Debate sobre reforma tributária expõe o racha potencial na direita após o ex-presidente ser declarado inelegível
Igor Gielow
"Ontem, muita gente ficou chateada com o Tarcísio, até eu", disse nesta manhã desta quinta (6) o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), durante encontro com o seu mais bem-sucedido apadrinhado em 2022, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP).
Um atônito Tarcísio havia sido jogado aos leões do bolsonarismo, a começar pelo líder da seita, ao tentar explicar sua mudança de posição da véspera, quando concedeu entrevista coletiva ao lado do rival que derrotou na eleição paulista, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), dizendo que apoiaria a votação da reforma tributária.
Tarcísio e Bolsonaro durante formatura de cadetes da PM-SP, na capital paulista, em junho - Zanone Fraissat - 2.jun.23/Folhapress |
Após repetir diversas vezes "deixa eu tentar explicar", ante apupos e interrupções, o governador perdeu a paciência e disse: "Se vocês não acham importante a reforma tributária, não votem", não sem antes dizer que ela vai acabar sendo aprovada sem a chancela de ser uma pauta da direita.
Para completar, Tarcísio teve as imagens imediatamente jogadas na rede por deputados presentes, inclusive repostadas por Eduardo Bolsonaro (PL-SP), o carbonário filho presidencial. O circo estava completo.
O episódio sugere o embrião de um racha na direita brasileira após a decretação da inelegibilidade de Bolsonaro pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que o tirou da disputa em 2026 e 2028. Tarcísio, pela gravidade e musculatura de seu cargo, surge como um presidenciável, ainda que esse não tenha sido o plano inicial do seu principal estrategista político, Gilberto Kassab (PSD).
Secretário de Governo de Tarcísio, o pessedista repete que o ideal é o governador focar em sua gestão, buscar a reeleição e só pensar no Planalto em 2030. Aliados dos dois também citam que o presidente Lula (PT) poderá estar em uma posição forte para 2026.
O problema do acerto é que, por circunstâncias que ainda podem mudar a depender de desenvolvimentos jurídicos, Bolsonaro poderá estar de volta à disputa. Com isso, se não é ainda um cisma inevitável, a briga sobre a reforma tributária antecipa as tensões que desafiam os cálculos de Tarcísio.
Os relatos disponíveis da reunião posterior entre os estremecidos aliados, na qual Bolsonaro o chamou de inexperiente, como de resto já o fizera antes, mostram que há nuvens pesadas no campo da direita. As redes sociais bolsonaristas, rainhas da estridência, já pintam Tarcísio como um traidor, criando hashtags e tal.
Isso deverá acelerar a divisão do grupo, claro. O bolsonarismo não se incomodou em cuspir outros elementos que lhe eram caros quando o ex-presidente assim determinou, como no caso do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub.
Mas há questões de outra natureza. Tarcísio teve um voto colado ao de Bolsonaro em São Paulo: ambos tiveram os mesmos 55% no segundo turno em 2022 no estado. Com efeito, cada sinal de independência emitido pelo governador é seguido por um afago a Bolsonaro, que até hóspede do Palácio dos Bandeirantes já foi.
Bolsonaristas de calibres diversos estão acomodados no governo, e Tarcísio volta e meia trai sua filiação, como no caso da homenagem ao prócer da ditadura Erasmo Dias. Esse morde-e-assopra adotado pelo governador é que está sendo testado nessa primeira crise pública.
Há o fato subjacente de que Bolsonaro não quer submergir na irrelevância. O fato de estar presente na reunião do PL para falar mal da reforma é prova de que ao menos tentará fazer o que nunca soube, liderar grupos políticos fora do palanque e da virtualidade. Ele sabe que, se conseguir disputar em 2030, será mais difícil fazê-lo com Tarcísio ou reeleito ou no Planalto.
Por óbvio, são conjecturas de longo prazo extremado. Mas isso não significa que não estejam sendo feitas, dos dois lados do balcão de uma direita que parece cada vez fadada à divisão. Antes da inabilitação de Bolsonaro por seu golpismo, 32% dos eleitores se diziam na esfera do bolsonarismo, 25% deles de forma convicta, segundo o Datafolha.
Restará saber como esse contingente irá se comportar, em especial com a ausência do nome de Bolsonaro na urna eletrônica que sempre combateu.
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