30 de junho de 2023

Bolsonaro é declarado inelegível por 8 anos pelo TSE após mentiras e ataques ao sistema eleitoral

Decisão por 5 a 2 deixa ex-presidente fora de eleições até 2030; ex-presidente diz ter levado facada nas costas, e defesa avalia recurso ao STF

Matheus Teixeira
José Marques
Marcelo Rocha

Folha de S.Paulo

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu nesta sexta-feira (30), por 5 votos a 2, tornar Jair Messias Bolsonaro (PL) inelegível por oito anos.

O ex-presidente, que tem 68 anos, somente estará apto a se candidatar novamente em 2030, aos 75 anos de idade, ficando afastado portanto de três eleições até lá (sendo uma delas a nacional de 2026).

Bolsonaro fala com jornalistas em Belo Horizonte - Douglas Magno/AFP

Os ministros Benedito Gonçalves, Floriano de Azevedo Marques Neto, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes votaram para reconhecer o abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação por parte do ex-presidente.

Raul Araújo e Kassio Nunes Marques se manifestaram para livrá-lo da acusação.

A ação julgada teve como foco a reunião em julho do ano passado com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República.

Na ocasião, a menos de três meses da eleição, Bolsonaro fez afirmações falsas e distorcidas sobre o processo eleitoral, alegando estar se baseando em dados oficiais, além de buscar desacreditar ministros do TSE.

O quarto dia de julgamento na corte foi aberto nesta sexta com o voto de Cármen, que seguiu o relator. Depois, Kassio disse que não via gravidade suficiente para condenar Bolsonaro, mas defendeu o sistema de votação.

Em seguida, Moraes, presidente do tribunal, também votou pela inelegibilidade e classificou a reunião de Bolsonaro com embaixadores como um "monólogo eleitoreiro".

Além de ter declarado Bolsonaro inelegível, o TSE decidiu que o caso será encaminhado ao TCU (Tribunal de Contas da União) e a inquéritos criminais em curso no STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar se cabem investigações contra Bolsonaro além da seara eleitoral. A corte de contas pode analisar, por exemplo, se houve uso indevido de prédio público, no caso o Palácio da Alvorada, para realização da reunião com os embaixadores.

A inelegibilidade tira do páreo o hoje principal adversário do presidente Lula (PT) e obriga a direita a construir um nome para herdar o capital eleitoral de Bolsonaro no pleito de 2026.

O ex-presidente disse ter levado uma facada nas costas com a decisão do TSE. "Hoje vivemos aqui uma inelegibilidade. Não gostaria de me tornar inelegível. Na política, essa frase não é minha, ninguém mata, ninguém morre."

Tarcísio Vieira de Carvalho, advogado de Bolsonaro, disse ao deixar o plenário da corte que respeita o resultado do julgamento e avaliará recorrer ao Supremo.

"A defesa recebe com profundo respeito a decisão do tribunal e aguarda divulgação oficial do inteiro teor dos votos e composição do acórdão do julgamento para depois da publicação verificar qual é a melhor estratégia possível, inclusive recorrer ao STF", disse.

Ele evitou fazer comentários sobre a posição dos ministros. "Não é ético a nenhum advogado comentar votos individuais dos ministros e que estratégia correta é aguardar a publicação do acórdão [resultado do julgamento] e verificar se há caminho para recurso."

O julgamento ocorre seis meses após a saída de Bolsonaro do cargo e tem como foco uma ação movida pelo PDT contra a chapa devido a reunião com os embaixadores.

"Ainda podemos dizer que em Brasília há juízes. Ou seja, ratifica-se o parâmetro democrático e não é apenas aqueles mandatários nos rincões que precisam cumprir a legislação eleitoral", afirmou o advogado Walber Agra, um dos representantes do partido.

No julgamento, o TSE decidiu, de forma unânime, rejeitar o pedido de inelegibilidade de Braga Netto (PL), que foi candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022.

Ao longo de seu mandato, Bolsonaro, que foi a 42ª pessoa a exercer a Presidência, buscou desestabilizar o sistema eleitoral em vários momentos, inflamando apoiadores e contestando a confiabilidade da votação sem apresentar indícios nem provas.

Ele levantou suspeitas inclusive sobre o pleito de 2018, que o levou ao Palácio do Planalto, sugerindo vitória mais robusta contra o então candidato do PT, Fernando Haddad, não fosse uma pretensa fraude.

Bolsonaro se utilizou de lives semanais, transmitidas do Palácio da Alvorada, e entrevistas para alardear a tese, replicada por seus aliados nas redes sociais.

Nessas transmissões, promoveu ataques verbais a integrantes do TSE, principalmente contra Moraes.

Em uma das lives, ele e auxiliares divulgaram informações reservadas de uma apuração da Polícia Federal sobre invasão hacker ao sistema eleitoral ocorrida em 2018. A investigação policial e o tribunal não identificaram manipulação de resultados naquelas eleições.

Uma minuta de um decreto golpista para subverter o resultado das eleições, apreendida em janeiro na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, também foi inserida ao processo do TSE, sob protesto da defesa de Bolsonaro.

Em entrevista à Folha no domingo (25), Bolsonaro reconhecia a possível inelegibilidade e disse que, mesmo fora da urna, pretende seguir na vida pública e que tem uma "bala de prata" para 2026 —ele não detalhou o que isso significa.

O ex-presidente fez pressão, porém, para um adiamento do julgamento do TSE, com possível pedido de vista de Raul Araújo ou de Kassio Nunes Marques, indicado por ele ao STF.

Ao defender a punição para Bolsonaro no primeiro dia de julgamento, no dia 22, a representação jurídica do PDT argumentou que houve tentativa de golpe de Estado.

O evento com os embaixadores durou cerca de 50 minutos e foi transmitido pela TV Brasil. Na ocasião, a Secretaria de Comunicação do governo barrou a imprensa, permitindo apenas a participação dos veículos que se comprometessem a transmitir o evento ao vivo.

Corregedor-geral do TSE e relator do caso, Benedito Gonçalves votou na terça para tornar Bolsonaro inelegível, afirmando não ser possível fechar os olhos para discursos antidemocráticos com mentiras e discursos violentos, criticando a banalização do golpismo e destacando a epopeia de ataques do ex-presidente com uso da imagem das Forças Armadas.

O vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet Branco, considerou a reunião com embaixadores como algo grave, com o objetivo de criar desconfiança sobre as eleições e deslegitimar um eventual resultado negativo nas urnas para Bolsonaro.

"O discurso ganhou difusão nacional por meio de televisionamento em TV federal e nas redes sociais. O discurso, portanto, também se dirigiu ao conjunto da população brasileira e não apenas para o corpo diplomático", afirmou na semana passada.

A ação contra Bolsonaro é uma Aije (ação de investigação judicial eleitoral), que pode ser apresentada até a data da diplomação do candidato.

Esse instrumento tem como objetivo apurar condutas que possam afetar a igualdade de disputa na eleição, como abuso de poder econômico, de autoridade ou uso indevido dos meios de comunicação social em benefício de um candidato.

Uma das linhas da defesa de Bolsonaro vinha sendo sustentar que as falas do evento foram feitas enquanto chefe de Estado e como ato de governo, tendo o objetivo de "dissipar dúvidas sobre a transparência do processo eleitoral".

Além disso, alegava que o público-alvo do evento não eram eleitores, mas pessoas sem cidadania brasileira.

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