Fabio Serapião
Folha de S.Paulo
A escalada de violência no Rio de Janeiro tem arrastado o governo federal para uma crise e exposto, mais uma vez, os problemas na segurança pública no estado governado por Cláudio Castro (PL), ex-vice de Wilson Witzel, que perdeu o cargo por suspeita de corrupção em contratos durante a pandemia e Covid.
Nada do que tem ocorrido nos últimos meses, no entanto, é novidade para quem mora ou acompanha a situação nas últimas décadas: crime organizado dominando território, forças de segurança ineficientes, políticos com problemas na Justiça e sem atacar as deficiências estruturais do estado e, de tempos em tempos, o governo federal aparecendo com alguma solução milagrosa.
A última das "balas de prata" implementada foi a intervenção federal de 2018 patrocinada por Michel Temer (MDB). Assim como agora, imagens de criminosos atuando nas ruas sem qualquer pudor levaram o então presidente a acionar os militares.
A ação —que custou R$ 1,2 bilhão e está sob suspeita de desvios apontados pela Polícia Federal— nem sequer conseguiu solucionar um assassinato, o da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrido logo nos primeiros dias.
Desta vez, em 2023, o despertar do governo federal veio após o combo: aumento da letalidade policial e de mortes nas comunidades, ataques a ônibus pela milícia e o suprassumo do Rio com criminosos matando três médicos, investigando e solucionando o caso para depois julgar e punir os envolvidos.
Tudo isso com zero participação do Estado.
Crise posta. O governo federal apareceu e dessa vez sugeriu... o mesmo de sempre: militares atuando no Rio.
A participação se daria para reforçar o patrulhamento em portos e aeroportos, um dos pilares do plano para combate as organizações criminosas que havia sido anunciado, sem maior detalhamento, pelo ministro Flávio Dino (Justiça) dias antes dos assassinatos dos médicos.
Batizada de Enfoc (Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas), a proposta foi apresentada como a solução para o enfrentamento à escalada de violência no país, mas até o momento não se tem notícia de como ela será implementada.
Embora não seja no país, é novidade para o governo Lula (PT) acionar os militares, os mesmos que hoje estão na mira da PF não só por causa de supostos desvios em contratos da intervenção federal de 2018, mas também pela adesão ao governo e ao golpismo de Jair Bolsonaro (PL).
Os mesmos, também, que até esses dias não serviam para a segurança presidencial e foram substituídos por integrantes da Polícia Federal.
Outros pilares da proposta de Dino também passam longe de ser novidade.
O Enfoc do ministro da Justiça prevê também a "integração institucional e informacional" e o "aumento da eficiência das polícias" como diretrizes do plano contra o crime organizado.
No caso do RJ, a integração passaria por um trabalho conjunto, por exemplo, das policias judiciárias, a estadual (Polícia Civil) e a federal (a PF).
Sobre esse tema vale lembrar, para não voltar muito no tempo, que há uma semana a PF fez ao menos duas operações contra policiais civis supostamente envolvidos com o crime organizado. Em uma delas, policiais aparecem negociando propina de R$ 300 mil em troca da liberação de uma carga de 16 toneladas de maconha.
Ainda sobre a Polícia Civil do Rio, necessária para combater a escalada de violência, o governo Cláudio Castro mudou seu comando após pressão de deputados da Assembleia Legislativa.
No lugar de José Renato Torres entrou Marcus Amim, apadrinhado do deputado Márcio Canella (União) que fez campanha ao lado do ex-PM Juracy Alves Prudêncio, o Jura, condenado e preso em 2009 sob acusação de homicídio e associação criminosa.
O Jura é apontado como integrante de uma milícia e sua mulher trabalha até hoje no gabinete de Canella na Alerj.
Na PF, um dos órgãos cujo plano de Flávio Dino prevê mais interação com a Civil do Rio, a nomeação de Amim não foi bem vista. Ela tem como pano de fundo uma investigação da PF que mira o próprio governador Cláudio Castro.
Não fosse Augusto Aras, o Procurador-Geral da República indicado por Bolsonaro, Castro teria se enrolado na Justiça quando seu parceiro de chapa foi alvo da PF.
À época da operação que mirou Witzel, então desafeto de Bolsonaro, a PGR e o Ministério Público do Rio já tinham informações sobre suspeita de corrupção do próprio atual governador.
Uma delação de um empresário apontava para esquemas em que ele teria participado e apresentava até imagens de dinheiro numa mochila que seria destinado a ele. O governador sempre negou participação em corrupção.
Fato é que a PGR segurou a investigação por dois anos por meio da subprocuradora Lindôra Araújo. Nesse período, Flávio Bolsonaro e o clã do ex-presidente contaram com Castro para, por exemplo, indicar seus nomes preferidos para cadeiras importantes, como a de Procurador-Geral de Justiça no estado e a de chefe da Polícia Civil.
Vale lembrar que Flávio Bolsonaro estava enrolado à época com o caso da rachadinha na Alerj. O nome indicado por ele para a Polícia Civil, o delegado Alan Turnowski, foi preso em setembro de 2022 por suspeita de ligação com bicheiros.
Com a chegada de Lula ao governo e saída de Aras da PGR, o caso de Castro voltou para as mãos da PF no Rio.
Ciente de que está na mira, o governador começou a se movimentar.
Contratou advogados para tentar derrubar a delação do empresário que o acusa de corrupção e, para se fortalecer no Legislativo, incluiu o comando da Polícia Civil no balaio de negociações políticas.
Enquanto tanto o governo do estado como o governo federal recorrem a velhas fórmulas fracassadas, não se vê sinal claro de ações no sentido de fortalecimento técnico da Polícia Civil, para evitar a contaminação política, de incremento de pessoal e ferramentas para Polícia Federal no estado ou, o mais importante no longo prazo, de ações que visem suprir as comunidades com serviços básicos que deveriam ser prestados pelo Estado, mas que hoje estão a cargo do crime organizado.
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