19 de dezembro de 2018

O risco da ditadura

Se ela voltar, não será por causa de Bolsonaro

José Maria Alves da Silva


Gabinete da Presidência da República, no 3º andar do Palácio do Planalto. Pedro Ladeira/Folhapress

Antes de especular se o evento Jair Bolsonaro coloca a democracia em risco, como tem sido aventado, é preciso saber se o regime político brasileiro condiz com o que se deve entender por democracia. Em caso positivo, faria sentido debater sobre riscos de perdê-la; caso contrário, a discussão não faz sentido, já que não se pode perder o que não se tem.

Portanto, em vez de risco à democracia, é mais apropriado especular sobre risco de ditadura, pois nisso, sim, a história brasileira é rica de experiências. Torço para que não, mas se porventura a ditadura voltar, não o será por causa do "fenômeno Bolsonaro".

Ditaduras não se instalam onde a democracia funciona bem, e infelizmente não é isso o que tem ocorrido no Brasil, já faz muito tempo.

Desde o início da chamada Nova República, nosso regime político tem ficado muito aquém do que, em termos ideais, se pode chamar democracia, entendida esta como forma de Estado na qual o poder político "emana" dos cidadãos, para ser exercido em seu favor, diretamente, ou por meio de seus representantes legítimos.

Na democracia representativa, a vitória eleitoral deve ser um ponto de partida para o alcance responsável de objetivos públicos, sociais e nacionais, não um ponto de chegada de conquistadores do poder para proveito próprio, de seus aliados e "clientes". Não é o que temos visto depois de mais de um quarto de século, desde o fim da última ditadura.

Portanto, a emergência de Jair Bolsonaro não é um fato isolado, mas sim reflexo da tomada de consciência de cidadãos pelo menosprezo recebido dos que venceram as seis últimas eleições presidenciais.

Não foi o voto de fascistas, homofóbicos, trogloditas, chauvinistas etc. que definiu o resultado da última eleição, mas sim o voto de profissionais autônomos e assalariados, produtores rurais, empresários da indústria e comércio, trabalhadores braçais e outras categorias que estão fazendo o que podem para viver e manter suas famílias honestamente, enfrentando dificuldades de toda sorte e riscos crescentes de fatalidades pessoais, por falta de políticas adequadas para o desenvolvimento econômico e social do país.

Numa democracia autêntica, os eleitores devem ser vistos como cidadãos, não como gays, lésbicas, homens, mulheres, negros, brancos etc. A cidadania não tem cor, não tem sexo, não tem gênero; é um direito fundamental de todo aquele que cumpre seus deveres civis, em respeito às leis vigentes, com o direito de se empenhar na sua mudança, quando achar necessário.

Enquanto isso não for bem entendido pelo povo e respeitado pelos políticos, o risco da ditadura será sempre iminente.

Sobre o autor


Doutor em economia e professor titular aposentado da Universidade Federal de Viçosa

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