Patrícia Campos Mello
Ricardo Della Coletta
Um acordo de livre comércio entre Uruguai e China seria a destruição do Mercosul, afirma o chanceler Mauro Vieira às vésperas da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao país sul-americano.
O líder uruguaio, Luis Lacalle Pou, que recebe o petista em Montevidéu na quarta-feira (25), anunciou em julho que estava iniciando o processo de negociação de um tratado comercial com o gigante asiático.
A ideia de flexibilizar o bloco, apoiada por Jair Bolsonaro (PL), foi rechaçada por Vieira à Folha. "Se você negociar fora da Tarifa Externa Comum, destrói a tarifa. Destruir o Mercosul não interessa a ninguém."
Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores do Brasil, no Palácio do Itamaraty, em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress |
Na entrevista, o chanceler também colocou em dúvida o interesse do Brasil no processo de adessão à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), cujo início foi formalizado no ano passado. "O Brasil queria [ser membro da OCDE na gestão anterior]. Precisa ver agora neste governo", disse. "O Brasil foi por muito tempo o maior receptor de investimentos externos sem ser da OCDE."
Em 2015, quando o sr. era chanceler, parecia mais fácil o Brasil ter uma política externa independente em relação à China e aos EUA. Como manter a política externa brasileira independente entre esses dois polos? O Brasil vai se guiar pelo interesse nacional. O que for de interesse nacional será feito, de um lado ou de outro. Não são coisas conflitantes, não vamos deixar de ter uma relação estratégica importantíssima com a China por qualquer outro motivo, sendo do interesse do Brasil como é. Os EUA foram durante um século o principal parceiro comercial do Brasil, de 1910 a 2010. Em 2010, passou a ser a China. Não podemos deixar de conversar e ter relações com nosso maior parceiro, com o qual nós temos um enorme superávit. Da mesma forma com os Estados Unidos, que estão no centro de poder mundial.
A Rússia, um dos países do Brics [grupo também formado por Brasil, Índia, China e África do Sul], está em guerra com a Ucrânia e ameaça utilizar armas nucleares. Isso muda a dinâmica dentro do bloco? A posição do presidente Lula é muito clara: ele reconheceu e condenou a invasão e a conquista de território pelo uso da força, a negação do direito internacional. Ele sempre diz que precisa, neste momento, apoiar ambos os lados para que haja uma negociação efetiva, uma conversa sobre a paz.
O Brasil retomou as relações com o governo Maduro na Venezuela e enviou um encarregado de negócios para reabrir a embaixada em Caracas. De que forma manter o canal de comunicação aberto vai ajudar os cidadãos venezuelanos? Vai ajudar, em primeiro lugar, os cidadãos brasileiros. Há 25 mil brasileiros vivendo na Venezuela. Quando eles têm um filho, precisam de passaporte, precisam viajar à Colômbia. Fechamos três consulados no interior e mais um consulado-geral em Caracas. Quanto a restabelecer um diálogo, você não pode parar de falar com alguém porque a pessoa não concorda com você.
Mas como esse restabelecimento de relações ajuda os refugiados venezuelanos? Na época em que eu era ministro da presidenta Dilma, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas] tinha um mecanismo importantíssimo, uma troika [formada por Brasil, Equador e Colômbia] que viajava constantemente. Fui não sei quantas vezes [à Venezuela] para conversar com o governo. Depois sempre nos encontrávamos com todas as correntes políticas de oposição na Nunciatura Apostólica, que era um espaço neutro. Ouvíamos e levávamos para o governo. O resultado foi a realização das eleições legislativas [de 2015]. Continuaram essas conversas e houve eleições, em que ganhou a oposição. É um resultado concreto.
Mas como esse restabelecimento de relações ajuda os refugiados venezuelanos? Na época em que eu era ministro da presidenta Dilma, a Unasul [União de Nações Sul-Americanas] tinha um mecanismo importantíssimo, uma troika [formada por Brasil, Equador e Colômbia] que viajava constantemente. Fui não sei quantas vezes [à Venezuela] para conversar com o governo. Depois sempre nos encontrávamos com todas as correntes políticas de oposição na Nunciatura Apostólica, que era um espaço neutro. Ouvíamos e levávamos para o governo. O resultado foi a realização das eleições legislativas [de 2015]. Continuaram essas conversas e houve eleições, em que ganhou a oposição. É um resultado concreto.
Mas o chavismo criou um Parlamento paralelo para esvaziar a Assembleia oposicionista. Sim, mas aí ninguém mais conversou. Daí a importância do que o presidente Lula sempre diz: tem que falar e negociar.
Os governos anteriores do PT foram cobrados por não condenar em termos firmes o autoritarismo na Venezuela. Qual será a linha adotada pela gestão Lula 3? Temos que ser pragmáticos e voltar a conversar como sempre. A diferença que há de posições, da forma de tratar os temas, pode ser dita sem problema nenhum. Isso não quer dizer apoio. Você tem que estabelecer canais válidos. Porque quem está no poder, que foi eleito e reeleito, é o presidente Maduro. Você pode criticar, dizer que não foi... Não é só lá que é assim, né? São tantos os países. Agora, lá foi criada uma ficção que não deu certo.
O governo não critica nunca. O presidente já reconheceu em várias ocasiões e já fez críticas, às vezes indiretamente, quando ele se refere a tantos temas que são contrários às coisas que acontecem lá.
A Nicarágua vive uma crise brutal, com presos políticos sem acesso a defesa. Considera o país uma democracia? Não é. Lula já disse várias vezes que é a favor da alternância de poder. Ele conta sempre que, quando estava terminando o segundo mandato, muitos insistiram numa mudança constitucional para que ele pudesse ser candidato de novo. Disse que não, que a perpetuação [no poder] não é democrática.
Qual a posição do Brasil em relação aos abusos de direitos humanos na Nicarágua? Evidentemente nós condenamos. O que for [abuso] claro e comprovado, evidentemente que não vamos apoiar.
O Uruguai está iniciando o processo de negociação de um acordo comercial com a China, separadamente do Mercosul... Não está.
Eles anunciaram que estão... Eles estão conversando. Eles estão anunciando que querem negociar, mas eles têm que ter primeiro a concordância dos outros membros [do Mercosul].
Qual a posição do governo Lula em relação à proposta de flexibilização do bloco? Queremos o tratado de Montevidéu, que diz no parágrafo primeiro que existe uma Tarifa Externa Comum [TEC]. Se você negociar fora, destrói a tarifa. Temos que examinar, porque o Mercosul não é o mesmo da época da [sua] criação. Temos que ver as necessidades de cada um e as assimetrias que existem. Ver o que se pode fazer em termos de algum tipo de concessão. Brasil e Uruguai não têm só uma relação dentro do Mercosul, temos uma relação bilateral direta que é intensíssima. Então precisamos ver, porque destruir o Mercosul não interessa a ninguém. Não interessa à Argentina, não interessa ao Uruguai, não interessa ao Paraguai.
Um acordo comercial entre Uruguai e China destruiria o Mercosul? Tem uma Tarifa Externa Comum… Se eles [Uruguai] negociarem outra coisa, sim. É uma questão do arcabouço legal do Mercosul. Se negociar com tarifas diferentes, se forem [tarifas] mais baixas, as coisas que entrarem nesse país mais baratas —porque pagam menos— circularão nos outros porque há livre circulação [de mercadorias]. Há uma coordenação de política tarifária, nós todos adotamos o mesmo sistema para poder comerciar, exportar e importar também no mesmo pé de condição. Se não, desequilibra.
O sr. destaca em suas falas que o governo defende acordos comerciais equilibrados. Considera o texto negociado com a União Europeia (UE) equilibrado? É sem dúvidas um acordo importante, porque dará acesso aos dois lados: da UE ao Mercosul e vice-versa. Foi muito anunciado que o acordo foi assinado. Não foi assinado, ele foi negociado em nível técnico. Estamos fazendo análises internas para conhecer, [para] depois negociar internamente no Brasil, com os ministérios envolvidos e com os países do Mercosul. E depois voltar e retomar as conversas com a UE. Se a análise dos resultados for positiva, ótimo, é passar adiante. Entendo que há ainda alguns pontos abertos, inclusive do lado da União Europeia.
Entrar na OCDE é uma maneira de trazer investimentos para o Brasil? A OCDE é uma organização com esse objetivo. No ano passado, o Brasil foi convidado a negociar formalmente [seu acesso à OCDE]. Isso é um processo, você tem que adaptar uma quantidade gigantesca de leis aos padrões da OCDE —muitas coisas nós já seguimos. Se houver interesse, você tem que compatibilizar todas essas políticas com os nossos compromissos do Mercosul. Estamos ainda analisando, evidente que é uma organização importante e relevante. Vamos ver tudo à luz do interesse nacional.
O Brasil quer ser membro da OCDE? Queria [na gestão anterior], a gente precisa ver agora neste governo. A OCDE é importante para captar investimentos e tudo, mas o Brasil foi por muito tempo o maior receptor de investimentos externos sem ser da OCDE. E vai voltar a ser. Agora, a OCDE tem qualidades e vantagens. Temos que examinar e ver o que teremos que fazer para adaptar a legislação. É muita coisa, não é pouco. Ver se vale a pena, o que precisa fazer, quanto tempo vai levar.
RAIO-X | MAURO VIEIRA, 71
Os governos anteriores do PT foram cobrados por não condenar em termos firmes o autoritarismo na Venezuela. Qual será a linha adotada pela gestão Lula 3? Temos que ser pragmáticos e voltar a conversar como sempre. A diferença que há de posições, da forma de tratar os temas, pode ser dita sem problema nenhum. Isso não quer dizer apoio. Você tem que estabelecer canais válidos. Porque quem está no poder, que foi eleito e reeleito, é o presidente Maduro. Você pode criticar, dizer que não foi... Não é só lá que é assim, né? São tantos os países. Agora, lá foi criada uma ficção que não deu certo.
O governo não critica nunca. O presidente já reconheceu em várias ocasiões e já fez críticas, às vezes indiretamente, quando ele se refere a tantos temas que são contrários às coisas que acontecem lá.
A Nicarágua vive uma crise brutal, com presos políticos sem acesso a defesa. Considera o país uma democracia? Não é. Lula já disse várias vezes que é a favor da alternância de poder. Ele conta sempre que, quando estava terminando o segundo mandato, muitos insistiram numa mudança constitucional para que ele pudesse ser candidato de novo. Disse que não, que a perpetuação [no poder] não é democrática.
Qual a posição do Brasil em relação aos abusos de direitos humanos na Nicarágua? Evidentemente nós condenamos. O que for [abuso] claro e comprovado, evidentemente que não vamos apoiar.
O Uruguai está iniciando o processo de negociação de um acordo comercial com a China, separadamente do Mercosul... Não está.
Eles anunciaram que estão... Eles estão conversando. Eles estão anunciando que querem negociar, mas eles têm que ter primeiro a concordância dos outros membros [do Mercosul].
Qual a posição do governo Lula em relação à proposta de flexibilização do bloco? Queremos o tratado de Montevidéu, que diz no parágrafo primeiro que existe uma Tarifa Externa Comum [TEC]. Se você negociar fora, destrói a tarifa. Temos que examinar, porque o Mercosul não é o mesmo da época da [sua] criação. Temos que ver as necessidades de cada um e as assimetrias que existem. Ver o que se pode fazer em termos de algum tipo de concessão. Brasil e Uruguai não têm só uma relação dentro do Mercosul, temos uma relação bilateral direta que é intensíssima. Então precisamos ver, porque destruir o Mercosul não interessa a ninguém. Não interessa à Argentina, não interessa ao Uruguai, não interessa ao Paraguai.
Um acordo comercial entre Uruguai e China destruiria o Mercosul? Tem uma Tarifa Externa Comum… Se eles [Uruguai] negociarem outra coisa, sim. É uma questão do arcabouço legal do Mercosul. Se negociar com tarifas diferentes, se forem [tarifas] mais baixas, as coisas que entrarem nesse país mais baratas —porque pagam menos— circularão nos outros porque há livre circulação [de mercadorias]. Há uma coordenação de política tarifária, nós todos adotamos o mesmo sistema para poder comerciar, exportar e importar também no mesmo pé de condição. Se não, desequilibra.
O sr. destaca em suas falas que o governo defende acordos comerciais equilibrados. Considera o texto negociado com a União Europeia (UE) equilibrado? É sem dúvidas um acordo importante, porque dará acesso aos dois lados: da UE ao Mercosul e vice-versa. Foi muito anunciado que o acordo foi assinado. Não foi assinado, ele foi negociado em nível técnico. Estamos fazendo análises internas para conhecer, [para] depois negociar internamente no Brasil, com os ministérios envolvidos e com os países do Mercosul. E depois voltar e retomar as conversas com a UE. Se a análise dos resultados for positiva, ótimo, é passar adiante. Entendo que há ainda alguns pontos abertos, inclusive do lado da União Europeia.
Entrar na OCDE é uma maneira de trazer investimentos para o Brasil? A OCDE é uma organização com esse objetivo. No ano passado, o Brasil foi convidado a negociar formalmente [seu acesso à OCDE]. Isso é um processo, você tem que adaptar uma quantidade gigantesca de leis aos padrões da OCDE —muitas coisas nós já seguimos. Se houver interesse, você tem que compatibilizar todas essas políticas com os nossos compromissos do Mercosul. Estamos ainda analisando, evidente que é uma organização importante e relevante. Vamos ver tudo à luz do interesse nacional.
O Brasil quer ser membro da OCDE? Queria [na gestão anterior], a gente precisa ver agora neste governo. A OCDE é importante para captar investimentos e tudo, mas o Brasil foi por muito tempo o maior receptor de investimentos externos sem ser da OCDE. E vai voltar a ser. Agora, a OCDE tem qualidades e vantagens. Temos que examinar e ver o que teremos que fazer para adaptar a legislação. É muita coisa, não é pouco. Ver se vale a pena, o que precisa fazer, quanto tempo vai levar.
RAIO-X | MAURO VIEIRA, 71
Bacharel em direito pela Universidade Federal Fluminense, foi chanceler durante o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), em 2015 e 2016. Seu último posto antes de voltar à chefia do Itamaraty foi de embaixador na Croácia. Antes, serviu como representante do Brasil junto às Nações Unidas. De 2010 a 2015, foi embaixador em Washington (EUA) e, entre 2004 e 2010, em Buenos Aires (Argentina).
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