam, enquanto o fogo cuspia brasas sobre suas nucas.
Garcia, 80, conta que estava em um restaurante local, beliscando tortillas e tomando uma cerveja, quando de repente nuvens de fumaça tomaram conta da cidade. Ele voltou para seu apartamento para buscar os remédios, mas percebeu que o tempo não seria o suficiente. Foi se refugiar num campo de beisebol próximo. Por um tempo que lhe pareceu horas, ficou deitado no chão, de barriga para baixo, com a garganta ardendo e sentindo que sua pele estava assando. "Foi como uma tempestade de areia feita de calor intenso e brasas", descreveu.
O fogo o poupou, de alguma maneira. Mas com seu apartamento e todos os seus pertences destruídos, ele está dormindo ao relento, sem saber como prosseguir.
"Realmente não sei o que vou fazer", diz. "Estou nas mãos de Deus."
Ali perto, na Front Street, um grupo de bombeiros e operários tentava limpar a rua removendo destroços. Mas poucos conseguiam ultrapassar a pilha de ruínas um pouco a leste dali. Muitos diziam que pouca ajuda estava sendo enviada. Moradores locais faziam o que podiam sozinhos, trazendo garrafas de água em picapes e gasolina por barco. Alguns percorriam as ruas de carro cautelosamente, oferecendo comida e assistência a quem precisasse.
Em um bairro que subia pela encosta do morro queimado, Lanny Daise, 71, estacionou diante da casa construída pelo avô de sua mulher, décadas atrás. Agora ela era uma pilha de metal retorcido sobre alicerces chamuscados. Andando em meio aos escombros, ele parava a todo momento, suspirava e tirava fotos do local com o celular. Não havia nada que pudesse ser aproveitado, exceto duas chaves inglesas.
Duas quadras mais para o alto no morro, Benzon e Bella Dres procuravam suas joias, sem sucesso. A casa que alugavam tinha sido destruída, e eles tinham perdido tudo. Bella usava uma camisa rosa que foi dada a ela pelo gerente do hotel onde ela trabalha. Os dois estavam hospedados temporariamente em outro hotel, onde Benzon é funcionário, mas, sem dinheiro ou pertences, seu futuro era incerto. Eles acabam desistindo de procurar as joias.
Ali perto, na Front Street, um grupo de bombeiros e operários tentava limpar a rua removendo destroços. Mas poucos conseguiam ultrapassar a pilha de ruínas um pouco a leste dali. Muitos diziam que pouca ajuda estava sendo enviada. Moradores locais faziam o que podiam sozinhos, trazendo garrafas de água em picapes e gasolina por barco. Alguns percorriam as ruas de carro cautelosamente, oferecendo comida e assistência a quem precisasse.
Em um bairro que subia pela encosta do morro queimado, Lanny Daise, 71, estacionou diante da casa construída pelo avô de sua mulher, décadas atrás. Agora ela era uma pilha de metal retorcido sobre alicerces chamuscados. Andando em meio aos escombros, ele parava a todo momento, suspirava e tirava fotos do local com o celular. Não havia nada que pudesse ser aproveitado, exceto duas chaves inglesas.
Duas quadras mais para o alto no morro, Benzon e Bella Dres procuravam suas joias, sem sucesso. A casa que alugavam tinha sido destruída, e eles tinham perdido tudo. Bella usava uma camisa rosa que foi dada a ela pelo gerente do hotel onde ela trabalha. Os dois estavam hospedados temporariamente em outro hotel, onde Benzon é funcionário, mas, sem dinheiro ou pertences, seu futuro era incerto. Eles acabam desistindo de procurar as joias.
"Não sobrou nada", diz Bella.
Enquanto se afastavam, passando por vários cabos elétricos caídos, Felina de la Cruz e sua família chegavam a uma casa ali perto, um imóvel com várias unidades no qual viviam 17 pessoas de quatro famílias. Felina diz que, quando eles se mudaram das Filipinas para Lahaina, duas décadas atrás, souberam logo ao chegar que era ali que queriam se estabelecer. Aquela era uma comunidade em que as pessoas cuidavam umas das outras, explica.
O bairro fica na encosta do morro e tinha uma vista pitoresca da cidade, da praia e do pôr do sol. A visão que se tem dali é diferente afora, no entanto: Felina avistou quase dois quilômetros de casas queimadas lá embaixo, a fumaça ainda subindo aos céus e lançando uma névoa sobre a cidade.
Tudo era indefinição. Sem pertences e vivendo em um lugar temporário, onde ela e seu marido iriam com seus três filhos era uma incógnita. Quando alguém poderia viver ali novamente?
Enquanto se afastavam, passando por vários cabos elétricos caídos, Felina de la Cruz e sua família chegavam a uma casa ali perto, um imóvel com várias unidades no qual viviam 17 pessoas de quatro famílias. Felina diz que, quando eles se mudaram das Filipinas para Lahaina, duas décadas atrás, souberam logo ao chegar que era ali que queriam se estabelecer. Aquela era uma comunidade em que as pessoas cuidavam umas das outras, explica.
O bairro fica na encosta do morro e tinha uma vista pitoresca da cidade, da praia e do pôr do sol. A visão que se tem dali é diferente afora, no entanto: Felina avistou quase dois quilômetros de casas queimadas lá embaixo, a fumaça ainda subindo aos céus e lançando uma névoa sobre a cidade.
Tudo era indefinição. Sem pertences e vivendo em um lugar temporário, onde ela e seu marido iriam com seus três filhos era uma incógnita. Quando alguém poderia viver ali novamente?
"É tão triste", ela diz. "Adoro esse lugar. Amo Lahaina. Quero viver aqui. Mas agora não sei."
Mike Baker é o chefe do escritório de Seattle, reportando principalmente do Noroeste e do Alasca.
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