Governo autorizou verbas individuais, mas líderes pedem previsão do dinheiro que Planalto herdou após fim das emendas de relator
Thiago Resende
Mateus Vargas
Deputados e senadores apontam o atraso na liberação de emendas como um dos motivos para as dificuldades do governo Lula (PT) na relação com o Congresso Nacional.
Líderes do centrão demonstram ainda insatisfação com a falta de perspectiva para que o Palácio do Planalto destrave a verba que herdou após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o fim das emendas de relator –principal mecanismo de negociação política no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Apesar das reclamações sobre o ritmo das emendas, os dados do Congresso Nacional mostram que a execução desses recursos tem sido ligeiramente superior ao início da gestão Bolsonaro e ao terceiro ano do mandato do ex-presidente.
De fato, Lula tem dado um fluxo menor, até maio, em relação a 2022 e 2020. Por serem anos eleitorais, há restrições para a liberação de emendas a partir de julho. Por isso, é dada mais celeridade no começo do ano.
Além disso, interlocutores do presidente afirmam que é natural que, no primeiro ano de um novo governo, seja necessário um período para a máquina pública engatar.
A Secretaria de Relações Institucionais, comandada pelo ministro Alexandre Padilha (PT), declarou que "o ritmo de liberação de emendas segue os trâmites ordinários de execução de despesa, de acordo com a execução dos projetos dentro das políticas setoriais de cada ministério".
O governo autorizou, até o momento, R$ 2,7 bilhões em emendas individuais –aquelas que todo deputado ou senador tem direito e que são de execução obrigatória, ou seja, o Planalto precisa autorizar até o fim do ano.
No primeiro ano de Bolsonaro, foram menos de R$ 200 milhões liberados para essas emendas. Porém, em 2022, ano eleitoral, fora mais de R$ 8 bilhões autorizados de janeiro a maio.
Neste primeiro semestre, a articulação política de Lula tem adotado a estratégia de priorizar aliados nas emendas individuais e realizar repasses de emendas que Bolsonaro ainda não quitou.
Nos últimos anos, o Congresso pulverizou bilhões de emendas com tratores, asfalto e repasses para a saúde sem observar critérios técnicos e prioridades regionais.
Como emendas bancam obras e projetos de parlamentares nas bases eleitorais, a execução completa da ação pode demorar mais de um ano. Isso deixa o pagamento da fatura para períodos posteriores.
Integrantes do centrão dizem que o efeito político desses pagamentos de emendas antigas é baixo. Além disso, contestam a burocracia de órgãos do governo Lula, como a Caixa, para aprovação dos projetos de novas emendas.
As novas emendas de 2023 liberadas por Lula até agora são concentradas no Ministério da Saúde, cujo processo para despachá-las é mais simples –repasses são feitos para os municípios.
Desde março, integrantes do centrão questionam como funcionará a distribuição dos R$ 9,8 bilhões de recursos que Lula recebeu após o fim das emendas de relator e que articuladores do Planalto prometem usar como moeda de troca com o Congresso.
O presidente Lula e os ministros Alexandre Padilha (SRI) e Rui Costa (Casa Civil) - Lucio Tavora-10.mar.23/ Xinhua |
Os principais ministérios elaboraram regras para tentar manter o controle sobre parte desse orçamento. Mas, segundo auxiliares do Planalto, ainda não há previsão para o início dos repasses dessa verba, pois a ideia é dar transparência de quais parlamentares e prefeitos foram beneficiados.
Essa quantia de R$ 9,8 bilhões é uma das fatias mais cobiçadas por parlamentares por não colocar um teto de indicações por deputado ou senador.
Apesar de o STF ter decidido que essa verba não deveria se tornar uma moeda de troca nas negociações por apoio ao governo, a gestão petista já prometeu a entrega de uma parte do dinheiro herdado das emendas de relator para ampliar sua base de apoio.
A pasta da Saúde tem a maior fatia (R$ 3 bilhões) do recurso remanescente da verba declarada inconstitucional. Em portaria publicada no dia 4 de maio, o ministério definiu uma série de prioridades.
Técnicos da Saúde afirmam que essa portaria foi editada para tentar não afrouxar o controle sobre a verba.
Para o custeio da atenção primária, por exemplo, a Saúde coloca como prioridades destinar recursos para compra de equipamentos médicos-assistenciais, equipamentos de consultório odontológico, reformas de unidades básicas, entre outras ações.
Os gestores de estados, municípios e do Distrito Federal devem apresentar as propostas de emendas em site montado pelo governo federal.
O Ministério dos Esportes também definiu critérios para liberação dos R$ 200 milhões reservados para a pasta da verba herdada das emendas de relator.
O valor é pequeno comparado ao que está disponível para a Saúde, mas representa quase metade da verba discricionária (que não é usada para pagar salários e outras obrigações) da pasta comandada pela ministra Ana Moser.
Durante a gestão Bolsonaro, as negociações entre Congresso e o governo federal fizeram explodir o valor das emendas parlamentares.
Em 2018, havia cerca de R$ 11 bilhões disponíveis para todos os tipos de indicações de deputados e senadores, valor que subiu para patamar próximo de R$ 40 bilhões por ano durante o mandato de Bolsonaro —quantia que ficou ainda mais elevada no governo Lula 3.
Um dos reflexos dessa alteração é o acúmulo dos chamados "restos a pagar", ou seja, de verbas empenhadas, mas que não foram pagas durante o ano, e sobram para o orçamento seguinte.
Há R$ 32,2 bilhões inscritos nestas sobras de emendas. A decisão do STF sobre as emendas de relator também criou insegurança sobre os restos a pagar do extinto mecanismo de Bolsonaro.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) paralisou diversas obras no fim do ano passado por não saber como usar o recurso que foi classificado como inconstitucional pelo Supremo.
A estatal passou a descongelar essas obras nos últimos dias, depois de o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional publicar uma portaria colocando regras para retomada dessas ações.
Pelo documento, a continuidade das obras depende de uma análise sobre a "conformidade dos contratos".
Os órgãos vinculados ao ministério, como a Codevasf, só podem voltar a executar as emendas que consideram prioridades regionais e que tenham impactos em temas como a segurança hídrica, defesa civil e desenvolvimento territorial.
Entre os contratos descongelados pela Codevasf, estão os de pavimentação executados pela Construservice, empreiteira suspeita de corrupção justamente com verbas da estatal.
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