21 de janeiro de 2024

Reforma agrária, invasões, massacre de Carajás, CPI; veja a trajetória de 40 anos do MST

Criado em 1984 no Paraná, movimento consolidou reivindicação e se notabilizou com ocupações

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Folha de S.Paulo

Criado em 1984 na cidade de Cascavel, no Paraná, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se consolidou na reivindicação da reforma agrária e se notabilizou pela prática de invasões de latifúndios para o assentamento de famílias, que passam a morar e produzir nos locais.

Ao longo de sua história, o movimento sofreu massacres, como o de Eldorado do Carajás (PA), admitiu ter extrapolado em algumas ações –a exemplo da invasão de fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária)–, apoiou o PT, embora com críticas ao partido no que tange à política agrária, e enfrentou período turbulento durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Veja a seguir a cronologia do movimento, desde os primeiros anos de sua articulação.



Grupo participa de terceiro Congresso Nacional do MST, em 1995 - Débora Lerrer/Coletivo de Acervo e Memória MST

CRONOLOGIA DO MST

Gestação (1979) - Cerca de 110 famílias invadem a fazenda Macali, no município de Ronda Alta, no Rio Grande do Sul. O ato, ocorrido no dia 7 de setembro, é considerado um dos pontos de início da "gestação" do MST.

Ideia de criar o movimento (1982) - Em setembro, seminário da CPT em Goiânia (GO) reúne 22 agentes de pastoral e 30 líderes sem-terra, posseiros, meeiros e arrendatários, de 17 estados. É levantada a ideia da criação de um movimento nacional dos sem-terra, autônomo à Igreja Católica.

Criação (1984) - É criado o MST, durante o Primeiro Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, ocorrido em janeiro, em Cascavel (PR). O evento reúne representantes de 11 estados (RS, SC, PR, SP, MS, ES, BA, PA, GO, RO e AC).

1º Congresso Nacional (1985) - Em janeiro, em Curitiba (PR), o MST realiza seu primeiro congresso nacional. Nele, o movimento elege a primeira direção nacional, com 20 integrantes, sendo dois de cada um dos seguintes estados: RS, SC, PR, MS, SP, RJ, ES, MG, BA e RO. Cerca de 1.500 delegados aprovam a palavra de ordem: "Ocupação é a única solução".

Fracasso na Constituinte (1988) - O MST vê o fracasso das propostas de reforma agrária ao fim da Constituinte. No 4º Encontro Nacional, em Piracicaba (SP), é aprovada resolução que visa eleger o maior número possível de militantes nas eleições municipais de novembro.

Repressão no governo Collor (1990) - Em maio, o MST organiza o segundo congresso nacional, em Brasília. É oinício do governo Collor, e o movimento começa a sentir a repressão. Cerca de 4.000 delegados, de 20 estados, avaliam que é o momento de deixar o isolamento do campo e buscar apoio nas cidades.

Audiência com Itamar Franco (1993) - Em 2 de fevereiro, representantes do movimento são recebidos por Itamar Franco no Palácio do Planalto, na primeira audiência oficial do MST com um presidente da República.

3º Congresso Nacional (1995) - Cerca de 5.000 delegados, no terceiro Congresso Nacional do MST, aprovam o lema: "Reforma Agrária, Uma Luta de Todos".

Massacre de Carajás (1996) - Em 17 de abril, 19 trabalhadores rurais ligados ao MST são assassinados por policiais militares durante a desobstrução da rodovia PA-150, em Eldorado do Carajás (PA). O caso tem repercussão internacional, o que fortalece o nome do movimento.

Livro "Terra" (1997) - Em fevereiro, marcha nacional liderada pelos sem-terra leva cerca de 50 mil pessoas a Brasília. Em 17 de abril, dia da chegada da marcha, é lançado o livro "Terra", com fotos de Sebastião Salgado e textos do escritor português José Saramago, acompanhado de uma canção ("Assentamento") de Chico Buarque.

Onda de invasões (1998) - O MST surpreende ao promover uma onda de invasões a prédios públicos e a pressionar não apenas pela desapropriação de terras, mas também por créditos aos novos assentados da reforma agrária.

Período de refluxo (2000) - Em encontro nacional, define-se que a direção nacional do movimento passa a ser dividida igualmente entre homens e mulheres. No mesmo ano, o governo edita medida provisória que impede a desapropriação de áreas invadidas. Por conta disso, o MST entra em refluxo.

Invasão a fazenda de FHC (2002) - Em março, o MST invade fazenda do presidente Fernando Henrique Cardoso, em Buritis (MG). O governo classifica a ação como terrorista e o PT, de olho nas eleições, também condena a investida. No segundo semestre, o MST atua na campanha de eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

CPI da Terra (2003) - O MST aparece no centro da primeira crise do governo petista. Em maio, numa audiência com líderes sem-terra no Planalto, Lula coloca um boné vermelho do movimento, e a oposição o acusa de ser conivente com as invasões de terra. Para investigar o MST, é criada a CPI da Terra.

Lula recebe bandeira e boné do MST - João Wainer/Folhapress

Recorde de invasões (2004) - No fim de março, o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, declara que "abril vai ser o mês vermelho", numa referência às cores do movimento espalhadas em ações pelo país. A promessa é cumprida. Em abril, o governo registra 109 invasões, sendo 79 delas do MST, um recorde de ações num único mês.

Marcha histórica (2005) - Em maio, para pressionar o governo Lula, 15 mil integrantes do movimento percorrem a pé os 200 km entre Goiânia e Brasília, na maior marcha da história do MST. Em agosto, no auge da crise do mensalão, o MST se une a movimentos sindicais e estudantis e sai às ruas contra a iniciativa da oposição de sugerir o impeachment do presidente petista.

Apoio a Lula (2006) - Apesar da lentidão da reforma agrária no primeiro mandato petista, o MST anuncia apoio a Lula no segundo turno, na disputa contra o tucano Geraldo Alckmin. Em artigo publicado na Folha, João Pedro Stedile afirma que "é preciso barrar a direita e derrotar Alckmin".

João Pedro Stedile, líder do MST, fala durante palestra a membros de movimentos sociais reunidos no acampamento do MST em Brasilia - Lalo de Almeida - 15.abr.16/ Folhapress

Pressão pela reforma (2007) - Após ter poupado Lula durante todo o primeiro mandato, no qual centrou sua pressão na equipe econômica, a cúpula do MST decide mirar seus ataques diretamente no presidente Lula. Um cartaz com a foto do petista é espalhada pelo país: "Por que não sai reforma agrária?".

Carta de Felisburgo (2008) - O MST publica a "Carta de Felisburgo", sobre massacre ocorrido em 2004 na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. O documento descreve a situação dos sem-terra e denuncia o uso de terras devolutas repassadas a empresas para o plantio de eucalipto.

Invasão da Cutrale (2009) - O MST invade a fazenda Santo Henrique, da empresa de sucos de laranja Cutrale, na divisa dos municípios de Iaras e Lençóis Paulista, em São Paulo. Lula se refere à ação como vandalismo, e João Pedro Stedile, presidente do MST, chama o mandatário de mal-informado; o movimento admite ter destruído 3.000 pés de laranja, mas diz que acusações sobre depredação eram armação.

Redução de assentamentos (2010) - O último ano do segundo mandato do governo Lula é marcado pela redução do número de famílias assentadase do número de hectares voltados à reforma agrária.

Ocupação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (2012) - O MST ocupa, em abril, o Ministério do Desenvolvimento Agrário. A reivindicação é por mais assentamentos e punição aos culpados pelo Massacre de Eldorado do Carajás, ocorrido em 1996. O movimento afirma que o ano é o pior para assentamentos desde 1995.

Críticas a Dilma Rousseff (2014) - Lideranças do MST divulgam carta com críticas ao governo de Dilma Rousseff (PT) sobre a política agrária. A carta é entregue à presidente um dia após 30 manifestantes ficarem feridos depois de confronto com a polícia durante marcha que reuniu cerca de 15 mil pessoas em Brasília.

Aumento de invasões (2015) - O MST aumenta o número de invasões. Exemplos são manifestação com mais de mil mulheres que destruíram mudas transgênicas em uma fábrica de papel e celulose em Itapetininga (SP), e no Ministério da Agricultura, em Brasília.

Protestos contra impeachment (2016) - No dia 26 de abril, o MST organiza protestos em ao menos sete estados contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e a favor da reforma agrária. No ano seguinte, o governo de Michel Temer (MDB), visto como golpista pelos manifestantes, não assenta nenhuma família.

Vigília Lula Livre (2018) - O MST participa do Vigília Lula Livre. Organizada por diferentes movimentos populares, a ação acompanhou Lula por 580 dias enquanto ele esteve preso em Curitiba, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Lula foi solto em 8 de novembro de 2019, depois que o STF entendeu que réus só podem ser detidos quando não houver mais recurso pendente.

Recrudescimento da violência sob Bolsonaro (2019) - O MST reduz invasões no mandato de Jair Bolsonaro, eleito pelo PSL, diante dediscurso hostil do então presidente, que prega "receber os invasores de terra à bala". A gestão é marcada pelo aumento de violência contra os sem-terra.

Doação de alimentos (2020) - Na pandemia de Covid-19, o MST interrompe as invasões e inicia campanha nacional de doação de alimentos produzidos nos assentamentos. O movimento diz ter doado mais de 7.000 toneladas de alimentos e 2 milhões de marmitas.

Retomada de invasões (2021) - O MST retoma as invasões, que se resumiram a 14 entre 2019 e abril de 2021. O arrefecimento da pandemia é acompanhado por ações em propriedades de São Paulo, Bahia, Rio Grande do Norte e outros estados.

CPI do MST (2023) - De janeiro a abril, o MST ocupa mais de 30 imóveis rurais. Na Câmara dos Deputados, é instalada uma CPI para investigar as ocupações de terras. Na CPI, João Pedro Stedile admite que o movimento errou ao ter invadido uma fazenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) no dia 31 de julho. A comissão acabou após 130 dias, sem um relatório final.

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